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Marcos Câmara
jan|abr|2002
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Fazenda experimental de
artêmia aponta potencial das
salinas brasileiras
Pesquisas encontram “solo fértil” no Rio Grande do Norte; projeto será unidade piloto
para os testes de viabilidade da tecnologia desenvolvida no país
Patrícia Domingues de Freitas
O Brasil produz, anualmente,
cerca de duas toneladas de
cistos de artêmia, microcrustáceo considerado imprescindível na dieta de certos organismos aquáticos cultivados, como
os peixes e camarões. Essa
produção, decorrente exclusivamente de atividades extrativistas (produtividade natural,
sem a utilização de técnicas de
manipulação dos processos
reprodutivos), corresponde ao
consumo mensal de alguns
setores da aqüicultura brasileira.
Em 2000, o Brasil consumiu 20
toneladas de cistos de artêmia,
apenas na atividade de cultivo
de camarões. Para os próximos
anos, com a expansão prevista
da área de cultivo das fazendas
de camarão brasileiras, esse consumo deverá alcançar 80 toneladas anuais em 2003, e 120
toneladas até o final da década.
Como alternativa para atender o mercado interno, devido
principalmente aos altos preços
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do mercado internacional e à
crescente demanda, um projeto
de implementação de uma fazenda experimental de cultivo
de artêmia está sendo desenvolvido na região de Grossos, no Rio
Grande do Norte, por meio de
uma parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), o Programa Brasileiro de Intercâmbio em
Maricultura (financiado pela
Agência Canadense para Desenvolvimento Internacional, por
meio de um consórcio entre universidades canadenses e brasileiras) e a Associação Brasileira de
Criadores de Camarão (ABCC).
A implantação da fazenda
está sendo feita com base nos
estudos desenvolvidos na UFRN
sobre a biologia da artêmia, em
especial da espécie Artemia
fransiscana, proveniente de São
Francisco (Califórnia, EUA). O
projeto, além de ter como objetivo demonstrar a viabilidade
econômica do cultivo de
Implantação da
fazenda está sendo
feita com base em
estudos sobre a
biologia da artêmia
desenvolvidos na UFRN
artêmia, visa estabelecer uma
unidade piloto para a validação
da tecnologia desenvolvida no
Brasil.
Por quê cistos?
O cisto de artêmia consiste em
um estágio latente do desenvolvimento do animal, decorrente de
um mecanismo fisiológico de
adaptação que lhe garante a
sobrevivência em condições extremas de temperatura, salinidade
e oferta de oxigênio. Em 1947,
Alvin Seale, do aquário de
Steinhart, em São Francisco (EUA),
descobriu que o cisto (forma
encapsulada decorrente da
interrupção do desenvolvimento
embrionário), quando armazenado adequadamente, permanece
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viável por vários anos, retomando
o seu desenvolvimento normal
após incubação com água do mar
por aproximadamente 24 horas. A
partir de então, cistos de artêmia
passaram a ser comercializados e
distribuídos para diferentes
centros de aqüicultura e
aquariofilia no mundo.
A principal vantagem da
utilização de artêmia na larvicultura de peixes e camarões é
Projeto traz, além das
conseqüências
socioeconômicas,
aumento da
biossegurança
que, a partir de um material aparentemente inerte (cisto), é
possível obter alimento vivo (a
larva de artêmia recém-eclodida
após contato com água do mar).
Além disso, os cistos, uma vez
processados em salmoura, podem ser armazenados por várias
semanas, ou até mesmo anos,
quando em embalagens a vácuo
ou atmosfera de nitrogênio.
A forma encistada da artêmia é
comumente encontrada em
ecossistemas aquáticos de alta
salinidade, que ocorrem naturalmente em países como Estados
Unidos, Argentina, Colômbia,
Canadá, Austrália, França e China.
Na década de 50, as fontes
comerciais do produto eram
restritas às salinas da baía de São
Francisco (Califórnia, EUA) e do
Grande Lago Salgado (Utah, EUA).
Apesar de diferentes fontes
terem surgido posteriormente, o
Coleta de cistos
Marcos Câmara
maior fornecedor continua sendo
o Grande Lago Salgado, que
atende cerca de 90% do mercado
mundial. O Grande Lago Salgado
é um lago altamente salino, com
dimensões enormes, o que
garante sua alta produtividade.
Entretanto, nas duas últimas
décadas, variações no clima e na
salinidade ocasionaram uma
significativa flutuação nas colheitas produzidas.
Além dos cistos, os indivíduos
adultos de artêmia também são
umimportante insumo utilizado
na alimentação complementar
durante algumas etapas do
cultivo de camarão.
Com o crescimento exponencial da aqüicultura, devido
principalmente ao aumento da
demanda por alimento e à alta
lucratividade de alguns setores
aqüícolas, o consumo mundial de
artêmia aumentou expressivamente, ocasionando aumento no
preço do insumo, que passou de
US$ 10/ kg, no início dos anos 50,
para US$ 100/ kg, em 2001.
No Brasil, a artêmia não é
nativa: o microcrustáceo foi
introduzido em meados dos
anos 70, no município de Macau
(RN), como resposta a seu uso
crescente na aqüicultura. Através de pássaros aquáticos e de
disseminações realizadas pelo
vento e pelo próprio homem, a
artêmia se dispersou por toda a
região salineira do Rio Grande
do Norte. O país começou a
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Dentre os crustáceos, classe de animais
predominantemente aquática, portadora de um
exoesqueleto calcário e cabeça e tórax fundidos em uma
estrutura denominada cefalotórax, podemos encontrar os
caranguejos, as lagostas, os camarões e as artêmias. As
artêmias são crustáceos de tamanho diminuto (alcançam
cerca de 1 cm de comprimento quando adultos) que
conseguem sobreviver em ambientes com ampla variação
de temperatura (4 oC a 37 oC) e salinidade (5 g/L e 250 g/L).
Além disso, esse microcrustáceo, conhecido popularmente
como camarão de salmoura, pode viver em baixas
concentrações de oxigênio dissolvido na água (até 1 mg/L).
A reprodução pode ser por ovoviparidade
(produzindo larvas) ou por oviparidade (produzindo
cistos). A oviparidade manifesta-se quando as condições
ambientais não são favoráveis. A espécie, para garantir
sua manutenção, mantém o embrião em estado de
diapausa (pausa no desenvolvimento embrionário na
fase avançada de blástula ou incipiente de grástula).
Quando as condições ambientais retornam à
normalidade, os embriões retomam o seu desen-
comercializar e exportar o
produto a partir da década de
80, para países como os EUA e o
Japão.
Alternativa
O projeto de implantação e
operacionalização da unidade
piloto para o desenvolvimento de
pesquisas na área de produção de
cistos e biomassa (indivíduos
adultos) de artêmia está sendo
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volvimento e eclodem
sob a forma de larvas
(náuplios).
Marcos Câmara
Microcrustáceo sobrevive em
condições adversas
Náuplio: primeira fase
de desenvolvimento da
artêmia após a eclosão
O modo reprodutivo ovovíparo, por sua vez, consiste
na produção direta de larvas e ocorre quando as
condições ambientais não são estressantes (isto é, alto
teor de oxigênio dissolvido na água e alimentação
abundante).
Os indivíduos adultos possuem o corpo alongado,
plano e ovalado, medem cerca de 10 mm e pesam
aproximadamente 1 mg. Apresentam dimorfismo sexual
(diferenças morfológicas entre machos e fêmeas)
marcante e as fêmeas são, geralmente, maiores que os
machos. A artêmia é um organismo filtrador não seletivo
e sua dieta consiste principalmente em microalgas de
pequeno por te. Em condições adequadas de
temperatura e salinidade, as larvas de artêmias demoram
cerca de uma semana para atingir a maturidade sexual,
aumentando significativamente sua biomassa nesse
período.
desenvolvido sob a coordenação
de Marcos Rogério Câmara, do
Departamento de Oceanografia e
Limnologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Segundo ele, o principal objetivo
da iniciativa é fornecer subsídios
econômicos, científicos e
tecnológicos para balizar a
implementação de fazendas de
cultivo de artêmia no Brasil por
parte da iniciativa privada, uma
vez que a produção baseada no
37
Com o crescimento da
demanda, o preço do
quilo de cistos no
mercado internacional
passou de US$ 10 para
US$ 100
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extrativismo não apresenta
perspectivas de aumento a curto
e médio prazo.
Com larga experiência em
áreas relacionadas com a
carcinicultura (cultivo de
crustáceos) e a ecologia aplicada, Câmara explica que o
projeto surgiu a partir do desenvolvimento de pesquisa básica e
aplicada. Segundo ele, a aplicação do conhecimento gerado
com base em estudos da
caracterização reprodutiva de
populações de artêmia existentes na região salineira do Rio
Grande do Norte tem promovido o desenvolvimento de
tecnologias próprias que estão
possibilitando o cultivo desse
microcrustáceo em regime
semi-intensivo.
O pesquisador afirma que a
principal contribuição do projeto
é apontar para o potencial de
exploração das salinas existentes
no estado do Rio Grande do Norte,
biótopos relativamente pouco
estudados. Câmara explica que
essa região salineira apresenta os
recursos naturais (clima,
topografia, solo e água do mar)
necessários à implementação de
fazendas de cultivo de artêmia,
além de contar com o suporte
acadêmico oferecido pelo
Laboratório de Nutrição Aquática
da UFRN.
Independência
Itamar de Paiva Rocha,
presidente da ABCC, afirma que
a fazenda de artêmia possibilitará o desenvolvimento de
Extrativismo no país
produz, por ano,
quantidade de cistos
equivalente ao
consumo mensal de
alguns setores da
aqüicultura brasileira
tecnologias que permitam
assegurar a auto-suficiência do
Brasil na produção desse
estratégico insumo da aqüicultura.“Nossa expectativa é que
os resultados das pesquisas
contribuam para alavancar essa
atividade econômica, utilizando
as vastas áreas representadas
pelas salinas desativadas, dando
oportunidade de emprego a
milhares de ex-salineiras e expescadores, hoje totalmente
marginalizados face à deca-
“Não há dúvidas de que o setor privado assumirá a
exploração econômica dessa nova atividade”
Se for comprovado que a fazenda
de artêmias é um empreendimento
economicamente viável, a atividade
poderá ser uma boa alternativa para
gerar lucro nas regiões de salinas,
favorecendo a expansão da
aqüicultura no Brasil.
A empresária Ana Carolina
Guerrelhas acredita que qualquer
atividade nova que possua pacote
tecnológico acessível e que gere
riquezas atrai investidores. “A fazenda
experimental deve mostrar aos
produtores como produzir cisto e
biomassa de artêmia em cativeiro, os
índices de produtividade, se a
produção é possível o ano todo e se é
viável sob o ponto de vista econômico”,
diz ela.
O presidente da ABCC, Itamar Rocha,
ressalta os diversos aspectos positivos
que o domínio da tecnologia de
produção de artêmia trará para o Brasil,
especialmente para a região Nordeste
do país. Ele acredita que o incremento
da produção poderá representar uma
nova fonte de captação de divisas para
o setor pesqueiro. “A auto-suficiência
nessa nova atividade contribuirá
significativamente para o fortalecimento do programa de biossegurança na aqüicultura e disponibilizará uma tecnologia que
possibilitará o surgimento de centenas
de pequenos e médios empreendimentos, criando uma nova
alternativa de exploração econômica e
geração de emprego nas áreas
desativadas de antigas salinas.”
Rocha acredita também que o
interesse do setor privado, tanto
nacional como internacional, em
assumir os investimentos para o
desenvolvimento da atividade de
produção de ar têmia é muito
grande. “Não há dúvidas de que, tão
logo sejam disponibilizadas as
informações técnicas, o setor privado
passará a assumir a exploração
econômica dessa nova atividade”,
conclui.
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Armazenados
adequadamente, cistos
permanecem viáveis
por vários anos
dência de seus setores de
trabalho”, afirma Rocha. “Além
disso, o domínio da tecnologia
de produção de cistos e o
aumento da produção de biomassa de artêmia representarão
uma grande contribuição para o
desenvolvimento, em bases
competitivas, de diversos outros
segmentos da aqüicultura brasileira, com reflexos altamente
positivos na socioeconomia de
suas regiões de intervenção.”
Rocha enfatiza também o
aspecto do aumento da biossegurança para a carcinicultura
brasileira, uma vez que, atualmente, o cisto de artêmia é o
único subproduto de crustáceo
passível de importação pelo
Brasil, o que facilita a introdução de novas doenças no país.
Ana Carolina de Barros Guerrelhas, sócia e diretoraexecutiva do laboratório Aquatec de produção de larvas de
camarão marinho, afirma que,
normalmente, a produção de
cistos se dá em lagos salgados
ou salinas sem muito controle.
“Se a natureza sofre algum tipo
de alteração ambiental, a
produção cai e não retorna
rapidamente, fazendo com que
os preços flutuem bastante e
os consumidores paguem
qualquer valor imposto pelo
mercado”, afirma a empresária.
Segundo ela, com a última crise
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mundial de cistos de artêmia,
as fábricas de rações balanceadas melhoraram substancialmente seus produtos,
ocasionando uma diminuição
no consumo de cistos. “Entretanto, a artêmia ainda é considerada o melhor e mais completo alimento para ser usado
nas larviculturas de peixes e
camarões.” Como exemplo de
iniciativa de sucesso, a empresária cita o Vietnã, que já
possui uma fazenda produzindo cistos e biomassa de
artêmia em escala comercial.“É
esse o caminho que devemos
seguir. Não podemos e nem
queremos ficar na dependência de outros países, seja
pela política comercial ou
pelos problemas de biossegurança.”
Implantação
A fazenda experimental de
ar têmia foi formalmente
inaugurada em abril de 2001,
apesar de ter surgido em
meados do ano 2000. Sua área
total é de quatro hectares (ha),
incluindo áreas de evaporação
(dois evaporadores de 0,56 ha)
e de produção de cistos e
biomassa de ar têmia (três
viveiros de 0,56 ha), além de
laboratórios e infra-estrutura
de apoio (casa de bombas,
armazém para apetrechos de
pesca, acomodações para
técnicos residentes etc.).
Após um período de testes e
ajustes, a fazenda já obteve
dois ciclos de produção, e um
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Quando processados em
salmoura, cistos podem ser
armazenados por várias
semanas
terceiro encontra-se em
andamento. O primeiro ciclo
foi conduzido em um período
de 40 dias, entre 12 de julho e
21 de agosto de 2001. O
segundo ciclo aconteceu em
um espaço de tempo menor,
de cerca de 32 dias (26 de
agosto a 28 de setembro). Até
agora, a produtividade foi de
até 10 kg/ha/ciclo de cisto e
354 kg/ha/ciclo de biomassa
de artêmia. O coordenador do
projeto afirma que esses
resultados são promissores e
demonstram, preliminarmente,
a viabilidade de cultivo desse
microcrustáceo em regime
semi-intensivo.
Resultados são
promissores e
demonstram,
preliminarmente, a
viabilidade de cultivo
de artêmias em regime
semi-intensivo.
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