PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA E EQUIDADE, NO USO DO LEITO HOSPITALAR COMO MEIO EFETIVO DE GARANTIA AO DIREITO Á VIDA, À SAÚDE E DIGNIDADE HUMANA. Historicamente, os hospitais surgiram como lugares de acolhida de doentes peregrinos e possuíam uma conotação de instituições de caridade que abrigavam não apenas pessoas doentes, mas também os pobres, inválidos ou dependentes, o que perdurou até o final do século XVIII, quando em virtude da mudança social, a concepção asilar perdeu lugar para a terapêutica. A partir de então, a história dos hospitais e dos cuidados com a saúde vem passando por grandes transformações, pois com o avanço tecnológico e através das pesquisas científicas, a medicina alcançou métodos diagnósticos e intervencionistas mais eficientes, inovações na área farmacêutica, equipamentos de alta precisão, possibilitando o prolongamento da vida. Nesse cenário, a concepção terapêutica dos hospitais pela alta complexidade, precipuamente, ganhou caráter transitório, perdendo definitivamente o caráter asilar. Assim, pacientes admitidos, em casos de emergência ou urgência acessam o melhor oferecido pela medicina para salvar vidas ou melhorar a condição de saúde e, alcançada a estabilidade clínica preconizada pelos melhores protocolos, a alta hospitalar será inexorável, reservando-se a continuidade de cuidados aos sistemas domiciliares e/ou de retaguarda. Apesar disso, cada vez mais, os hospitais enfrentam o dilema da permanência prolongada de pacientes estáveis, assumindo papéis sociais que competem às famílias e que, seguramente, poderiam ser realizados em domicílio, ou em instituições de longa permanência, ambientes que contém estrutura adequada e suficiente para a transição pós-estabilidade, bem como para a readaptação em casos de sequelas incapacitantes ou, ainda em doenças incuráveis. Notadamente, o uso do leito hospitalar, em situações não consideradas agudas ou crônicas agudizadas, desvia a sua real finalidade social, porquanto cerceia o direito efetivo de outros pacientes que deles necessitarão como chance de manutenção da vida, em quadros de emergência e urgência, onde a estrutura hospitalar de alta complexidade será o divisor entre sobreviver ou ser vencido pelas circunstâncias. Essa desproporção está baseada em dados relevantes, como a transição demográfica marcada pelo envelhecimento populacional. Em 2025, no Brasil, estima-se que os idosos representarão 15% da população (contra os 6% atuais). O enfrentamento deste panorama é mandatório, caso contrario a sociedade sofrerá as consequências desta omissão, pois o que se confirma pelas notícias veiculadas por todo tipo mídia e também pelas nossas próprias experiências, é que sobram pacientes e faltam leitos. Os fatores supramencionados chamam para uma reflexão sobre o tema e com um novo olhar, enxergar todos os sistemas assistenciais existentes, formas de efetivação, atores e papéis sociais, dando-se, assim, plena eficácia ao direito a vida e a saúde pela aplicação do principio da isonomia. O primeiro e fundamental passo será a compreensão dos sistemas assistenciais existentes, que não se substituem, mas se complementam isto porque as indicações médicas são precisas. Assim, necessitam de internação hospitalar, situações clínicas instáveis, o que não se confunde com cronicidade e cuidados básicos rotineiros ou de reabilitação física e psicossocial, que poderão ser atendidos em domicílio por um cuidador familiar, pelo sistema “home care”, ou ainda, por Instituições de longa permanência, dada a baixa complexidade de cuidados. A certeza de que leitos hospitalares têm se tornado cada vez mais escassos, tanto em nível público quanto privado se tornou a mola propulsora para a prática de soluções efetivas através de políticas públicas de saúde. Nessa linha de pensamento, um dos princípios fundamentais a democracia, a igualdade, desponta como justa perspectiva, mormente na área da saúde. E Muitas vezes, para garantir a igualdade de condições tanto no plano fático e ôntico, torna-se necessária uma discriminação formal, legal. Verdadeiramente, nem todos são iguais no plano material, ocorrendo justamente aqui a dissociação entre isonomia e igualdade. Poderíamos dizer, utilizando brocardo aristotélico, que isonomia não é apenas garantir a igualdade formal, perante a lei, mas “tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades”. Para Aristóteles, a igualdade consistia em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Esse pensamento do celebre filósofo não pretendeu disseminar o preconceito entre as diferenças, mas considerou que as diferenças existiam e precisavam ser tratadas como tais, com a finalidade de integrar a sociedade. Aliás, seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres, jovens e idosos, pois o ser humano é único em sua individualidade. A Lei que distingue é a mesma que protege os cidadãos em seus direitos e deveres. Assim, para se estabelecer critérios discriminatórios, deve-se ter uma correlação lógica entre o fator discrímen e a desequiparação procedida - ser igual não significa que somos iguais em “número e grau” e tampouco que somos absolutamente diferentes. Igualdade é ser coerente com o que deseja e que faz bem para todo um grupo de pessoas (comunidade, sociedade). Na mesma linha de pensamento, a doutrina amparou a especialidade ou prerrogativa quando fundada exclusivamente em uma razão muito valiosa do bem jurídico, assim, entenda-se que igualdade e suas interfaces, deve ser a “ratio” fundamentadora de qualquer relação social. Sem ela, o direito à vida, à saúde, à liberdade e à dignidade, reservada a todos perderiam efetividade e haveria retrocesso social. Desse modo, a proibição da desigualdade perante a lei não tem caráter absoluto, sendo perfeitamente possível e, por vezes imperiosa, a desigualdade a fim de corrigir legalmente disparidades fáticas, para que se efetive o princípio da dignidade da pessoa humana através da equidade. Assim, inevitável será o tratamento dos iguais e desiguais, na medida de suas desigualdades, quando então o papel social de cuidar será assumido por toda a sociedade, onde doentes graves com necessidades de recursos de alta tecnologia terão leitos hospitalares cedidos por pacientes estabilizados, que seguirão seus cuidados, em ambientes de menor complexidade, quando este papel, segundo conduta médica, será assumido pela família, em domicílio ou por meio de redes de retaguarda, modalidades complementares e essenciais para trazer equilíbrio a nova realidade na área da saúde, reservando aos hospitais, cuidados que realmente requeiram estrutura compatível. A escassez de leitos hospitalares não permite que pacientes permaneçam internados prolongadamente com fim asilar, ou ainda, visando atenção básica e de pequena complexidade, quando outros em risco eminente de morte ou com necessidade precípua de tratamento exclusivamente hospitalar tenham sua chance de vida obstada pelo desvio da finalidade social do leito hospitalar. Esse movimento de readequação social, no âmbito da saúde e que visa garantir o acesso, com melhor gestão de pacientes, também se revelou como escolhido pelo Ministério da Saúde, consoante Portaria nº 2809, de 7 de Dezembro de 2012, que organizou os cuidados prolongados no Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo uma estratégia de cuidado intermediária entre os cuidados hospitalares de caráter agudo e crônico reagudizado, e a atenção básica, inclusive domiciliar, prévia ao retorno do paciente ao domicilio. Na aludida portaria, dentre outros conceitos técnicos e operacionais, o Ministério da Saúde também enfrentou a otimização do tempo de permanência do paciente internado, a prevenção dos riscos de readmissões hospitalares e de infecções hospitalares, apontando, claramente, o processo desospitalização como medida necessária ao equilíbrio do modelo assistencial. Importante ressaltar que o objetivo da desospitalização, não é dar alta precocemente ao paciente, mas ao contrário, trata-se de alta responsável e humanizada, com fornecimento de todo o suporte para que o tratamento tenha continuidade em domicilio, por meio de iniciativas como: o “home care”, ou em instituições de longa permanência, ambientes nos quais se promoverá a redução do risco de infecção hospitalar e da falta de leitos disponíveis nos serviços de saúde. Todo processo é feito de maneira responsável para evitar novas internações. Além dos fatores acima destacados, outros aspectos justificam a adoção da prática da desospitalização. São eles: a diminuição de complicações clínicas; a diminuição da busca pelos serviços de emergência; a redução dos óbitos e custos hospitalares; e a maior participação da família no cuidado do paciente. Considerar-se-á a finalidade e a qualidade da assistência, analisando-a sob a ótica de princípios éticos, de maneira que o princípio da beneficência alcance todas as partes envolvidas, prestigiando a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde e principalmente o direito à Vida. Maria Aparecida Belo da Silva e Vivian Nunes de Azevedo Dias