Diretrizes Assistenciais Diagnóstico e tratamento de pneumonia adquirida na comunidade em crianças Versão eletrônica atualizada em fev/2012 Autores: Fábio Pereira Muchão, Luiz Vicente Ribeiro Ferreira Silva Filho, Alfredo Elias Gilio. Revisores: Elda Maria Stafuzza Gonçalves Pires, Cristina Quagio Grassiotto, Edwin Adolfo Silva Tito, Henrique Monteiro Neto. Data: 15/02/2012, versão 1.0 Cenário Clínico A pneumonia adquirida na comunidade em crianças é uma importante causa de morbimortalidade no mundo, principalmente em países em desenvolvimento. A incidência estimada pela OMS é de 156 milhões de episódios de pneumonia por ano em crianças menores de 5 anos. Em países desenvolvidos a incidência anual estimada é de 33 por 10.000 crianças menores de 5 anos e 14,5 por 10.000 crianças menores de 16 anos. É uma das 5 principais causas de óbito em menores de 5 anos no Brasil. Os principais fatores de risco para pneumonia são desnutrição, baixa idade e co-morbidades. Outros fatores como baixo peso ao nascer, permanência em creches/ escolas, ausência de aleitamento materno, vacinação incompleta, variáveis sócio-econômicas e ambientais contribuem para a morbimortalidade. A vacinação contra Haemophilus influenzae tipo B e Streptococcus pneumoniae reduziu muito a incidência de pneumonias. Há um grande número de microorganismos causadores de pneumonias em crianças, e sua prevalência varia de acordo com a faixa etária (Tabela 1). O pneumococo é o agente bacteriano mais comum, responsável por até um terço das pneumonias em menores de 2 anos de idade. Os vírus são responsáveis isoladamente por 14 a 35% dos casos, e até 50% dos episódios em lactentes. O Mycoplasma pneumoniae e a Chlamydophila pneumoniae (antigamente chamada Chlamydia) são microorganismos de prevalência crescente, principalmente nos escolares e adolescentes. Tabela 1: Agentes etiológicos das pneumonias da infância adquiridas na comunidade Faixa Etária Neonatal (0-28 dias) 1 a 3 meses 3 meses a 5 anos 5 a 15 anos Etiologia Bacilos gram negativos (enterobactérias) Estreptococo do grupo B Staphylococcos aureus Lysteria monocytogenes Vírus: CMV, VSR Chlamydia trachomatis Streptococcus pneumoniae Staphylococcos aureus Vírus: VSR, parainfluenza, adenovírus, influenza, rinovírus Streptococcus pneumoniae Haemophilus influenzae não tipáveis, Moraxellia catharralis Staphylococcos aureus Vírus: VSR, parainfluenza, adenovírus, influenza, rinovírus Mycoplasma pneumoniae Chlamydophila pneumoniae Streptococcus pneumoniae Mycoplasma pneumoniae Chlamydophila pneumoniae Staphylococcos aureus CMV: citomegalovírus, VSR: Vírus sincicial respiratório Objetivos Otimizar o diagnóstico e tratamento das pneumonias adquiridas na comunidade em crianças e adolescentes. Otimizar o uso de antibióticos no tratamento da pneumonia adquirida na comunidade. População alvo Crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos de idade, com pneumonia adquirida na comunidade População excluída Pacientes com idade superior a 16 anos. Pacientes com imunodeficiência primária ou secundária ou doença pulmonar crônica Pacientes com internação por mais de 48hs, nos últimos 15 dias. Considerações para o diagnóstico Diagnóstico clínico: Em recém-nascidos e lactentes, os sinais e sintomas freqüentemente são inespecíficos. Podem ocorrer: Febre ou hipotermia. Sintomas respiratórios como tosse seca ou produtiva e coriza são comuns, mas podem ser menos exuberantes. Inapetência, irritabilidade, letargia e gemência. Taquipnéia (sinal muito sensível) e/ou dispnéia. Deve-se ter cuidado especial na avaliação pediátrica nesta faixa etária, pois a semiologia pulmonar pode ser pobre. Em pré-escolares e escolares o quadro clínico é mais típico: Evolução inicial semelhante a resfriado ou gripe (tosse seca ou produtiva, febre e coriza). A exacerbação dos sintomas, a manutenção da febre por período superior a 48-72 horas e a associação de dispnéia, prostração e palidez sugere complicação bacteriana. Menos freqüentemente podem ocorrer dor ou distensão abdominal e vômitos. Sinais clássicos da semiologia de condensação pulmonar (que podem estar ausentes): • submacicez à percussão. • crepitações, diminuição de murmúrios vesiculares, “respiração soprosa”. • broncofonia aumentada. Diagnóstico Radiológico: Alterações comuns ao Raio X de tórax PA e perfil são: Consolidações alveolares Opacificações de borda cardíaca (acometimento de lobo médio, língula) Opacificações reticulares Imagens sugestivas de complicações: • Opacidades com perda de volume/ desvio de estruturas (atelectasias) • Apagamento de seios costofrênicos/ cúpula diafragmática única ao Raio X de perfil (derrame pleural) O Raio X de tórax é extremamente útil ao diagnóstico, mas o padrão radiológico não define a etiologia da pneumonia. Diagnóstico laboratorial: HMG, PCR, pró-calcitonina são marcadores inespecíficos de processo inflamatório. Podem ser utilizados como ferramenta auxiliar, porém de valor limitado, na diferenciação entre processo viral e bacteriano (principalmente se analisados em conjunto). Tem utilidade no seguimento da resposta ao tratamento. Diagnóstico etiológico: A pesquisa do agente etiológico deve ser feita para todos os pacientes internados. Ela pode incluir: Hemocultura – apesar da baixa positividade Sorologias (M.pneumoniae, C.pneumoniae) Pesquisa viral (VRS, adenovírus, influenza, para influenza) Análise do liquido pleural, se puncionado: análise bioquímica, bacterioscopia, cultura Técnicas de biologia molecular (PCR) Em situações específicas, principalmente em pacientes gravemente doentes que estão piorando apesar da terapêutica antimicrobiana empírica, pode-se indicar: • Lavado broncoalveolar • Punção pulmonar aspirativa • Biópsia pulmonar a céu aberto. Recomendações para o tratamento Tratamento ambulatorial Recomendações gerais de hidratação, antitérmicos e orientação dos sinais de piora/ gravidade devem ser oferecidos para todos os pacientes. A amoxicilina é o antibiótico de primeira escolha para as crianças tratadas ambulatorialmente, porque é eficaz contra a maioria dos patógenos e bem tolerada (Fluxograma 1). A dose habitual é a de 50mg/kg/ dia e pode ser suspensa após 3 a 5 dias da resolução dos sintomas. Não é recomendado o controle radiológico para pacientes que evoluíram bem com o tratamento ambulatorial. Se a criança permanecer febril após 72hs de tratamento ou apresentar piora clínica, deve ser reavaliada clinica e radiologicamente, para afastar alguma complicação. Na ausência de complicações, o antibiótico deve ser trocado, de acordo com a idade. Para menores de 5 anos as opções são amoxicilina e clavulanato, cefalosporina de 2a ou 3a geração. Para os maiores de 5 anos, a claritromicina bem como a amoxicilina e clavulanato ou as cefalosporinas de 2a ou 3a gerações são opções adequadas. As crianças com evidência de complicação devem ser internadas, e o antibiótico revisto. Fluxograma 1: Tratamento ambulatorial das pneumonias da infância Algumas situações requerem abordagem específica, como as apresentadas no quadro abaixo. Indicações de internação/ acionamento da retaguarda Idade menor que 2 meses Insuficiência respiratória aguda Hipoxemia, saturação de oxigênio < 92% Comprometimento do estado geral, toxemia, desidratação Pneumonia extensa Impossibilidade de ingerir medicações (vômitos) Falha de resposta à terapêutica ambulatorial Imunodeficiência primária ou secundária Complicações • Derrame pleural • Abscesso pulmonar • Pneumatocele • Pneumotórax Tratamento hospitalar A penicilina cristalina na dose de 200.000U/kg/dia é o antibiótico de primeira escolha no tratamento das crianças com alguma indicação de internação (Fluxograma 2). Se a criança permanecer febril após 72hs de tratamento ou apresentar piora clínica, deve ser reavaliada clinica e radiologicamente, para afastar alguma complicação. Na ausência de complicações, o antibiótico deve ser trocado para amoxicilina e clavulanato, cefalosporina de 2a ou 3a geração, ponderando-se sempre a associação com macrolídeos para crianças maiores de 5 anos, ou com quadro sugestivo de M. Pneumoniae. As crianças com evidência de complicação devem receber abordagem específica. Fluxograma 2: Tratamento hospitalar da pneumonia na infância Highlights O Raio X de tórax é extremamente útil ao diagnóstico, mas o padrão radiológico não define a etiologia da pneumonia. Nenhum exame laboratorial deve ser solicitado para crianças com tratamento ambulatorial. A pesquisa do agente etiológico deve ser feita para todos os pacientes internados. Ela pode incluir: Hemocultura – apesar da baixa positividade Sorologias (M.pneumoniae, C.pneumoniae) Pesquisa viral (VRS, adenovírus, influenza, para influenza) Análise do liquido pleural, se puncionado: análise bioquímica, bacterioscopia, cultura A amoxicilina é o antibiótico de primeira escolha para as crianças tratadas ambulatorialmente. A dose recomendada é de 50mg/kg/dia, e a duração do tratamento é de 5 a 10 dias (3 a 5 dias após resolução dos sintomas). Se a criança permanecer com febre após 72hs do tratamento ou apresentar piora clínica, deve ser revista clinica e radiologicamente, para afastar a presença de complicações. Para as crianças com indicação de internação, a penicilina cristalina na dose de 200.000U/kg/dia é o antibiótico de primeira escolha. A duração total do tratamento deve ser de 7 a 10 dias, se não houver complicações. Indicador Major: Prescrição inicial de Penicilina Cristalina em crianças internadas por Pneumonia / Total de crianças internadas por pneumonia. Referências bibliográficas 1) Korppi M. Non-specific host response markers in the differentiation between pneumococcal and viral pneumonia: what is the most accurate combination? Pediatr Int. 2004 Oct;46(5):545-50. 2) Diretrizes brasileiras para tratamento das pneumonias adquiridas no hospital e das associadas à ventilação mecânica e Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria. Jornal Bras Pneumo 2007; 33: Supl. 1S. 3) Flood RG; Badik J; Aronoff SC. The utility of serum C-reactive protein in differentiating bacterial from nonbacterial pneumonia in children: a metaanalysis of 1230 children. Pediatr Infect Dis J. 2008 Jul;27(7):670. 4) Cardoso MR; Nascimento-Carvalho CM; Ferrero F; Berezin EN; Ruvinsky R; Camargos PA; Sant'anna CC; Brandileone MC; de Fátima P March M; FerisIglesias J; Maggi RS; Benguigui Y; CARIBE Group. Penicillin-resistant pneumococcus and risk of treatment failure in pneumonia. Arch Dis Child 2008;93:221–225. 5) Yoshioka CR; Martinez MB; Brandileone MC; Ragazzi SB; Guerra ML; Santos SR; Shieh HH; Gilio AE. Analysis of invasive pneumonia-causing strains of Streptococcus pneumoniae: serotypes and antimicrobial susceptibility. J Pediatr (Rio J). 2011; 87(1): 70-5. 6) Harris M; Clark J; Coote N; Fletcher P; Harnden A; McKean M; Thomson A. British Thoracic Society guidelines for the management of community acquired pneumonia in children: update 2011. Thorax. 2011; 66 Suppl 2: ii1-23 Nota: Estas recomendações resultaram da revisão crítica da literatura e de práticas atuais, e não tem a intenção de impor padrões de conduta, mas ser um instrumento na prática clínica diária. O médico, frente ao seu paciente (inclusive considerando as opiniões deste), deve fazer o julgamento a respeito da decisão de tratamento ou das prioridades de qualquer procedimento. ORIENTAÇÃO PÓS ALTA – PNEUMONIA NA INFÂNCIA Informações gerais A pneumonia é uma doença infecciosa dos pulmões, que causa febre, tosse e cansaço. Na maioria das vezes é causada por bactérias, e por isso o tratamento é realizado com antibiótico. Uma melhora dos sintomas é observada com 48 a 72hs de tratamento. Instruções pós atendimento Ofereça muitos líquidos para a criança ao longo do dia Medique a febre com antitérmicos, como a dipirona ou o paracetamol Evite a prática de esporte durante o tratamento Se a criança apresentar piora clínica como cansaço, dificuldade para respirar ou prostração, ou se a febre persistir após 72hs de tratamento, deve ser reavaliada pelo seu pediatra, ou retornar a unidade de pronto atendimento.