construção do novo paradigma educacional

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CONSTRUÇÃO DO NOVO PARADIGMA EDUCACIONAL:
CONTRIBUIÇÕES DE MARCUSE PARA A EDUCAÇÃO
Eliane Kiss de Souza1
Elinara Leslei Feller2
Resumo:
O presente trabalho, tema de conclusão da disciplina “A Construção do Campo Educacional:
entre Teorias e Práticas”, do Programa de Pós-graduação, Mestrado em Educação, da UFSM,
ministrada pelo prof. Dr. Amarildo Luiz Trevisan, aborda as contribuições de Marcuse com
suas reflexões sobre a sociedade tecnológica à construção do novo paradigma educacional.
Inicialmente será apresentada uma introdução contendo dados históricos pessoais e
profissionais do autor, seguido das reflexões quanto ao “pensamento unidimensional”, a nova
ideologia da sociedade do artificialismo com seus avanços tecnológicos e a dominação pelo
conformismo, pelas falsas necessidades. Por fim, procura mostrar como essas reflexões
repercutem na escola e na construção de uma nova teoria educacional no contexto de
transição da modernidade à contemporaneidade.
Palavras-chave: Pensamento Unidimensional. Paradigma Educacional. Sociedade Industrial.
Introdução
Herbert Marcuse, filho de judeu, nascido em 1898 em Berlim na Alemanha, ingressou,
em 1933, no Instituto de Pesquisa Social, junto à Universidade de Frankfurt, o qual tinha por
objetivo desenvolver uma teoria social crítica, buscando análise e interpretação da realidade
social.
O filósofo alemão, perseguido pelos nazistas, exilou-se por uma década nos EUA (1942
a 1951). Em 1964, em sua obra “One – Dimensional Man”, traduzido como “A Ideologia da
Sociedade Industrial” faz uma crítica a tecnologia moderna, isto é, as novas formas de
manipulação nas sociedades industrializadas, a partir de seus avanços tecnológicos impondo
uma racionalidade tecnológica, manipulando desta forma o ser humano, submetendo-o a
alienação. De acordo com Marcuse (1979), as grandes empresas de indústria mecanizada
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Pedagoga, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação pela UFSM: [email protected]
Pedagoga, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação pela UFSM: [email protected]
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dominam e definem pelo falso modelo de liberdade de escolha o estilo de vida dos seres
humanos, denominada pelo autor como “mecânica do conformismo”.
Marcuse utiliza em sua obra a expressão “sociedade unidimensional” para nos mostrar
como esse tipo de sociedade manipula as consciências dos seres humanos. Em outras
palavras, os humanos que se encontram inseridos nessa sociedade tecnológica avançada, do
artificialismo, não são autônomos (livres) capazes de opor-se a esse sistema do aparato
tecnológico, mas são autômatos, isto é, seres adaptados ao funcionamento do aparato
industrial. Essa sociedade impõe uma racionalidade tecnológica, que se transforma num
verdadeiro instrumento de controle e dominação do pensamento e do comportamento
humano, isto é, de manipulação das necessidades de consumo voltadas a satisfação humana,
de alienação que leva a degradação social. Apresentando assim, uma teoria crítica a essa
forma de dominação que existe nas sociedades industriais avançadas, chamando atenção ao
compromisso da Filosofia frente a possibilidades alternativas desse desenvolvimento. Deste
modo, pretendemos mostrar as contribuições desta obra à construção do novo paradigma
educacional.
Pensamento Unidimensional
Marcuse (1979) definiu a sociedade industrial avançada como sociedade tecnológica, da
racionalidade institucional, do artificialismo, demonstrando assim, a ideologia imposta, ou
seja, o controle e a dominação sobre as consciências humanas quanto a satisfação de suas
necessidades individuais, alterando a relação entre o racional e o irracional.
Essa sociedade unidimensional desenvolveu um conjunto de valores próprios, gerando o
bem estar do homem, escravizando-o no lazer, no trabalho, em suas necessidades e seus
prazeres, com programas dirigidos. Nesse modo de pensar o ser humano para ser sucedido
precisa adaptar-se ao aparato industrial, consumindo objetos inúteis a partir de falsas
necessidades, definidas como “aquelas superimpostas ao indivíduo por interesses sociais
particulares ao reprimi-lo: as necessidades que perpetuam a labuta, a agressividade, a miséria
e a injustiça" (Marcuse, 1979, p. 26), ocorrendo, assim, uma falsa ilusão de liberdade
individual, pela qual o indivíduo não possui controle próprio quanto ao modo de pensar,
devido a ausência de valores decorrente da alienação. Nesse sentido, o pensamento do ser
humano, imposta pela razão instrumental constitui a ideologia da sociedade tecnológica
avançada. Essas falsas necessidades são determinadas por forças externas, produto de uma
sociedade totalitária, redefinidas pela racionalidade do sistema. O aparato produtivo torna-se
totalitário porque determina tanto as habilidades e atitudes sociais necessárias como as
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necessidade e aspirações individuais.
Nessa sociedade, nesse sistema de controle de produção e consumo padronizado que
transformam o progresso científico e técnico em instrumento de dominação, não há espaço
para a autonomia da razão (o direito a oposição, a autonomia e a independência de
pensamento). Pensando nesses passos, Herbert Marcuse desenvolveu a teoria social crítica
com o objetivo de resgatar a racionalidade crítica do ser humano, isto é, desenvolver a
capacidade de conduzir-se de forma autônoma, superando, dessa forma, a ideologia da
sociedade industrial.
A forte crítica realizada a manipulação em nome da homogeneização, considerada
atrelada ao pensamento unidimensional, abre espaço à escola para buscar construir a
autonomia dos sujeitos envolvidos no processo ensino e aprendizagem.
Escola: Construção do Novo Paradigma Educacional
No atual contexto, transição de paradigmas entre a modernidade e contemporaneidade, a
escola busca construir uma teoria da educação levando em conta a pluralidade cultural.
Enquanto que na modernidade buscava-se a humanização pelos procedimentos técnicos e
mecânicos com a transmissão do conhecimento, pelo ato de depositar, na contemporaneidade
a escola procura incluir sem homogeneização, buscando atender as reivindicações da
pluralidade do conhecimento vinculando-o ao mundo da vida. Para tanto, torna-se relevante
entender, conforme Trevisan “a metamorfose das teorias educacionais contemporâneas
provocadas pelo câmbio dos grandes paradigmas norteadores do conhecimento” (2006, p. 1),
compreender os novos horizontes da cultura, para assim, repensar essas novas “tendências da
educação”.
Percebemos o quanto as reflexões de Marcuse tem contribuído à construção de um novo
tipo de ação pedagógica, pois quando analisamos a filosofia das escolas percebemos o novo
discurso voltado a conscientização numa racionalidade interpretativa, um novo olhar, uma
nova forma de pensar, não mais unidimensional, mas “bi”, isto é, um olhar crítico, capaz de
levar o aluno a compreender a manipulação. Segundo Marcuse,
Esse estilo de pensamento contraditório e bidimensional é a forma
íntima não apenas da lógica dialética, mas também de toda Filosofia
que se preocupa com a realidade”. (...) “A bidimensionalidade do
pensamento filosófico como pensamento crítico e negativo (...)
contradiz a ordem estabelecida dos homens e das coisas em nome das
forças sociais existentes que revelam o caráter irracional dessa ordem
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(...) orientando para reduzir a ignorância, a destruição, a brutalidade e
a opressão”. (1979, p. 133; p.140).
Esse pensamento dialético compreende a tensão crítica entre o “É” e o “DEVE”, entre
as duas dimensões do pensamento (a verdade essencial e a aparente). Passando do caráter
conformista e ideológico ao especulativo e utópico. De acordo com Freire (1980), educar para
a conscientização e transformação da realidade, pela denúncia da realidade e pelo anúncio de
uma nova realidade buscando o pensar certo, assumir-se como sujeitos da história e da cultura
chegar ao “máximo de consciência possível”, nível de consciência do eu, da pessoa, do
cidadão e do sujeito (simultaneamente interligados) que permite a compreensão de si mesmo
como sujeito cognoscente do ato de aprender, capaz de analisar e sintetizar a compreensão da
realidade, da sua posição no mundo natural e cultural. Com a consciência da sua
temporalidade e a sua historicidade o homem liberta-se de sua unidimensionalidade, pois
“pela incapacidade de emergir do tempo, de discernir e transcender, que o faz afogado num
tempo totalmente unidimensional - um hoje constante de que não tem consciência” (Freire,
1980, p. 41).
Para que a escola consiga ser um espaço de construção de formação do cidadão capaz
de exercer sua cidadania de forma plena, necessita construir uma nova forma de organizar seu
trabalho, capaz de romper e mudar o pensamento unidimensional em direção do novo
paradigma de inclusão. Tomando cuidado para que ao apropriar-se desses novos recursos
tecnológicos não esteja sendo manipulada ao consumismo.
As escolas em geral, atreladas ao pensamento unidimensional, para adaptar-se ao ritmo
dos novos tempos, com receio de serem “taxadas” de antiquadas entram no “modismo”, ou
seja, manipulada ao consumismo, passando a adquirir computadores e organizando seus
laboratórios para serem usados como um recurso didático a mais em sua prática pedagógica
para colocar em prática sua filosofia, seu objetivo geral, a proposta pedagógica, enfim um
ensino de qualidade de acordo com as novas exigências da sociedade tecnológica. As
empresas aproveitam essa “onda” e vendem seus “pacotes” de hardware (máquinas) e
software (programas) de última geração.
Como a tecnologia serve para controle social e coesão social, logo a noção de
neutralidade da educação não é mais sustentada, por isso, a escola precisa assumir uma
postura crítico reflexiva frente à implementação desses recursos na viabilização de um novo
projeto educativo. Mesmo que as possibilidades da mediação, da interação e da interatividade
com o uso das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação sejam inéditos, muitas
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vezes é usado como material audiovisual, (por exemplo: computador acoplado ao projetor de
imagem – data show) como complemento as aulas expositivas, não sendo relevantes, tendo a
mesma eficácia que outros meios de mediação no ensino tradicional. Somente equipar a
escola com essa nova tecnologia não significa mudanças, pois pode tanto servir para reforças
a forma de dominação (individualismo, consumismo...) que Marcuse (1979) questiona, como
servir para transformar a prática pedagógica desenvolvendo novas formas de ensinar,
aprender, pensar e construir o conhecimento, colocando em prática o “discurso” novo, o qual,
em geral, “cria mofo” nas gavetas, pois esses documentos são elaborados para cumprir as
exigências burocráticas da legislação, ao invés de servir como orientação e direção do
quefazer3 escolar.
Considerações Finais
As reflexões de Marcuse (1979) nos levam a compreender o objetivo da filosofia prática
e pedagógica, a qual busca com suas reflexões transformar esse pensamento unidimensional
produzidos inconscientemente pela práxis social. De acordo com Goergen (2005), estudioso
da teoria de Habermas4, essa nova práxis pedagógica, teoria educacional que a escola está
construindo nesse período de transição de paradigmas, a teoria da ação comunicativa poderá
reverter a situação de validação das normas e princípios de comportamentos na modernidade
orientados ao êxito, mostrando com essa teoria, a possibilidade de uma razão comunicativa
que permite construir sociedades mais justas e humanas. Possibilitando assim, tematizar
valores para substituir os antigos através de processos de entendimento consensuais. Pois, “as
novas tecnologias, em particular aquelas da comunicação, trouxeram o movimento
permanente, o fluxo, a liquefação dos sólidos. Desfaz-se a rigidez do espaço e do tempo.”
(Goergen, 2005, p. 55). Assim,
O novo modo de encarar o conhecimento diante das mudanças
culturais é o da realização (...) para isso, temos de nos entender com
nós mesmos, com os outros e com o mundo. (...) no mundo dominado
pela comunicação, e a troca de informações e sentidos, saber já não se
resume mais em dominar ou operar simplesmente (...) Buscar a
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De acordo com Freire quefazer é a ação-reflexão-ação sobre seu próprio fazer (a prática educativa, ação
cultural), alcançado mediante a problematização da realidade através da ação dialógica (questionando o puro
fazer escolar, o fazer por fazer, o ativismo).
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Jügen Habermas nasceu em Düsseldorf, no ano em que foi fundada a Escola de Frankfurt (1929). Graduou-se e
tornou-se assistente de Adorno (companheiro da geração de Marcuse, Benjamin e Horkheimer). Em 1961
lecionou Filosofia e Sociologia na Universidade de Frankfurt. De 1968 a 1972 morou em New York. Retornou a
lecionar na Universidade de Frankfurt em 1983. Aposentou-se em 1994. Portanto, Habermas é representante da
segunda geração da escola de Frankfurt.
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harmonia implica, nesse caso, saber se relacionar de maneira ética e
estética (Trevisan, 2006, p. 16).
A partir dar contribuições de Marcuse (1979), Trevisan (2006), Freire (1980) e Goergen
(2005), finalizamos de forma ousada, apontando um pensamento tridimensional para a
concretização da nova teoria educacional que está se construindo. Se o pensamento
unidimensional é de caráter conformista e ideológico, o pensamento bidimensional é de
caráter especulativo e utópico, somente com um pensamento tridimensional de caráter
teórico/prático, de ação, seremos capazes de romper barreiras ainda existentes e transformar a
realidade, ou seja, uma filosofia prática e pedagógica fundamentada na teoria da ação
comunicativa.
Segundo Trevisan, “no paradigma da filosofia da linguagem ou da comunicação o
desafio é superar a incomunicação, as confusões de linguagem, ou como diz Habermas, as
patologias da comunicação que impedem uma relação afetiva com o mundo da vida” (2006, p.
13).
Acreditamos que com o pensamento tridimensional é possível a transposição da teoria
da ação comunicativa à realidade escolar, transformando a sala de aula em uma comunidade
crítica reflexiva buscando a resolução dos problemas pelo consenso argumentativo da
comunicação, passando assim, do paradigma da consciência ao da linguagem, pois o
conhecimento é construído na ação pelo diálogo.
Referências Bibliográficas
GEORGEN, Pedro. Espaço e tempo na escola: a liquefação dos sólidos modernos. In: Revista
da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior. Campinas/SP: UNICAMP,
Ano 10, v.10, n. 2, jun. 2005, p. 47 – 66.
____. Teoria da ação comunicativa e práxis pedagógica. In DALBOSCO, Claudio (et all)
(Orgs.). Sobre filosofia e educação: subjetividade e intersubjetividade na fundamentação da
práxis pedagógica. Passo Fundo: Ed. da UPF, 2004, p. 111–151.
KOWARZIK, Wolfdietrich Schmied. Filosofia prática e pedagogia. In: DALBOSCO,
Claudio A. (Org.). Filosofia prática e pedagogia. Passo Fundo: Ed. da UPF, 2003, p. 60–83.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
MARCUSE H. A Ideologia da Sociedade Industrial: o homem unidimensional, 5. ed.
Editora Zahar, Rio de Janeiro1979.
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TREVISAN, Amarildo Luiz. Paradigmas da Filosofia e Teorias Educacionais: novas
perspectivas a partir do conceito de cultura, 2006.
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