CLASSES DE PALAVRAS: AUTONOMIA LINGUÍSTICA E ENSINO Contributos para a caracterização linguística e a abordagem pedagógica do nome Celda Morgado Choupina José António Costa ESE/IPPorto Santarém Dez 2010 II Encontro Internacional do Português Novos desafios no ensino do Português Plano 1. As classes de palavras nos documentos oficiais 2. As classes de palavras: argumentos para a autonomia 3. O Nome: contributos para uma caracterização linguística 4. Propostas de actividades 1 Classes de palavras nos documentos oficiais Nomenclatura de 67 – domínio da Morfologia Flexão de Palavras Categorias Gramaticais Classes de Palavras Substantivos Artigos Adjectivos Numerais Pronomes Verbos Advérbios Preposições Conjunções Interjeições (Portaria nº 22664) 1 Classes de palavras nos documentos oficiais TLEBS (Portaria de 2004) – domínio autónomo (B.3.) B3.1) Palavra Variável B3.2) Palavra Invariável Adjectivos Verbos Nomes Pronomes Determinantes Quantificador Preposição Advérbio Conjunção Interjeição B3.3) Classe Fechada B3.4) Classe Aberta de Palavras 1 Classes de palavras nos documentos oficiais TLEBS (Revisão de 2007) – permanece autónomo (B.3.) Itens lexicais Palavra Locução B.3.1. Classe aberta de Palavras Nome, Verbo, Adjectivo, Advérbio e Interjeição B.3.2. Classe Fechada de Palavras Pronome; Determinante; Quantificador; Preposição; Conjunção Nota: as noções de palavra variável e palavra invariável foram integradas na morfologia Dicionário Terminológico (2008) – permanece autónomo (B.3.) Segue a organização da TLEBS Os Novos Programas de Português seguem também este documento 2 Classes de palavras: argumentos para a autonomia Definição do DT (2008) Conjunto das palavras que, por partilharem características morfológicas, sintácticas e/ou semânticas, podem ser agrupadas numa mesma categoria As classes de palavras não podem ser estabelecidas apenas com base em critérios morfológicos, uma vez que há classes que não se distinguem morfologicamente, como por exemplo as preposições e as conjunções Nem sempre as classes de palavras tiveram esta designação. Aristóteles chamalhes partes do discurso. Surgem, igualmente, as expressões categorias gramaticais e categorias sintácticas. 2 Classes de palavras: argumentos para a autonomia A definição do DT resulta da tomada de consciência de que há vários aspectos linguísticos a considerar na caracterização das classes de palavras, seguindo a perspectiva enunciada por diferentes autores. “(…)a relação junta palavras de natureza e funcionalidade bem diferentes com base em critérios categoriais, morfológicos e sintácticos misturados. E o elemento que as diferencia são os diversos significados que lhes são próprios”. “Uma categoria gramatical não pode ser caracterizada apenas por meio do significado categorial genérico: exigese também uma caracterização formal. (…) Os critérios usados normalmente para classificar as categorias gramaticais são de natureza semântica, morfológica e sintáctica. (…) Parece que o melhor critério é o que combina os aspectos sintácticos com os formais e semânticos”. Evanildo Bechara (1999: 109) Mário Vilela (1999: 55, 56 e 59) “A prova deste esbater de fronteiras é a própria noção de classe de palavras. Basta mostrar que a definição de uma classe de palavras como a do verbo não é feita exclusivamente por referência a uma ou outra área da gramática, mas a várias”. Celda Choupina, Carla Guedes, Ana Maria Brito (2010) 2 Classes de palavras: argumentos para a autonomia Aos aspectos gramaticais até aqui enunciados juntam-se elementos de natureza textual e discursiva, resultantes da investigação efectuada no âmbito da Linguística Textual. “La tâche de la linguistique textuelle est de définir les grandes catégories de marques qui permettent d’établir ces connexions qui ouvrent ou ferment des segments textuels plus ou moins longs. Ces marques ne recoupent que partiellement les catégories morpho-syntaxiques définies dans le cadre de la linguistique de la langue”. Jean-Michel Adam (2005: 37) 2 Classes de palavras: argumentos para a autonomia Existem, assim, vários critérios para agrupar as palavras em classes, pelo que a sua abordagem será mais vantajosa se forem consideradas informações: morfológicas sintácticas semânticas pragmáticas e discursivas Estes critérios serão ilustrados na caracterização linguística do Nome 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Critérios morfológicos e sintácticos Os dados morfológicos são aqueles que há mais tempo surgem associados à caracterização do Nome: O Nome flexiona em número A investigação mostra, contudo, que outras características dos nomes decorrem de critérios morfológicos, sintácticos e lexicais: O Nome varia em género e em grau 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Critérios sintácticos A distribuição (“soma dos contextos sintácticos em que cada palavra ocorre num corpus representativo” – Duarte e Brito, 1996: 255) é um outro critério a considerar: O Nome é núcleo do Grupo Nominal O Nome pode combinar-se com outras classes, como adjectivos e determinantes O Grupo Nominal tem uma função sintáctica na frase O Nome pode seleccionar complementos Duarte e Brito (1996) sustentam que há critérios distribucionais que permitem caracterizar as classes de palavras: os elementos da mesma classe não são concatenáveis, são substituíveis por elementos da mesma classe e a sua posição na frase permite resolver ambiguidades criadas pela homonímia de certos termos. 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Palácios, cãezinhos e palacetes! Era uma vez um palacete que tinha um sonho: crescer e vir a ser um palácio! Veio a perceber-se que este sonho era impossível de realizar, pois quem o tinha mandado construir não passava de um velhote de bigodinho tolo que em tempos fora um ricaço e de quem se perdera o rasto. O palacete vivia um verdadeiro dramalhão – queria tanto dar nas vistas! Foi então que surgiu um cãozinho, de pata rápida e namorada dengosa, que, ao olhar para o palacete, exclamou: – É aqui que vamos viver! Olha-me lá para este casarão! A cadelita suspirou, comovida, e o cãozinho, animado com aquela reacção, fez-se logo amigalhaço do canzarrão de guarda do palacete. Juntos empurraram o portão, e lá entrou o casal. Para a boda foi convidada toda a matilha, e diz quem foi lá que foi uma festança! E nunca mais se ouviu o palacete no seu queixume – sentia-se um verdadeiro palácio! Margarida Fonseca Santos, Chamem-lhes nomes grau e género recategorização núcleo do GN combinação com outras classes 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Critérios semânticos A nível semântico, consideram-se aspectos da relação entre os nomes e o mundo: O Nome designa entidades, individuais ou não A análise semântica privilegia, ainda, as estruturas em que o Nome se integra, numa perspectiva composicional: O Nome pode desempenhar diferentes funções temáticas O Nome pode seleccionar argumentos “Os nomes são categorias linguísticas caracterizáveis semanticamente por terem um potencial de referência, isto é, por serem, em geral, utilizados numa situação concreta de comunicação, com uma função designatória ou de nomeação.” (Duarte e Oliveira, 2003: 210) 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Critérios pragmáticos e discursivos Os contributos da Linguística Textual permitem compreender os valores que os nomes assumem na projecção dos textos em que ocorrem: O Nome permite introduzir referentes/personagens O Nome permite efectuar retomas anafóricas 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Nomes próprios: designadores rígidos – expressões referenciais que identificam de maneira única uma entidade. características de comportamento linguístico: não têm alteração de número: “Parece que a clara do ovo, farta de andar distribuída por todos os ovos que proliferam por aí, fugiu e tornou-se no nome de uma miúda toda gira, a Clara.” Margarida Fonseca Santos, 2009:24 ex: Na manhã seguinte, Sofia foi com a turma da escola visitar o Convento de Cristo. (Convento de Cristo, 2007:10) não podem ser modificados: ex: a) “O rei Eolo, furioso com a desobediência deles, não os quis receber, nem sequer ver.” (Ulisses) b) *O rei Eolo furioso… tipicamente não têm determinante: ex: “Chamava-se Polifemo e tinha um mau génio horrível.” (…) É verdade que o Polifemo depois arrependia-se, mas o mal já estava feito.” (Ulisses) não surgem em posição predicativa: ex: O Manuel é o Picasso da turma. (recategorização) 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Nomes comuns – não têm referência rígida, apenas têm significado quando em contexto (pelo menos num contexto) características de comportamento linguístico: têm alteração de número (flexão): ex: a) O rei do Sião tem um palácio com um telhado de oiro e na China há torres de porcelana – disse uma andorinha. b) O rei do Sião tem dois palácios com uns telhados de oiro. podem ser modificados: ex: “E levantaram as suas tendas de dez anos, cavalos verdadeiros.” (Ulisses) tipicamente têm determinante ex: a) “E lá se foram todos embora para as suas cavernas longe.” (Ulisses) b) E lá se foram todos embora para as /aquelas/umas cavernas longe. podem ocorrer em posição predicativa: ex: Isto é uma cadeira. 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Nomes contáveis: referem entidades discretas que se podem contar. Ex: uma, duas, muitas, poucas… cadeiras/ mesas/ casas Algumas características de comportamento linguístico: Podem co-ocorrer com numerais e indefinidos ex: “Oriana, antes de entrar, apanhou do chão três pedrinhas brancas.” ( A fada Oriana) Requerem, em geral, um determinante ex: comprei uma cadeira/ *comprei cadeira Formam complementos preposicionados com determinante Ex: comprei uma mobília com cadeiras/com uma cadeira/*com cadeira 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Nomes não contáveis: referem entidades não delimitadas, que apenas se podem medir. Ex: água; arroz; areia – uma garrafa de água Algumas características de comportamento linguístico: Podem co-ocorrer com quantificadores indefinidos não cardinais ex: muita água, pouco arroz, bastante areia. Não requerem determinante ex: O João bebe água. Constroem-se sem determinante no singular como complemento verbal ex: Ele construiu a casa com areia. ex: a) “Abriu a lata do café e disse: - Não tenho café.” (A fada Oriana) b) Não tenho muito café. c) *Não tenho dois cafés. 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Nomes contáveis vs não contáveis Propriedades Nomes contáveis Nomes não contáveis -podem contar-se -podem medir-se -não são cumulativos -são cumulativos -não são divisíveis -são divisíveis 3 O Nome: contributos para uma caracterização linguística Subclasses do nome na TLEBS (2007) e no DT: Nome próprio Nome comum Contável (lápis) Não-contável (água) Nome colectivo Nota Perdem-se os conceitos de: Contável (duas alcateias) Animado vs não animado Não-contável (*duas faunas) Humano vs não humano (TLEBS, 2004) 4 Propostas de actividades Pressupostos: “A noção de gramática que interessa explorar ao nível didáctico é uma concepção modular, abrangente, que contemple os vários níveis de funcionamento linguístico, sem que a questão das fronteiras entre áreas importe muito a nível didáctico”. Celda Choupina, Carla Guedes, Ana Maria Brito (2010) “Para efeitos pedagógicos, o ponto de partida semântico parece ser o mais proveitoso, uma vez que os níveis comunicativos são, numa primeira abordagem, de difícil acesso”. Mário Vilela (1999: 60) “As actividades que o professor tem de proporcionar às crianças podem e devem ser de vários tipos e podem e devem abranger as várias áreas da gramática”. Duarte (2008: 18) 4 Propostas de actividades 1. Coloque um asterisco (*) nas frases que considere mal construídas. (1) O Açor é um arquipélago transcontinental e um território autónomo da República Portuguesa. (2) Os atletas Licínio Pimentel e Jéssica Augusto ganharam este Domingo a 29.ª edição do Crosse de Torres Vedras. (3) Os atletas Licínio Pimentel e Jéssica Augusto ganharam este Domingo a 29.ª edição do Crosse de Torre Vedra. (4) Os Portos foram a capital da cultura europeia em 2001. (5) A Europa é um dos seis continentes do mundo. 1.1. Indique a razão da sua escolha. 4 Propostas de actividades 2. Leia atentamente as seguintes frases. (1) “Ele estava tão entretido a aparar um tronco de árvore para fazer uma flauta, como é hábito os pastores fazerem de palhinhas, que nem deu por eles.” (Ulisses) (2) “No alto das montanhas dos Andes há cidades abandonadas, onde só vivem águias e serpentes – disse outra andorinha.” (A fada Oriana) (3) “Os homens, os animais e as plantas da floresta precisam de mim.” (A fada Oriana) 2.1. Coloque os nomes sublinhados no plural. 2.2. Ponha no singular todos os nomes que encontre nas frases, mantendo-as gramaticais. 2.3. Diga o que se pode concluir acerca do nome Andes. Justifique a sua resposta. 4 Propostas de actividades A solidária Deborah Secco 3. Leia atentamente o texto seguinte. 3.1. Indique o masculino das palavras sublinhadas. 3.2. A que conclusões chega sobre a variação em género em português. 3.3. Considerando as expressões enorme talento e coração solidário, o que pode dizer sobre a relação entre os nomes e outras classes. 3.4. Aplique as formas muito, vários, doisterços, alguns, pouco aos seguintes nomes presentes no texto: talento, madeixa, diamante. Construa sempre sequências gramaticais. Conhecida pelo seu enorme talento na arte da representação, a brasileira Deborah Secco tem também um coração solidário. A atriz, de 29 anos, aceitou doar uma madeixa de cabelo para que seja transformada numa joia. O cabelo da mulher do jogador Roger (ex-Benfica), será submetido a um procedimento que o transformará num diamante artificial e cujos lucros da venda reverterão a favor do Instituto Brasileiro de Controlo de Cancro. Aliás, esta foi uma decisão muito fácil de tomar, visto que Deborah revelou à imprensa brasileira ter uma "relação desinteressada" com o seu cabelo. Data: Domingo, 30 Agosto de 2009 - 3:50 http://www.record.xl.pt/noticia.aspx?id=29cc9fcc-5d6a-447f-8d7e-05bf06ee072c&idCanal=00002477-0000-0000-0000000000002477 (acedido em 06/02/10) Referências bibliográficas Brito, A. M. (2003). “Categorias sintácticas”. In Mateus, M. H. et al. (2003). Gramática da Língua Portuguesa. 5.ª ed. Lisboa: Caminho. Costa, J. (2007). “Conhecimento gramatical à saída do ensino secundário, estado actual e consequências na relação com leitura, escrita e oralidade”. In Actas da Conferência Internacional sobre o Ensino do Português. Lisboa: ME e DGIDC. Duarte, I. (2008) O conhecimento da língua: desenvolver a consciência linguística, PNEP, DGIDC. Oliveira, Fátima (2006). “Sobre semântica lexical e semântica frásica na terminologia para os ensinos básico e secundário”. In Duarte, I. M. e Figueiredo, O. (orgs.) (2006). Terminologia Linguística: das teorias às práticas. Actas de um Encontro. Porto: FLUP. Villalva, A. (2000). Estruturas Morfológicas. Unidades e Hierarquias nas Palavras do Português. Lisboa: FCG/FCT