O percurso poético na literatura de Chico Buarque CARVALHO, Nilson Pereira de.∗ Palavras-chave: Literatura brasileira; teatro; romance; Chico Buarque. 1 – introdução A obra do escritor Chico Buarque expressa complexidade e riqueza cujo valor ainda se encontra em construção pela crítica literária brasileira. Mais abordado academicamente por sua obra lírica e musical, muito se tem a dizer sobre o que seus livros representam para a nossa cultura e para a história literária no Brasil. Num trabalho anterior, a saber, uma dissertação de mestrado, defendida e aprovada pelo programa de pós-graduação em Letras e Lingüística da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, intitulada Gota d’água e Ópera do Malandro: o abrasileiramento de temas no teatro de Chico Buarque, propôs-se analisar o teatro de Chico Buarque, mais especificamente, as peças Gota d’água (com a parceria de Paulo Pontes), de 1974 e Ópera do Malandro, de 1978, no que tange ao problema do abrasileiramento dos temas originados das obras que foram adaptadas pelo autor, a saber, a tragédia Medeia, de Eurípides, encenada em 431 a. C. e a Ópera de três vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, publicada em 1928. Teoricamente, duas perspectivas fundamentaram primeiramente o estudo destes temas. Uma delas nasce da leitura de A origem da tragédia, de 1872, do filósofo Friedrich Nietzsche, trata das forças equilibrantes dos espíritos apolíneo e dionisíaco. A segunda, baseada no teatro dialético de Bertolt Brecht, apresenta uma proposta de revolução no gênero teatral através da obra literária e teórica do dramaturgo alemão. Assim, primeiramente, foi incitada uma reflexão sobre a força apolínea e dionisíaca mediante o contexto da cultura grega, assim como os conceitos que envolvem o gênero trágico, conforme alguns críticos e historiadores como Albin Lesky e Margot Bertholt e, sobretudo, o ponto de vista nietzscheano a respeito da morte da tragédia empreendida pelo tragediógrafo Eurípides. As peças Gota d’água e Medeia foram comparadas, tendo por base os elementos das forças equilibrantes, a fim de refletir sobre a capacidade da peça brasileira de retomar estas forças. Em relação às peças Ópera do malandro e Ópera de três vinténs, estas foram analisadas quanto ao procedimento postulado pelo autor alemão, a saber, as bases do teatro épico, dialético e didático, bem como a maneira de Chico Buarque recuperar, de forma autônoma e original, a essência de tal método, sem prescindir do elemento antropofágico. Assim, procurou-se realizar um trabalho que enfatizasse a contribuição do autor para a compreensão de uma cultura cujo movimento pode ser metaforizado pela emblemática figura do malandro ─ o pequeno e o grande ─, o que também representa os estados de opressão registrados e experimentados pelo autor durante o período da ditadura militar no Brasil. Mas, sobretudo, a ênfase do trabalho indicava para a produção de um teatro que, enquanto protesta e registra a opressão e cultura, não deixa de ser uma arte ascendente em termos poéticos. ∗ Pós-graduação em letras e lingüística. [email protected]. Bolsista de doutorado pelo CNPQ. Sendo assim, o passo seguinte para complementação deste estudo deve buscar a compreensão da trajetória do autor que, depois de uma fase teatral coincidindo com um período histórico brasileiro, no mínimo, ruidoso, encaminha a maior parte de sua produção artística na escritura de romances. Nesses, alguns aspectos relevantes na produção teatral são visivelmente amenizados e outros são praticamente eliminados, ao passo que outras questões surgem. Pode-se dizer que uma nova fase se instala na produção do autor? Por que o teatro não serve mais como um instrumento de divulgação de suas idéias em um novo período sócio-político-cultural? Que lugar resta na literatura para a composição musical e o lirismo de Chico Buarque? Estas são perguntas que direcionarão o estudo que se pretende desenvolver sob a hipótese de que a todo escritor cabe um árduo ritual de passagem, muito embora ele não tenho controle total sobre sua produção, pois o seu tempo é que direciona suas necessidade artísticas. Um olhar diferenciado sobre o fazer literário deve ser solicitado ao leitor, portanto, para compreender o trajeto pretendido, deve-se buscar apoio teórico e crítico, além daqueles utilizados na dissertação de mestrado (trabalho anterior referido acima), outros que contemplem a problemática envolvida na discussão da literatura da modernidade (e da pós-modernidade). Isto é, o procedimento literário perpassa pelo comportamento quase-empírico de um autor ou, por outra perspectiva, há autores refugiados em trincheiras literárias, a se esconder no meio das batalhas como estratagemas para conquistar enfrentamento e fuga ao mesmo tempo. Descortinar, portanto, o falseamento da autoria, bem como a intecionalidade desse ato enseja um tratamento comparativo com demais tendências contemporâneas do romance nacional. Assim, há que se debruçar no destino do romance para o novo século; a teoria do romance e suas implicações sócio-históricas. Há que se compreender por que percurso operacional o autor decidiu ou teve de trilhar ao substituir a dinamicidade e simultaneidade do teatro pela estatização de um gênero mais atento às transformações sociais duradouras, à instalação de um paradigma epistêmico, o qual se perpetuará na história, tudo isso em detrimento de um mecanismo recorrentemente utilizado pelas revoluções. Acresce-se a isso, a contribuição dos estudos de tradução que tangem o conceito e adaptação e intertextualidade, uma vez que na passagem para um novo gênero, Chico Buarque opta, concomitantemente, pela recusa ou abandono das livres adaptações, isto é, do abrasileiramento de temas e light motif clássicos ou modelares. Em que medida este procedimento aproxima-se ou distancia-se de um certo ufanismo no tom e tratamento da cultura brasileira e dos ideais socioculturais e políticos defendidos pelo autor? Há conceitos socioculturais, entretanto, que dispõem acerca de um projeto de construção ou cultivo/construção da identidade do Brasil e do brasileiro. Do acento local à pretensão de universalidade em sua obra literária, o autor poderia traçar o caminho correto, tanto quanto o oposto e , até mesmo os desvios. É necessário verificar, por exemplo, se a peça Calabar: o elogio da traição tem, de fato, mais brasilidade do que o romance Budapeste, pelo simples detalhe de aquela retratar um herói (?) brasileiro e este refletir também sobre a língua da Hungria. Tal investigação sistemática também vai considerar os aspectos culturais e do imaginário brasileiro com suas complexas diversidades, além dos aspectos ideológicos e filosóficos envolvidos. Analisar o percurso poético na obra de Chico Buarque, numa perspectiva que elege como ponto de partida a trivalência música-teatro-palavra, o que pretendo desenvolver como tese de doutoramento, apenas abre mais uma entre as pertinentes e possíveis leituras da literatura do escritor carioca. 2- Objetivos: O objetivo deste projeto é analisar o percurso da obra literária de Chico Buarque na perspectiva de depreender uma certa autonomia poética do autor. Especificamente, o estudo deste percurso deverá avaliar: a relevância da obra literária de Chico Buarque na construção de conceitos culturais como o de brasilidade; a idéia de adaptação literária como recurso intertextual, inclusive, no que diz respeito a afastamento e aproximação das fontes; a influência e concomitância da produção musical desse autorcompositor; bem como os elementos que norteiam a atual discussão acerca da permeabilidade dos gêneros e da simbiose autor/narrador/personagem. 3- Metodologia Por tratar-se de uma pesquisa bibliográfica, as fontes primárias deste trabalho são as quatro peças teatrais, uma novela e os três romances de Chico Buarque. Portanto, pretende-se empreender um levantamento de aspectos que compõem essa poética, tendo como ponto de partida, por evidência cronológica, a obra teatral, que compreende as peças: Roda viva (1968), Calabar: o elogio da traição (1974), Gota d’água (1975), Ópera do malandro (1978). Os aspectos poéticos serão, em seguida, investigados na prosa do autor, tendo-se, portanto, como parâmetros para a comparação de tal percurso, uma primeira experiência na prosa do autor, a saber Fazenda modelo: uma novela pecuária (1974), e, mais posteriormente, os romances: Estorvo (1981), Benjamim (1995) e Budapeste (2003), esses últimos, como ponto de chegada da análise. Serão realizados cotejos dos textos em referência e o levantamento do contexto sócio-histórico-político e cultural das obras primárias, a fim de perceber as influências a que elas foram expostas.