ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL: uma história e seus - Pós Uni

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495 ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL: uma história e seus desafios
Marília Borges Diogo - UNESP1
O estudo da ética na atualidade busca refletir filosoficamente o SER. A Ética
contemporânea se baseia nas potencialidades de cada ser humano, do aspecto
característico pessoal e comunitário, qualificando como ético ou antiético aquilo que
ajuda ou dificulta a realização das potencialidades do ser humano. Assim a Ética
atual entende a pessoa humana como é antes de tudo práxis, ou seja, um ser
produtor, transformador e criador, portanto um ser social e histórico, um ser total.
A sociedade, é uma totalidade composta por diversas esferas (singularidades
totais), para compreendermos a complexidade das relações se dão nessa sociedade
é preciso compreender o movimento dessas esferas em relação à totalidade. Essas
esferas operam na totalidade com intensidades diferentes dependendo dos ideais
dominantes de cada uma delas.
A pesquisa foi realizada a partir, de alguns estudiosos desse tema a ÉTICA,
que tem como referencial teórico a teoria critica de Marx.
O objetivo era traçar alguns avanços alcançados no campo da ética
profissional do Serviço Social principalmente após o movimento de reconceituação
da profissão, e os desafios que se colocam a essa profissão para a implementação
dessa ética no seu cotidiano profissional. Para alcançar o objetivo foi realizada uma
pesquisa bibliográfica, que permitiu refazer esse percurso histórico, já que a partir
desse método é possível uma melhor apreensão da realidade, através de
sucessivas aproximações.
Essas aproximações possibilitaram compreender mais sobre a ética e os
desafios que essa categoria impõe a todas as profissões, principalmente as que
lidam com seres humanos, e entre essas um enfoque ao agir profissional do
Assistente Social, que tem seu agir profissional guiado por um Código de ética que
se compromete com a defesa dos direitos da classe trabalhadora.
Trabalho e alienação
Marx acredita na centralidade do trabalho, com isso o movimento da
totalidade deve ser compreendido a partir da categoria trabalho que é condição
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ontológico-social ineliminável na reprodução do ser social, é o que o diferencia dos
outros seres da natureza. É o trabalho o responsável pelas relações humanas, que
surgem a partir da cooperação e unem os homens para a transformação da natureza
em prol de suas necessidades.
A partir do trabalho o homem toma conhecimento da natureza e faz à
valoração dos objetos, ai se dá a gênese da consciência humana. Assim o ser social
torna-se autoconsciente e busca por sua emancipação através da práxis. A
sociabilidade, a universalidade, a consciência e a liberdade são capacidades
humano-genéricas, necessárias para a realização da práxis. A práxis tem como
objeto a matéria e as interações culturais, e seu resultado é a expressão concreta da
transformação dialética operada subjetiva e objetivamente na relação entre os
indivíduos e o gênero humano.
Portanto o caráter te um poder emancipador, porém a sociedade capitalista
nega essa emancipação com a alienação.
Sob o capitalismo, como mostra a reflexão marxista, a dimensão ética
que se instala requer que os indivíduos tornem-se duplamente livres:
livres da relação com o senhor, mas livres também de qualquer
propriedade dos meios de produção que lhes assegurasse a
subsistência. Assim, foram obrigados a vender sua capacidade
produtiva (energia física e espiritual), tornando-se mercadoria. A
alienação em relação a si mesmos, aos outros e ao trabalho foi uma
conseqüência e, ao mesmo tempo, condição para a reprodução
desse ethos heterônomo. Não possuindo domínio sobre si nem sobre
suas necessidades, não tem, na prática, liberdade: pertencem ao
capital. (SILVA, 2003, p. 201)
A alienação nega o caráter livre, consciente, universal e social, do individuo
fazendo com que esses não se reconheçam como sujeitos capazes e criativos. O
trabalhador se aliena do objeto que ele mesmo criou, da atividade que praticou e da
relação (consigo mesmo e com os outros). Cria-se uma cisão entre sujeito e objeto
(um “estranhamento”), que culmina ao tornar o indivíduo em objeto e o objeto em
coisa – uma coisificação das relações sociais e a transformação da riqueza humana.
A alienação se cria em novas formas, que invadem todas as dimensões da
vida social e a objetivação do ser social. Dada a contraditoriedade da história, a
alienação coexiste com a práxis emancipadora, evidenciando o movimento de
afirmação e negação das potencialidades e possibilidades humanas; de criação e
perda relativa de valores; de reprodução da singularidade alienada e da
genericidade emancipadora.
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A moral e a vida cotidiana
Na vida cotidiana o indivíduo se socializa, aprende a responder às praticas
imediatas, assimila hábitos, costumes e normas de comportamento. É característico
do modo de ser cotidiano a repetição automática, o que propicia ao individuo
perceber-se somente como ser singular, porém isso não significa a inexistência de
mediações, elas ficam ocultas pela aparência. A cotidianidade é um elemento
ontológico do ser social, indispensável à vida social, onde o indivíduo assimila as
formas mais elementares de responder às necessidades de autoconservação.
A moral inicia-se com a necessidade de normas e regras para a convivência
social, tem uma função integradora e estabelece uma mediação de valor entre o
indivíduo e a sociedade, produzindo novas mediações, nos sentimentos,
comportamentos e deveres. A moral é parte fundamental da vida cotidiana, pois a
reprodução das normas depende do espontaneísmo e da repetição para que elas se
tornem hábitos e se transformem em costumes respondendo às necessidades de
integração social.
A moral burguesa e a reflexão ética
Na sociedade burguesa a moral é utilizada como ferramenta ideológica para a
reprodução acrítica de um sistema de exploração, opressão e desumanização. Por
isso, as escolhas nem sempre significam um exercício de liberdade, pois são
direcionadas por determinantes ideológicos coercitivos, voltados à dominação. E o
moralismo (doença da moral) é movido por preconceitos, juízos provisórios. A moral
preconceituosa possui valor nos sentimentos de amor e ódio, com intolerância
emocional, tendo interesses compreendidos como dogmas que não permitem
questionamentos. O preconceito pode ocorrer nas várias esferas da atividade social.
O moralismo é uma forma de alienação moral, pois implica na negação da moral.
Não existe uma atividade ética autônoma, pois, o caráter ontológico social da
moral é mediação de valor entre as atividades humanas. Os valores representam
conquistas da humanidade e não se perdem na história. Com a reflexão ontológica
da moral é possível ultrapassar o conformismo, já que os conflitos morais podem ser
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apreendidos em sua relação com a totalidade social, e não se apresentarem
somente como conflitos morais.
Afinal, segundo a Dra. Marlise Vinagre Silva para a emancipação humana:
O desafio é realizar a análise da realidade sem conformismos, mas,
ao contrário, com indignação e rebeldia, mas também com o máximo
de criticidade. Só o diagnóstico, contudo, não basta! É preciso ser
propositivo, sem abrir mão da vontade otimista de transformar o
mundo e construir uma nova ordem, fundada na emancipação
humana. (SILVA, 2003, p. 200-201)
Para que a ética se realize como saber ontológico é preciso que ela conserve
sua perspectiva totalizante e critica, capaz de desmistificar as formas retificadas de
ser e pensar. Quando a ética não exerce essa função crítica pode contribuir, de
modo, peculiar, para a reprodução de componentes alienantes, contribuindo para
que os homens se desconheçam como sujeitos éticos.
Se a reflexão ética perder seu compromisso com valores, ela deixa de ter
sentido; se não apreender a fundação desses valores na realidade, não cumpre seu
papel teórico; se abrir mão da crítica, deixa de se constituir numa reflexão ética para
se tornar uma doutrina. A Ética é de caráter revolucionário, é crítica à moral do seu
tempo, é uma referência para a práxis político-revolucionária, seja como instrumento
teórico-crítico, ou como orientação de valor que aponta para o devir.
Constata-se que o indivíduo na sociedade capitalista tem que submeter a sua
liberdade a processos de despossessão, portanto, a uma moral burguesa de
característica heterônoma. Assim, pode-se considerar que esta sociedade é
estruturalmente desumana e antiética. O desafio se coloca, então, no sentido da
construção, no interior dessa mesma sociedade, de uma ética emancipatória, na
qual se vislumbre que o direito a uma vida digna seja efetivado através da garantia
do acesso à riqueza material e espiritual a todos.
Liberdade, necessidade e valor vinculam-se ontologicamente. Para que o
trabalho se efetive como atividade livre é preciso que ele se realize como atividade
criadora, consciente, que não seja um meio de sobrevivência, nem de exploração e
dominação entre os homens.
O projeto societário e a ética do Serviço Social
Na vida social existem projetos individuais, coletivos e societários. Os
profissionais de caráter coletivo indicam uma formação específica, com organização
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de cunho legal, ético e político, e um projeto profissional que atenda às
necessidades sociais, produzindo um resultado objetivo, com implicações sociais e
desdobramentos éticos e políticos. A adesão consciente (ética) a um determinado
projeto profissional implica decisões de valor inseridas na totalidade dos papéis e
atividades inscritas na relação entre o indivíduo e a sociedade; na reprodução da
singularidade e da genericidade humana.
A ética profissional recebe determinações que antecedem a escolha pela
profissão e inclusive a influenciam, a própria natureza da ética profissional possui
transformações e dimensões, que se organizam de acordo com a intenção
profissional dirigida a uma prática comprometida com a objetivação dessa
intencionalidade.
Há três modalidades de Ética Profissional no Serviço Social:
1)
Uma ética legitimadora da prática profissional já consolidada. Essa
modalidade surge ou torna-se possível, não só a partir da formação científica dos
profissionais de Serviço Social, de cunho positivista, em que os fatos são os únicos
dados que se impõem como lei moral, mas também a partir da função apaziguadora
das consciências, que essa modalidade propicia. A ética, assim, ao invés de permitir
um questionamento crítico da prática profissional, a torna legítima.
2)
Outra que pode-se chamar de postura idealizante face à prática usual. Nesta,
a prática profissional vai criticar aquilo que, avaliativamente, se constata ser
defeituoso e inepto face aos objetivos visados de produzir o bem-estar da
coletividade. No entanto, essa critica, traduz-se numa linha idealística e irreal,
expressa através de normas e preceitos formulados em tal grau de generalidade e
de abstração, que impedem quaisquer conclusões práticas.
3)
E por fim, a que deveria ser uma ética profissional universal para o Serviço
Social, pois somente esta modalidade de encaixa nos preceitos de nosso projeto
ético-político, consiste essencialmente em problematizar efetivamente as atividades
usuais no Serviço Social, propondo práticas alternativas fundamentais, sempre que
as atuais se mostrarem inadequadas aos objetivos de nossa profissão.
Construindo o Serviço Social – ética tradicional
O Serviço Social é uma profissão cujo processo de construção não aconteceu
de forma contínua, da sua gênese à sua trajetória sócio-histórico, a profisão nem
sempre são apreendida e compreendida pela sociedade e até mesmo dentro da
500
própria categoria há diferentes visões quanto ao seu processo de transformação e
atuação profissional. (OMENA)
Nesta pesquisa pretendemos apreender a noção de ética adotada pela
profissão em sua transformação histórica como uma profissão que surge no seio da
Igreja Católica, que teve como base teórica os conceitos morais, confessional do
Neotomismo, em meio a uma conjuntura sócio-histórica e contexto institucional, que
tem hoje em sua fundamentação teórica e prática o método dialético de Marx.
O Serviço Social tem em sua gênese, na sociedade capitalista monopolista,
marcado por um conjunto de variáveis que vão desde a alienação, a contradição ao
antagonismo. Neste contexto, no Brasil, o Serviço Social buscou afirmar-se
historicamente como uma prática de cunho humanitária, através da legitimação do
Estado e da proteção da Igreja. (OMENA)
A profissão se constitui historicamente como uma profissão “feminina” de
origem católica, com atividades educativas de cunho moralizador, com defesa da
família tradicional, e de preservação do papel “moral” da mulher como educadora
moral da família. Essas idéias são sustentadas pelo conservadorismo moral, que é
evidenciado na formação Profissional, no projeto social da Igreja Católica e na
cultura brasileira, que é baseada em ideais positivistas. A fundamentação do Serviço
Social, nesta época, é muito ligada à questão religiosa, percebe-se isso ao
analisarmos o primeiro dever fundamental do Assistente Social, no Código de Ética
de 1947:
É dever do Assistente Social: 1. Cumprir os compromissos
assumidos, respeitando a lei de Deus, os direitos naturais do homem,
inspirando-se sempre, em todos seus atos profissionais, no bem
comum e nos dispositivos da lei, tendo em mente o juramento
prestado diante do testemunho de Deus. (SILVEIRA, 2011, p. 11,
grifo nosso)
O Conservadorismo profissional acreditava na moral como espaço de
enfrentamento da “questão social” e podia ser identificado na prática profissional que
consistia na forma de intervir na vida dos trabalhadores, ainda que sua base fosse à
atividade assistencial; porém seus efeitos eram essencialmente políticos: através do
enquadramento dos trabalhadores nas relações sociais vigentes, reforçando a
mutua colaboração entre capital e trabalho.
O conservadorismo é um projeto político de oposição histórica ao Iluminismo,
ao liberalismo e às idéias socialistas, com o significado de identificar as lutas
501
políticas como indícios de uma “desordem” que deveria ser combatida. Esse projeto
político pretende restaurar a “ordem” e o “equilíbrio” a partir da defesa moral das
bases tradicionais da família.
Nesse período histórico o Serviço Social, tinha uma identidade atribuída, e
apesar de carregar uma visão anticapitalista, a ação profissional era psicologizante,
baseada no “reajuste” e na culpabilização dos indivíduos pela “questão social”,
servia para amenizar os conflitos de classe e manter a “ordem”, reproduzindo as
relações de exploração estabelecidas pelo Capitalismo.
Com o aumento das seqüelas da “questão social”, o Estado burguês busca
controlar as classes trabalhadoras e ao mesmo tempo, legitimar-se como
representativo de toda sociedade, com uma moral que funciona como instrumento
ideológico favorecedor do consenso do projeto populista, corporativista e
assistencial, responsabilizando os indivíduos por sua condição social, despolitizando
suas lutas, restringindo suas escolhas, contribuindo para a reprodução de uma
moralidade subalterna e alienada. O Estado através de um discurso ético
universalizante, fragmenta as necessidades da classe trabalhadora, transformando
seus direitos em benefícios.
Observa-se que diferentemente da caridade tradicional, a profissão propõe:
uma ação educativa, preventiva e curativa dos problemas sociais através de sua
ação junto às famílias trabalhadoras. O Serviço Social passa a orientar a
“individualização” da proteção legal, entendida como assistência educativa adaptada
aos problemas individuais, guiando-se pela militância católica, em oposição a
qualquer movimento que se levantasse contra a Igreja Católica.
Mediante esses elementos analisa-se que o Serviço Social emerge
como uma atividade com bases doutrinárias. E, posteriormente, passa por um
processo de ampliação do suporte técnico-científico da profissão, com o
desenvolvimento das escolas e faculdades de Serviço Social, sob influência das
Ciências Sociais no marco do pensamento conservador, do Serviço Social
americano.
Desenvolvimento Profissional – o romper da tradição
O conservadorismo moral é uma forma de alienação moral, que reproduz o
preconceito e se opõe à liberdade. A ruptura com os costumes e valores de ordem
moral é sempre relativa a condições históricas favorecedoras de questionamentos
502
que remetem à vida cotidiana, a década de 60 é um desses momentos. A década de
60 é considerada uma época revolucionária, pois nesta época alargaram-se as
bases sociais de emancipação da mulher - sua inserção no trabalho, na educação
superior, na vida pública, instaurando uma consciência cívica valorizadora da
participação e da liberdade.
A década de 60 é um momento em que a liberdade emerge como projeto. O
Terceiro Mundo se destaca como um espaço potencialmente gerador de
manifestações político-revolucionárias, com lutas populares de libertação nacional,
resistência em face do imperialismo, tentativas de superação da pobreza e das
desigualdades sociais. Entretanto os tempos revolucionários também são tempos de
ditaduras (que fortalecem o conservadorismo), repressão violenta aos movimentos
organizados, mostrando a dinâmica relação entre afirmação e negação da liberdade.
O rebatimento dessas potencialidades ético-morais no Serviço Social não se
faz visível, nas décadas de 60 e 70, em termos de um questionamento coletivo à
moral tradicional; o eixo condutor da construção de uma nova moralidade não se
objetiva explicitamente pela oposição aos padrões culturais e morais repressivos
que perpassam pela vida cotidiana, mas por uma intenção de ruptura políticoideológica com a ordem burguesa.
O Serviço Social, em nível mundial, evidencia um processo de erosão das
bases de sustentação de suas formas tradicionais. Tais condições são expressas no
Serviço Social latino-americano, pelo movimento de reconceituação, onde emerge
um questionamento crítico sobre a teoria e a prática tradicionais, com um
posicionamento
ético-político
potencialmente
negador
do
tradicionalismo
profissional. A intensa mobilização democrático-popular do início da década de
sessenta favorece a militância política de setores profissionais, especialmente de
jovens estudantes.
A aproximação entre a juventude e a Igreja propicia a emergência de um
ethos militante, caracterizada pela recusa ética social burguesa, entendida côo um
sistema social injusto. Assim a histórica vinculação entre o Serviço Social e a Igreja
Católica passa a contar com novas bases de legitimação, o que abre um campo de
possibilidades em relação à construção de uma crítica ao ethos tradicional.
A ruptura com o Serviço Social tradicional se inscreve na dinâmica de
rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertação
nacional e de transformação da estrutura capitalista excludente,
503
concentradora, exploradora.
BARROCO, 2006, p. 108)
(FALEIROS,
1987,
p.
51
apud
O aparecimento nos anos 70, de elaborações teóricas orientadas pelo
marxismo, aponta para um debate teórico-metodológico significativo, tendo a
primeira expressão teórica em Belo Horizonte, construída entre 1972 e 1975,
conhecida como o Método de BH, um projeto de ruptura, iniciado dentro do espaço
universitário, que tornou possível a interação profissional entre assistentes sociais e
suas diversas demandas imediatas da prática profissional submetidas às exigências
e controles institucionais.
No Serviço Social brasileiro se reproduz uma problemática mundial: de um
lado, a impermeabilidade do tradicionalismo ético profissional em face das
transformações sociais; de outro, a lenta e insuficiente explicitação das bases de
uma nova ética, por parte da vertente que, apoiada no referencial da tradição
marxista, se caracteriza pela intenção de ruptura com o ethos tradicional. O produto
objetivo destas determinações, em nível de literatura e Código de Ética, se traduz na
hegemonia do tradicionalismo ético até 1986, o que não impede a construção de
uma nova moralidade na prática.
A hegemonia do tradicionalismo não se restringe aos Códigos de Ética de
1965 e 1975; em 1962 a ABESS, publica a obra Código Moral de Serviço Social, de
origem européia, tal obra se apresenta como uma reação conservadora aos
movimentos críticos sociais da década de 60 e traz o como o profissional de Serviço
Social deve agir em defesa aos bons costumes e à moral tradicional.
Os Códigos brasileiros de 1965 e 1975 reproduzem a base filosófica
humanista cristã e a perspectiva despolitizante a acrítica em face às relações sociais
que dão suporte a prática profissional.
Constata-se uma diferenciação no que se refere ao pluralismo presente na
renovação profissional: em 1948, a profissão é tratada como homogênea, no Código
de 1965 em sua introdução faz referencia às diferenças “um Código de Ética se
destina a profissionais de diferentes credos e princípios filosóficos, devendo ser
aplicável a todos.” (SILVEIRA, 2011: 15). Já em 1975, tal referência é excluída do
Código de Ética, o que expressa a reatualização do projeto profissional conservador,
no contexto pós-1968, onde ocorreu o endurecimento da Ditadura Militar no Brasil.
Durante os anos 60 e 70, o Serviço Social, se dividiu em muitos momentos,
onde os profissionais puderam aderir a projetos contraditórios no ir e vir da profissão
504
entre a ruptura e a reatualização do conservadorismo. A proposta de Almeida foi
considerada uma reatualização do ethos tradicional, por negar a presença da
alienação e da opressão nos processos sociais, e recorrer à fenomenologia que se
apresenta como um método de ajuda psicossocial fundado na valorização do diálogo
e do relacionamento.
A proposta de Almeida não desborda o terreno do tradicionalismo
profissional. Á parte os supostos do conservadorismo que dimensiona
as concepções-chave que a sustentam (a concepção da constituição
profissional, a visão do desenvolvimento do Serviço Social no Brasil,
etc.); à parte o seu universo de valores (o apelo ao personalismo em
tempo da Teologia da Libertação); à parte as sua reivindicações
teórico-metodológicas (o seu problemático recurso à fenomenologia)
– à parte esses componentes axiais na sua formulação, a nova
proposta recupera o que há de mais consagrado no tradicionalismo
profissional: a herança psicossocial, a tendência à centralização nas
dinâmicas individuais. (NETTO, 1991, p. 244-245 apud BARROCO,
2006, p. 139-140)
Enfim, essa nova proposta ainda não tinha como objetivo romper com o
Serviço Social tradicional e conservador vinha lhe oferecer apenas novos
instrumentais, novos mecanismos de análise, que não lhe possibilitavam vencer a
visão de culpabilização do indivíduo por suas mazelas.
O nascer de uma nova profissão
A construção de uma nova moralidade profissional, nos anos 60 e 70, estão
atrelada à participação política, donde sua configuração nesse período, como um
ethos militante, oposição ao tradicional, em suas formas antigas e reatualizadas, o
que aponta para a peculiar origem da nova ética profissional: sua subordinação
imediata à opção política.
A ética emerge como elemento motivador da opção política pelas lutas
populares, o que num primeiro momento, vincula-se a educação popular influenciada
por Paulo Freire. A Teologia da Libertação influência a negação da concepção
tradicional do Serviço Social, e a solidariedade com o “pobre”, não é mais vista como
“objeto de caridade e assistência”, e os oprimidos passam a ser considerados
sujeitos de sua própria libertação.
Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e
se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer
em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime
opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente
intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta
505
não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho
de reflexão, para que seja práxis. (FREIRE, 1987, p. 22)
Ao enfatizar a unidade entre ética, educação e política, o assistente social
constrói
uma
identidade
muito
próxima
à
do
militante
político
instituído
historicamente nos processos de organização dos movimentos e partidos
revolucionários, o que supõe a incorporação do ethos socialista. No entanto, muitas
vezes, os valores são tomados de forma mecânica, dando margem a inúmeros
equívocos.
A concepção ética restrita à ideologia supõe enfrentar a discussão filosófica
no interior do pensamento de Marx, o que possibilita rever sua herança hegeliana e
se aproximar de sua perspectiva ontológica. Por uma série de determinantes que
impedem a vontade individual dos protagonistas do Marxismo, ocorre uma
fragmentação do núcleo central da obra marxiana: as teorias da revolução, do
valor/trabalho e a dialética. As conseqüências dessa fragilidade impedem a
compreensão de componentes essenciais à reflexão ética.
O método crítico-dialético reintroduz a categoria de totalidade. A renovação
ética marxista supõe uma crítica ontológica ao marxismo vulgar e que para tal é
fundamental o recurso à herança filosófica de Marx é confirmada pela trajetória de
Lukács; entre outros aspectos, as etapas que anunciam o seu processo de
superação do voluntarismo ético coincidem com seu aprofundamento de Hegel e de
estudos da cultura e das artes.
Na produção ética dos discípulos de Lukács é evidente a articulação entre a
questão ética e a alienação, tendo em vista ser esse o eixo central do desvelamento
das possibilidades e impedimentos para a realização de uma ética dirigida à
emancipação humana. A ética marxista é apoiada na teoria da emancipação
proletária marxiana, pois Marx concebe o proletariado como sujeito histórico,
potencialmente capaz de subverter o ordem social da sociedade burguesa, de modo
a superar a própria moral.
Libertar a humanidade, para Marx, não é transferir a função ideológica da
moral burguesa para a moral proletária, pois esses parâmetros, sendo históricos,
estão invariavelmente sujeitos às manifestações alienadas. A prática políticorevolucionária é uma das possibilidades de conexão dos indivíduos com o humanogenérico, que vai além da teoria da alienação, a uma apreensão das particularidades
da ética, pois entende-se que a estrutura capitalista pode ser transformada somente
506
a partir de uma transformação moral, que devemos apreender as mediações
particulares entre as necessidades, interesses e a liberdade, (fundamento do agir
ético).
É na compreensão da dinâmica interna do modo de ser do capitalismo, na
natureza de suas contradições, que é possível compreender a coexistência
contraditória entre a afirmação e a negação das potencialidades humanas, pois a
sociedade é compreendida como uma etapa histórica em que a universalização da
produção e das capacidades humanas fornece as bases concretas para a criação de
uma nova sociedade, que propicie uma ampliação da conexão consciente entre os
indivíduos e sua genericidade – pois o livre desenvolvimento de cada um é condição
do livre desenvolvimento de todos.
O Código de Ética de 1986, afirma a necessidade da mudança em função a
dinâmica social e a vinculação profissional com a classe trabalhadora. A ética é
então definida em função do seu caráter histórico e de sua fundação na produção
econômica da sociedade. Aponta-se então a necessidade de uma nova ética
profissional que reflita a vontade coletiva, superando a visão acrítica. No entanto,
esse Código não alcança os avanços esperados, pois expressa uma concepção
ética mecanicista; ao derivar, imediatamente, a moral da produção econômica e dos
interesses de classe não apreende as mediações, peculiaridades e dinâmicas da
ética.
A revisão do Código de 1986 teve como pressuposto a consolidação do
projeto profissional nele evidenciado, numa perspectiva superadora, ou seja, de
garantir suas conquistas e ao mesmo tempo superar suas debilidades, assim
procurou-se estabelecer o recurso à ontologia social permitindo decodificar
eticamente o compromisso com as classes trabalhadoras, apontando para a sua
especificidade no espaço de um Código de Ética: o compromisso com valores éticopolítico emancipadores referidos à conquista da liberdade.
A renovação ética do Serviço Social, tomada a partir do marco histórico do
atual Código e do projeto ético-político profissional - que constrói sua identidade
através da crítica teórica e oposição ética e política ao conservadorismo do Serviço
Social -, é parte de um processo que antecede os anos noventa e permanece em
aberto, colocando indagações quanto à nossa capacidade crítica de analisar e
responder os/aos desafios do presente.
507
O Código de 1993 assinala uma etapa de amadurecimento do processo de
renovação da ética profissional, marcando a consolidação das conquistas afirmadas
no Código de 1986: a ruptura com o conservadorismo ético-moral e a superação da
concepção ética tradicional, abstrata e a - histórica. Além disso, ele supera as
fragilidades teóricas do Código anterior sem romper com a linha de continuidade
política que os unifica; dessa forma, amplia a concepção ética marxista para além da
sua configuração de classe, fornecendo as bases para uma compreensão
ontológico-social da realidade. A devida compreensão teórico-metodológica também
permite explicitar as mediações necessárias entre a ética, os valores e a intervenção
profissional; entre o projeto profissional e o projeto societário ao qual ela se conecta
em dado momento histórico.
O Código explicitou sua diferencialidade em face do discurso liberal, ao
afirmar a equidade e a democracia como valores ético-político. O Código se opõe ao
humanismo cristão porque não concebe uma ética essencialista, dada por uma
essência transcendental e predeterminada à história; ao liberalismo porque não
naturaliza os valores universais nem os concebe como possibilidade objetiva
universal, na ordem burguesa; e ao marxismo anti-humanista, superando-o porquê
repõe a ética no interior da práxis.
O Código trata de dimensão prático-operativa, tendo por eixo a defesa e a
universalização dos direitos sociais e de mecanismos democráticos de regulação
social, traduzindo seus valores e princípios para a particularidade do compromisso
profissional. O Código aponta para as determinações da competência ético-político
profissional identificando as dimensões ética, política, intelectual e prática, na
direção da prestação de serviços sociais, visando o pluralismo, a superação do
moralismo, a recusa do preconceito e da discriminação, enfrentando o dogmatismo,
ao defender a tolerância, concebida como respeito à diversidade.
A partir de 1993, o Código de Ética passa a ser uma das referências dos
encaminhamentos práticos e do posicionamento político dos assistentes sociais em
face da política neoliberal e de seus desdobramentos para o conjunto dos
trabalhadores, e é nesse contexto que o projeto profissional de ruptura começa a ser
definido como projeto ético-político referendado nas conquistas dos dois Códigos
(1986 e 1993), nas revisões curriculares de 1982 e 1996 e no conjunto de seus
avanços teórico-práticos construídos no processo de renovação profissional, a partir
da década de 60.
508
Os valores eticamente legitimados expressam conquistas sócio-históricas
essenciais, e sua permanência ou “perda” é sempre relativa e não depende somente
da categoria profissional, mas do conjunto das forças sociais democrático-populares.
A hegemonia do Código vincula-se à sua capacidade teórico-prática de responder,
positivamente, aos desafios, e a ética contribui para concretizar a superação do
histórico conservadorismo do Serviço Social.
Considerações Finais
A luta pela emancipação da sociedade é um longo caminho a percorrer, e
exige que o profissional, compreenda a totalidade real em que estão engendradas
as relações sociais. Percebendo os limites e desafios a serem enfrentados, afinal os
conceitos que servem aos movimentos de luta para o rompimento da sociedade
burguesa, são os mesmos que servem ao sistema para justificar e amenizar as
mazelas causadas pelo capitalismo.
O Serviço Social constitui-se como um dos atores sociais que realiza um tipo
de prática social, portanto é importante observar se essas práticas ocorrem em
consonância com os princípios da ética profissional do Serviço Social, encontrando
na prática cotidiana as possibilidades políticas de transformação e não esquecendo
o compromisso profissional do assistente social com o coletivo e a construção de
uma esfera publica democrática.
O Serviço Social é uma profissão historicamente jovem, e que ao longo de
sua história já passou por muitos avanços e transformações. Ao observarmos a
história e os avanços propostos pelo código de ética da profissão, é possível
perceber a importância da reflexão ética no agir profissional, e as transformações
desse modo de agir, da consciência profissional sugeridas no ultimo Código de Ética
Profissional do Serviço Social.
A reflexão ética é um dos instrumentos que permitem a compreensão dos
limites e possibilidades da atuação profissional frente os desafios colocados pela
modernidade, na medida em que indagada sobre a realização objetiva dos valores
que assumem.
No bojo das relações sociais historicamente estabelecidas, o profissional de
Serviço Social tem sua prática voltada para atender as necessidades concretas da
classe trabalhadora. O compromisso com essa classe, assumido formalmente no
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Código de Ética de 1986 se realiza, para a maioria dos profissionais, na prática
institucionalizada.
Não basta à fundamentação teórico-metodológico para imediatizarmos uma
ação transformadora; a reflexão ética fará justamente a mediação entre esse saber
teórico-metodológico e os limites e possibilidades, decorrentes das relações
valorativas do homem em sociedade, para a prática profissional.
Não basta conhecer a realidade, querer transformá-la, ter conhecimento
teórico e metodológico, se tudo isso não for dimensionado dentro das possibilidades
da ação, no âmbito político.
Portanto, um dos pressupostos para as possibilidades da ação é a liberdade,
ligada diretamente à responsabilidade e ao compromisso social, que tem na
educação um dos espaços para essa conquista.
A reflexão ética é um dos espaços onde encontraremos suporte para a busca
de respostas a essas questões impulsionadoras da ação, a partir dos desafios
colocados pelos projetos sociopolíticos de nossa realidade social.
Do ponto de vista operacional, o Código de 1993 efetivamente conseguiu
avançar no sentido da explicitação das mediações particulares dos deveres e
direitos profissionais, facilitando, dentro do possível, a objetivação dos valores e
princípios na prática concreta do assistente social.
O Código de Ética de 1993 desempenhou o papel de mobilizador de um
processo que foi incorporado pelas entidades da categoria, especialmente pelo
conjunto CFESS/CRESS, em atividades de capacitação ética e política, com o
objetivo de trazer a ética para o cotidiano da vida social e profissional, superando
sua histórica restrição da ética à expressão formal. Na década de noventa, a ética,
favorecida pela conjuntura nacional e mundial, tornou-se um tema central dos
debates acadêmicos, incentivando a produção teórica, mas também invadindo a vida
cotidiana através dos meios de comunicação.
Embora influenciada pelo marxismo, a renovação ética dos anos noventa não
se reduz a ele; abrangendo teses de pós-graduação, artigos e ensaios, a reflexão
ética do Serviço Social apresenta uma interlocução com diferentes autores, sem
deixar de contar com o aprofundamento do debate e da produção ética inscritos na
tradição marxista.
É a partir dos princípios orientadores no Código de ética, que os profissionais
em Serviço Social, precisão refletir e desenvolver estratégias de mediação para a
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conquista da emancipação social da classe dominada. É a partir da reflexão ética
dos conceitos que fundam os princípios desse Código, como Liberdade, Cidadania,
Direitos Humanos e Democracia, que o profissional encontrará subsídios para sua
ação ética profissional.
REFERÊNCIAS
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. 04 ed. – São Paulo, Cortez, 2006.
______. Ética, direitos humanos e diversidade, in Revista Presença Ética;
03,GEPE, Recife:UFPE,2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 06 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
(Col. O Mundo, Hoje).
OMENA, Valéria Coelho de. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social
e o Processo de Renovação Crítica da Profissão a partir da Década de 1980 no
Brasil. http://pt.scribd.com/doc/14943699/O-MOVIMENTO-DE-RECONCEITUACAODO-SERVICO-SOCIAL-E-O
SILVA, Marlise Vinagre. Ética, Direitos Humanos e o Projeto Ético-político do
Serviço Social, in Revista Estudos de Política e Teoria Social, Número 11, Segundo
Semestre , UFRJ, 2004.
SILVEIRA, Ubaldo. A Ética Profissional na Virada do Século. In: Serviço Social e
Realidade. Franca, v. 8, n.2, pág. 89-101, 1999.
______. Aspectos Históricos da Moral. Franca, 2010 ((Texto de apoio da disciplina
de Ética Profissional em Serviço Social II - UNESP).
______. Nominata: Códigos e Leis de Regulamentação da Profissão de
Assistente Social, Resoluções e Diretrizes Curriculares e Gerais. Franca,
2011(Texto de apoio da disciplina de Ética Profissional em Serviço Social II UNESP).
1
Mestranda em Serviço Social, pelo Programa de Pós Graduação da Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e membro
pesquisadora do Grupos de Estudos e Pesquisa do Serviço Social na Educação – GEPESSE e
membro do grupo de pesquisa: Políticas públicas e democratização do ensino no Brasil: a
implementação das propostas educacionais:mudanças e permanências.
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