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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
JULIANO FERNANDES ESCOURA
TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA
DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO CONTROLE
CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE
RIBEIRÃO PRETO
2010
1
JULIANO FERNANDES ESCOURA
TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA
DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO CONTROLE
CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Faculdade de Direito Universidade de
Ribeirão Preto, como exigência parcial para obtenção do
grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr.
Lucas de Souza Lehfeld.
RIBEIRÃO PRETO
2010
2
Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento
Técnico da Biblioteca Central da UNAERP
- Universidade de Ribeirão Preto -
E74t
Escoura, Juliano Fernandes, 1978 Transcendência dos motivos determinantes da decisão do Supremo
Tribunal Federal no controle concreto de constitucionalidade / Juliano
Fernandes Escoura. - - Ribeirão Preto, 2010.
127 f.
Orientador: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld.
Dissertação (mestrado) - Universidade de Ribeirão Preto,
UNAERP, Direito, área de concentração: Proteção e Fundamentos
Constitucionais dos Direitos Coletivos. Ribeirão Preto, 2010.
1. Direito. 2. Controle de constitucionalidade. 3. Abstrativização
do controle concreto de constitucionalidade. I. Título.
CDD: 340
JULIANO FERNANDES ESCOURA
TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA DECISÃO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL NO CONTROLE CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da
Faculdade de Direito - Universidade de Ribeirão Preto, área de
concentração Proteção e Fundamentos Constitucionais dos Direitos
Coletivos, sob orientação do Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld.
Área de Concentração: Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social do Direito.
Data da defesa: 12 de fevereiro de 2010
Resultado: Aprovada
_________________________________________
Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld.
Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP
__________________________________________
Prof. Dr. Juventino de Castro Aguado
Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP
__________________________________________
Prof. Dr. Wendell Domingues Ugatti
IEPRS/UNICOC
3
Dedico ao meu amado, querido e saudoso pai Wilson (in
memoriam), que me legou valores de trabalho, garra,
determinação, superação, profissionalismo, honestidade,
caráter e justiça. Muito obrigado pelas lições!
A minha mãe Yara, pessoa mais importante da minha
vida, que, diariamente, concede-me todo seu amor e
carinho.
A minha irmã Mayara, espírito nobre e elevado,
verdadeira benção na minha vida, por compartilhar
comigo diariamente todas as dificuldades e alegrias.
Aos meus irmãos Juliane, Walner e Jéssica, pessoas
maravilhosas que me proporcionam sentimentos de
muito orgulho e afeto.
Ao meu saudoso amigo Paulo Eduardo Morato Pinto de
Almeida (in memoriam), irmão espiritual, pela benção
divina de ter compartilhado momentos inesquecíveis.
Levo sua amizade no meu coração eternamente.
Aos meus jovens e lindos sobrinhos Clara, Lucas e
Gabriel, fontes de luz e esperança por dias melhores.
A todos os meus brilhantes alunos, especialmente Caio
Fornari, Alexandre Borges, Felipe Scavazzini e Mariana
4
Batizoco que sempre me fazem romper a barreira do
conhecimento.
Aos meus demais amigos, inclusive, da AdvocaciaGeral da União, pela tolerância e paciência de me
suportarem em momentos difíceis, bem como por toda
colaboração e compreensão.
Agradeço a Deus e ao meu anjo da guarda que iluminam
meu caminho, diariamente, ajudando-me sempre a
destrinchá-lo.
Ao meu orientador, professor e amigo Dr. Lucas de
Souza Lehfeld, pessoa que me inspira, ensina e estimula
na área docente, pelo incentivo e valorização deste
5
trabalho em especial. Que Deus continue guiando vossa
sabedoria e rigor científico e didático.
Ao Dr. Olavo Alves Ferreira, expoente ímpar do Direito
Constitucional pátrio, pela contribuição imprescindível
para a consecução deste trabalho.
“Senhores, os que madrugam no ler, convém
madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o
refletir. O saber não está na ciência alheia, que se
absorve, mas, principalmente, nas idéias próprias, que se
geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a
transmutação, por que passam, no espírito que os
assimila. Um sabedor não é o armário de sabedoria
6
armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições
geridas.
Já se vê quanto vai do saber aparente ao saber real. O
saber de aparência crê e ostenta saber tudo. O saber de
realidade, quanto mais real, mais desconfia, assim do
que vai apreendendo, como do que elabora”.
Rui Barbosa
7
TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA
DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO CONTROLE
CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE
Resumo
O controle de constitucionalidade brasileiro adota o sistema jurisdicional misto, composto
pelas vias difusa e concentrada. Esta realizada perante o Supremo Tribunal Federal, em que a
declaração de inconstitucionalidade, em regra, possui eficácia ex tunc, erga omnes e
vinculante. Aquela, atualmente, mostrando tendência doutrinária e jurisprudencial de que a
declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal possui eficácia erga
omnes e vinculante, independentemente da resolução do Senado Federal prevista no art. 52,
X, da Constituição Federal, passando este dispositivo por verdadeiro processo de mutação
constitucional, cuja função visa a dar tão-somente publicidade às decisões do STF. Como
justificativas têm-se o princípio da supremacia constitucional, os inconvenientes da
discricionariedade do Senado em expedir a resolução, o contexto do controle de
constitucionalidade quando foi criado o mecanismo de ampliação dos efeitos pelo Senado, os
aspectos processuais que demonstram a importância da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal em casos concretos e o cabimento de reclamação constitucional e ação indenizatória
no caso de desrespeito da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo Supremo
Tribunal Federal.
Palavras-chave: controle de constitucionalidade. via difusa – efeitos. resolução do Senado
Federal. eficácia erga omnes. eficácia vinculante. declaração de inconstitucionalidade pelo
Supremo Tribunal Federal.
8
TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA
DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO CONTROLE
CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE
Abstract
The Brazilian control of constitutionality adopts the mixed jurisdictional system which
consists of the diffused and the concentrated methods. The latter is accomplished before the
Supreme Court, where, as a rule, the declaration of unconstitutionality has ex tunc, erga
omnes, and binding effectiveness. The former nowadays presents a doctrinarian and
jurisprudential tendency stating that the declaration of unconstitutionality by the Supreme
Court has erga omnes and binding effectiveness, independently of the Senate’s resolution
foreseen in article 52, X, of the Federal Constitution, this provision going through an actual
process of constitutional mutation, whose function solely aims at giving publicity to the
Supreme Court’s decisions. Some justifications are mentioned, such as the principle of
constitutional supremacy, the inconveniences of the Senate’s discretionality in dispatching the
resolution, the context of control of constitutionality when the mechanism of amplification of
the effects by the Senate was created, the procedural aspects which demonstrated the
importance of the Supreme Court jurisprudence in concrete cases, and the pertinence of
constitutional claim and action for damages in case of disrespect of the incidental declaration
of unconstitutionality by the Supreme Court.
Keywords: judicial review. via diffuse - effects. resolution of the Senate. erga omnes - effect.
binding - effect. declared unconstitutional by the Supreme Court.
9
LISTA DE SIGLAS
ADC - Ação Declaratória de Constitucionalidade
ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica
ADIN - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADO - Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
ADPF - Arguição de descumprimento de preceito fundamental
CCJ - Comissões Permanentes de Constituição e Justiça
CF - Constituição Federal
CF/88 - Constituição Federal de 1988
CPC - Código de Processo Civil
DF - Distrito Federal
EC - Emenda Constitucional
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PGR - Procurador-Geral da República
PP - Partido Progressista
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
10
TSE - Tribunal Superior Eleitoral
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12
1 GÊNESE E HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE .......... 19
1.1
CONSTITUCIONALISMO ........................................................................................ 19
1.2
SUPREMACIA CONSTITUCIONAL ........................................................................ 22
1.3
SISTEMAS DE CONTROLE ..................................................................................... 25
1.4
ESCORÇO HISTÓRICO ............................................................................................ 29
1.4.1
Estados Unidos da América ......................................................................................... 29
1.4.2
Brasil ............................................................................................................................ 31
1.4.2.1 Constituição Imperial de 1824 ..................................................................................... 31
1.4.2.2 Constituição de 1891 ................................................................................................... 32
1.4.2.3 Constituição de 1934 ................................................................................................... 34
1.4.2.4 Constituição de 1937 ................................................................................................... 36
1.4.2.5 Constituição de 1946 ................................................................................................... 37
1.4.2.6 Constituição de 1967 ................................................................................................... 39
1.4.2.7 Constituição de 1988 ................................................................................................... 40
2 CLASSIFICAÇÕES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ................... 44
2.1
APONTAMENTOS DE CRITÉRIOS DIVERSOS .............................................. 44
2.2
QUANTO AO MOMENTO DE CONTROLE ..................................................... 46
2.2.1
Controle preventivo ............................................................................................... 47
2.2.2
Controle repressivo ................................................................................................ 49
2.3
QUANTO À PRETENSÃO ALMEJADA ............................................................ 53
2.3.1
Controle abstrato ................................................................................................... 53
2.3.1.1
Conceito e denominações ...................................................................................... 53
2.3.1.2
Modalidades .......................................................................................................... 55
2.3.1.3
Competência, quorum de julgamento e legitimidade ............................................ 58
2.3.1.4
Objeto .................................................................................................................... 61
2.3.1.5
Efeitos da decisão .................................................................................................. 63
2.3.1.5.1
Síntese legislativa pós Constituição de 1988 ......................................................... 63
2.3.1.5.2
Classificação dos efeitos ........................................................................................ 64
12
2.3.1.5.2.1 Efeitos objetivos .................................................................................................... 65
2.3.1.5.2.2 Efeitos subjetivos ................................................................................................... 66
2.3.1.5.2.3 Efeitos temporais ................................................................................................... 69
2.3.2
Controle concreto .................................................................................................. 72
2.3.2.1
Conceito e denominações ...................................................................................... 72
2.3.2.2
Competência, quorum de julgamento e legitimidade ............................................ 74
2.3.2.3
Efeitos da decisão .................................................................................................. 75
2.3.2.3.1
Efeitos objetivos .................................................................................................... 75
2.3.2.3.2
Efeitos subjetivos................................................................................................... 77
2.3.2.3.3
Efeitos temporais ................................................................................................... 79
2.3.3
Resolução do Senado Federal ................................................................................ 80
3 ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO DE
CONSTITUCIONALIDADE ............................................................................................. 84
3.1 PRECEDENTE: RECLAMAÇÃO Nº 4335-5/AC AJUIZADA CONTRA
VIOLAÇÃO À DECISÃO PROFERIDA NO HABEAS CORPUS Nº 82.959/SP.......... 84
3.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL ........................................................................................................................ 87
3.3 REFLEXOS DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ........... 88
3.4 APROXIMAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO AO ABSTRATO ............................. 92
3.5 DISCRICIONARIEDADE DA EDIÇÃO DE RESOLUÇÃO PELO SENADO
FEDERAL E INCONVENIENTES .................................................................................. 97
3.6 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL .................................................................................. 100
3.7 QUESTÕES POLÊMICAS ............................................................................................. 106
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 111
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116
13
INTRODUÇÃO
A tendência da abstrativização, abstração, objetivização do controle
concreto de constitucionalidade ou transcendência dos motivos determinantes da decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) na via difusa-concreta constitui, atualmente, um dos temas
mais controversos, complexos e polêmicos do direito constitucional contemporâneo no qual
se discute a possibilidade da concessão da eficácia erga omnes e vinculante à decisão que
declara definitivamente, no caso concreto, a inconstitucionalidade da lei proferida pelo órgão
de cúpula do Poder Judiciário independentemente de resolução suspensiva do Senado Federal.
A denominação abstrativização, abstração ou objetivização decorre do fato
de que a eficácia erga omnes é apanágio do controle abstrato de constitucionalidade, e não do
controle concreto que necessita da resolução do Senado para tanto, portanto, ao se dispensar
esse ato normativo para a atribuição da eficácia geral das decisões do STF, abstrativiza-se o
controle concreto.
Por sua vez, a expressão transcendência dos motivos determinantes é
proveniente de que, no controle concreto, a análise da inconstitucionalidade da lei é feita na
fundamentação da decisão e não produz coisa julgada, mas, ao se acolher tal tendência, a
declaração de inconstitucionalidade do ato normativo pelo STF passa a servir como parâmetro
para outras causas.
Para o deslinde do tema mister se faz uma abordagem acerca da origem,
requisitos, desenvolvimento e sistemas mundiais de controle de constitucionalidade,
demonstrando-se aqui a tendência de convergência entre os sistemas norte-americano ou
difuso-concreto e o europeu-kelseniano ou concentrado-abstrato, bem como a análise
histórico-evolutiva de todas as Constituições brasileiras.
O direito constitucional brasileiro adota, inicialmente, com a Constituição
de 1891, influenciado pelo direito norte-americano, o sistema concreto-difuso de
constitucionalidade,
conferindo
a
qualquer
órgão
jurisdicional
a
verificação
da
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo na análise do caso concreto.
Contudo, o modelo norte-americano era baseado na commow law, cujas
fontes eram os usos, costumes e precedentes jurisprudenciais, com a presença da força
14
vinculativa (stare decisis) das decisões da Suprema Corte, e o modelo brasileiro filiava-se ao
direito romano-germânico, cuja fonte primária era a lei, não existindo pelos demais juízes
tradição de se respeitar a decisão declaratória de inconstitucionalidade tomada pelo STF.
Com o fito de suprir a ausência da eficácia erga omnes até então existente, a
Constituição Federal de 1934 institui a competência do Senado Federal para suspender a
execução, no todo ou em parte, da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo STF,
evitando-se, assim, possíveis decisões contraditórias entre este órgão e os demais magistrados.
A escolha do Senado Federal para o exercício de tal atribuição na época
justifica-se pelo fato de constitucionalmente ser o órgão de coordenação dos demais poderes
estatais, propiciando harmonização do princípio da separação dos poderes.
Sob a égide da Constituição Federal de 1946, com a aprovação da Emenda
Constitucional nº 16, de 1965, introduz-se no direito pátrio, sem prejuízo do controle
concreto-difuso e da competência do Senado Federal para suspender a lei inconstitucional, o
controle concentrado-abstrato, oriundo do direito europeu-continental, caracterizado pela
discussão da inconstitucionalidade da lei em tese no âmbito do STF, cujo único legitimado
ativo era o Procurador-Geral da República.
No regime da Constituição de 1988, o controle abstrato-concentrado
ganha destaque em detrimento do controle difuso em razão da ampliação dos legitimados
para a propositura da ação, pondo termo ao monopólio do Procurador-Geral da República.
Também é criada a ação direta de inconstitucionalidade por omissão,
ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito
fundamental, sem prejuízo da ação direta de inconstitucionalidade genérica e ação direta
de inconstitucionalidade interventiva já existentes.
As Leis nº 9.868/99 e nº 9.882/99 disciplinam tais ações inovando no
direito pátrio ao prever as técnicas da interpretação conforme a Constituição e declaração
parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto; a previsão da eficácia erga omnes e
vinculante da decisão do STF que aprecie a constitucionalidade da lei para os demais
órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal,
inclusive, com a possibilidade de manipular os efeitos da decisão visando atender ao
interesse público.
De igual modo, permite a concessão de liminar pelo relator para
suspender a execução da lei inconstitucional com o respectivo efeito da repristinação e
15
admite-se a participação da sociedade na discussão da inconstitucionalidade da lei por
meio do amicus curiae.
Por outro lado, subsiste, no texto constitucional de 1988, a via concretadifusa conjugada com a competência do Senado Federal para editar resolução que
suspenda a lei declarada inconstitucional pelo STF, com o fito de ampliar os efeitos dessa
decisão para todas as pessoas.
Analisado o contexto histórico das Constituições brasileiras e verificada a
adoção do sistema jurisdicional de controle de constitucionalidade misto, abrangendo as vias
concreta-difusa e abstrata-concentrada, cada qual com suas características, legitimidade, objeto e
efeitos específicos, adentra-se na análise de diversos critérios de classificação do controle de
constitucionalidade, com ênfase para os controles preventivo e repressivo e abstrato e concreto.
Nota-se, contudo, inúmeras mudanças legislativas e jurisprudenciais que
rompem com os paradigmas tradicionais do controle concreto-difuso, desembocando
numa aproximação deste com o controle abstrato-concentrado, o que é demonstrado
pormenorizadamente.
Assim, num primeiro momento, o Código de Processo Civil e a legislação
extravagante sofrem alterações que privilegiam a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
formada a partir do controle concreto-difuso de constitucionalidade já que no controle
abstrato-concentrado a decisão já é dotada de efeito vinculante.
Aponta-se a possibilidade de o relator negar seguimento a qualquer recurso
em confronto com súmula do STF ou dar provimento a ele, caso a decisão recorrida contrarie
súmula do STF (art. 557, caput e § 1º-A, acrescentado no Código de Processo Civil pela Lei
nº 9.756/98).
No procedimento do recurso extraordinário interposto no âmbito dos
Juizados Especiais Federais, a decisão do STF é dotada de força vinculante para as turmas
recursais (art. 14, §§ 4º a 9º da Lei nº 10.259/01).
Torna-se despiciendo o reexame necessário quando a sentença estiver
fundada em jurisprudência do plenário do STF ou súmula deste (art. 475, § 3º, introduzido no
Código de Processo Civil pela Lei nº 10.352/01).
Ademais, considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato
normativo declarado inconstitucional pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da
16
lei ou ato normativo considerado por esta Corte como incompatível com a Constituição
Federal (art. 475-L, § 1º e art. 741, parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil,
acrescentados pela Lei nº 11.232/05).
Por último, o recurso de apelação deixa de ser conhecido quando a sentença
estiver em conformidade com súmula do STF (art. 518, § 1º, do Código de Processo Civil,
inserido pela Lei nº 11.276/06).
No plano constitucional, a Emenda nº 45/04 incorpora ao direito brasileiro a
figura da súmula vinculante consistindo na jurisprudência consolidada do STF na via concreta
que deve ser seguida obrigatoriamente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder
Executivo com o fito de desafogar o Poder Judiciário, proporcionar celeridade na tramitação
dos processos e dirimir quaisquer decisões conflitantes.
Traz também ao mundo jurídico o pressuposto de admissibilidade específico
do recurso extraordinário da repercussão geral, o que faz com que esse recurso deixe de ser
visto como processo de natureza subjetiva, e passe a ser caracterizado como processo
objetivo, típico do controle abstrato-concentrado.
Como consequência disso, sob a ótica jurisprudencial, o próprio Supremo
Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça começam a aplicar institutos próprios do
controle abstrato de constitucionalidade para o controle difuso como a manipulação dos
efeitos da decisão; o entendimento de que a causa de pedir é aberta, permitindo ao tribunal
decretar a inconstitucionalidade com base em fundamento diverso constante da petição
inicial; dispensando da cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição
Federal (CF), quando o STF já se manifestou sobre a inconstitucionalidade da lei,
incorporado na legislação pelo art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil
(CPC) inserto pela Lei nº 9.756/98.
Operam-se, portanto, nas últimas duas décadas, significativas evoluções do
controle de constitucionalidade e institutos afins nos métodos abstrato-concentrado e
concreto-difuso, as quais merecem ser analisadas com profundidade para que seja possível
verificar sua influência nos efeitos da decisão do STF que declara a inconstitucionalidade da
lei na via concreta e o correspondente papel do Senado Federal.
Questiona-se, assim, se a resolução do Senado Federal, que suspende a lei
declarada inconstitucional pelo STF na via concreta, ainda tem o papel de conceder eficácia
erga omnes ou se houve um processo de alteração silenciosa da norma contida no texto do art.
17
52, X, da Constituição Federal de 1988, em decorrência de todas as mudanças históricas,
fáticas, legislativas e jurisprudenciais ocorridas.
Como marcos referenciais, tem-se a doutrina de Gilmar Mendes já
ratificada no voto na reclamatória acima mencionada e dos constitucionalistas André
Ramos Tavares e Luís Roberto Barroso.
A quaestio juris encontra-se no bojo da Reclamação nº 4335-5/AC, ajuizada
em 2006, no STF, em que se analisa a abrangência dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade proferida por este Tribunal no Habeas Corpus nº 82.959/SP, e, por
conseguinte, por se tratarem de questões umbilicalmente ligadas, o papel do Senado Federal
previsto no art. 52, X, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), ressaltando que o julgamento
ainda não foi concluído em virtude do pedido de vista do Ministro Ricardo Lewandowski.
Os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau votaram no sentido de que
declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal na via difusa já é suficiente
para gerar efeito geral, independentemente da edição de resolução senatorial, enquanto que os
Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa manifestaram-se pelo não conhecimento da
reclamação, mas enfatizando que somente com a edição da súmula vinculante seria possível
cogitar-se no efeito pamprocessual.
Alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça também se inclinam para a
aplicação da abstrativização do controle concreto das decisões de inconstitucionalidade
proferidas pela Suprema Corte conforme se extrai nos Recursos Especiais nºs 741.737 – SP
(2005/0059450-5)1, relatora Ministra Denise Arruda; 744.937 – SP (2005/0067699-3)2,
1
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 741.737 - SP (2005/0059450-5). Processual Civil.
Embargos de Declaração no recurso especial. Confins. Lei 9.718/98. Omissão. Majoração da alíquota. Acórdão decidido por
fundamentos constitucionais. A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração da contribuinte e acolheu os da
Fazenda Nacional, alterando o resultado do julgamento para dar parcial provimento ao recurso especial. Relatora: Ministra
Denise Arruda. DJ, 31 agosto 2006. Revista Eletrônica da Jurisprudência, Brasília, DF. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2502407&sReg=20050059
4505&sData=20060831&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 26 nov. 2009.
2
Id. Supremo Tribunal Federal. EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 744.937 – SP. (2005/0067699-3). Assim, deve-se
adotar a orientação firmada pela Excelsa Corte, para negar provimento ao recurso especial, mantendo-se para a
contribuição em referência a aplicação da base de cálculo prevista no art. 2° da Lei Complementar 70/91, ou
seja, o conceito de faturamento ali indicado equivalente ao de receita bruta das vendas de mercadorias, de
mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza. Fazenda Nacional e Benteler Estamparia Automotiva
LTDA. Relatora: Ministra Denise Arruda. Revista Eletrônica da Jurisprudência, Brasília, DF. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2550852&sReg=200500676
993&sData=20060914&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 26 nov. 2009.
18
relatora Ministra Denise Arruda e 828.106–SP (2006/0069092-0)3, relator Ministro Teori
Albino Zavascki.
Constata-se, assim, que parte da doutrina e jurisprudência ruma para uma
nova interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade na via difusa pelo
Supremo Tribunal Federal, e, por consequência, da resolução suspensiva do Senado Federal.
Perfilham o entendimento de que o novo papel do Senado Federal no
contexto do controle de constitucionalidade difuso é tão somente dar publicidade à decisão do
Supremo Tribunal Federal que declara a inconstitucionalidade da lei incidenter tantum, a qual
por si só já produz eficácia erga omnes.
Indaga-se que a discricionariedade atribuída ao Senado Federal para
suspender a lei declarada inconstitucional pelo STF pode gerar uma série de inconvenientes e
injustiças causando violação a uma gama enorme de princípios constitucionais.
Como compatibilizar a aplicação de uma lei definitivamente declarada
inconstitucional pelo guardião da Constituição na via concreta com o princípio da supremacia
constitucional e força normativa da Constituição em razão da inércia do Senado Federal em
não editar a resolução suspensiva?
Da mesma forma, a não edição da resolução do Senado Federal coaduna-se
com as cláusulas pétreas dos princípios da celeridade processual e isonomia, haja vista que os
demais jurisdicionados que não foram parte no processo terão necessariamente que ajuizarem
ações para obterem seu direito baseado em não incidência de lei declarada definitivamente
inconstitucional pelo STF?
E se os juízes entenderem de forma diferente do Pretório Excelso, quanto
tempo e dispêndio financeiro se exigirá do jurisdicionado para que a questão chegue até o
Supremo Tribunal Federal?
Como é possível, ainda, atribuir eficácias distintas às decisões proferidas
pelo mesmo órgão de cúpula do Poder Judiciário, observado o mesmo quorum de aprovação,
tão somente em virtude da natureza do processo em que proferida?
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial Nº 828.106 - SP (2006/0069092-0). Decide a
Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial provimento ao
recurso especial. Vilar Comércio de Bebidas LTDA e Fazenda Nacional. Relator: Ministro Teori Albino
Zavascki. DJ: 15 maio 2006. Revista Eletrônica da Jurisprudência, Brasília, DF. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2394303&sReg=200600690
920&sData=20060515&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 26 nov. 2009.
19
E como justificar a prevalência da decisão liminar proferida pelo relator no
processo abstrato que suspende a eficácia da lei inconstitucional dotada de eficácia erga
omnes e vinculante em detrimento da decisão do pleno que declara definitivamente por
maioria absoluta dos seus membros a inconstitucionalidade da lei no caso concreto?
Cumpre verificar, também, se a tendência da transcendência dos motivos
determinantes do controle concreto de constitucionalidade pelo STF compatibiliza-se com o
instituto da súmula vinculante, tendo em vista que aqui o texto constitucional outorga efeito
vinculante à questão constitucional.
Pode-se afirmar que a súmula vinculante definitivamente tornou despicienda
a expedição de resolução pelo Senado Federal suspendendo a lei, ou parte dela, declarada
definitivamente inconstitucional pelo STF, tendo em vista que aquela já vincula os demais
órgãos do Poder Judiciário?
Acaso admitida a abstrativização do controle concreto e haja o desrespeito
da decisão do STF é cabível a reclamação constitucional? Pode-se, ainda, falar nesse caso em
responsabilidade do Estado?
Essas são algumas das questões que se procura analisar na presente
dissertação, as análises serão pautadas em material doutrinário, nacional e internacional,
jurisprudencial e legislativo, com a adoção do método dedutivo, tendo como escopo trazer
maiores reflexões sobre o tema.
Portanto, a transcendência dos motivos determinantes é definida como a
tendência adotada pelo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça (STJ),
legislação e parte da doutrina em conferir eficácia erga omnes às decisões proferidas pelo
STF no controle difuso-concreto independentemente da resolução do Senado Federal.
20
1 GÊNESE E HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
1.1 CONSTITUCIONALISMO
Para uma melhor compreensão do fenômeno da abstrativização do controle
concreto-difuso mister se faz, ab ovo, volver à origem do controle de constitucionalidade, isto
é, ao constitucionalismo, merecendo, portanto, uma abordagem sucinta.
Loewenstein1 apregoa que a palavra constitucionalismo é equívoca e
comporta quatro significados:
[...] numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento políticosocial com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial,
limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a
imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado,
numa terceira concepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e
atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa
vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução históricoconstitucional de um determinado Estado.
O constitucionalismo, sob a ótica do movimento constitucional que restringe
o poder arbitrário, é classificado por José Joaquim Gomes Canotilho2, de acordo com o
momento cronológico, em antigo e moderno, denotando seu avanço no decorrer do tempo.
O constitucionalismo antigo abrange os movimentos ocorridos entre a Idade
Antiga e a Idade Média que medeiam do começo da história até meados do século XVIII.
Tem como berço a civilização hebraica em decorrência das limitações impostas aos
governantes pela adoção do Estado Teocrático em que se conferia legitimidade aos profetas
para fiscalizá-los quando se afastassem dos preceitos bíblicos.
1
LOEWENSTEIN, 1970, p. 154 apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 4.
2
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 51-52.
21
Os gregos, por meio das Cidades-Estados, no século V a.C., também
contribuíram para esse movimento com a prática da democracia direta em que os governantes
eram os próprios governados.
Na Idade Média (século V até o século XV com o fim do Império Romano
ocorrido com a queda de Constantinopla em 1453) e Idade Moderna (1453 até 1789 –
Revolução Francesa), caracterizados pela existência de regimes despóticos, absolutistas e
autoritários, viu-se a prática de diversos atos arbitrários como o direito de pernada3, a morte
do devedor inadimplente e a escravidão4.
Nesse cenário, a Inglaterra foi proeminente na tutela dos direitos
fundamentais como se verifica do conteúdo da Carta Magna no reinado de João Sem Terra de
1215; a Petition of Rights de 1628; a Guerra Civil Inglesa de 1648; a Revolução Gloriosa de
1688; o Bill of Rights de 1689 e o Act Settlement de 1701.
No início do século XVII, o juiz inglês Sir Edward Coke assegurou a
prevalência da Commow Law contra as arbitrariedades da dinastia Stewart, constituindo
grande marco no constitucionalismo.
Os Estados Unidos da América também contribuíram de maneira ímpar para
o constitucionalismo através da Declaration of Rights do Estado de Virgínia de 1776, e a
Constituição da Confederação dos Estados Americanos, de 1781.
Infere-se, assim, que a ideia propugnada por alguns no sentido de que o
constitucionalismo somente surgiu com o advento dos Estados Modernos, no século XVIII, é
equívoca.
Por sua vez, o constitucionalismo moderno abarca movimentos constitucionais
ocorridos pós Revolução Francesa até os dias hodiernos. Funcionaram como marcos divisores as
Constituições norte-americana de 1787, e a francesa, de 17915. Esta teve como preâmbulo a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujos ideais se espalharam
para o resto do mundo.
3
“Direito dos senhores de manterem relação sexual com as jovens aldeãs de seu feudo na noite em que elas se
casassem.” TRINDADE, João Damião de Lima. Anotações sobre a história social dos direitos humanos. In:
SÃO PAULO (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Grupo de Trabalho de Direitos Humanos. Direitos
humanos: construção da liberdade e da igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do
Estado, 1998. (Série estudos, 11). p. 26, nota n. 40.
4
FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Método, 2005. p. 15.
5
A primeira Constituição francesa pautou-se pelo lema da liberdade, igualdade e fraternidade ensejando a
derrubada da monarquia e da nobreza.
22
Assim, como reação aos Estados absolutistas as constituições tornam-se
escritas com a característica de limitar o poder estatal e instituir direitos e garantias
fundamentais.
André Ramos Tavares6 explana que:
Em resumo, a proteção da Lei Maior, em especial contra o próprio
legislador, representa um dos consectários do constitucionalismo, tendo sido
atribuída essa missão a uma das instituições constitucionais, no caso
brasileiro, o Poder Judiciário, e com particular deferência ao Supremo
Tribunal Federal.
Ganha vida o princípio da separação das funções estatais, cujo mentor foi
Aristóteles7, que viveu entre 384 a.C. a 322 a.C., em sua obra denominada “Política”,
composta por oito livros, na qual se vislumbrava a existência de três funções distintas
exercidas pelo poder soberano, aprimorada depois pela visão precursora do Estado liberal
burguês desenvolvida por Charles de Montesquieu8 em “O espírito das leis”, de 1748.
Santi Romano9 pontifica que do constitucionalismo moderno brotaram
importantes institutos como:
[...] (a) universalização dos direitos individuais – concebidos como
limitações ao poder soberano, atribuídos apenas aos cidadãos, passam a ser
direitos de todos os homens; (b) divisão dos poderes; (c) princípio da
soberania nacional – a soberania deixa de ser um poder pessoal do príncipe
para tornar-se um atributo da “Nação” e, após, do Estado; (d) o princípio da
igualdade – que se traduz na mudança mais importante de todas, permitindo
o estabelecimento de novas instituições políticas.
Dessarte, as sementes para o surgimento do controle de constitucionalidade
das leis foram lançadas com o advento das primeiras Constituições escritas no final do século
XVIII ao descreverem a divisão de funções do Poder Soberano e o rol dos direitos e garantias
basilares da pessoa humana.
6
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 242.
ARISTÓTELES. Política. 4. ed. São Paulo: Martins Claret, 2008. (Obra-prima de cada autor, 61).
8
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. (Baron de). O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
9
ROMANO, 1977, p. 49-50 apud TAVARES, op. cit., p. 13-14.
7
23
1.2 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
Como consequência da existência de normas constitucionais escritas
elaboram-se os conceitos de supremacia e rigidez constitucional.
Em 1803, o Chief of Justice of the United States, John Marshall no
julgamento do Marbury contra Madison, já lança as primeiras ideias acerca desses institutos
ao afirmar:
Ou havemos de admitir que a Constituição anula qualquer medida
legislativa, que a contrarie, ou anuir que a legislatura possa alterar a
Constituição por medidas ordinárias. Não há por onde se contestar o dilema.
Entre as duas alternativas não se descobre meio-termo. Ou a Constituição é
uma lei superior, soberana, irreformável mediante processos comuns, ou se
nivela com os atos da legislação usual, e, como estes, é reformável a vontade
da legislatura. Se a primeira é verdadeira, então o ato legislativo contrário à
Constituição não será lei; se é verdadeira a segunda, então as Constituições
escritas são esforços inúteis do povo para limitar um poder pela sua própria
natureza ilimitada. Ora, com certeza, todos os que têm formulado
Constituições escritas, sempre o fizeram no objetivo de determinar a lei
fundamental e suprema da nação; e conseguintemente, a teoria de tais
governos deve ser a da nulidade de qualquer ato da legislatura ofensivo da
Constituição. Esta doutrina está essencialmente ligada às Constituições
escritas, e, assim, deve-se observar como um dos princípios fundamentais da
nossa sociedade. (cf. “The Writings of John Marshall, late Chief-Justice of
the United States upon the Federal Constitution”, Boston, 1839, p. 24-5,
apud Pinto Ferreira.).10
Hans Kelsen11, em sua obra intitulada Teoria Pura do Direito, explica com
maestria que o ordenamento jurídico deve ser visto como uma pirâmide e que, no seu ápice,
encontram-se as normas constitucionais12, fundamento de validade para todas as outras
normas jurídicas.
10
Apud VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 38-39.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. p. 246-247.
12
Acima da norma constitucional ter-se-ia a norma hipotética fundamental (NHF ou Grundnorm).
11
24
Ensina o mestre vienense13:
A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo
plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada
de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é
produto da conexão de dependência que resulta o fato de a validade de uma
norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa
outra norma; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental
[...] fundamento de validade último que constitui a unidade desta
interconexão criadora.
Consiste, portanto, o princípio da supremacia constitucional no atestado de
superioridade de determinadas normas do ordenamento jurídico, funcionando como requisito
indispensável para a existência do controle de constitucionalidade.
Aludido princípio encontra-se implícito no texto constitucional vigente
conforme se verifica da leitura dos arts. 25, 29, 32, 60, 85, 102, 103, 121, §§ 3º e 4º e 125.
Salienta José Afonso da Silva14:
[...] a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que
confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em
que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei
suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste
e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais
de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais
normas jurídicas.
Pelo fato das normas constitucionais gozarem de primazia no ordenamento
jurídico não podem ser alteradas da mesma forma que as outras normas ensejando a ideia de
rigidez.
Por rigidez constitucional entende-se a maior dificuldade de se modificar o
texto constitucional do que as leis comuns, ou seja, o processo legislativo da emenda
constitucional (EC) é mais solene e dificultoso do que das demais normas jurídicas.
Na Constituição vigente, a rigidez constitucional é extraída do processo
comparativo do disposto no art. 60, incisos I, II e III, versus art. 61; art. 60, § 2º versus art. 47;
13
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 5. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. p. 247.
14
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 45.
25
e art. 60, § 5º, versus art. 67, referente, respectivamente, à iniciativa parlamentar, quorum de
aprovação e possibilidade de reapresentação do projeto rejeitado.
Entretanto, de nada adiantaria alçar certas normas como supremas de um
Estado, se não houvesse a construção de um sistema complexo e amplo de proteção, com a
cominação de sanção, contra qualquer ato normativo que as ofendesse, visando a sua nãoentrada ou retirada do ordenamento jurídico.
Vem à tona o conceito de controle da constitucionalidade consistente na
verificação da adequação das leis e atos normativos ao próprio fundamento do ordenamento
jurídico, ou seja, às normas fundamentais previstas na Constituição Federal ou em Tratados
Internacionais que versem sobre direitos humanos aprovados com quorum de emenda
constitucional15,
podendo
desembocar
nos
fenômenos
da
constitucionalidade,
inconstitucionalidade, recepção e não recepção.
José Joaquim Gomes Canotilho16 denomina controle de constitucionalidade
de processo constitucional, in verbis:
O processo constitucional reconduz-se a um complexo de actos e
formalidades tendentes à prolacção de uma decisão judicial relativa à
conformidade ou desconformidade constitucional de actos normativos
públicos. Neste sentido, o processo constitucional é o processo de
fiscalização da inconstitucionalidade de normas jurídicas (cfr. CRP, artigo
223.º/1).
Caracteriza-se a constitucionalidade ou inconstitucionalidade quando se analisa a
norma (em elaboração ou já existente), tendo como paradigma a ordem constitucional vigente. Caso
a norma seja reputada constitucional, reafirma-se o direito já vigente. Ao revés, verificada a
incompatibilidade entre o ato normativo e a Constituição surge a inconstitucionalidade e a
imposição da sanção (nulidade, anulabilidade ou efeito pro futuro, conforme o caso).
Já a análise da compatibilidade entre o direito produzido sob o manto de
Constituição revogada e a nova constituição ocasiona os institutos da recepção e não
recepção.
Recepção é o recebimento de norma infraconstitucional vigente produzida
sob a égide de Constituição anterior revogada pelo novo texto constitucional em razão da
15
16
A Emenda Constitucional nº 45/04, ao introduzir o § 3º no art. 5º, criou um novo bloco de constitucionalidade.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 965.
26
compatibilidade entre este e aquela, enquanto que não recepção é a ausência de
compatibilidade entre a norma infraconstitucional produzida antes da nova Constituição com
as novas regras constitucionais, resultando na sua não recepção.
Conforme Marcelo Novelino17,
O surgimento de uma nova Constituição faz com que toda a legislação anterior
perca sua vigência. No entanto, diante da impossibilidade fática de uma
elaboração instantânea de todas as leis necessárias, as normas infraconstitucionais
anteriores materialmente compatíveis com a nova Constituição, ganham um novo
fundamento de validade e são recepcionadas por ela. Caso haja uma
incompatibilidade formal, estas normas ganham uma “nova roupagem” (novo
status) e passam a ter a forma exigida pela nova Constituição, como ocorreu com
o Código Tributário Nacional que, elaborado como uma lei ordinária (Lei n.
5.172/66), foi recepcionado com o status de uma lei complementar.
Reconhecido mundialmente como um dos mais eficientes mecanismos
jurídicos aptos a dar concretude aos direitos fundamentais, consistindo não só numa garantia,
mas também num direito fundamental, indissociável do estágio de desenvolvimento da
humanidade, é imprescindível perquirir quais são os sistemas, formas e meios desenvolvidos
para o controle de constitucionalidade.
1.3 SISTEMAS DE CONTROLE
José
Afonso
da
Silva18
classifica
os
sistemas
de
controle
de
constitucionalidade, quanto ao órgão incumbido de sua realização, em político, jurisdicional e
misto.
No sistema político outorga-se o controle da constitucionalidade a um órgão
político, seja o Poder Legislativo ou qualquer órgão distinto dos demais poderes estatais, o
qual pode ser realizado antes ou depois do nascimento do ato normativo.
17
18
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 82.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 49.
27
Regina Maria e Macedo Nery Ferrari19 explicam acerca da origem e
inconveniência do sistema político:
Este sistema é originário dos países da Europa, estribados no mau conceito
que gozavam os juízes, sobretudo ao tempo da Revolução Francesa, e
inspirados pelas concepções desenvolvidas por Locke e, posteriormente, por
Montesquieu acerca da separação dos poderes do Estado. [...] O que se tem
verificado, na prática, é a ineficiência deste tipo de controle por um órgão
político, pois o que vemos é apenas a opinião política do órgão que elaborou o
ato substituída pela opinião do órgão controlador, tornando-se, assim, o órgão
controlador um outro Legislativo, já que, na prática, não se atém apenas a
analisar a concordância dos atos legislativos frente à Constituição, mas, ao
contrário, atém-se à apreciação da sua conveniência ou oportunidade.
No direito estrangeiro, são exemplos o Presidium do Soviete Supremo, da
extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e o vigente Conseil Constitutionnel, da
Constituição Francesa de 1958, na qual o art. 62 afirma que as decisões deste Conselho são
irrecorríveis e impõem-se a todos os poderes públicos e a todas as autoridades administrativas
e jurisdicionais.20
Nota-se que na França o controle político-concentrado é sempre preventivo,
visando a afastar o quadro de insegurança jurídica oriunda de uma decisão de
inconstitucionalidade com efeitos retroativos.21
A experiência brasileira não se filiou a tal sistema; existindo, entretanto,
resquícios na Constituição Imperial de 1824, bem como na tentativa fracassada de sua
introdução à Constituição de 1934, pelo Deputado Federal Nilo Alvarenga, que, influenciado
pelo modelo kelseniano, apresentou proposta para criação do Tribunal Constitucional, com a
previsão, inclusive, de uma ação popular de inconstitucionalidade a ser manejada por
qualquer pessoa mesmo quando não tivesse interesse.22
19
20
21
22
MACEDO, Regina Maria; FERRARI, Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 81-82.
O art. 62 da Constituição Francesa de 1958 determina que “Les décisions du Conseil constitutionnel ne sont
susceptibles d'aucun recours. Elles s'imposent aux pouvoirs publics et à toutes les autorités administratives et
juridictionnelles.” FRANCE. Texte intégral de la Constitution de 1958. Disponível em:
<http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4octobre-1958/texte-integral-de-la-constitution-de-1958.5074.html>. Acesso em: 25 nov. 2009.
APPIO, Eduardo. Controle difuso de constitucionalidade: modulação, dos efeitos, uniformização de
jurisprudência e coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2008. p. 50.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 218, 220.
28
Contudo, não se olvide de que o Poder Legislativo em certas situações
descritas no próximo capítulo atua no controle de constitucionalidade dos atos normativos.
Já no sistema jurisdicional ou jurídico, é atribuída ao Poder Judiciário a
tarefa de controlar a constitucionalidade dos atos normativos, pode exercê-la da forma
exclusivamente difusa, puramente concentrada e mista.23
Nasceu nos Estados Unidos da América, no início do século XIX, como
criação jurisprudencial oriunda da ausência de previsão constitucional expressa e é adotado
em quase todos os países variando, entretanto, o seu modo de exercício.
Em alguns países como os Estados Unidos da América e Argentina (art.
11624 da Constituição), o controle de constitucionalidade é conferido a qualquer juiz ou
tribunal no exercício de sua função jurisdicional comum.
Uma diferença marcante, entretanto, entre os sistemas norte-americano e
argentino, é que no primeiro a decisão a respeito da inconstitucionalidade da lei proferida pela
Suprema Corte tem efeito erga omnes e vinculante e no segundo o mesmo não ocorre.25
Já em outros países, somente determinado tribunal criado para tal desiderato
pode realizar o controle das leis como, verbi gratia, na Europa Continental a Áustria, Itália,
Alemanha e Turquia. 26
Na América Latina, são exemplos de países que adotam a jurisdição
constitucional exclusivamente concentrada Honduras (Corte Suprema de Justiça – art. 184 da
Constituição de 1982); Panamá (Corte Suprema de Justiça – art. 103 da Constituição de
1972), República Dominicana (Corte Suprema de Justiça – art. 67, I, da Constituição de
2002), dentre outros.27
É correto afirmar, portanto, que, tradicionalmente, há a dicotomia dos
modelos de jurisdição constitucional norte-americano ou difuso-concreto e europeucontinental ou concentrado-abstrato.
23
SILVA, José Afonso. Um pouco de direito constitucional comparado: três projetos de Constituição. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 128-129.
24
O art. 116 da vigente Constituição Argentina tem a seguinte redação: “Corresponde a la Corte Suprema y a
los tribunales inferiores de la Nación, el conocimiento y decisión de todas las causas que versen sobre puntos
regidos por la Constitución [...].”ARGENTINA. Constitucion de la Nacion Argentina. 22 de agosto de
1994. Disponível em: <http://www.argentina.gov.ar/argentina/portal/documentos/constitucion_nacional.pdf>.
Acesso em: nov. 2009.
25
VELOSO, Zeno Veloso. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 40-41.
26
MACEDO, Regina Maria; FERRARI, Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 83.
27
SILVA, 2009, op. cit.,. p. 133.
29
Por sua vez, alguns ordenamentos jurídicos, como ocorre, - ilustrativamente
-, no Brasil -, desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro
de 1965, México, Chile, Venezuela, Colômbia e Guatemala -, adotam modelos jurisdicionais
mistos em que o controle de constitucionalidade é realizado na forma difusa e concentrada.28
Não obstante, constata-se uma tendência mundial de superação da tipologia
binária ou dual dos sistemas de jurisdição constitucional, existindo um movimento de
aproximação entre eles.
Roger Stiefelmann Leal29 colaciona os seguintes fundamentos de cunho
técnico-processual apontados pela doutrina de convergência entre os modelos clássicos de
jurisdição constitucional:
(a) a introdução do procedimento de reenvio ou incidente de
inconstitucionalidade como mecanismo processual assemelhado ao controle
incidental, pois admitem em países de sistema europeu-kelseniano, a
participação dos órgãos judiciais no controle de constitucionalidade das leis a
partir das controvérsias instauradas em processos ordinários.
(b) a similitude entre o stare decisis e a eficácia erga omnes, conferindo às
decisões proferidas no sistema estadunidense efeito impositivo contra todos, a
exemplo do que ocorre no modelo europeu.
(c) a flexibilidade no arbitramento das eficácias ex tunc e ex nunc [...]
(d) a configuração da Suprema Corte, mediante o uso do writ of certiorari,
como órgão de justiça constitucional, assemelhado, portanto, às Cortes
Constitucionais, pois limita-se a examinar os casos de maior relevância,
geralmente questões de índole constitucional.
(e) a superação, nos países de sistema europeu-kelseniano, do perfil de
legislador negativo, uma vez que as Cortes Constitucionais passaram a emitir
provimentos de natureza positiva, mediante a adoção, dentre outras soluções,
de sentenças aditivas ou substitutivas, de instrumentos de modulação da
eficácia temporal de suas decisões e de variadas técnicas interpretativas.
(f) a instituição, em vários países, de modelos híbridos, que combinam
características e instrumentos de ambos os modelos clássicos.
Derradeiramente, o controle misto ou eclético significa que certas leis estão
submetidas ao controle político e outras ao controle jurisdicional, como ocorre na Suíça, país
em que leis federais estão sob o crivo do controle político da Assembléia Nacional e as leis
locais, sob o juízo do controle jurisdicional.
28
SILVA, José Afonso. Um pouco de direito constitucional comparado: três projetos de Constituição. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 128-141.
29
LEAL, Roger Stiefelmann. A convergência dos sistemas de controle de constitucionalidade: aspectos processuais e
institucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, ano 14, n. 57, p. 64, 2006.
30
1.4 ESCORÇO HISTÓRICO
1.4.1 Estados Unidos da América
Assenta Slaibi Filho30 que a Constituição ianque, de 18 de setembro de
1787, foi, historicamente, a primeira norma constitucional de um país compilada em texto
único, “[...] embora algumas das antigas colônias já dispusessem de documentos escritos
com esta denominação.”
Contudo, antes mesmo de promulgada aludida Constituição, os juízes já
se manifestavam no sentido de que deixariam de aplicar nos casos concretos que lhes
fossem submetidos leis de importância inferior dissonantes com leis de importância
superior, conforme registros de New Jersey, em 1780, Virginia, 1782, e North Carolina,
1787, como demonstra Slaibi Filho31.
Tal relação de importância (superior e inferior) se dava pelo fato de
que, no período colonial, aos primeiros colonos, aos fundadores, fora concedida pela
Inglaterra autorização normatizadora sobre aquele território, com a condição de que as
normas elaboradas colonialmente não tolhessem aquelas emanadas da metrópole inglesa
e que dispusessem acerca de sua própria formação. Percebe-se, então, o surgimento da
noção de hierarquização normativa que provavelmente culminou na edição da
Constituição Norte-Americana e, consequentemente, no controle de constitucionalidade
das leis.
Logo em seguida à aprovação da Constituição norte-americana, Alexander
Hamilton, John Jay e James Madison escreveram vários ensaios sobre este documento,
ensejando o livro – The Federalist -, apontado como grande marco da literatura constitucional
e precursor do princípio da supremacia constitucional.32
30
SLAIBI FILHO, Nagib. Breve história do controle de constitucionalidade. Disponível em
<http://www.nagib.net/artigos_texto.asp?tipo=2&area=1&id=40>. Acesso em: 17 nov. 2009.
31
Ibid.
32
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 39-40.
31
Em 1803, no célebre caso William Marbury vs. James Madison, pelo Chief
Justice John Marshall33, a Suprema Corte Norte-Americana produziu o precedente de deixar
de dar aplicabilidade à lei infraconstitucional que subtraísse competência exclusiva da
Paramount Law, dispondo de matéria estritamente constitucional.
Diante do princípio vinculativo oriundo do sistema britânico – stare decisis
quieta movere, que significa continuar decidindo as coisas da mesma maneira e não mover as
quietas –, “[...] tal precedente tornou-se obrigatório não só para a própria Suprema Corte
como também para os demais tribunais.”34
Paulo Bonavides35 salienta, dada a força normativa dos julgados da Suprema
Corte, que:
[...] nenhum juiz ou tribunal se abalançaria a aplicar ali uma lei já inquinada de
vício de inconstitucionalidade por decisão do mais alto órgão da Justiça
americana”, em consequência do que “[...] a história constitucional dos Estados
Unidos há mais de um século tem sido em larga parte a história da Suprema
Corte e de seus arestos em matéria de controle de constitucionalidade.
Foi um relevante marco, visto que um pronunciamento ocorrido no caso
concreto pela Suprema Corte produziria efeito vinculante consistente no princípio do stare
decisis. Ademais, autorizou que todos os juízes verifiquem, no caso concreto, a
compatibilidade de normas e demais atos do Poder Público com a Norma Maior.
33
Derrotado pelo Presidente Thomas Jefferson, o então Presidente John Adams nomeou diversos de seus
correligionários do partido federalista como juízes federais, entre os quais se encontrava Willian Marbury. O
próprio Marshall, secretário de Estado de Adams, havia sido nomeado com a aprovação do Senado, Chief Justice da
Suprema Corte. O título de nomeação de Marbury não lhe foi entregue a tempo, sendo sua nomeação suspensa por
determinação do novo Presidente ao seu secretário de Estado James Madison. Marbury acionou Madison exigindo
informações. Não sendo fornecida nenhuma explicação, impetrou um writ mandamus, similar ao nosso mandado de
segurança, com o objetivo de alcançar a nomeação. O Tribunal adiou por dois anos a decisão o que gerou uma forte
reação contra os juízes. Finalmente, ao anunciar a decisão da Suprema Corte, Marshall destacou duas questões:
Jefferson não tinha direito de negar posse a Marbury. Porém a Suprema Corte não poderia conceder o writ
mandamus, porque esta competência que lhe havia sido atribuída pela seção 13 do Judcial Act de 1789 era contrária
à Constituição, na medida em que alargava as competências originais da Suprema Corte. Com isso, a Corte não
poderia utilizar-se de uma atribuição ainda que conferida pelo Parlamento, incompatível com a Constituição. De
acordo com a Constituição Federal de 1787 as competências originárias da Suprema Corte são restritas e, somente
poderiam ser aumentadas por emenda constitucional. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal:
jurisprudência política. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 63.
34
SLAIBI FILHO, Nagib. Breve história do controle de constitucionalidade. Disponível em
<http://www.nagib.net/artigos_texto.asp?tipo=2&area=1&id=40>. Acesso em: 17 nov. 2009.
35
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 305.
32
A partir daí, passou a apreciar também aspectos materiais de
inconstitucionalidade, “[...] chegando a deixar de aplicar a lei que se entendeu contrária, dita
desarrazoada, aos princípios implícitos que se extraem do texto da Lei Maior.”36
1.4.2 Brasil
1.4.2.1 Constituição Imperial de 1824
A Constituição Política do Império do Brasil, primeira Constituição
brasileira, foi outorgada pelo Imperador Dom Pedro II, em 25 de março de 1824,
aproximadamente, dois anos após a declaração de independência do Brasil de Portugal,
ocorrida em 07 de setembro de 1822.
Foi caracterizada pela existência da quadripartição das funções estatais
encarnada nos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador; - não conferindo,
entretanto, nenhum mecanismo concreto e efetivo de controle de constitucionalidade das leis e
atos normativos.
Demais disso, tratava-se de uma constituição semirrígida ou semiflexível, pois
certas normas constitucionais poderiam ser alteradas de acordo com o processo legislativo comum
e outras mediante um processo legislativo especial, conforme se depreende do seu art. 178 37.
Pautada no dogma da soberania do Parlamento, atribuiu ao próprio Poder
Legislativo, por meio da Assembleia Geral, a competência para “[...] fazer leis, interpretá-las,
36
37
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 312.
BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil de 1824. Coleção das Leis do Império do Brasil, Rio de
Janeiro, 1824, p. 7. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>
Acesso em: nov. 2009. “Art. 178. E' só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos
Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser
alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.”
33
suspendê-las e revogá-las”38, bem como “[...] velar pela guarda da Constituição”39, consoante
se extrai do disposto em seu art. 15, VIII e IX, propiciando parcialidade e o cometimento de
abusos, conforme exemplifica Slaibi Filho40,
[...] legislar sem receio de que a lei fosse dita "irrazoável", como foi no caso da
Lei da Maioridade, também de 1840, que declarou que o jovem Pedro de
Alcântara, então com 14 anos, passava a ser maior, assim preenchendo o
requisito constitucional de que o Imperador deveria contar, ao menos, com 18
anos para que subisse ao Trono e, desta forma, cessando a anarquia que
caracterizou os períodos de Regência.
Clèmerson Merlin Clève41 aponta como justificativas para a inexistência do
controle de constitucionalidade, “[...] o dogma da ‘soberania do Parlamento’, a previsão de
um Poder Moderador e mais a influência do direito público Europeu, notadamente o inglês e
francês, sobre os homens públicos brasileiros, inclusive os operadores jurídicos.”
1.4.2.2 Constituição de 1891
O Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, ao instituir, no direito pátrio,
a forma federativa de Estado e a forma republicana de Governo, impôs a feitura da
Constituição de 189142. Com o fim do Império, extinguiu-se também o Poder Moderador.
Denominada de Constituição dos Estados Unidos do Brasil foi idealizada
por Rui Barbosa, que, sob a influência do direito norte-americano, após oitenta e oito anos de
38
BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil de 1824. Coleção das Leis do Império do Brasil, Rio de
Janeiro, 1824, p. 7. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>
Acesso em: nov. 2009.
39
Ibid.
40
SLAIBI FILHO, Nagib. Breve história do controle de constitucionalidade. Disponível em
<http://www.nagib.net/artigos_texto.asp?tipo=2&area=1&id=40>. Acesso em: 17 nov. 2009.
41
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 63-64.
42
BRASIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1891. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 24 fev.
1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm>. Acesso em:
nov. 2009.
34
atraso43, implementou, talvez como efeito da rigidez constitucional (art. 9044), o controle
jurisdicional difuso de constitucionalidade.
Apesar disso, o art. 58, § 1º, a e b, da Constituição Provisória de 1890, e o
art. 3º do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890 – criação da Justiça Federal -, já
estabeleciam regras acerca do controle difuso.
Os arts. 59, § 1º, “b”, e 60, “a”, da Constituição da República Nova fincavam:
Art. 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...]
§ 1º Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá
recurso para o Supremo Tribunal Federal:
[...]
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos
Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do tribunal
do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.
Art 60 - Compete aos Juízes ou Tribunais Federais, processar e julgar:
a) as causas em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em
disposição da Constituição federal;
A Lei Federal nº 221, de 20 de novembro de 1894, ao dispor que aos juízes e
tribunais era atribuída a competência para analisar a validade das leis e regulamentos, deixandoos de aplicar aos casos concretos, caso verificada a incompatibilidade com a Constituição,
conforme art. 13, § 10º 45, apenas reiterou o sistema difuso de constitucionalidade.
43
A via difusa nasceu, historicamente, nos Estados Unidos da América, em 1803, no caso William Marbury
versus James Madison, julgado pelo Juiz John Marshall.
44
Art. 90 - A Constituição poderá ser reformada, por iniciativa do Congresso Nacional ou das Assembléias dos Estados.
§ 1º - Considerar-se-á proposta a reforma, quando, sendo apresentada por uma quarta parte, pelo menos, dos
membros de qualquer das Câmaras do Congresso Nacional, for aceita em três discussões, por dois terços dos
votos em uma e em outra Câmara, ou quando for solicitada por dois terços dos Estados, no decurso de um
ano, representado cada Estado pela maioria de votos de sua Assembléia.
§ 2º - Essa proposta dar-se-á por aprovada, se no ano seguinte o for, mediante três discussões, por maioria de
dois terços dos votos nas duas Câmaras do Congresso.
§ 3º - A proposta aprovada publicar-se-á com as assinaturas dos Presidentes e Secretários das duas Câmaras,
incorporar-se-á à Constituição, como parte integrante dela.
§ 4º - Não poderão ser admitidos como objeto de deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a
forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado.
45
A Lei Federal nº 221, de 20.11.1894, em seu art. 13, § 10, estabelecia: “Os juízes e Tribunais apreciarão
a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente
inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou a Constituição.”
BRASIL. Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894. Completa a organização da Justiça Federal da
Republica. Coleção de Leis do Brasil, Rio de Janeiro, 31 dez. 1894, v. 1, p. 16. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/sicon/ListaReferencias.action?codigoBase=2&codigoDocumento=62633>. Acesso
em: nov. 2009.
35
Como bem esclareceu Adhemar Ferreira Maciel:
Nos Estados Unidos, [...], a fonte do direito estava praticamente nas decisões
judiciais (judge-made law). No Brasil, ao contrário, nosso direito tinha como
fonte a lei. Lá, no Norte, o juiz se orientava, obrigatoriamente, pelos
precedentes das cortes superiores. Aqui, no Sul, ainda que os precedentes
superiores tivessem força moral, não eram vinculantes. Dentro da tradição
romano-germânica, o juiz era livre e estava preso somente à sua consciência
e à lei. A fonte do direito não estava nos casos (cases), estava na lei. 46
Curioso notar, portanto, que o direito brasileiro, inspirado no direito europeu
continental, cuja fonte primária é a lei, adotou, em 1891, o sistema de controle de
constitucionalidade do direito norte-americano, que tem como fonte primordial a
jurisprudência e os costumes, mas olvidou-se de atribuir força à jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.
1.4.2.3 Constituição de 193447
Esta Constituição trouxe elevado progresso no âmbito do controle de
constitucionalidade das leis e atos normativos apesar da sua curta duração em razão da
superveniência da Constituição de 1937.
No seu bojo, criou-se a ação direta de inconstitucionalidade interventiva
ou representação interventiva, ajuizada, perante a Corte Suprema48, - pelo ProcuradorGeral da República, possibilitando a intervenção da União nos Estados-membros quando
houvesse ofensa aos princípios constitucionais sensíveis previstos no art. 7º, I, alíneas “a”
a “h”, bem como para assegurar o cumprimento das decisões judiciais, nos termos do seu
art. 12, § 2º.
46
MACIEL, Adhemar Ferreira. Observações sobre o controle de constitucionalidade das leis no Brasil. Revista
de Informação Legislativa, Brasília, DF, ano 35, n. 140, p. 268, out./dez. 1998.
47
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 16
jul. 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>.
Acesso em: nov. 2009.
48
O art. 63 dessa Constituição denominou o Supremo Tribunal Federal de Corte Suprema.
36
O recurso extraordinário de competência da Corte Suprema é instituído, nos
termos do art. 76:
Art -76 A Corte Suprema compete:
III - em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em
única ou última instância:
a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal,
sobre cuja aplicação se haja questionado;
b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face
da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei
impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face
da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válido
o ato ou a lei impugnada;
d) quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre
Cortes de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou
dos Territórios, ou entre um deste Tribunais e a Corte Suprema, ou outro
Tribunal federal;
Já o art. 179 fez menção à cláusula de reserva de plenário, determinando que
somente pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal seria possível a declaração
de inconstitucionalidade, possibilitando maior segurança jurídica na declaração de
inconstitucionalidade no âmbito dos pretórios.
Por derradeiro, cumpre registrar a inserção feita no art. 91, IV, c/c art. 96,
acerca da atribuição atribuída ao Senado Federal, órgão de coordenação dos Poderes, apartado
do Poder Legislativo, para suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei, ato,
deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal, verbis:
Art. 91 – Compete ao Senado Federal:
[...]
IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato,
deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais
pelo Poder Judiciário;
Art. 96 - Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo
de lei ou ato governamental, o Procurador-Geral da República comunicará a
decisão ao Senado Federal para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à
autorização legislativa ou executiva, de que tenha emanado à lei ou o ato. 49
49
BRASIL. Supremo Tribunal Federal: Regimento Interno [atualizado até agosto de 2009]. Brasília, DF,
2009. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf>. Acesso em: nov. 2009.
37
Registre-se que o Senado Federal não integrava nenhum dos Poderes
Estatais, mas funcionava como órgão coordenador deste consoante o art. 8850:
Art. 88 - Ao Senado Federal, nos termos dos arts. 90, 91 e 92, incumbe
promover a coordenação dos Poderes federais entre si, manter a continuidade
administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar
os demais atos da sua competência.
João Bosco Marcial de Castro51 esclarece acerca da natureza do Senado
Federal: “Situado acima dos demais Poderes, a sua participação no controle de
constitucionalidade das leis não colidia com o sistema de controle exercido pelo Poder Judiciário,
nem com o princípio da separação de Poderes.”
A análise mais detida dos inconvenientes da resolução senatorial suspensiva
far-se-á no capítulo 3, tendo em vista a relação direta com a existência, ou não, da eficácia
geral da decisão do Supremo Tribunal Federal que declara incidenter tantum a
inconstitucionalidade da lei.
1.4.2.4 Constituição de 1937
A Constituição de 193752, chamada de Constituição dos Estados Unidos do
Brasil, foi outorgada por Getúlio Vargas no interregno da 2ª Guerra Mundial; e, consoante seu
preâmbulo, teve como justificativas a existência de uma suposta agravação de dissídios
partidários (oriundos da ação integralista brasileira e do partido comunista) contra o atual
governo, bem como o estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista.
50
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. (1934). Diário Oficial, Rio de Janeiro, 16
jul. 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>.
Acesso em: nov. 2009.
51
CASTRO, João Bosco Marcial de. O controle de constitucionalidade das leis e a intervenção do Senado
Federal. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2008. p. 57.
52
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 10 nov. 1937.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso
em: nov. 2009.
38
Também conhecida como Constituição Polaca, eis que inspirada na
Constituição ditatorial Polonesa de 1935, ensejou a criação de um regime autoritário e, no
plano do controle de constitucionalidade, foi vista como um retrocesso, pois previu, no
parágrafo único do art. 96, a possibilidade do Presidente da República submeter novamente a
análise da inconstitucionalidade de uma lei declarada pelo Poder Judiciário -, ao reexame do
Poder Legislativo, que, em caso de não aprovar a inconstitucionalidade, pelo voto de dois
terços em cada uma das Câmaras, tornaria ineficaz o julgamento da matéria pelo Poder
Judiciário, bem como a impossibilidade de apreciação de atos governamentais pelo Poder
Judiciário em estado de exceção, conforme se depreende do art. 170.
Por outro lado, suprimiu a possibilidade do Senado Federal53, que mal
chegou a ser preenchido e convocado, de editar resolução, suspendendo os efeitos da lei
declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
1.4.2.5 Constituição de 194654
Com o término da 2ª Guerra Mundial e a vitória dos países democráticos
(Estados Unidos da América e França, dentre outros) contra os países nazistas e fascistas
(Alemanha e Itália, dentre outros), instaurou-se novo cenário mundial com a necessidade de
elaboração ou reformulação de novas constituições ante a queda dos regimes ditatoriais e a
preocupação maior com os direitos humanos.
Assim, no Brasil, sob o influxo da redemocratização, surge a Constituição
dos Estados Unidos, promulgada em 18 de setembro de 1946, pondo termo ao excesso de
poder conferido ao Presidente da República pela Carta de 1937.
53
54
Na Constituição de 1937, o Senado Federal era denominado de Conselho Federal, de acordo com o art. 38, § 1º.
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 19 set. 1946, p. 1.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em:
nov. 2009.
39
Para Celso Ribeiro Bastos:
Pela própria circunstância em que se dá a aprovação da Constituição de
1946, não poderiam restar dúvidas de que ela tinha um endereço muito certo:
tratava-se de pôr fim ao Estado Autoritário que vigia no País sob diversas
modalidades desde 1930. Era, pois, a procura de um Estado democrático que
se tentava fazer pelo incremento de medidas que melhor assegurassem os
direitos individuais. 55
As disposições constitucionais relativas ao controle de constitucionalidade
extirpadas pela Carta Magna anterior foram restabelecidas, especialmente, a possibilidade de
edição de resolução pelo Senado Federal (art. 64), o qual se apresenta agora como órgão
integrante do Poder Legislativo, nos moldes do seu art. 2956.
Com a tomada do poder pelo Comando Militar Revolucionário e a
expedição de vários atos institucionais pelo Presidente da República Castello Branco, é
aprovada a Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, grande marco divisor
do controle de constitucionalidade pátrio, que inspirado nas ideias de Hans Kelsen implanta, no
Brasil, o controle abstrato de constitucionalidade adotado na Europa Continental, prevendo a
possibilidade de representação da ação direta de inconstitucionalidade57 pelo Procurador-Geral da
República, nomeado e exonerado ad nutum pelo Presidente da República -, perante o Supremo
Tribunal Federal.
Impende também esclarecer o disposto no art. 124, XIII, que abriu brecha
para o controle abstrato de constitucionalidade no plano estadual, verbis:
Art. 124
[...]
XIII - a lei poderá estabelecer processo, de competência originária do
Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do
Município, em conflito com a Constituição do Estado.
55
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 200.
Art. 29 - O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal. BRASIL. Constituição do Brasil. (1967). Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 24 jan. 1967, p.1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: nov. 2009.
57
A ação direta de inconstitucionalidade foi denominada de representação de inconstitucionalidade em seu art. 101.
56
40
Deveras, o direito brasileiro passou a contemplar um sistema de
constitucionalidade jurisdicional misto, proveniente do direito norte-americano e do direito
europeu continental, ou seja, o controle difuso realizado perante qualquer juízo e o controle
concentrado realizado perante o Supremo Tribunal Federal.
Nada obstante, saliente-se o fato de que o governo militar, como forma de
garantir a maioria de votos, por meio do Ato Institucional nº 2, editado em 27 de outubro de
196558, ampliou o número de ministros do Supremo Tribunal Federal de onze para
dezesseis59, o que gerou um quadro extremante político no manejo dessa ação.
1.4.2.6 Constituição de 196760
Sob os auspícios do golpe militar em 1964, caracterizado por intensa
repressão política, restrição de direitos fundamentais, endividamento externo, sob pretexto de
restaurar a disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas e deter a ameaça comunista que
supostamente pairava sobre o Brasil, é outorgada, em 24 de janeiro de 1967, pelos Ministros
da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, a Constituição da República
Federativa do Brasil.
A Carta ditatorial de 1967 manteve o controle repressivo jurisdicional misto
de constitucionalidade, ampliando, entretanto, o objeto da ação direta de inconstitucionalidade
interventiva, para abarcar, além da inobservância dos princípios constitucionais sensíveis, o
desrespeito à execução de lei federal, nos moldes dos arts. 10, VI, in limine; inciso VII, -, e
art. 11, § 2º.
Na esfera estadual, o controle de constitucionalidade concentrado foi
suprimido pela Constituição de 1967, contudo, novamente incorporado pela Emenda n. 1, de
1969, em seu art. 15, § 3º, d.
58
ATO Institucional número dois. In: WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ato_Institucional_N%C3%BAmero_Dois>. Acesso em: nov. 2009.
59
O ato institucional nº 06, de 1969, restabeleceu a composição do STF para 11 ministros.
60
BRASIL. Constituição do Brasil de 1967. Diário Oficial, Brasília, DF, 24 jan. 1967, p.1. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: nov. 2009.
41
Acrescenta Clèmerson Clève61:
A Emenda Constitucional 7/77 trouxe algumas novidades. Em primeiro
lugar, atribuiu ao Supremo Tribunal Federal competência para a
interpretação com efeito vinculante, de ato normativo. De fato, diante do art.
119, I, XXX, I, da Constituição de 1967/69, com a Emenda 7/77, competia à
Suprema Corte julgar a representação do Procurador-Geral da República, por
inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal
ou estadual. A representação para interpretação foi abolida pela Constituição
de 1988. A segunda novidade consiste na previsão expressa de medida
cautelar (liminar), solicitada pelo Procurador-Geral da República, nas
representações encaminhadas por essa autoridade (art. 119, I, p).
Esse era, portanto, o cenário do controle de constitucionalidade brasileiro até
o advento da Constituição Federal de 1988, ou seja, um controle jurisdicional repressivo misto
com predomínio do controle concreto, tendo em vista as graves limitações impostas ao controle
abstrato, especialmente, a legitimidade ativa exclusiva do Procurador-Geral da República
nomeado e exonerado livremente pelo Presidente da República.
1.4.2.7 Constituição de 198862
Com o fim da ditadura militar e a realização de eleições diretas, o
Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional n. 26, de 27/11/85, determinando a
convocação de Assembléia Nacional Constituinte a ser composta por deputados federais e
senadores que exerciam o mandato à época, para deliberação e votação de uma nova
Constituição63, dando azo à vigente Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 05/11/88, sob a presidência de Ulysses Guimarães.
61
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 88.
62
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil: Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 1988, p. 1. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: nov. 2009.
63
“Art. 1º Os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em
Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso
Nacional; Art. 3ª. A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de
discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte.”
42
Apesar de ter corroborado a adoção do controle jurisdicional combinado da
constituição pretérita, trouxe significativo avanço na via concentrada.
Inicialmente, cria-se dentro da estrutura do Poder Judiciário o Superior
Tribunal de Justiça (art. 92, II, c/c art. 103 da CF/88), como defensor e unificador do direito
federal64, propiciando, assim ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, nos termos do art. 102, caput65, da CF.
Na ação direta de inconstitucionalidade genérica, existe ampliação do rol
dos legitimados para sua propositura perante o STF, com espeque no art. 103 (ratificado
depois pelo art. 2º da Lei 9.868/99), a saber:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa;
V - o Governador de Estado;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Portanto, o monopólio para o ajuizamento da ADI genérica exercido pelo
Procurador-Geral da República foi suprimido pela atual Carta Magna. Pode este, assim,
ajuizar a ação ou funcionar como fiscal da lei, emitindo parecer sobre a constitucionalidade ou
não da lei, nos termos do art. 103, § 1º, da CF/8866.
64
Inobstante isso, a Emenda Constitucional nº 45/04 inseriu, como hipótese de cabimento de recurso
extraordinário, a decisão que julga válida lei local em face de lei federal, nos termos do art. 103, III, d, da CF.
65
A Emenda Constitucional nº 45/04, transferiu competência do STF para o STJ em relação à homologação de
sentença estrangeira e a concessão de exequatur às cartas rogatórias, de acordo com a nova redação do art.
105, I, i, da CF.
66
§ 1º O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em
todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.
43
Confere-se ao Advogado-Geral da União67, chefe da Advocacia-Geral da
União, instituída no art. 131 da CF/88, a atribuição de defender o ato inconstitucional
impugnado perante o Supremo Tribunal, com cerne no art. 103, § 3º, da CF/8868,
funcionando, assim, como curador especial do princípio da presunção de constitucionalidade.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi prevista,
originariamente, no parágrafo único do art. 102 da CF/8869, como nova modalidade de ação
na via concentrada, vindo se concretizar com a edição da Lei nº 9.882/99, eis que se tratava de
norma constitucional de eficácia limitada.70
Outro ponto que merece aplauso é a introdução do controle de
constitucionalidade por omissão no texto constitucional.
Na via difusa, insere-se o Mandado de Injunção previsto no art. 5º, LXXI,
da CF/88, enquanto que, na via concentrada, cria-se a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão encetada no art. 103, § 2º, da CF/88, regulamentada pela Lei 12.063/09, que
acrescentou o capítulo II-A na Lei nº 9.868/99.
Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 3/93, ensejou a implantação da
ação declaratória de constitucionalidade (ADC), acrescentando o § 4 ao art. 103 da CF/88.
A ADC tinha como legitimados o Presidente da República, o ProcuradorGeral da República, a Mesa da Câmara dos Deputados e a Mesa do Senado Federal,
entretanto, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/04, houve equiparação dos
legitimados desta ação com os da ação direta de inconstitucionalidade genérica. Demais disso,
previu-se a concessão de efeito erga omnes e vinculante à decisão que declara a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, nos termos do art. 103, §
3º, da CF, confirmada na Lei nº 9.868/99.
Derradeiramente, a Emenda Constitucional nº 45/04, conhecida como
reforma do Poder Judiciário, sem prejuízo das modificações citadas anteriormente, ampliou os
casos de cabimento da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, para abranger o caso
67
Atualmente, o cargo de Advogado-Geral da União é exercido por Luiz Inácio Lucena Adams.
§3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a constitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato
normativo, citará, previamente o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.
69
A Emenda Constitucional nº 3/93 renumerou o parágrafo único em § 1º.
70
A primeira argüição de descumprimento de preceito fundamental somente foi ajuizada em 27/01/00, no
STF, pelo Partido Comunista do Brasil. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF/1 - Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental. Partido Comunista do Brasil e Prefeito do Município do
Rio de Janeiro. Diário da Justiça, Brasília, DF, v. 1, f. 17. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=1804019>. Acesso em: nov. 2009.
68
44
de recusa a execução de lei federal (art. 36, III), bem como trouxe a previsão de efeitos erga
omnes e vinculante para a ação direta de inconstitucionalidade genérica e ação declaratória de
constitucionalidade (art. 102, § 2º).71
Impende salientar, ainda, que essa Emenda atribuiu competência ao
Supremo Tribunal Federal para edição de súmula vinculante, nos termos do art. 103-A,
regulamentada pela Lei nº 11.417/06, e, instituiu como pressuposto de admissibilidade
específico do recurso extraordinário, perante o Supremo Tribunal Federal, a repercussão geral
das questões constitucionais, nos moldes do art. 102, § 3º, disciplinado pela Lei nº 11.418/06.
Resta, agora, verificar os principais critérios de classificação apontados pela
doutrina para o controle de constitucionalidade a fim de se saber o perfil do direito
constitucional pátrio.
71
Conforme dito alhures, a Emenda Constitucional nº 3/93, - já havia feito menção a tais efeitos para a ação
declaratória de constitucionalidade. Da mesma forma, a Lei nº 9.868/99 -, também já mencionava estes efeitos
na ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 28, parágrafo único).
45
2 CLASSIFICAÇÕES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
2.1 APONTAMENTOS DE CRITÉRIOS DIVERSOS
A doutrina classifica o controle de constitucionalidade sob variadas formas,
cada qual levando em conta determinado critério.
Referente à natureza ou filiação do órgão encarregado de realizar o controle,
divide-se em político e o jurisdicional.1 O primeiro é realizado por órgãos estatais alheios ao
Poder Judiciário e o segundo por órgãos seus. Como exemplo daquele, tem-se o veto jurídico
do Presidente da República sobre projeto de lei fundado em inconstitucionalidade.
Quanto ao número de órgãos, pode ser concentrado, difuso ou combinado.2
O controle difuso é feito por qualquer juiz ou tribunal, ao passo que o controle concentrado é
realizado apenas por um órgão jurisdicional; -, no Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal.3
Ensina, ainda, com assento em García Belaunde4, que é equivocada a
expressão controle jurisdicional misto, sem maiores minúcias, para expressar a coexistência
dos métodos difuso e aberto, afirmando que o correto é a denominação modelo dual, paralelo
ou combinado, haja vista que o Supremo Tribunal Federal no direito pátrio exerce tanto o
controle abstrato quanto o concreto.
No mesmo sentido leciona José Afonso da Silva5:
A designação de “misto” não é boa, porque não se trata, propriamente, de
uma mistura de sistemas, ainda que alguns o conceituem como uma mescla
de dois métodos. Na verdade, não há mistura, nem competência geral para o
exercício de ambos os métodos [...] Mas a denominação de “sistema misto”
já se tornou correntia, por não se ter encontrado expressão melhor. [...].
1
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 223-224.
Ibid., p. 228-229.
3
No controle concentrado estadual o órgão encarregado de realizá-lo é o Tribunal de Justiça de cada Estado.
4
BELAUNDE, 2001, p. 132-133 apud TAVARES, 2009, op. cit., p. 228.
5
SILVA, José Afonso. Um pouco de direito constitucional comparado: três projetos de Constituição. São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 142.
2
46
Em relação à participação de pessoa interessada, surge o controle com ou
sem participação.6 Nesta, a legitimidade é outorgada a certas autoridades ou órgãos como
acontece no controle concentrado de constitucionalidade. Naquela, qualquer pessoa
interessada tem legitimidade para provocar o controle de constitucionalidade como ocorre no
controle difuso.
Do prisma da tendência ideológica perseguida, fala-se em controle de
constitucionalidade para tutela dos direitos fundamentais ou para a estabilidade do governo.7
O primeiro encontra-se mais presente no controle difuso marcado pela subjetivização e o
segundo, no controle concentrado caracterizado pela objetividade.
Por outro lado, a doutrina também classifica a inconstitucionalidade, como
será apresentado a seguir.
Relativo ao tipo de conduta praticada ou não pelo Poder Público, diz-se
inconstitucionalidade por ação ou omissão.8 Na primeira, existe um comportamento positivo
do Estado, ao passo que na inconstitucionalidade por omissão, a inércia do Estado em editar
ato normativo provoca a violação de norma constitucional.
Do ponto de vista da norma ofendida, separa-se a inconstitucionalidade em
formal, também conhecida como nomodinâmica, ou material, cunhada também de
nomoestática.9 A inconstitucionalidade formal está relacionada à inobservância do processo
legislativo da lei ou ato normativo, sendo subdividida em subjetiva (o desrespeito ocorre na
fase de iniciativa do processo legislativo) e objetiva (a violação efetiva-se na fase constitutiva
e complementar do processo legislativo - quorum de votação, sanção ou veto, promulgação e
publicação). Já a inconstitucionalidade material ocorre quanto à contrariedade do ato
normativo ao conteúdo da norma constitucional, como, por exemplo, uma lei que institua a
pena de morte no direito brasileiro fora dos casos de guerra declarada10.
No que tange à extensão da inconstitucionalidade em relação à norma
questionada, classifica-se em total ou parcial.11 Na total, comum na inconstitucionalidade
formal, o ato normativo é declarado inconstitucional em sua inteireza, enquanto que, na
parcial, regra da inconstitucionalidade material, apenas um ou alguns dispositivos do ato são
6
VANOSSI, 1984 apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 229-230.
7
ROTHENBURG, 2001 apud TAVARES, op. cit., p. 230-231.
8
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 99.
9
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 161.
10
Art. 5º, XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
11
NOVELINO, op. cit., p. 100.
47
reputados inconstitucionais, nada impedindo que apenas uma palavra ou fragmento os sejam,
desde que não haja modificação do sentido da norma.
Referente ao momento em que o ato normativo é criado, pode-se elencar
inconstitucionalidade originária e superveniente.12 Na primeira, o ato normativo já nasce
inconstitucional. Na segunda, entretanto, o ato nasce constitucional, mas, em face da entrada
em vigor de uma emenda constitucional contrária a ele, torna-se inconstitucional.
Sob a ótica de apuração, menciona-se inconstitucionalidade direta,
antecedente ou indireta, subdividindo-se esta em consequente ou reflexa/oblíqua.13 A direta
efetua-se quando a inconstitucionalidade resulta do confronto direto entre a lei e a
Constituição; e a indireta, quando há uma norma intermediária entre o ato normativo
analisado e a Constituição, por exemplo, em um decreto que regulamenta uma lei
inconstitucional (consequente) ou decreto regulamentar que excede o conteúdo da lei (reflexa
ou oblíqua) .
2.2 QUANTO AO MOMENTO DE CONTROLE
Merece destaque o critério de classificação referente ao momento de
realização do controle de constitucionalidade.
Em relação ao critério do ingresso, ou não, da lei ou do ato normativo no
ordenamento jurídico, o controle de constitucionalidade pode ser preventivo ou repressivo, feitos,
em ambos os casos, por qualquer um dos Poderes Estatais14 (Legislativo, Executivo e Judiciário).
12
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 101-102.
Ibid., p. 102-103.
14
Na verdade, o poder estatal é uno e indivisível, existindo as funções estatais legislativa, executiva e jurisdicional.
13
48
2.2.1 Controle preventivo
No controle preventivo, a própria acepção semântica do vocábulo
preventivo traz a idéia de se evitar, acautelar, impedir ou obstar o fenômeno da
inconstitucionalidade.
Percebe-se, assim, que a lei ou ato normativo ainda não nasceu, recaindo,
portanto, na fase do processo legislativo sobre projeto de lei, emenda à constituição ou a
qualquer ato normativo.
O três poderes estatais realizam este tipo de controle, como se pode observar
no detalhamento que segue.
O Poder Legislativo, que tem como função típica elaborar as leis, exerce o
controle prévio de constitucionalidade, por meio das Comissões Permanentes de Constituição
e Justiça (CCJ)15, -, sobre projetos de lei ou emenda constitucional -, na fase constitutiva do
processo legislativo.
As comissões de constituição e justiça estão previstas no art. 58, § 2º, da
Carta Magna, entretanto, tal função encontra-se definida no Regimento Interno da Câmara dos
Deputados16 e do Senado Federal17.
Pedro Lenza18 observa, ainda, que o plenário das respectivas casas
parlamentares também pode verificar a inconstitucionalidade do projeto de lei durante a sua
discussão e votação.
Já o Poder Executivo, cuja função primária é administrar o Estado em prol do
interesse coletivo, realiza controle preliminar de constitucionalidade, por intermédio do Presidente
15
Também realiza controle repressivo de constitucionalidade sobre medidas provisórias, conforme será exposto adiante.
Art. 53. Antes da deliberação do Plenário, ou quando esta for dispensada, as proposições, exceto os
requerimentos, serão apreciadas: [...].
III - pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, para o exame dos aspectos de
constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimentalidade e de técnica legislativa, e, juntamente com as
comissões técnicas, para pronunciar-se sobre o seu mérito, quando for o caso;
17
Art. 101. À Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania compete:
I – opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe forem submetidas
por deliberação do Plenário, por despacho da Presidência, por consulta de qualquer comissão, ou quando em
virtude desses aspectos houver recurso de decisão terminativa de comissão para o Plenário. BRASIL.
Supremo Tribunal Federal: Regimento Interno [atualizado até agosto de 2009]. Brasília, DF, 2009.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf>. Acesso em: nov. 2009.
18
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 116.
16
49
da República, através do veto jurídico incidente sobre projeto de lei, embasado em
inconstitucionalidade -, de acordo com o art. 84, V, e art. 66, § 1º, todos da Constituição Federal.
O veto jurídico pode ser total ou parcial, ocasião em que somente pode
recair sobre texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, ficando excluído o veto sobre
palavras isoladas (art. 66, § 2º, CF).
O Poder Judiciário, diferentemente do que ocorre no controle repressivo,
exerce, em caráter excepcional, o controle preventivo de constitucionalidade.
Tal controle se dá por meio da impetração de Mandado de Segurança19 por
parlamentar contra ato da Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal que
admitam o processamento de proposta de emenda constitucional tendente a abolir quaisquer
das cláusulas pétreas descritas no artigo 60, § 4º, da CF/88.
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Nunes Júnior20 esclarecem que:
O Supremo Tribunal Federal [...] tem entendido que o controle preventivo
pode excepcionalmente ocorrer pela via jurisdicional quando existe
vedação na própria Constituição ao trâmite da espécie normativa. Cuidase, em outras palavras, de um ‘direito-função’ do parlamentar de
participar de um processo legislativo juridicamente hígido. Assim, o §
4.º do art. 60 da Constituição Federal veda a deliberação de emenda
tendente a abolir os bens protegidos em seus incisos. Portanto, o Supremo
Tribunal Federal entendeu que os parlamentares têm direito a não ver
deliberada uma emenda que seja tendente a abolir os bens assegurados por
cláusula pétrea. No caso, o que é vedado é a deliberação, no momento do
processo legislativo [...].
André Ramos Tavares21 prodigaliza, também, ao afirmar a possibilidade de
controle prévio pelo Poder Judiciário na hipótese de arguição de preceito fundamental:
A sua lei regulamentadora (Lei n. 9.882/99), em seu art. 1º, caput,
expressamente admite-a em face de atos do Poder Público (e não apenas em
face de atos normativos do Poder Público). Ora, sendo o projeto de lei ou a
proposta de emenda à Constituição atos resultantes do Congresso Nacional,
19
Vide Mandado de Segurança nº 20.257, relator Ministro Moreira Alves, DJ DE 8-10-1980. RTJ, 99 (3)/1040.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1127.
20
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 27.
21
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 227.
50
sua análise poderia ser viabilizada por esse importante instrumento do
controle de constitucionalidade do Brasil.
O princípio da presunção relativa de constitucionalidade da lei ou ato
normativo é consequência do aval dado pelo controle preventivo, contudo, quando este se
mostra falho para impedir o ingresso no ordenamento jurídico da lei inconstitucional, surge o
controle repressivo de constitucionalidade como segundo filtro de análise.
2.2.2 Controle repressivo
O controle corretivo, sucessivo ou a posteriori tem como condão expurgar
do mundo jurídico uma lei ou ato normativo elaborado em descompasso com a norma
fundamental, afastando a presunção relativa de constitucionalidade da lei.
O Brasil adota, como regra, o controle repressivo jurisdicional, e -,
excepcionalmente -, o legislativo e executivo.
O controle corretivo realizado pelo Poder Legislativo recai, em regra, sobre
atos normativos editados atipicamente pelo Poder Executivo quando exerce função
legislativa, ou seja, quando adota medidas provisórias, elabora leis delegadas ou edita
decretos para a regulamentação de leis.
Referida forma de controle de constitucionalidade nada mais é do que um
dos exemplos do sistema de freios e contrapesos em que um poder controla outro poder
estatal que exerce mal determinada competência constitucional.
No campo da medida provisória, o controle é exercido por intermédio da
comissão temporária mista de deputados e senadores que tem como função, dentre outras, aferir a
constitucionalidade das medidas provisórias editadas pelo chefe do Poder Executivo, com fulcro
no art. 62, §§ 5º e 9º, da CF 22, e art. 5º
22
23
23
da Resolução nº 1, de 08 de maio de 2002, expedida
Aludidos parágrafos foram introduzidos pela Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001.
“A comissão terá o prazo improrrogável de 14 (quatorze) dias, contado da publicação da Medida Provisória no
Diário Oficial da União para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria, em itens separados,
quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevância e urgência, de mérito, de
adequação financeira e orçamentária e sobre o cumprimento da exigência prevista no § 1 do art. 2º.”
51
pelo Congresso Nacional, que integra o Regimento Comum do Congresso Nacional. Assim, o
parecer dessa Comissão é enviado ao plenário da Câmara dos Deputados para votação da medida
provisória que poderá ser rejeitada por inconstitucionalidade, o mesmo sucedendo no Senado
Federal em caso de aprovação do ato normativo em questão pela Câmara dos Deputados.
No que tange ao poder regulamentar ou normativo do Poder Executivo, trazse à baila o disposto no art. 84, IV, da CF, consequência imediata do princípio administrativo
da legalidade insculpido no art. 37, caput, também da CF/88:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
IV – [...] fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos
para sua fiel execução; [...]
Dessarte, em caso de desrespeito ao comando constitucional ora citado,
pode o Congresso Nacional expedir decreto legislativo com o escopo de sustar decreto
regulamentar que exceda os limites de execução da lei, com fulcro no art. 49, V, da CF.
Abre-se, ainda, a possibilidade, apesar de incomum, de o Presidente da
República solicitar ao Congresso Nacional autorização para elaborar lei delegada, o qual
emitirá uma resolução especificando o conteúdo e os termos de seu exercício, de acordo com
o art. 68, § 2, da CF.
Na hipótese do Chefe do Poder Executivo extrapolar os limites da delegação
legislativa efetuada pelo Congresso Nacional, ensejará a edição por parte deste decreto
legislativo, que vise a sustar lei delegada, conforme art. 49, V, da CF.
Averbou André Ramos Tavares24, que o Poder Legislativo, por intermédio
do Senado Federal, participa do controle de constitucionalidade repressivo ao editar resolução
suspendendo, no todo ou em parte, lei declarada definitivamente inconstitucional em sede de
controle difuso pelo STF.
Acrescente-se, também, que o Tribunal de Contas, órgão auxiliar do Poder
Legislativo, poderá, no exercício de suas atribuições constitucionais arroladas no art. 71 da
24
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 227.
52
CF, apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público, conforme enuncia a
Súmula 347 do STF25.
No que tange ao Poder Executivo é consabido que a administração pública
está jungida ao princípio da legalidade coroado no art. 37, caput, da CF, segundo clássica
lição do mestre Hely Lopes Meirelles26:
A legalidade, como princípio da administração (CF, art, 37, caput), significa
que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito
aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode
afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. [...] “Na
Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na
Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”
Assim sendo, é dever do administrador público zelar pela legalidade e, por
conseguinte, pela constitucionalidade, razão pela qual, com base no princípio da autotutela,
deve reconhecer a inconstitucionalidade de seus atos ex officio, anulando-os; o
reconhecimento terá efeito ex tunc. 27
Luís
Roberto
Barroso28
aponta
como
faceta
do
controle
de
constitucionalidade repressivo, a possibilidade de descumprimento de lei inconstitucional por
parte do Poder Executivo, com fundamento no art. 23, I da CF:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição,
[...].
25
“O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos
do poder público.”
26
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p 86.
27
Súmula 346 do STF. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 443.
28
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 62-72.
53
Nesse sentido, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já se posicionou:
“Lei inconstitucional – Poder Executivo – Negativa de eficácia. O poder executivo deve negar
execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional -.”29
Por último, resta a análise do controle repressivo jurisdicional, regra no
Brasil e na maioria dos países, que dá azo ao exercício da jurisdição constitucional ou justiça
constitucional.
Paulo Bonavides30 enfatiza as virtudes de realização de controle pelo Poder
Judiciário:
Não há dúvida de que exercido no interesse dos cidadãos, o controle
jurisdicional se compadece melhor com a natureza das Constituições rígidas
e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial – a garantia da
liberdade humana, a guarda e proteção de alguns valores liberais que as
sociedades livres reputam inabdicáveis. A introdução do sobredito controle
no ordenamento jurídico é coluna de sustentação do Estado de direito, onde
ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis
Desde o preâmbulo do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, instituidor
da Justiça Federal, já havia enaltecimento da função do Poder Judiciário31, senão vejamos:
A magistratura que agora se instala no país, graças ao regime republicano,
não é um instrumento cego ou mero intérprete na execução dos atos do
poder legislativo. Antes de aplicar a lei, cabe-lhe o direito de exame,
podendo dar-lhe ou recusar-lhe sanção se ela parecer conforme ou
contrária à lei orgânica.
No Brasil, o controle jurisdicional de constitucionalidade é feito sob a via
difusa-concreta e a via concentrada-abstrata, perante qualquer juiz, tribunal ou pelo Supremo
Tribunal Federal.
29
Resp 23121/GO, rel. MIn. Humberto Gomes de Barros; 1ª T., j. 06.10.93, DJ, 08.11.1993, p. 23521, LEXSTJ
55/152. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial Nº 23.121-1 – GO. Por unanimidade, dar
provimento ao recurso. Estado de Goiás e associação dos Procuradores do estado de Goiás. Relatores:
Ministro Humberto Gomes de Barros. Diário da Justiça, Brasília, DF, 8 nov. 1993. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/listarAcordaos?classe=&num_processo=&dt_publicacao=08/11/1993&nu
m_registro=199200134602>. Acesso em: nov. 2009.
30
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 301.
31
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. A evolução do controle da constitucionalidade e a competência do
Senado Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 26-27.
54
Cumpre registrar que todos os meios de controle de constitucionalidade ora
apontados apresentam características próprias, ganhando relevo o confronto entre o controle
repressivo jurisdicional concreto realizado pelo Supremo Tribunal Federal e a incumbência do
Senado Federal em suspender a eficácia da lei declarada inconstitucional por este Tribunal
quando não o faz.
Como se analisará a seguir, o Poder Judiciário realiza o controle por meio da
via concentrada, que, em regra, é abstrato e possui eficácia erga omnes, bem como por intermédio
da via difusa mediante a presença de um caso concreto cujos efeitos limitam-se as partes.
2.3 QUANTO À PRETENSÃO ALMEJADA
Com base na finalidade, objetivo ou pretensão almejada estabelece-se o
controle concreto, subjetivo ou abstrato, direto, principal.32 O controle abstrato não depende
da solução de um caso concreto. Já o controle concreto é realizado num processo jurisdicional
em que a análise da constitucionalidade da lei é questão prejudicial para o deslinde da lide.
2.3.1 Controle abstrato
2.3.1.1 Conceito e denominações
O nascedouro do controle abstrato de constitucionalidade foi a Constituição
Austríaca, de 1920, cujo principal expoente foi Hans Kelsen, e, no Brasil, conforme visto
32
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 224-225.
55
alhures, somente foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de
1965, ganhando maior relevância após o advento da Constituição Federal vigente.
O método abstrato consiste na outorga a um determinado tribunal para
declarar a (in)constitucionalidade da lei como pedido principal da ação, desprendido da
análise de um caso concreto, caracterizado pela existência de um processo objetivo.
Nas palavras do mestre português José Joaquim Gomes Canotilho33:
Relacionado com o controlo concentrado e principal, o controlo abstracto
significa que a impugnação da constitucionalidade de uma norma é feita
independentemente de qualquer litígio concreto. O controlo abstracto de normas
não é um processo contraditório de partes; é sim, um processo que visa
sobretudo a “defesa da constituição” e do princípio da constitucionalidade
através da eliminação de actos normativos contrários à constituição. Dado que
se trata de um processo objectivo, a legitimidade para solicitar este controlo é
geralmente reservada a um número restrito de entidades [...].
Esse controle também é nomeado de concentrado, principaliter,
centralizado, reservado, via de ação, via principal ou via direta.
Concentrado ou reservado pelo fato de ser realizado apenas pelo órgão
jurisdicional supremo (Supremo Tribunal Federal)34, pontificando que todo controle abstrato é
concentrado, mas nem todo controle concentrado é abstrato, como, por exemplo, a ação direta de
inconstitucionalidade interventiva que é ajuizada perante o STF (controle concentrado), mas que
pressupõe a existência de um conflito de interesses entre entes federativos (controle concreto).
Para se chegar a tal conclusão basta cotejar os critérios distintos de
classificações existentes para os conceitos de controle abstrato e concentrado, não se
olvidando que o controle abstrato se opõe ao controle concreto, ao passo que o controle
concentrado se antagoniza com o difuso.
Conforme o magistério de Olavo Alves Ferreira35:
[...] o controle concentrado é exercido diretamente no Supremo Tribunal
Federal, e nem sempre é abstrato, abrangendo: a ação declaratória de
constitucionalidade; a ação direta de inconstitucionalidade por ação e
33
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 900.
No controle de constitucionalidade de âmbito estadual é efetuado pelo Tribunal de Justiça.
35
FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Método, 2005. p. 36.
34
56
omissão; a ação direta interventiva; e a argüição de descumprimento de
preceito fundamental autônoma.
Conforme se pode verificar, a ação direta interventiva não pertence ao rol das
ações do controle abstrato porque “não desencadeia um processo objetivo”, já
que o “objeto do processo não é a declaração da inconstitucionalidade em tese
de um ato estadual, mas antes a solução de um conflito entre a União e o Estadomembro que pode desembocar numa intervenção”. O objeto da ação é a
decretação da intervenção federal, não a declaração da nulidade de lei ou ato do
Poder Público; apenas incumbe ao Supremo Tribunal Federal resolver o conflito
federativo. “Daí o caráter concreto do julgado.”
A expressão sinônima via de ação justifica-se pelo fato de que a declaração de
inconstitucionalidade ou constitucionalidade ocorre mediante a propositura de ação própria e não
por incidente processual. Por sua vez, via principal ou direta traz a idéia de que se dispensa
qualquer outra fundamentação que não seja a análise da (in)constitucionalidade do ato normativo.
2.3.1.2 Modalidades
O controle abstrato comporta as seguintes espécies de ações:
a) ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI);
b) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO);
c) ação declaratória de constitucionalidade (ADC); e
d) arguição de descumprimento de preceito fundamental autônoma (ADPF).
A Lei nº 9.868/9936, com a redação alterada pela Lei nº 12.063/09, dispõe
sobre o processo e julgamento das três primeiras modalidades de ação mencionadas no
36
O Supremo Tribunal Federal disponibiliza em seu site o serviço de legislação anotada. BRASIL. Lei nº 9.868, de
10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil: Poder Executivo, Brasília, DF,
11 nov. 1999, p. 1. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/legislacaoAnotadaAdiAdcAdpf/verLegislacao.asp?lei=259>. Acesso em: 14 nov. 2009.
57
parágrafo anterior. Já a Lei nº 9.882/99 dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de
descumprimento de preceito fundamental37.
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) genérica tem como objetivo
expurgar do ordenamento jurídico a lei ou ato normativo federal ou estadual elaborada em
desacordo com o texto constitucional.
Por sua vez, a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) é o lado reverso da
ação direta de inconstitucionalidade, eis que visa a afastar o quadro de insegurança jurídica ou
incerteza sobre a validade ou aplicação de lei ou ato normativo federal38, transformando, se julgada
procedente, a presunção juris tantum em juris et de jure.
Insta apontar que a ADI e a ADC tem caráter dúplice ou ambivalente, pois
declarada a inconstitucionalidade da lei, pelo STF, julga-se procedente a ADI ou
improcedente a ADC, ao passo que se decretada sua constitucionalidade julga-se
improcedente a ADI e procedente a ADC.39
Como instrumento residual40 do controle abstrato de constitucionalidade, temse a arguição de descumprimento de preceito fundamental regulamentada pela Lei nº 9.882/99,
que tem como finalidade expungir do ordenamento jurídico ato do Poder Público violador de
preceito fundamental constitucional.
Demais disso, o inciso I do parágrafo único do art. 1º da mencionada Lei,
extrapolando a vontade do constituinte originário, inseriu uma forma equiparada de ADPF,
acrescentando direito municipal e pré-constitucional como objeto desta ação.
Contudo, foi ajuizada ação direta de inconstitucionalidade nº 2.231-DF, pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, contra a Lei 9.882/99, posicionando-se
o então relator Ministro Néri da Silveira contra a arguição incidental, conforme exposto:
[...] em face da generalidade da formulação do parágrafo único do art. 1º,
considerou que esse dispositivo autorizaria, além da argüição autônoma de
caráter abstrato, a argüição incidental em processos em curso, a qual não
37
BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de
descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil: Poder Executivo, Brasília, DF, 6 dez. 1999, p. 1. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/legislacaoAnotadaAdiAdcAdpf/verLegislacao.asp?lei=1>. Acesso em: 14 nov. 2009.
38
Um dos requisitos para a propositura da ADC é a comprovação da existência de divergência jurisprudencial,
consoante preceitua artigo 14, III, da Lei 9.868/99.
39
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 235.
40
§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro
meio eficaz de sanar a lesividade.
58
poderia ser criada pelo legislador ordinário, mas, tão-só, por via de emenda
constitucional, e, portanto, proferiu voto no sentido de dar ao texto
interpretação conforme à CF a fim de excluir de sua aplicação controvérsias
constitucionais já postas em juízo. 41
O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou no sentido de que “O
objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental há de ser ‘ato do Poder
Público, [...] normativo ou não.’” 42
Derradeiramente, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão,
importada da Constituição Lusitana43, tem como escopo o combate à síndrome da
inefetividade das normas constitucionais44 de eficácia limitada45.
Verifica-se, assim, que a inconstitucionalidade pode se dar tanto por um
comportamento positivo (facere), contrário ao texto constitucional, quanto por um
comportamento negativo (non facere), quando a Constituição determina que o Poder Público
adote determinada providência legal ou administrativa e este se mantém inerte.
Constitui requisito para o ajuizamento dessa ação a mora legislativa, ou seja,
o transcurso de tempo razoável para que o poder competente elabore a norma.46
Segundo a lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do
Mandado de Injunção 361/RJ:
[...] mora - que é pressuposto da declaração de inconstitucionalidade da
http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nphbrs?d=INFO&s1=omiss%E3o+e+mora+legislativa&u=http://www.stf.
gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=TH
ESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20 h5#h5http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph41
INFORMATIVO STF. Brasília, DF: STF, n. 253, dez. 2001.
Supremo Tribunal Federal – Pleno, ADPF nº 1/RJ, Questão de ordem, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da
Justiça , 03 de fevereiro de 2000.
43
Art. 283. 1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de
direitos das regiões autónomas, dos presidentes das assembleias legislativas regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e
verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as
normas constitucionais. 2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão,
dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente. PORTUGAL. Constituição Portuguesa: Parte IV – Garantia
e Revisão da Constituição: TÍTULO I - Fiscalização da constitucionalidade. Disponível em:
<http://bo.io.gov.mo/bo/I/pt/crppt/crpp4t1.asp#Artigo%20283>. Acesso em: nov. 2009.
44
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 257.
45
São aquelas que possuem aplicabilidade mediata ou diferida, necessitando de ulterior complemento
infraconstitucional para sua efetivação.
46
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 326-327.
42
59
brs?d=INFO&s1=omiss%E3o+e+mora+legislativa&u=http://www.stf.
gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=TH
ESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20 h7#h7omissão legislativa -, é de ser reconhecida, em cada caso, quando,
dado o tempo corrido da promulgação da norma constitucional invocada e
o relevo da matéria, se deva considerar superado o prazo razoável para a
edição do ato legislativo necessário à efetividade da Lei Fundamental;
vencido o tempo razoável, nem a inexistência de prazo constitucional para
o adimplemento do dever de legislar, nem a pendência de projetos de lei
tendentes a cumpri-lo podem descaracterizar a evidência da
inconstitucionalidade da persistente http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-
brs?d=INFO&s1=omiss%E3o+e+mora+legislativa&u=http://www.stf.
gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=TH
ESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20 h6#h6http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nphbrs?d=INFO&s1=omiss%E3o+e+mora+legislativa&u=http://www.stf.
gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=TH
ESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20 h8#h8omissão de legislar.47
A Lei nº 12.063/09, que entrou em vigor no dia 28 de outubro de 2009,
acrescentou à Lei nº 9.868/09 os arts. 12-A a 12-H, consolidando, praticamente, o
entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Inovou-se quanto à possibilidade do relator solicitar manifestação do
Advogado-Geral da União, nos termos do seu art. 12-E, § 2º, e no que tange à concessão de
medida cautelar, em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, podendo consistir
na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão
parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou administrativos ou ainda em outra
providência a ser fixada pelo Tribunal.
O Poder Legislativo perdeu a oportunidade, com a elaboração dessa lei, de
dar efetividade a ADI por Omissão, talvez por ser o principal destinatário, ao apenas
estabelecer em seu art. 12-H, que, no caso de declarada a inconstitucionalidade por omissão, o
STF dará ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias, e, em se
tratando de órgão administrativo para fazê-lo no prazo de trinta dias ou em prazo razoável a
ser fixado pelo Tribunal.
47
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 361-1. Rio de Janeiro. Deferir em parte, o
mandado de injunção, para que se comunique ao Congresso Nacional a mora em que se encontra, afim de que
sejam adotadas as providências necessárias para o suprimento da omissão. Sindicato das Microempresas e
Empresas de Pequeno porte do Comércio do Estado do Rio de Janeiro e Congresso Nacional. Relator:
Ministro Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, Brasília, DF. 17 jun. 1994. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=361&classe=MI>. Acesso em: nov. 2009.
60
2.3.1.3 Competência, quorum de julgamento e legitimidade
No direito pátrio, o controle abstrato é realizado pelo pleno do Supremo
Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, “a”, da CF, e § 1º:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda
da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal;
[...]
§ 1º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta
Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.
Não obstante -, é requisito indispensável para o julgamento da declaração de
inconstitucionalidade do ato normativo que estejam presentes no mínimo oito ministros,
isto é, estabelece-se quorum de votação de maioria qualificada, nos termos do art. 22 da
Lei nº 9.868/99.
Entrementes, traça o art. 23, dessa mesma lei, um quorum de aprovação de
maioria absoluta dos membros da Corte Suprema para a decretação da inconstitucionalidade,
ou seja, é imprescindível o voto de seis ministros neste sentido, com fulcro nos arts. 97 e 101,
caput, da CF, corroborado pelo art. 23 da Lei nº 9.868/99.
Ademais, como reflexo da cláusula pétrea estatuída no art. 60, § 4º, I, da CF,
relativa à forma federativa de Estado, o constituinte originário permite o controle de
constitucionalidade abstrato no plano estadual, ou seja, a verificação da inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo municipal e estadual em face da Constituição Estadual efetuado
perante o Tribunal de Justiça do respectivo Estado, vedado a atribuição da legitimidade a um
único órgão, de acordo com o art. 125, § 2º, da CF.48
48
Em sentido contrário José Afonso da Silva afirma que “Não tem ela por objeto a verificação da
constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual nem municipal, nem está prevista a possibilidade de sua
61
Conforme consignado acima, até o advento do atual texto constitucional, a
legitimidade para a propositura da ADI era conferida, monopolisticamente, ao ProcuradorGeral da República (PGR).
Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes49 esclarecem que a
atribuição da legitimidade ao Chefe do Ministério Público da União remonta, mutatis
mutandi, possivelmente a Hans Kelsen, na conferência proferida por este, em 1928, perante a
Associação dos Professores Alemães de Direito Público:
Um instituto completamente novo, mas digno de ser experimentado seria a
criação de um Advogado da Constituição (Verfassungsanwalt) perante a
Corte Constitucional, que – em analogia com promotor público no processo
penal – instaurasse de ofício o controle de normas em relação aos atos que
reputasse inconstitucionais. Evidentemente, esse advogado da Constituição
deveria ser dotado de todas as garantias de independência tanto em face do
governo, como em face do Parlamento [...].
Hodiernamente, com a promulgação em 05 de outubro de 1988 da
Constituição Federal, alterada pelas Emendas Constitucionais nºs 03/93 e 45/04,
regulamentadas pelas Leis nº 9.868/99 e nº 9.882/99, passaram a ter legitimidade concorrente
para o ajuizamento da ADI, ADO, ADC e ADPF, perante o STF, o Presidente da República, a
Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do
Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional,
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Nesse diapasão, fincam o disposto no art. 103 da CF, arts. 2º e 12-A da
Lei nº 9.868/99, e art. 2º, I, da Lei nº 9.882/9950.
Deve-se, entretanto, analisar se a legitimação é universal, neutra ou especial,
interessada, ou seja, se o legitimado precisa, ou não, comprovar interesse ligado à sua
finalidade institucional.
criação nos Estados.” SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 59.
49
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade. 3.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 63.
50
Art. 2º Podem propor arguição de descumprimento de preceito fundamental:
I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
62
O Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara
dos Deputados, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil e partido político51 com representação no Congresso Nacional possuem
legitimidade universal ou neutra, ou seja, não precisam comprovar nenhum interesse no
ajuizamento da ação.
De forma contrária, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara
Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, confederação
sindical e entidade de classe de âmbito nacional são reputados legitimados interessados ou
especiais, exigindo-se a demonstração da pertinência temática, isto é, a comprovação do
interesse na propositura da ação relacionado à sua finalidade institucional.
2.3.1.4 Objeto
A ADI genérica tem como objeto, em princípio, lei ou ato normativo federal
ou estadual (art. 102, I, a, da CF).
Em relação à lei ou ato normativo distrital, somente é possível o controle de
constitucionalidade se forem resultantes do exercício da competência legislativa estadual, de
acordo com o verbete da Súmula 642 do STF52, isso porque houve um silêncio eloquente por
parte do constituinte originário referente à lei ou ato normativo municipal que não podem ser
contrastados em face da Constituição Federal53 no bojo da ADI.
O termo lei mencionado no dispositivo constitucional supracitado abrange
todas as espécies normativas elencadas no art. 59 da Carta Maior (emendas à constituição54,
51
O STF entende que, se o partido político com representação no Congresso Nacional, no momento do ajuizamento da
ação, perder a representação no curso da ADI, a ação prosseguirá normalmente, conforme ADI 2159 AgR/DF, rel.
orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/acórdão MIn. Gilmar Mendes, 12.08.2004. LENZA, Pedro. Direito constitucional
esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 226.
52
“Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência
legislativa municipal.”
53
Ressalve-se, entretanto, o cabimento de ADI de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição
Estadual, conforme visto acima.
54
É possível, portanto, a declaração de inconstitucionalidade uma norma constitucional, desde que manifestação
do Poder Constituinte Derivado Reformador, tendo em vista que se sujeita às limitações materiais e formais
impostas pelo Poder Constituinte Originário.
63
leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos
e resoluções).
Como exemplo de atos normativos tem-se as resoluções administrativas e os
regimentos internos dos Tribunais.
É imprescindível, contudo, para o controle de constitucionalidade que a lei
seja dotada de generalidade, abstração e imperatividade, o que exclui do campo material da
ADI os atos estatais de efeitos concretos.
O decreto regulamentar ou de execução sujeitar-se-á a ADI quando não
houver lei a ser regulamentada. Nesse caso, apresentando-se como decreto autônomo há a
possibilidade de análise da compatibilidade direta com a CF para se verificar a observância do
princípio da legalidade apregoado no art. 5º, II, da CF.
Os tratados e convenções internacionais também estão sujeitos a ADI,
mesmo que ingressem no ordenamento jurídico pátrio com status de norma
constitucional.55
Restam excluídos do campo da ADI, além dos casos acima consignados,
o direito pré-constitucional56; as normas constitucionais originárias, por representarem
manifestação do Poder Constituinte Originário; a lei revogada ou que tenha perdido
vigência após a propositura da ação; projeto de lei ou proposta de emenda à constituição e
súmulas.
Para a ação declaratória de constitucionalidade, todas as considerações
supracitadas são válidas, não se olvidando, entretanto, que somente as leis e atos normativos
federais estão sujeitos ao seu âmbito de controle.
Na ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o pedido do legitimado
é para que determinado órgão público tome ciência da sua inércia e adote as providências
necessárias para sanar a lacuna normativa.
Ensina Luís Roberto Barroso57, com a maestria que lhe é peculiar:
55
O art. 5, § 3º, da CF, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/04, prescreve que os tratados
internacionais que versarem sobre direitos humanos e forem aprovados pelo quorum da emenda à constituição
serão equivalentes a esta, logo, submetidos aos limites impostos ao Poder Constituinte Derivado Reformador.
56
As normas infraconstitucionais elaboradas antes da carta magna vigente passam pelo fenômeno da recepção ou
não recepção, conforme sua compatibilidade com esta, tratando-se de questão de direito intertemporal.
57
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 229-230.
64
Por certo são impugnáveis, no controle abstrato da omissão, a inércia
legítima em editar quaisquer dos atos normativos primários suscetíveis de
impugnação em ação direta de inconstitucionalidade (v., supra). O objeto
aqui, porém, é mais amplo: também caberá a fiscalização da omissão
inconstitucional em se tratando de atos normativos secundários, como
regulamentos ou instruções, de competência do Executivo, e até mesmo,
eventualmente, de atos próprios dos órgãos judiciários.
Por último, como já afirmado, a ADPF tem objeto mais amplo, podendo
consistir em qualquer ato do Poder Público, de caráter normativo ou não, desde que em
contrariedade com preceito fundamental da Constituição, inclusive, com a possibilidade de
recair sobre direito pré-constitucional e direito municipal na questionada forma incidental
ou equiparada do inciso I do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.882/99.
2.3.1.5 Efeitos da decisão
2.3.1.5.1 Síntese legislativa pós Constituição de 1988
Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle abstrato
passaram por profundas mutações após a entrada em vigor da CF/88.
Num primeiro momento, a Emenda Constitucional nº 03/93, previu para a
ADC no art. 102, § 2º, da CF 58, os efeitos erga omnes e vinculante.
Posteriormente, a Lei 9.868/99, equiparou os efeitos da ADI genérica e da
ADC ao prever os efeitos erga omnes e vinculante para ambas, bem como estabelecer a
possibilidade do STF manipular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos termos
do art. 27 e art. 28, parágrafo único:
58
“As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.”
65
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela
só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.
Art. 28 [...]
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e
a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm
eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Da mesma forma, estabelece o art. 10, § 3º
59
, e art. 11
60
, da Lei nº
9.882/99, em relação aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade na arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
Por último, a Emenda Constitucional nº 45/04, alterou a redação do § 2º do
61
art. 102 , da Corte Suprema, confirmando a previsão do efeito erga omnes e vinculante para
a ADI genérica já mencionada no art. 27 da Lei nº 9.868/99.
2.3.1.5.2 Classificação dos efeitos
A decisão judicial do STF que aprecia o mérito da constitucionalidade da lei
no controle abstrato, após seu trânsito em julgado, propicia a ocorrência de efeitos jurídicos.
A coisa julgada62 define-se como um especial predicado da imutabilidade ou
estabilidade dos efeitos da decisão judicial.
59
Art. 10. § 3º A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de
preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
61
"As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal,
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
60
66
No âmbito do processo civil subjetivo, a coisa julgada tem, como limite
objetivo, o dispositivo da sentença63 e, como limite subjetivo, as partes64 entre as quais a decisão é
proferida.
Segundo sistematização proposta por Luís Roberto Barroso65, os efeitos da
decisão, que declara a inconstitucionalidade, podem ser classificados em objetivos, subjetivos
e temporais, aplicando-se tanto para ADI, ADC ou ADPF.
2.3.1.5.2.1 Efeitos objetivos
Na hipótese de procedência da ação direta de inconstitucionalidade, ou
seja, de lei julgada inconstitucional, o acórdão faz coisa julgada material. Assim, torna-se
incabível o ajuizamento de outra ADI para nova apreciação da inconstitucionalidade do
ato impugnado, por força da eficácia preclusiva da coisa julgada, seja por falta de
interesse de agir ou pelo fato da lei já ter sido eliminada do ordenamento jurídico.
A lei inconstitucional, em princípio, é nula, repercutindo sobre a legislação
que havia sido por ela afetada. Surge, assim, a possibilidade da repristinação da lei revogada
por lei revogadora inconstitucional.
O art. 11, § 2º, da Lei nº 9.868/99, ao disciplinar os efeitos da concessão da
cautelar na ADI, estabeleceu:
Art. 11 [...]
§ 2º A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior
acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
Também não pode ser olvidada a presença do efeito repristinatório na
Ação
Direta
de
Constitucionalidade
Inconstitucionalidade
(se
julgado
Genérica,
improcedente
o
na
Ação
pedido)
e
Declaratória
na
Arguição
de
de
Descumprimento de Preceito Fundamental (se se tratar de ato normativo), quanto às
62
Art. 472. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não
mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário
63
Conforme interpretação contrária do art. 469 do Código de Processo Civil (CPC).
64
Neste sentido dispõe o art. 472 do CPC.
65
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 172.
67
decisões de mérito, significando que a norma pretensamente revogada pela norma
inconstitucional se mantém em vigor.
Segundo o ensinamento de Olavo Ferreira66, os conceitos de efeito
repristinatório e repristinação não se confundem. Este constitui “[...] efeito automático da
decisão que declara a nulidade de um ato normativo, que não revogou validamente outro,
e envolve duas leis e uma decisão judicial no controle abstrato.”67Aquele envolve
necessariamente três leis e somente é permitido quando houver previsão legislativa
expressa, nos termos do disposto no art. 2º, § 3º 68 , da Lei de Introdução ao Código Civil.
Já no caso de improcedência da ação direta de inconstitucionalidade, isto é,
do aresto entender que a lei é constitucional, inexiste a formação da coisa julgada material,
permanecendo o ato perfeito, válido e eficaz.
Luís Roberto Barroso e Lenio Luiz Streck69 fundamentam a possibilidade de
STF analisar novamente a lei tida por constitucional.
[...], não “congela” (“engessa”) de modo definitivo a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, já que no Brasil, como nos demais países (EUA,
por exemplo), a alteração das circunstâncias fáticas pode autorizar o
deslocamento da compreensão constitucional de dada matéria. Assim,
declarada a constitucionalidade de uma determinada lei, em virtude de
sentença que julga improcedente a ação direta, não está impedido o Supremo
Tribunal Federal de, mais tarde, uma vez alterado o sentido da norma
paramétrica ou mesmo da normativa-objeto, e quando devidamente
provocado, decretar a inconstitucionalidade do dispositivo atacado. 70
2.3.1.5.2.2 Efeitos subjetivos
66
FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Método, 2005. p. 86.
Ibid.
68
“Art. 2º, § 3º A lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a sua vigência”. BRASIL.
Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Diário Oficial, Rio de
Janeiro, 9 set. 1942, p. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del4657.htm>. Acesso
em: nov. 2009. (grifo nosso).
69
Neste diapasão é o posicionamento de BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito
brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 176; STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica:
uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 565-569, dentre outros.
70
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 240.
67
68
Sob esse enfoque, analisa-se o alcance subjetivo da decisão declaratória de
inconstitucionalidade da lei, na via abstrata, pelo STF.
O art. 472 do Código de Processo Civil, que regula relações intersubjetivas,
pontifica que a sentença somente faz coisa julgada entre as partes as quais é prolatada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiros, entretanto, não se coaduna com o processo objetivo
do controle abstrato de constitucionalidade.71
Neste a eficácia da decisão é erga omnes ou contra todos, diferentemente do
que ocorre no controle difuso em que a decisão produz efeitos inter partes. Por corolário,
dispensa-se a expedição de resolução senatorial prevista no art. 52, X
72
, da CF, que
somente tem aplicação para o controle difuso.
Não obstante, desde o nascimento do controle abstrato até abril de 1977,
era praxe do Supremo Tribunal Federal comunicar o Senado Federal para que efetuasse a
suspensão da lei declarada inconstitucional, havendo a dispensa em razão de
posicionamento ulterior daquele, conforme recorda Paulo Napoleão Nogueira da Silva73:
Em 25.10.71, a Mesa de Matéria Constitucional do STF provocara consulta
do Diretor-Geral do Tribunal, à sua Comissão de Jurisprudência sobre o
procedimento a ser adotado em relação ao que dispunha o art. 180 do
Regimento Interno da Corte. Embora formulada em 1971, a consulta só
logrou receber parecer da Comissão em 11.11.1975 (Min. Moreira Alves,
com manifestação em separado dos Mins. Xavier de Albuquerque, em
24.11.75, e Thompson Flores, em 25.11.75). Em 18 de abril de 1977, em
recesso forçado o Congresso, o então Ministro-Presidente Thompson Flores
proferiu despacho naquele expediente, determinando que o tribunal deixasse
de comunicar ao Senado a inconstitucionalidade declarada em ação direta; o
entendimento foi o de que, passada em julgado, a decisão do Supremo é
dotada de eficácia erga omnes, não havendo por que ser suspensa pelo
Senado a lei ou o ato normativo nulos em relação a todos
Luís Roberto Barroso74 sustenta que os legitimados atuam em
substituição processual ou legitimação extraordinária, agindo em nome próprio na defesa
71
O art. 472 do CPC também nas ações coletivas da ação popular e ação civil pública, consoante prescreve o art.
18 da Lei 4.717/65 e art. 16 da Lei 7.347/85.
72
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X – suspender a execução, no todo ou em parte, de
lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
73
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. A evolução do controle da constitucionalidade e a competência do
Senado Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 58.
74
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 179.
69
de interesse da coletividade e, assim sendo, os efeitos devem se irradiar para a própria
coletividade.
Já o efeito vinculante relaciona-se à necessidade de observância por parte
de todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual, distrital e municipal, da decisão prolatada pelo Pretório Excelso
em sede de controle abstrato, nos termos do suprarreferido parágrafo único do art. 28 da
Lei nº 9.868/99.
Como o Poder Legislativo não foi mencionado na redação desse
dispositivo legal, o STF já sedimentou posicionamento que “[...] a declaração de
inconstitucionalidade não impede o legislador de promulgar lei de conteúdo idêntico ao do
texto anteriormente censurado”75, constituindo, assim, exceção à eficácia geral e vinculante.
A doutrina não é uníssona a respeito da diferença entre efeito erga omnes e
vinculante.
Adiante-se que os próprios diplomas legais que versam sobre os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade empregam vocábulos distintos, podendo-se questionar
se a lei teria empregado inutilmente tais palavras.
José Afonso da Silva e Ada Pellegrini Grinover76 conferem o mesmo
sentido para eficácia erga omnes e efeito viculante.
[...] parece claro que efeito erga omnes e efeito vinculante são nomes
diferentes de uma mesma coisa. Com efeito, se a decisão possui efeito contra
todos, isso inclui os poderes constituídos, pois a manifestação da Suprema
Corte dá a medida da legalidade com que podem se mover as autoridades e
órgãos estatais que devem observar incontinenti o que foi decidido,
desconsiderando a lei ou ato normativo declarado nulo. Da mesma forma se
a decisão vincula os demais órgãos vincula também os particulares, de modo
que não há diferença entre um caso e outro. 77
75
Supremo Tribunal Federal – Pleno, ADI nº 907, Rel. Min. Ilmar Galvão. Idem ADI nº 864, Relator Ministro
Moreira Alves.
76
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 60-61 e
GRINOVER, Ada Pellegrini. Controle da constitucionalidade. Revista Forense, Rio de Janeiro, n. 341, p. 7,
abr./jun., 1998.
77
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo:
Dialética, 1997. p. 94-95.
70
A posição majoritária, entretanto, aponta várias diferenças entre tais efeitos.
78
Gilmar Mendes sustenta:
[...] efeito vinculante [...] instituto jurídico desenvolvido no Direito Processual
alemão, que tem por objetivo outorgar maior eficácia às decisões proferidas por
aquela Corte Constitucional, assegurando força vinculante não apenas à parte
dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos
determinantes (tragende Gründe). A declaração de nulidade de uma lei não obsta
à sua reedição, ou seja, a repetição de seu conteúdo em outro diploma legal.
Tanto a coisa julgada quanto a força de lei (eficácia erga omnes) não lograriam
evitar esse fato. Todavia, o efeito vinculante, que deflui dos fundamentos
determinantes (tragende Gründe) da decisão obriga o legislador a observar
estritamente a interpretação que o tribunal lhe conferiu.
Regina Maria e Macedo Nery Ferrari79 apontam outra diferença na época
em que a legislação só contemplava o efeito vinculante para a ADC:
[...] a partir da adoção do efeito vinculante da decisão de mérito (previsto
para as ações declaratórias de constitucionalidade), é possível, no caso de
seu descumprimento por parte dos órgãos inferiores do Judiciário, a
provocação do Supremo Tribunal Federal pelo prejudicado, por meio da
reclamação, a fim de que seja garantida a autoridade de sua decisão. Porém,
quando a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida em ações diretas
de inconstitucionalidade, não for observada por parte dos órgãos inferiores
do Judiciário, em decorrência de seus efeitos apenas erga omnes, cabe ao
prejudicado só a interposição de um recurso extraordinário.
2.3.1.5.2.3 Efeitos temporais
Com relação aos efeitos temporais da decisão que julga as ações no
controle abstrato, as leis supracitadas, inspiradas no direito português80 e no direito
78
79
80
MENDES, Gilmar Ferreira. O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de
controle abstrato de normas. Revista Jurídica Virtual, Brasília, DF, n. 4, ago. 1999. Disponível em:
<http:///www.planato.gov.br/ccivil/revista/rev04/efeitovinculante.htm>. Acesso em: nov. 2009.
MACEDO, Regina Maria; FERRARI, Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 238-239.
Conforme art. 282.1 da Constituição Portuguesa. PORTUGAL. Constituição Portuguesa: Parte IV –
Garantia e Revisão da Constituição: TÍTULO I - Fiscalização da constitucionalidade. Disponível em:
<http://bo.io.gov.mo/bo/I/pt/crppt/crpp4t1.asp#Artigo%20283>. Acesso em: nov. 2009.
71
alemão81,
estabeleceram
a
possibilidade
da
manipulação,
modulação,
graduação,
dimensionamento, restrição ou limitação dos seus efeitos.
Como regra, a decisão que declara a inconstitucionalidade da norma tem
efeito ex tunc, isto é, retroage desde o seu nascimento, sendo considerada, portanto, nula.
Para Olavo Alves Ferreira82, - “[...] o efeito ex tunc decorre, outrossim, do
sistema de controle adotado, típico da sanção nulidade, que consagra o princípio da
supremacia da Constituição, bem como o Texto Supremo que dispõe que a
inconstitucionalidade (vício) é declarada.”
Excepcionalmente, entretanto, por razões de segurança jurídica ou
excepcional interesse social, pelo quorum qualificado de 2/3 dos seus membros, o Supremo
Tribunal Federal pode manipular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para
qualquer outro momento entre data posterior ao dia que tem início a vigência da norma ou
outra data qualquer, a seu critério.
Assim, exempli gratia, poderá conceder efeito ex nunc, isto é, a decisão que
decreta a inconstitucionalidade passa a ser constitutiva, só possuindo eficácia a partir do seu
trânsito em julgado, o que faz com que a norma inconstitucional se torne anulável.
Finalmente, poderá atribuir efeito pro futuro ou prospectivo diverso da
publicação da decisão.
Daniel Sarmento83 critica a amplitude da inovação trazida pelas Leis nº 9.868/99
e nº 9.882/99:
[...] o que nos parece merecedor de críticas foi a amplitude com que se admitiu a
eficácia pro futuro, sem estipulação de qualquer limite temporal. Pela
interpretação literal do art. 27, o Supremo estaria autorizado a manter em vigor,
por dez ou vinte anos, uma lei inconstitucional, cuja aplicação, até lá, seria
obrigatória para todos os juízes e tribunais. Contudo, pensamos que é possível, a
partir da interpretação teleológica da norma em questão e do princípio da
razoabilidade, traçar alguns limites para a subsistência, na ordem jurídica, de
norma cuja inconstitucionalidade já tenha sido definitivamente reconhecida. Na
verdade, a eficácia pro futuro visa impedir que o expurgo da norma
inconstitucional gere um ‘ buraco negro’ legislativo, que, em certas situações
pode se revelar mais danoso à ordem constitucional do que a manutenção
provisória do diploma legal questionado.
81
De acordo com o § 31 da Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã.
FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Método, 2005. p. 77.
83
SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade, hermenêutica
e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 33.
82
72
Insta, ainda, apontar que a manipulação dos efeitos pode incidir sobre a
eficácia erga omnes e vinculante, bem como sobre o efeito repristinatório, ante a expressão
genérica utilizada pelo art. 27 da Lei nº 9.868/99 – “restringir os efeitos daquela
declaração”.
Nesse sentido, Walter Claudius Rothenburg84 pontifica que a modulação dos
efeitos pode ocorrer:
(i) quanto à eficácia subjetiva da decisão (alcance da decisão em relação ao
universo das pessoas afetadas); [...] (iii) quanto à eficácia vinculante da
decisão (alcance da decisão em relação a outros órgãos aplicadores do
direito; e (iv) quanto à eficácia material da decisão (alcance do conteúdo da
decisão).
Além disso, conforme se analisará adiante, o Supremo Tribunal Federal vem
admitindo, na via difusa, a modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade em
situações extremas.85
Forçoso concluir que, a partir da CF/88, o controle abstrato ganhou
significativo avanço e papel de destaque com a ampliação dos seus legitimados, a
instituição de novas modalidades de combate à inconstitucionalidade, a possibilidade do
amicus curiae e a previsão dos efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante para as decisões
do STF, com a possibilidade, ainda, da modulação de tais efeitos nos casos de excepcional
interesse social e segurança jurídica
Resta, agora, analisar o controle concreto de constitucionalidade,
primogênito, com suas características, nuances, efeitos e como deve ser interpretado com as
modificações feitas pelo legislador em relação à sua objetivização, culminando com o novo
papel a ser desempenhado pelo Senado Federal em relação à competência para suspender a
execução da lei ou parte dela declarada definitivamente inconstitucional pelo STF.
84
85
ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. In: ______. ;
TAVARES, André Ramos. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei nº
9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 227.
Supremo Tribunal Federal – Pleno, AI-AGg nº 907, Rel. Min. Joaquim Barbosa. Diário da Justiça, 16 de
fevereiro de 2007, p. 61.
73
2.3.2 Controle concreto
2.3.2.1 Conceito e denominações
A via ou método difuso, incidental, aberto, concreto, descentralizado, de
exceção ou de defesa, tem como precedente histórico, como já dito outrora, o célebre caso
William Marbury versus James Madison, julgado pelo Ministro da Suprema Corte norteamericana, John Marshall, em 1803, -, e, no direito nacional, a primeira Constituição da
era republicana de 1891.
Aqui o controle de constitucionalidade da lei ou ato normativo é feito por
qualquer órgão do Poder Judiciário, ante um caso concreto, em qualquer tipo de
processo86, ação ou procedimento, seja de conhecimento, execução, cautelar ou
mandamental, de jurisdição voluntária ou contenciosa, na instância inferior ou superior87,
inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal quando não se tratar de controle abstrato (art.
102, I, a, e § 1º, da CF).
A denominação via concreta ou subjetiva é proveniente da existência de
um caso concreto que envolvem partes litigando em juízo. Ocorre como pano de fundo de
uma questão de direito posta entre duas partes Por esta razão, é incabível a impetração de
mandado de segurança contra lei inconstitucional em tese, isto é, desprendida de uma
situação concreta88, haja vista não constituir substitutivo da ADI.
86
Na ação civil pública, o controle de constitucionalidade incidental somente pode ser realizado caso não constitua
sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade em virtude da presença do efeito erga omnes naquela.
87
Em sede de recurso especial e recurso extraordinário, deve ser observado o pré-questionamento (STF, DJU, 27
ago. 1993, p 17022, RE 117.805-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence; STF, DJU, 24 JUN. 1994, AgRg no AI
145.589-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence.
88
Neste diapasão, Súmula 266 do STF: “Não cabe mandado de segurança contra lei em tese”.
74
Já a utilização da expressão via de defesa ou exceção deve ser
interpretada com temperamento, haja vista que, apenas em regra, a arguição de
inconstitucionalidade é suscitada como meio de defesa do réu para se eximir de
determinada obrigação imposta por lei inconstitucional, entretanto, nada impede que seja
levantada pelo autor, em sua petição inicial ou em momento posterior, a questão
prejudicial da inconstitucionalidade, ou até mesmo reconhecida ex officio pelo juízo.89
Demais disso, via incidental porque constitui incidente do julgamento
principal, ou seja, a declaração de inconstitucionalidade é uma questão prejudicial ao pedido
principal da ação. Como consequência, é apreciada na fundamentação da sentença, e não no
seu dispositivo.
Olavo Alves Ferreira90 salienta acerca da diferença entre via difusa e via
incidental:
[...] não se pode confundir controle incidental com controle difuso. Há
possibilidade de controle incidental no controle concentrado, como por
exemplo na Ação Declaratória de constitucionalidade nº 1-1/DF. Antes de
abordar o mérito da ação (constitucionalidade ou não de determinada
norma), o Supremo Tribunal Federal declarou, em sede de controle
incidental, a constitucionalidade da ação declaratória [...] contudo o controle
difuso será sempre incidental, já que a questão principal não poderá ser a
questão constitucional, sob pena de ausência de interesse de agir [...].
Destaque-se, também, que a via difusa tem largo campo material podendo
recair sobre qualquer lei ou ato normativo, seja federal, estadual, distrital ou municipal,
primário ou secundário, inclusive os anteriores à Constituição vigente.
Referida via possibilita a concretização do princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional insculpido no art. 5º, XXXV, da CF, ao permitir que qualquer pessoa
questione, em qualquer processo, a (in)constitucionalidade de ato normativo aplicado no caso
concreto, em respeito ao princípio.
89
Sob um outro enfoque Luiz Alberto David de Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior sustentam que se chama
via de exceção em razão dos efeitos da decisão se operar apenas entre as partes, excepcionado apenas o
interessado dentre toda a comunidade. ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano.
Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. 2005. p. 28.
90
FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Método, 2005. p. 38-39.
75
2.3.2.2 Competência, quorum de julgamento e legitimidade
Como já dito a declaração de inconstitucionalidade na via difusa pode ser
suscitada por qualquer pessoa e proferida por qualquer juízo monocrático ou tribunal desde
que respeitados os limites de competência de cada órgão judiciário.
Os arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil disciplinam a declaração de
inconstitucionalidade pelos tribunais, enquanto que os arts. 176 a 178 do regimento interno do
STF o regramento para este tribunal.
Assim, salvo no STF, arguida a inconstitucionalidade nas razões do recurso
ou em ação de competência originária, o relator, depois de ouvir o membro do Ministério
Público, submeterá a questão à turma, câmara ou seção, de acordo com o respectivo
regimento interno, para análise.
Caso acolhida a alegação de inconstitucionalidade suscitada deverá o órgão
fracionário lavrar acórdão e encaminhar os autos para o plenário ou órgão especial91 do
Tribunal para julgamento desta, que deverá observar a cláusula de reserva de plenário
elencada no art. 97 da Carta Política: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus
membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo do Poder Público.”
Não obstante, o art. 481, parágrafo único, do Código de Processo Civil,
introduzido pela Lei 9.756/98, seguindo linha iterativa da jurisprudência do STF92, pautada
91
O art. 93, XI, da CF/88, elenca que “nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser
constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das
atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade
das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;”
92
“O artigo 481, parágrafo único, introduzido no Código de Processo Civil pela L. 9.756/98 – que dispensa a
submissão ao plenário, ou ao órgão especial, da argüição de inconstitucionalidade, quando já houver
pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão – alinhou-se à construção
jurisprudencial já então consolidada no Supremo Tribunal, que se fundara explicitamente na função outorgada
à Corte de árbitro definitivo da constitucionalidade das leis. (RE 433.101-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 6-12-05, 1ª Turma, DJ de 3-2-06). No mesmo sentido: AI 481.584-AgR, Rel. Min. Cármen
Lúcia, julgamento em 30-6-09, 1ª Turma, DJE de 21-8-09.” SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A
76
em motivos de racionalidade, economia e celeridade, afasta a aplicação do art. 97 da CF,
quando o plenário deste pretório ou o plenário ou órgão especial de qualquer tribunal já
houver declarado a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado.
Interessante registrar, ainda, que se opera, em regra, uma cisão funcional de
competência, pela qual o plenário ou órgão especial julga a questão constitucional e o órgão
fracionário o caso concreto.93
Acerca do tema em comento, o STF expediu, em 19 de junho de 2009, o
verbete da súmula vinculante nº 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a
decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo
ou em parte.”
Portanto, a cláusula do art. 97 da CF, que contém quorum de aprovação de
maioria absoluta, expressa uma condição de eficácia jurídica da própria declaração de
inconstitucionalidade pelos tribunais.94
Anote-se que a decisão do pleno ou do órgão especial acerca do
acolhimento ou rejeição da inconstitucionalidade é irrecorrível, conforme os verbetes das
súmulas 29395 e 51396 do STF.
2.3.2.3 Efeitos da decisão
2.3.2.3.1 Efeitos objetivos
Constituição e o Supremo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>.
Acesso em: nov. 2009.
93
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 86.
94
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 687.
95
“São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em matéria constitucional submetida ao Plenário dos
Tribunais.”
96
“A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário, não é a do plenário que resolve o incidente
de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito.”
77
Por se tratar, em princípio, de processo subjetivo, somente o dispositivo faz
coisa julgada -, nos moldes da interpretação contrario sensu do art. 469 do CPC, portanto, a
declaração de inconstitucionalidade por não ser alvo da ação, mas apenas seu subsídio à
justificação do direito vindicado, não é acobertada pela res judicata.
Porém, surge uma nova tendência jurisprudencial no Supremo Tribunal
Federal, denominada de teoria da transcendência dos motivos determinantes 97 -, que empresta
força vinculante aos fundamentos determinantes da decisão que declara, no caso concreto, a
inconstitucionalidade da lei.
Segundo magistério de José Miguel Garcia Medina98:
Entrementes, a jurisprudência do STF vem mitigando o papel do Senado
Federal, bem como atribuindo transcendência ao decisum proferido sem
sede de controle difuso. [...] Esta tendência foi inaugurada pela fixação
do entendimento, junto ao STF, de que os tribunais não teriam a
necessidade de encaminhar a questão constitucional para análise do Pleno
em cumprimento ao disposto pelo art. 97 da CF/1988 (princípio da
reserva do plenário) quando o Supremo já tivesse se manifestado sobre a
questão em controle difuso. A decisão proferida pelo STF seria
transcendente, o que tornaria dispensável a convocação do Pleno perante
os tribunais inferiores.
Além da hipótese da dispensa do envio ao pleno ou órgão especial do
Tribunal da questão constitucional já apreciada na via difusa pelo STF, tem-se, como
exemplos de transcendência, os casos em que o relator nega seguimento a recurso em
confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou quando se dispensa o
reexame necessário em razão da sentença estar em conformidade com jurisprudência do
plenário ou súmula do STF.
Registre-se que o próprio STF, por meio de decisão monocrática do relator,
com fulcro no art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, vem, reiteradamente, aplicando a
97
98
Nesse diapasão: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl. 1987 / DF - Distrito Federal. No mérito, o
Tribunal, por maioria, julgou procedente a reclamação e prejudicado o agravo regimental. Governador do
Distrito Federal e Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Relator: Ministro Maurício
Corrêa. Diário da Justiça, Brasília, DF, 25 maio 2004, p. 33. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(Rcl$.SCLA.%20E%201987.NUME.)%2
0OU%20(Rcl.ACMS.%20ADJ2%201987.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: nov. 2009.
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca.
Procedimentos cautelares e especiais. São Paulo: RT, 2009. v. 4 . p. 411.
78
casos similares a decisão do plenário do Tribunal que incidentalmente declarou a
inconstitucionalidade da lei.
Gilmar Mendes99 assinala acerca da presença do efeito vinculante:
Tal procedimento evidencia, ainda que de forma tímida, o efeito vinculante
dos fundamentos determinantes da decisão exarada pelo Supremo Tribunal
Federal no controle de constitucionalidade do direito municipal.
Evidentemente, semelhante orientação somente pode vicejar caso se admita
que a decisão tomada pelo Plenário seja dotada de eficácia transcendente,
sendo, por isso, dispensável a manifestação do Senado Federal.
Em muitos casos, verifica-se que os fundamentos determinantes de um
único julgado que servem de paradigma para outros casos, como ocorreu com a declaração de
inconstitucionalidade da legislação municipal de Belo Horizonte/MG, que disciplinava a
cobrança de taxa de limpeza pública e imposto predial territorial urbano na modalidade
progressiva no recurso extraordinário nº 345.048/MG100, e teve como fundamento a decisão já
prolatada nos recursos extraordinários nsº 199.969 e 229.692.
2.3.2.3.2 Efeitos subjetivos
A via concreta segue a regra geral dos litígios subjetivos, ou seja, tem
efeito inter partes, incidindo o disposto no art. 472 do Código de Processo Civil: “A
99
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 279.
100
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 345.048 Minas Gerais. Na linha dos
precedentes, nos termos do art. 557, § 1º -A, Cód. Proc. Civil, conheço do recurso extraordinário e lhe
dou provimento. Fernando Luiz da Silva Santiago e Município de Belo Horizonte. Relator: Ministro
Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, Brasília, DF, 8 abr. 2003. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=67&dataPublicacaoDj=08/04/2003
&incidente=2021609&codCapitulo=6&numMateria=45&codMateria=3>. Acesso em: dez. 2009.
79
sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem
prejudicando terceiros [...].”
Para o surgimento da eficácia erga omnes, é requisito indispensável que
o STF aprecie o processo em que se discute, incidentalmente, a inconstitucionalidade da
lei ou ato normativo, seja por meio de competência originária (verbi gratia, a impetração
de mandado de segurança contra ato Presidente do Tribunal e Contas da União – art. 102,
I, d, da CF/88), ou recursal (interposição de recurso ordinário – art. 102, II, da CF/88 - ou
interposição de recurso extraordinário – art. 102, III, da CF/88), e haja a declaração
definitiva de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, restando a análise da
necessidade da expedição de resolução por parte do Senado Federal para suspender a lei
definitivamente declarada inconstitucional pelo STF.
Para determinada corrente, dentre os quais, Alexandre de Moraes101 , José
Afonso da Silva102, Michel Temer103, Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes
Júnior104, Pedro Lenza105, Olavo Alves Ferreira106 e Lenio Luiz Streck107, é imprescindível a
expedição de resolução suspensiva pelo Senado Federal para existir a ampliação dos efeitos para
todos – efeito erga omnes -, com espeque no artigo 52, X, da Carta Política.
Para outros, como Lúcio Bittencourt108, Teori Albino Zavascki109, Luiz Flávio
Gomes110, Dirley da Cunha Júnior111, Luís Roberto Barroso112, André Ramos Tavares113, Fredie
101
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 690.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 53-54.
103
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 47.
104
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 29-30.
105
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 185-189.
106
FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Método, 2005. p. 63.
107
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. São
Paulo: Forense, 2004. p. 479.
108
BITTENCOURT apud ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. A competência do Senado Federal para
suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, Brasília,
DF, ano 15, n. 57, p. 236, jan./mar. 1978.
109
No Recurso Especial nº 828106/SP, 1ª Turma, DJ 15.05.2006, o Ministro Teoria Albino Zavascki, em seu voto,
firmou o entendimento acerca da declaração de inconstitucionalidade de lei pelo STF no método difuso que “[...]
embora tomada em controle difuso, é decisão de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia
imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ (CPC, art. 481, § único (...)) (CPC, art. 741, §
único; art. 475-L, § 1, redação da Lei 11.232/05...). Sob esse enfoque há idêntica força de autoridade nas decisões
do STF em ação direta quanto nas proferidas em via recursal. Merece aplausos essa aproximação, cada vez mais
evidente, do sistema de controle difuso de constitucionalidade ao do concentrado, que se generaliza também em
outros países. (...) No atual estágio de nossa legislação , de que são exemplos dos dispositivos acima transcritos, é
inevitável que se passe a atribuir simples efeito de publicidade às resoluções do Senado previstas no art. 52, X, da
Constituição [...]”. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.p. 33-34. (grifo nosso).
110
GOMES, Luiz Flávio. Progressão de regime: efeitos do controle de constitucionalidade difuso abstrativizado.
Revista Jurídica Consulex, Brasília, DF, ano 10, n. 221, p. 47, mar. 2006.
102
80
Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha114, a eficácia geral já nasce com a decisão
definitiva do STF que declara a inconstitucionalidade da lei, e o Senado Federal tão somente
concede publicidade a essa decisão em razão de um processo de mutação constitucional.
2.3.2.3.3 Efeitos temporais
Sob a ótica temporal, como regra, a decretação de inconstitucionalidade da
lei tem efeito ex tunc para as partes, ou seja, desfaz-se o ato desde a sua origem juntamente
com todas as consequências dele derivadas.
Aplica-se a máxima de que lei inconstitucional é lei nula, não produzindo
quaisquer efeitos jurídicos.
Ocorre, porém, que o Supremo Tribunal Federal vem aplicando na via concreta o
instituto da manipulação dos efeitos temporais previsto, originalmente, para o controle abstrato,
consoante os supracitados arts. 27 e 28 da Lei nº 9.868/99.
Cite-se, por exemplo, o julgamento pelo Plenário do STF do Recurso
Extraordinário nº 197.917, publicado no Diário Oficial da União em 27.02.2004, em que se
concluiu que a lei municipal de Mira Estrela/SP, não observou a cláusula de
proporcionalidade estabelecida no art. 29, IV, da CF, para a fixação do número de vereadores.
Apesar do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei municipal, ficou
assentado que esta teria aplicação até o término da legislatura (efeito pro futuro), com cerne
no princípio da segurança jurídica, bem como no fato de que a decretação de efeito retroativo
traria maiores prejuízos à população.
Como consequência desse julgado, o Tribunal Superior Eleitoral editou a
Resolução nº 21.702/2004, com eficácia erga omnes, regulamentando as eleições ocorridas no
111
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática 3. ed. rev., atual e ampl. Salvador:
Jus Podivm, 2008. p. 152-154.
112
BARROSO, Luís Roberto Barroso. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 111.
113
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 388-393.
114
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3. p. 332-338.
81
ano de 2004, atacadas pelas ações diretas de inconstitucionalidade nºs 3.345
115
e 3.365
116
,
cujo relator foi o Ministro Celso de Mello.
Referidas ações foram julgadas improcedentes sob o fundamento de que o
TSE, ao expandir a interpretação constitucional concedida pelo STF, submeteu-se ao
princípio da força normativa da Constituição.
2.3.3 Resolução do Senado Federal
A Constituição de 1934, sob o influxo exclusivo do controle difuso-concreto
de constitucionalidade117, trouxe para o cenário jurídico brasileiro a competência privativa do
Senado Federal, órgão estranho ao Poder Legislativo, para suspender a execução de lei ou ato
governamental declarado inconstitucional pela Suprema Corte, nos termos dos arts. 91, IV e 96.
Luís Roberto Barroso118 aponta os fundamentos da introdução do Senado
Federal no controle incidental de constitucionalidade na Carta Política de 1934:
A razão histórica – e técnica – da intervenção do Senado é singelamente
identificável. No direito norte-americano, de onde se transplantara o modelo
de controle incidental e difuso, as decisões dos tribunais são vinculantes para
os demais órgãos judiciais sujeitos a sua competência revisional. Isso é
válido inclusive, e especialmente, para os julgados da Suprema Corte. Desse
modo, o juízo de inconstitucionalidade por ela formulado, embora relativo a
115
STF mantém resolução do TSE que reduziu número de vereadores. 25 ago. 2005. Disponível em:
<http://agencia.tse.gov.br/sadAdmAgencia/noticiaSearch.do?acao=get&id=13887#arquivos>. Acesso em: nov. 2009.
Direto do plenário: Mantida Resolução do TSE sobre número de vereadores. Por dez votos a um, o plenário do Supremo
manteve a resolução do TSE sobre o número de vereadores, declarando a improcedência do pedido formulado pelo PP e
PDT na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3345. Os ministros Eros Grau, Carlos Velloso, Joaquim Barbosa,
Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim acompanharam o
voto do ministro Celso de Mello. O voto divergente foi proferido pelo ministro Marco Aurélio.
116
Notícias STF. Quinta-feira, 25 de Agosto de 2005. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou
improcedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 3345 e 3365) ajuizadas pelo Partido
Progressista (PP) e Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra a Resolução 21.702/04 do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). A decisão mantém a validade da norma que estabeleu critérios para fixação do
número de vereadores nos municípios brasileiros. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 18 set. 2009.
117
A única hipótese existente de controle concentrado existente referia-se a ação direta de inconstitucionalidade
interventiva.
118
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 109-110.
82
um caso concreto, produz efeitos gerais. Não assim, porém, no caso
brasileiro, onde a tradição romano-germânica vigorante não atribui eficácia
vinculante às decisões judiciais, nem mesmo às do Supremo Tribunal. Desse
modo, a outorga ao Senado Federal de competência para suspender a
execução da lei inconstitucional teve por motivação atribuir eficácia geral,
em face de todos, erga omnes, à decisão proferida no caso concreto, cujos
efeitos se irradiam, ordinariamente, apenas em relação às partes do processo.
Infere-se, assim, que a suspensão, pelo Senado Federal, da execução da lei
declarada incidentalmente inconstitucional pelo STF nada mais foi do que o mecanismo
utilizado no Brasil, fundado no civil law, para se adequar ao sistema difuso norte-americano
fundado na common law, em que a decisão da Suprema Corte por si só já produzia eficácia
erga omnes e vinculante decorrente do stare decisis.
Com a resolução senatorial, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade,
que somente alcançavam as partes litigantes ampliam-se para todas as pessoas, afastando sua
aplicação do campo do controle abstrato de constitucionalidade em que a declaração já é
dotada automaticamente de efeito geral.
A participação do Senado Federal no bojo do controle de constitucionalidade
difuso foi mantida pelas Constituições de 1946 (art. 64), 1967/69 (art. 42, VII) e pela atual no
art. 52, X, da CF/88:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
[...]
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
Num primeiro momento, era incumbência do Procurador-Geral da República
a comunicação, ao Senado Federal, da lei ou ato governamental declarado inconstitucional
pelo STF.
Hodiernamente, o conhecimento da declaração da lei inconstitucional ao
Senado pode ocorrer por meio de comunicação do Presidente do Supremo Tribunal Federal -,
83
por representação do Procurador-Geral da República ou de ofício por intermédio de projeto de
resolução da Comissão de Constituição e Justiça do próprio Senado.119
O termo lei mencionado no art. 52, X, da CF/88, deve ser tomado em sentido
amplo, abrangendo qualquer normativo declarado inconstitucional pelo STF, incluindo os de
natureza federal, estadual, distrital ou municipal.
Ademais, a competência senatorial para a suspensão da lei inconstitucional é
imprescritível, podendo ser realizada a qualquer tempo, e, uma vez exercida, não pode ser
revogada.
Quanto à extensão da suspensão, o dispositivo constitucional afirma que a lei
inconstitucional pode ser suspensa no todo ou em parte, devendo, pois, guardar correlação com a
decisão do STF. Ressalve-se, contudo, que quando a lei é considerada totalmente inconstitucional
por essa Corte, entende-se que o Senado pode suspender apenas uma parte da lei.120
No que tange aos efeitos temporais da deliberação do Senado acerca da
suspensão, há dissenso entre eficácia retroativa (ex tunc) ou prospectiva (ex nunc),
prevalecendo o entendimento que são ex nunc, ou seja, a partir de publicação da suspensão é
que se pode considerar o efeito erga omnes121.
Não obstante, no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta os
efeitos são ex tunc, conforme se extrai dos §§ 1º e 2º do art. 1º do Decreto nº 2.346/97:
§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare
a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão,
dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da
norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou
ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão
administrativa ou judicial.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato
normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente,
pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo
Senado Federal.
119
Nesse sentido, dispõe o art. 386, incisos I a III, do Regimento Interno do Senado Federal. BRASIL. Supremo
Tribunal Federal: Regimento Interno [atualizado até agosto de 2009]. Brasília, DF, 2009. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf>. Acesso em: nov. 2009.
120
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática 3. ed. rev., atual e ampl.
Salvador: Jus Podivm, 2008. p. 150.
121
CAETANO, Marcelo. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1987. v. 2. p. 275 e CLÈVE,
Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 123, dentre outros, afirmam que os efeitos são retroativos.
84
Por fim, cumpre indagar se o Senado age de forma vinculada ou
discricionária à decisão do STF que declara a inconstitucionalidade da lei.
Paulo Napoleão Nogueira da Silva122 demonstra a divergência doutrinária
existente no interregno da Constituição de 1946 até o final da vigência da Constituição de
1967 acerca da natureza da resolução do Senado Federal:
[...] Themístocles Brandão Cavancanti, Pontes de Miranda, Afonso Arinos,
Alfredo Buzaid, Seabra Fagundes, Lúcio Bittencourt e Roberto Rosas, entre
outros, sustentavam o papel meramente homologatório do Senado; José
Affonso da Silva, Pinto Ferreira, Ataliba Pereira Viana, Francisco Sá Filho,
Josaphat Marinho, José Luiz Anhaia Mello, Aliomar Baleeiro, Luiz Galloti,
Gonçalves de Oliveira, Victor Nunes Leal, Mario Guimarães, Paulo
Brossard, e Marcello Caetano, entre outros, sustentavam a competência
efetiva do Senado para apreciar a conveniência e oportunidade política de
suspender a execução da lei ou decreto declarados inconstitucionais.
Com efeito, o posicionamento majoritário é no sentido de que o Senado
Federal não está obrigado a suspender essa lei, eis que se pauta em critérios de conveniência e
oportunidade, haja vista o princípio da separação das funções estatais previsto no artigo 2º da
CF.123
122
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. A evolução do controle da constitucionalidade e a competência do
Senado Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 85.
123
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 48.
85
3 ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE
3.1 PRECEDENTE: RECLAMAÇÃO Nº 4335-5/AC AJUIZADA CONTRA VIOLAÇÃO À
DECISÃO PROFERIDA NO HABEAS CORPUS Nº 82.959/SP 1
Em primeiro de abril de 2003, Oseas de Campos impetrou Habeas Corpus
nº 82.959, no Supremo Tribunal Federal, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que
indeferiu a progressão de regime de cumprimento de pena prisional, pela prática do crime
hediondo de atentado violento ao pudor2, com fulcro no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, que
estabelecia o regime integralmente fechado para condenados por crimes hediondos.
Assim, em 23 de fevereiro de 2006, o plenário do Supremo Tribunal
Federal, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello, declarou, incidentalmente, a
inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos, por violação aos
princípios da individualização da pena, razoabilidade e dignidade da pessoa humana,
concedendo, portanto, o direito de progressão ao paciente, bem como assentando que a
declaração incidental não geraria consequências jurídicas para as penas já extintas.3
Boa parte da magistratura continuou obstaculizando a progressão de regime
para crimes hediondos, mesmo após a declaração de inconstitucionalidade da vedação da
progressão pela Excelsa Corte pelo STF, tendo em vista o entendimento tradicional no sentido
de que os efeitos da decisão eram inter partes, inexistindo resolução senatorial que os
ampliasse.
Na tentativa de pacificar a divergência, o magistrado da Vara de Execução
Penal em Rio Branco/AC, afixou nas dependências do fórum aviso do seguinte teor:
1
Relembre-se que, nos julgamentos das ADIs nºs 3.345 e 3.365, o STF declarou a constitucionalidade da
Resolução nº 21.702/04, do Tribunal Superior Eleitoral, que conferia eficácia erga omnes ao entendimento
consubstanciado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917/SP, no sentido de é inconstitucional lei
municipal que não respeita a cláusula de proporcionalidade prevista no art. 29 da CF para a fixação do número
de vereadores.
2
Com a entrada em vigor da Lei 12.015/09, o atentado violento ao pudor transformou-se no crime de estupro.
3
HC 82959, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006, DJ 01-09-2006 PP-00018
EMENT VOL-02245-03 PP-00510 RTJ VOL-00200-02 PP-00795.
86
Comunico aos senhores reeducandos, familiares advogados e comunidade
em geral a recente decisão Plenária do Supremo Tribunal Federal proferida
nos autos do “Habeas Corpus” n. 82.959, a qual declarou a
inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que
vedada a progressão de regime prisional (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90),
somente terá eficácia a favor de todos os condenados por crimes hediondos
ou a eles equiparados que estejam cumprindo pena, a partir da expedição,
pelo Senado Federal, de Resolução suspendendo a eficácia do dispositivo de
lei declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do
art. 52, inciso X, da Constituição Federal. 4
Com base nisso, a Defensoria Pública da União ajuizou, em 04 de maio de
2006, Reclamação nº 4335, relator Ministro Gilmar Mendes, contra decisão do Juízo da Vara
de Execução Penal em Rio Branco/AC, que inadmitia a progressão de regime para
condenados por crimes hediondos, alegando descumprimento da decisão do STF proferida no
Habeas Corpus nº 82.959/SP.
Os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau proferiram seus votos julgando
procedente a reclamação, sob o fundamento de que a decisão do STF que declara a
inconstitucionalidade da lei na via concreta possui efeito erga omnes, independentemente da
expedição de resolução pelo Senado Federal.
Aduziram que o art. 52, X, da CF, que atribui ao Senado Federal suspender
a execução da lei inconstitucional, visa tão-só conceder publicidade à decisão do STF.
Ficou assentado no voto do Ministro Gilmar Mendes que:
Preliminarmente, quanto ao cabimento da reclamação, o relator afastou a
alegação de inexistência de decisão do STF cuja autoridade deva ser
preservada.[...] e, depois, superada essa questão, examinar o argumento do
juízo reclamado no sentido de que a eficácia erga omnes da decisão no HC
82959/SP dependeria da expedição da resolução do Senado suspendendo a
execução da lei (CF, art. 52, X). Para apreciar a dimensão constitucional do
tema, discorreu sobre o papel do Senado Federal no controle de
constitucionalidade.
Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução
pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político
que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre
inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto,
que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a
possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos
normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para
infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da
4
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio, Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de
direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1140.
87
execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de
poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que ao alargar, de
forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no
processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a
amplitude do controle difuso de constitucionalidade.
Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de
decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se
de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes,
tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era
excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis,
portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental
de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta
para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei
pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a
fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter
simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle
incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa
decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa
para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as
decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga
omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP. 5
No mesmo diapasão, o voto do Ministro Eros Grau:
Passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativamente ao
Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal,
a outro texto: “compete privativamente ao Senado Federal dar
publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal
Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por
decisão definitiva do Supremo.
[...]
Pouco importa a circunstância de resultar estranha e peculiar, no novo texto,
a competência conferida ao Senado Federal --- competência privativa para
cumprir um dever, o dever de publicação [= dever de dar publicidade] da
decisão, do Supremo Tribunal Federal, de suspensão da execução da lei por
ele declarada inconstitucional. Essa peculiaridade manifesta-se em razão da
circunstância de cogitar-se, no caso, de uma situação de mutação
constitucional.6
Já o Ministro Sepúlveda Pertence, apesar de ter concedido habeas corpus ex
officio, julgou improcedente a reclamação, argumentando, todavia, que o mecanismo de
outorga ao Senado Federal para suspender a execução da lei tem se tornado cada vez mais
5
INFORMATIVO STF. Brasília, DF: STF, n. 454, fev. 2007.ou Rcl 4335, Rel. Min. GILMAR MENDES, Decisão
Monocrática, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2006, publicado em DJ 25/08/2006 PP-00076. (grifo nosso).
6
Reclamação. 4335/AC.
88
obsoleto, mas combatê-lo por meio de mutação constitucional já não seria mais necessário,
tendo em vista a existência da súmula vinculante.7
Por fim, o Ministro Joaquim Barbosa não conheceu da reclamação, mas
conheceu do pedido como habeas corpus e também o concedeu de ofício. Aduziu, ainda, que
não se trata de mutação constitucional em razão da falta do decurso de espaço de tempo maior
e o consequente e definitivo desuso do art. 52, X, da CF/88, bem como da presença da súmula
vinculante.8
Informe-se que o julgamento da reclamação em questão foi suspenso -, em razão
do pedido de vista dos autos pelo Ministro Ricardo Lewandowski, em 19 de abril de 2007.
3.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, com
jurisdição em todo território nacional, é o guardião máximo e intérprete último da CF/88, nos
moldes do seu art. 1029, incumbindo-lhe preservá-la, interpretá-la e uniformizar a
jurisprudência nacional em matéria constitucional. Para tanto, pode executar tais funções por
meio do controle concreto ou abstrato de constitucionalidade.
Eduardo Appio10 ensina que:
Ao fixar a competência do Supremo Tribunal (CF/88, art. 102) para a guarda e
proteção da Constituição, não se pode admitir que os juízes das instâncias
inferiores novamente decidam a mesma e idêntica questão constitucional,
inclusive com a possibilidade de negar observância do entendimento do
Supremo.
7
INFORMATIVO STF. Brasília, DF: STF, n. 463, abr. 2007.
Ibid..
9
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição [...]”
10
APPIO, Eduardo. Controle difuso de constitucionalidade: modulação, dos efeitos, uniformização de
jurisprudência e coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2008. p. 43.
8
89
Deveras, não há motivos suficientes para se falar em níveis ou graus de
inconstitucionalidade da lei, e, a fortiori, da prevalência da decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no método concentrado em detrimento da decisão proferida pelo pleno desse
mesmo órgão no método difuso, sob pena de violação aos princípios da supremacia
constitucional e força normativa da Constituição.
Nesse sentido é a posição de João Bosco Marcial de Castro11:
Não é admissível que em virtude da tipologia do procedimento adotado para a
prestação jurisdicional seja permitida a prevalência da lei ordinária sobre a
Constituição ou o convívio de normas constitucionais em paralelo com a
legislação ordinária declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal. Não é
possível relegar a força normativa da Constituição ao secundário. Conservar o
mesmo olhar vesgo é preservar o estabelecimento de dicotomia dos efeitos do
decisum a partir do procedimento em que declarada a inconstitucionalidade.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal tem o dever de combater o fenômeno
da inconstitucionalidade não podendo ficar no âmbito do controle concreto dependente de
resolução do Senado Federal para se ampliar os efeitos de sua decisão.
3.3 REFLEXOS DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Vários dispositivos legais atribuem força às decisões proferidas pelo mais
alto Pretório do país, inclusive, trazendo escalonamento entre julgamento individual;
jurisprudência dominante; súmula de uniformização da jurisprudência ou de jurisprudência
dominante, súmula de repercussão geral e súmula vinculante.
Resta, pois, saber a imbricação com a decisão tomada pelo STF em sede de
controle difuso que declara a inconstitucionalidade da lei e a existência da eficácia erga
omnes e vinculante independentemente da resolução do Senado Federal.
11
CASTRO, João Bosco Marcial de. O controle de constitucionalidade das leis e a intervenção do Senado
Federal. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2008. p. 45.
90
Prima facie, o art. 557 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei nº
9.756/98, dispõe:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente
inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou
com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal
Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de
17.12.1998)
§ 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula
ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de
Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (Incluído pela
Lei nº 9.756, de 17.12.1998)
Cumpre assinalar que o art. 38 da Lei nº 8.038/90 já fazia menção a
faculdade do relator nos recursos especial e extraordinário negar seguimento a recurso
manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou prejudicado ou que contrariasse
súmula do STF ou STJ.
Gilmar Ferreira Mendes12 obtempera acerca dos poderes do relator:
Também aqui parece evidente que o legislador entendeu possível estender de
forma geral os efeitos da decisão adotada pelo Tribunal, tanto nas hipóteses
de declaração de inconstitucionalidade incidental de determinada lei federal,
estadual ou municipal – hipótese que estaria submetida à intervenção do
Senado – [...] é certo que o legislador ordinário, com base na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, considerou legítima a atribuição de efeitos
ampliados à decisão proferida pelo Tribunal, até mesmo em sede de controle
de constitucionalidade incidental.
Por sua vez, o art. 518, § 1º do Código de Processo Civil, no contexto do
recurso de apelação, prescreve:
Art. 518
[...]
§ 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em
conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo
Tribunal Federal. (Renumerado pela Lei nº 11.276, de 2006)
12
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 277.
91
De acordo com o art. 475, § 3º, do Código de Processo Civil, o reexame
necessário é dispensando:
Art. 475
[...]
§ 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver
fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em
súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. (Incluído pela Lei
nº 10.352, de 26.12.2001)
Desses três dispositivos, extrai-se a preocupação do legislador na
compatibilidade vertical das decisões judiciais ao afirmar que os juízes deverão observar os
entendimentos consignados em súmulas e jurisprudência dominante do plenário do STF.
A respeito desses conceitos, explica Eduardo Arruda Alvim:
O conceito de jurisprudência dominante é um conceito vago, elástico, que
haverá de ser sedimentado com o tempo. Evidentemente, se a matéria já tiver
sido objeto de deliberação do STJ, por exemplo, em julgamento de embargos de
divergência, pode-se, sem receio, dizer que se trata da jurisprudência dominante
do STJ. Decisão de uma das turmas, todavia, não reflete esse requisito. [...] o
conceito de súmula é extremamente objetivo, não gerando maiores dúvidas.
Apesar disso, é necessário saber se tais precedentes têm ou não caráter
vinculativo aos demais juízes na apreciação dos recursos interpostos.
Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha13 sustentam
positivamente pela vinculação: “Trata-se de mais um dispositivo que decorre do sistema de
força vinculativa dos precedentes dos tribunais superiores, notadamente daquelas teses já
consagradas na súmula da sua jurisprudência dominante.”
Com fundamento na interpretação literal dos dispositivos expostos é
possível afirmar também a existência da vinculação.
O grande óbice ao efeito vinculativo consiste na existência da súmula
vinculante, sob pena de existir equiparação entre esta e a súmula de jurisprudência dominante.
13
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3. p. 127.
92
Assim, em princípio, as súmulas, jurisprudência dominante e jurisprudência
do plenário do STF são meros indicativos para os demais juízes julgarem os processos e
respectivos recursos somente havendo efeito vinculante na hipótese de expedição de súmula
vinculante, consoante dicção do art. 103-A da CF.
Contudo, caso as súmulas, jurisprudência dominante e jurisprudência do
plenário do STF declarem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, repete-se, no bojo
do controle concreto, novos ingredientes são somados com alteração do desfecho.
É sabido que, somente pelo voto da maioria absoluta dos membros de
qualquer Tribunal ou do seu órgão especial, é possível a declaração da inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo em respeito ao art. 97 da CF/88.
Assim, arguida a questão da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo
no âmbito do STF, em regra, por meio de recurso extraordinário, é indispensável a remessa
dos autos ao plenário, o qual poderá declarar a inconstitucionalidade da lei.
Como efeito imediato, os órgãos fracionários dos demais tribunais não
precisarão submeter ao plenário ou órgão especial destes a arguição de inconstitucionalidade,
haja vista a existência de precedente do STF, guardião máximo da CF/88, acerca da
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo.
Eduardo Appio conclui que:
Existe, por conseguinte, competência remanescente para o controle de
constitucionalidade, na modalidade difusa, em relação aos casos ainda não
decididos pelo Supremo, o que denota a prevalência do entendimento do Supremo
Tribunal, mesmo ante a inexistência de súmula vinculante sobre o tema. O
controle (incidental) de constitucionalidade a ser exercido pelo juiz de primeiro
grau – ou mesmo pelo Tribunal/Turma Recursal – deve ter os olhos voltados para
a jurisprudência do Supremo Tribunal sobre o tema, pois incumbe àquele órgão
político garantir a supremacia da Constituição, o que se dá, inclusive, através da
uniformização das interpretações judiciais acerca das questões constitucionais.14
Transparece, assim, a transcendência da decisão tomada em sede de controle
concreto de constitucionalidade corroborada pela sua aproximação ao controle abstrato de
constitucionalidade, sem prejuízo da edição da súmula vinculante pelo STF que impõe que as
decisões proferidas em sede de controle concreto sejam observadas em casos futuros por terceiros
14
APPIO, Eduardo. Controle difuso de constitucionalidade: modulação dos efeitos, uniformização de
jurisprudência e coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2008. p. 42.
93
que não fizeram parte do processo na qual foi editada, cumprindo papel fundamental nas lides de
massa ao assegurar o respeito ao princípio da celeridade, economia processual e segurança jurídica.
É indiscutível, portanto, que a competência do Senado Federal em ampliar
os efeitos da declaração definitiva de inconstitucionalidade pelo STF perdeu força com o
advento da súmula vinculante com a Emenda Constitucional nº 45/04, haja vista que esta já se
impõe aos demais órgãos do Poder Judiciário.
3.4 APROXIMAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO AO ABSTRATO
No meio acadêmico, sempre se estudou o controle jurisdicional difusoconcreto, precedente na sua existência, e concentrado-abstrato, protagonista desde a CF/88, de
forma separada e estanque, cada qual com suas características, predicados e efeitos próprios.
Hodiernamente, o tratamento jurídico dos controles concreto e abstrato quando
realizado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, começa a guardar pontos de similitude.
Inicialmente, aponte-se, como já afirmado alhures, a possibilidade do STF
manipular
os
efeitos
temporais
da
decisão
que
declara
no
caso
concreto
a
inconstitucionalidade da lei, com base no emprego analógico do art. 27 da Lei 9.868/99, que
disciplina o controle abstrato de constitucionalidade.
Nesse sentido, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 442.683/RS15,
cujo relator foi o Ministro Carlos Velloso, ficou assentado que a técnica de modulação dos
efeitos temporais no controle difuso é prática mundial e deve ser utilizada da seguinte forma:
A tutela da boa fé exige que, em determinados circunstâncias, notadamente
quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações
15
BRASIL. Supremo tribunal federal. Recurso Extraordinário 4442.683-8 Rio Grande do Sul. Vistos, relatos e
discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade
da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso extraordinário e
negar-lhe provimento nos termos do voto do Relator. Ministério Público Federal e União, Sebastião Borges de
Lima e outros (as), Carla Núbia Pereira Elmir, Amaro Danilevicz Cabral, Heloísa Helena Faleiro Balardin e outros
(as). Relator: Ministro Carlos Velloso. Diário da Justiça, Brasília, DF, 24 mar. 2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=442683&classe=RE>. Acesso em: nov. 2009.
94
entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a
retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir,
prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na
presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo.
No âmbito do Recurso Extraordinário, principal instrumento utilizado pelo
STF para o controle de constitucionalidade concreto, nota-se que o legislador e o próprio STF
atribui-lhe atributos originários do controle abstrato.
Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha16 trazem o
entendimento do eminente Ministro Gilmar Mendes constante do Processo Administrativo nº
318.715, que culminou na publicação da Emenda nº 12, de 17 de dezembro de 2003, ao
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:
O recurso extraordinário “deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou
de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a
função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação
que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao
recurso de amparo e ao recurso constitucional [...] A função do Supremo
nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de
resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os
pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido
à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto
para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos.
Prova cabal disso é a introdução pela Emenda Constitucional nº 45/04, do §
3º
17
, no art. 103 da CF,
acerca do
pressuposto de
admissibilidade
específico da
repercussão geral18 no recurso extraordinário, o qual foi regulamentado pela Lei nº 11.418/06.
16
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3. p. 333-334.
17
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas
no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela
manifestação de dois terços dos seus membros. BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004.
Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127,
128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez. 2004, p. 9. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm>. Acesso em: 2009.
18
Id. Decreto-Lei nº 5. 452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil: Poder Executivo, Brasília, DF, 9 ago. 1943, p. 11937. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em: nov. 2009. Cumpre observar que
o art. 896-A da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Medida Provisória nº 2.226, de 4 de
setembro de 2001, já faz menção a necessidade da causa oferecer transcendência com relação aos reflexos
gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica para o conhecimento do recurso de revista.
95
Criado com o intento de desafogar a avalanche de recursos extraordinários
interpostos no STF, o § 1º, do art. 543-A19 do Código de Processo Civil dispõe:
Art. 543 [...]
§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de
questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico,
que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Portanto, além do preenchimento dos pressupostos comuns e especiais já
existentes, estabeleceu-se um novo filtro para o conhecimento do recurso extraordinário, o
que denota ainda mais o seu caráter de excepcionalidade.
Segundo o ensinamento de Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues
Wambier e Garcia Medina20 acerca da repercussão geral da abstração do controle concreto de
constitucionalidade:
Pensamos, assim, que havendo jurisprudência firme do pleno no sentido de que
dada questão não tem repercussão geral, recursos extraordinários futuros que
veiculem questões jurídicas idênticas poderão ser rejeitados por uma das turma
do STF ou até pelo próprio relator do recurso (cf. art. 557 do CPC) e não
necessariamente por dois terços do pleno.
Questão que merece destaque é o julgamento por amostragem consignado
no art. 543-B e seus parágrafos do Código de Processo Civil no caso de multiplicidade de
recursos com fundamento em idêntica controvérsia.
Nessa hipótese, é lícito ao Tribunal de origem selecionar um ou mais
recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal,
suspendendo os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
Na hipótese do STF negar existência de repercussão geral, os recursos
sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos e, por outro lado, caso admitido
tal requisito específico e julgado o mérito do recurso extraordinário, dá-se a oportunidade para
o Tribunal de origem exercer o juízo de retratação ou declará-lo prejudicado. Por último, se
19
20
BRASIL. Lei nº 5. 869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,
17 jan. 1973, p. 1. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L5869.htm>. Acesso em: nov. 2009.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves
comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 105.
96
isto não ocorrer, os autos sobem para o STF, que poderá cassar ou reformar liminarmente o
acórdão contrário à sua orientação firmada.
Explicam Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha 21 que:
É possível concluir, sem receio, que o incidente para a apuração da repercussão
geral por amostragem é um procedimento de caráter objetivo, semelhante ao
procedimento da ADIN, ADC e ADPF, e de profundo interesse público, pois se
trata de exame de uma questão que diz respeito a um sem-número de pessoas,
resultando na criação de uma norma jurídica de caráter geral pelo STF. É mais
uma demonstração do fenômeno de “objetivização” do controle difuso de
constitucionalidade das leis [...].
Ressalte-se que idêntico procedimento aplica-se ao recurso extraordinário
interposto contra decisão da turma recursal do Juizado Especial Federal, nos termos do art. 15
c/c art. 14, §§ 4º a 9º da Lei nº 10.259/01.
Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes22 expõem sobre a
nova ótica do recurso extraordinário que:
Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta
que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Aludido instrumento deixa de
ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para
assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva.
Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm
conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional.
Admite-se, ainda, a manifestação do amicus curiae ou friends of court em
sede de controle difuso, de acordo com art. 14, § 7º, da Lei nº 10.259/01 e art. 543-A, § 6º, do
Código de Processo Civil, que tem como objetivo democratizar a discussão travada no âmbito
do STF, exigindo-se representatividade do postulante e pertinência temática quanto à matéria
debatida, não se confundindo com a figura do assistente, eis que não possui poderes e
faculdades processuais. Em regra, limita-se a participar de audiências públicas.
21
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3. p. 329.
22
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade. 3.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 631-632.
97
Peter Häberle23 averba:
Os instrumentos de informação dos juízes constitucionais [...] devem ser
ampliados e aperfeiçoados, especialmente no que se refere às formas gradativas
de participação e a própria possibilidade de participação no processo
constitucional (especialmente nas audiências e nas “intervenções”). Devem ser
desenvolvidas novas formas de participação das potências públicas pluralistas
enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição.
Cumpre notar, assim, que mais uma vez há aplicação de um instituto típico
do controle abstrato previsto no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, para o controle concreto de
constitucionalidade.
No mesmo caminho de aproximação, cite-se o entendimento posto no
Recurso Extraordinário nº 298. 694/SP24, relator Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de
que a causa de pedir recursal, no âmbito do recurso extraordinário, é aberta, ou seja, o STF
pode declarar a inconstitucionalidade da lei com base em fundamento diverso daquele
consignado pelo tribunal de origem, mesmo que não enfrentado por este, haja vista ser o
guardião da Constituição.
Já no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº
375.011/RS25, a eminente Ministra Ellen Gracie dispensou o preenchimento do requisito do
pré-questionamento de determinado recurso extraordinário, aduzindo que este se transformou
em remédio de controle abstrato de constitucionalidade, e que para dar efetividade a
posicionamento do STF, sobre questão constitucional adotado em julgamento de outro recurso
extraordinário.
23
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Fabris, 2002. p. 46-48.
24
BRASIL. Supremo tribunal federal. Recurso Extraordinário 298.694-1 São Paulo. Vistos, relatados e
discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em plenária, na conformidade
da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em conhecer do recurso extraordinário
e negar-lhe provimento. Município de São Paulo e Edna Maria Locatelli e outros. Relator: Ministro
Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, Brasília, DF, 23 abr. 2004. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=298694&classe=RE>. Acesso em: nov. 2009.
25
Id. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Agravo de Instrumento 375.011-0 Rio Grande do Sul. Vistos, relatados e
discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da
ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, dar provimento ao agravo regimental e,
apreciando o recurso extraordinário, dele conhecer e, ao mesmo, dar provimento, nos termos do voto da Relatora.
Município de Porto Alegre e Tito dos Santos. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário da Justiça, Brasília, DF, 28 out.
2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=375011&classe=AIAgR>. Acesso em: nov. 2009.
98
3.5 DISCRICIONARIEDADE DA EDIÇÃO DE RESOLUÇÃO PELO SENADO FEDERAL
E INCONVENIENTES
Relembre-se que a resolução do Senado para suspender a execução, no
todo ou em parte, de lei declarada definitivamente inconstitucional pelo STF foi criada
pela Constituição Federal de 1934 para colmatar lacuna existente da importação do
controle difuso norte-americano cuja decisão da Suprema Corte vinculava os demais
órgãos judiciários.
Como o direito brasileiro provém do direito escrito em que as decisões
do STF não tinham força vinculativa, confere-se ao Senado Federal a competência de
conceder eficácia erga omnes à decisão do STF para que declarasse incidentalmente a
inconstitucionalidade da lei.
Posteriormente, com a Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de
1965, incorpora-se ao direito brasileiro o controle concentrado de constitucionalidade, o qual
ganha efetividade com a Constituição de 1988, alterada, particularmente, pelas Emendas
Constitucionais nº 3/93 e 45/04, que preveem a eficácia erga omnes e vinculante das decisões
de inconstitucionalidade tomadas pelo STF contra lei em tese.
Ao lado do controle concentrado-abstrato, perdura o controle difusoconcreto com suas características originais, inclusive, com a possibilidade da Casa
Legislativa, já citada, suspender a execução da lei inconstitucional.
Parte da doutrina, dentre os quais, Lucio Bittencourt26, Lenio Luiz Streck27,
Zeno Veloso28, Dirley da Cunha Júnior29 sustenta que o Senado está obrigado a editar
resolução suspendendo a lei declarada inconstitucional pelo STF.
26
BITTENCOURT apud ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. A competência do Senado Federal para
suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, Brasília,
DF, ano 15, n. 57, p. 236, jan./mar. 1978
27
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 483.
28
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 65.
29
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática 3. ed. rev., atual e ampl. Salvador:
Jus Podivm, 2008. p. 152.
99
Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho30 afirma:
Note-se que essa suspensão não é posta ao critério do Senado, mas lhe é imposta
como obrigatória. Quer dizer, o Senado, à vista da decisão do Supremo Tribunal
Federal, tem de efetuar a suspensão da execução do ato inconstitucional. Do
contrário, o Senado teria o poder de convalidar ato inconstitucional, mantendo-o
eficaz, o que repugna ao nosso sistema jurídico.
Dessa forma, para quem entende que se trata de competência vinculada do
Senado, a discussão acerca da abstrativização do controle concreto de constitucionalidade
realizado pelo Supremo Tribunal Federal, na verdade, perde efeito, tendo em vista que o
Senado tem o dever jurídico-constitucional de suspender a execução da lei declarada
inconstitucional por este Tribunal.
Na órbita do controle de constitucionalidade estadual, a Constituição do
Estado do Rio Grande do Sul inova ao estabelecer prazo de trinta dias para a Assembleia
Legislativa suspender lei estadual ou municipal, ou parte delas, declarada definitivamente
inconstitucional pelo Tribunal de Justiça, em sede de controle difuso, de acordo com o art. 53,
XII31, sem, entretanto, estabelecer qualquer tipo de sanção em caso de desrespeito.
Nada obstante, prevalece a posição de que o Pretório Excelso não está
obrigado a comunicar que declarou, em sede de controle difuso, a inconstitucionalidade da lei,
tampouco o Senado Federal (ou a Assembléia Legislativa no caso de controle difuso no
âmbito estadual) está compelido a suspender a execução da referida lei, agindo, assim, ao seu
talante, com base em critérios de conveniência e oportunidade.
Como visto alhures, o Senado exerce função de cunho político estribado no
princípio fundamental da separação dos poderes previsto no art. 2º da Carta Maior. Contudo, a
discricionariedade da Casa Política ocasiona desrespeito ao próprio art. 52, X, da CF, sem
existir qualquer cominação de sanção.
De outro lado, provoca uma série de inconvenientes e injustiças às pessoas
que não ingressaram em juízo vindicando ou protegendo o seu direito com base, em lei já
declarada inconstitucional pelo STF, o que causa afronta, dentre outros, aos princípios da
30
31
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 43.
RIO GRANDE DO SUL. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. 3 de outubro de 1989. Porto
Alegre. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/frameset.asp?txtURL=Prop/Legislacao/constituicao.htm>.
Acesso em: 26. nov. 2009.
100
supremacia constitucional, segurança jurídica, economia processual, celeridade processual e
isonomia.
Segundo o escólio de Lênio Luiz Streck32:
[...] a não-suspensão pelo Senado da lei declarada inconstitucional acarreta
seriíssimos problemas no sistema, na medida em que citadas leis podem, e
continuam a ser, aplicadas pelos demais tribunais, acarretando mais e mais
Recursos Extraordinários, que vão entulhando as prateleiras do Supremo
Tribunal.
A movimentação da máquina do Poder Judiciário demanda vultosos gastos
financeiros, tendo em vista a necessidade de uma infra-estrutura sustentável para a efetiva
prestação jurisdicional. Assim, contrasta com a economia processual o ajuizamento de milhares
de demandas quando o guardião maior da CF, por meio da maioria absoluta dos seus membros, já
se pronunciou incidenter tantum sobre a inconstitucionalidade de determinada lei.
Zeno Veloso33 aponta alguns dados sobre a discricionariedade dessa
competência do Senado Federal:
[...] até o dia 28 de outubro de 1997, estavam pendentes 69 processos
remetidos pelo STF, para efeito de suspensão de normas declaradas
inconstitucionais, alguns da década de 70, outras da década de 80, os
restantes mais recentes. O campeão da longevidade, aguardando
pronunciamento há mais de 25 anos, é o referente ao Recurso Extraordinário
nº 60.302, que tem por objeto a Lei nº 8.478/64, de São Paulo, comunicado
ao Senado em 26 de maio de 1970.
E, ainda, como justificar o tratamento jurídico diferenciado entre os
jurisdicionados, em que alguns conseguem atingir seus desideratos com base em decisões de
declaração de inconstitucionalidade da lei nos moldes da proferida pelo STF na via difusa,
enquanto que outros, na mesma situação, não logram êxito pelo fato de não ingressarem em
juízo ou, até mesmo, do juiz não se escorar no posicionamento do STF.
32
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 484. (grifo do autor).
33
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 64.
101
3.6 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
A sociedade encontra-se em constante evolução de maneira que o seu
dinamismo intrínseco enseja novas exigências sociais e, por reflexo, exige adaptações no
plano normativo.
No ápice do ordenamento jurídico, a Constituição de um Estado pretende-se
eterna, mas não imutável; -, especialmente, para que possa se adequar à evolução da realidade
fática que pretende disciplinar.
Com efeito, a modificabilidade é presenciada na maioria das Constituições,
inclusive nas rígidas, que se preocupam de maneira especial com o valor da segurança
jurídica, apontando a doutrina como mecanismos de alteração constitucional os processos
formais e informais.
O processo formal é denominado de reforma constitucional e consiste na
possibilidade de revisão consignada expressamente na própria Constituição, com alteração do
seu texto, abrangendo a revisão e a emenda constitucional.
Na Constituição de 1988, estão previstas no art. 3º
34
do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e art. 60, §§ 1º a 5º, existindo, até a presente data,
seis emendas constitucionais de revisão e sessenta e duas emendas constitucionais35.
Já o processo informal refere-se à mutação não disciplinada expressamente
no texto constitucional em que se muda o sentido da norma sem modificação do texto escrito,
sendo denominado de mutação constitucional, processo oblíquo, processo não formal,
processo de fato, revisão informal, transição constitucional ou mudança material.36
Surge como um fenômeno que visa ao redimensionamento da realidade
normativa da Carta Magna, uma vez que adapta seus preceitos aos casos concretos da vida em
sociedade.
34
Art. 3º A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo
voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
35
A Emenda Constitucional nº 62, que versa sobre regime especial de pagamento de precatório, foi publicada no
Diário Oficial da União em 9 de dezembro de 2009
36
ZANDONADE, Adriana. Mutação constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São
Paulo, ano 9, n. 35, p. 201, abr./jun. 2001.
102
Traduz-se, assim, como o conjunto de alterações materiais e silenciosas do
texto constitucional, produzidas pela atuação do poder constituinte difuso, sem vulnerar a sua
letra expressa, atingindo, portanto, tão somente o significado, sentido ou alcance de suas
disposições.
Num conceito preliminar, Uadi Lammêgo Bulos37 esclarece que mutação
constitucional é:
[...] processo informal de mudança da constituição, por meio do qual são
atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da
constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e
métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos
usos e dos costumes constitucionais.
As modificações informais ocorrem de modo difuso e inorganizado, não
estando adstritos a quaisquer formalidades legais previamente estabelecidas, manifestando-se
de diversas formas.
Conforme classificação trazida por Paolo Biscaretti di Ruffia, as mutações
dividem-se em dois grupos: alterações por forças estatais, possuindo caráter normativo ou
jurisdicional, -, e alterações em virtude de fatos, dotadas de caráter jurídico ou político social,
derivadas de práticas constitucionais.38
Uadi Lammêgo Bulos, por sua vez, cria a seguinte classificação: mutações
constitucionais operadas em virtude da interpretação constitucional, nas suas diversas
modalidades e métodos; mutações decorrentes das práticas constitucionais; mutações através
da construção constitucional e mutações inconstitucionais.39
Conclui-se que a mutação constitucional é desencadeada de diversas formas,
nas várias esferas da sociedade, seja por meio de órgãos estatais, das práticas costumeiras
reiteradas ou da atividade interpretativa.
A interpretação constitui importante instrumento para a efetiva mudança
oblíqua do texto constitucional à medida que garante a funcionalidade e o caráter operativo
dos preceitos da Carta Magna. Trata-se de ideologia dinâmica, que adapta as normas às
relações sócio-políticas.
37
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 22.
Id. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 63.
39
Ibid., p. 71.
38
103
Acerca da importância da interpretação, ensina Konrad Hesse40:
[...] a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação
da força normativa da constituição. [...] A interpretação adequada é aquela que
consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição
normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.
Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode – ou deve –
provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o
sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por
conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa.
Consoante ensinamento de Anna Cândida da Cunha Ferraz41 tem-se que:
A mutação constitucional por via interpretativa é claramente perceptível numa
das situações seguintes: a) quando há um alargamento do sentido do texto
constitucional, aumentando-se-lhe, assim, a abrangência para que passe à
alcançar novas realidades; b) quando se imprime sentido determinado e concreto
ao texto constitucional; c) quando se modifica interpretação anterior e se lhe
imprime novo sentido, atendendo à evolução da realidade constitucional; d)
quando há adaptação do texto constitucional à nova realidade social, não
prevista no momento da elaboração da Constituição; e) quando há adaptação do
texto constitucional para atender exigências do momento da aplicação
constitucional; f) quando se preenche, por via interpretativa, lacunas do texto
constitucional.
Há de se ressaltar, ainda, que a atividade interpretativa é feita pelos
diferentes Poderes, identificando-se a interpretação constitucional político-legislativa,
administrativa e jurisdicional.
Por meio da primeira modalidade, o Poder Legislativo tem a função de
completar o sentido da norma constitucional, preenchendo-lhe, desenvolvendo ou precisando
o seu conteúdo, com vistas a dar-lhe aplicabilidade. Exemplo dessa tarefa encontra-se quando
o legislador interpreta normas gerais da Carta Magna para editar uma lei específica.
É, outrossim, hipótese de incidência de mutação interpretativa a efetivação
dos fins colimados pelo constituinte originário mediante a previsão das chamadas normas
programáticas.
40
41
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Fabris, 1991. p. 22-23.
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações
constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 38-39.
104
A interpretação constitucional administrativa está a cargo do Poder
Executivo, quer seja na criação de normas ou na sua aplicação para pautar sua própria
conduta, devendo observar a Constituição Federal, interpretando-a. Os atos a serem
empreendidos pelo Poder Público devem ser balizados pela Carta Magna, fazendo-se, para
tanto, um juízo de prelibação acerca da constitucionalidade da medida tomada.
A elaboração de políticas governamentais, o cumprimento de atos
normativos que efetivem os fins constitucionais, alcançando as resoluções, deliberações
administrativas, atos administrativos qualificados de políticos devem ser pautados na
interpretação constitucional administrativa, desencadeando-se, em alguns casos, a mutação
constitucional.
Conforme preleciona Anna Cândida da Cunha Ferraz42, existem inúmeros
mecanismos de interpretação judicial que podem deflagrar mutação constitucional, senão
vejamos:
Fala-se, assim, em interpretação evolutiva, ou adaptadora e adequadora quando
se procura, por intermédio da interpretação judicial, adaptar o conteúdo, alcance
ou significado da disposição constitucional (a) à mudança de sentido da
linguagem nela inserida, (b) a novas situações, (c) à evolução dos valores
positivados na Constituição, (d) à mudança da intenção dos intérpretes (válida
porque dentro dos limites impostos pela Constituição aos poderes constituídos),
(e) a resolver obscuridades do texto constitucional. Menciona-se, ainda, a
construção jurisprudencial quando se cogita de aplicar a norma constitucional a
situações não previstas expressamente no texto constitucional, mas que dele
decorrem ou emanam por imperativos lógicos ou do próprio sistema
constitucional. Fala-se em interpretação criativa e analógica quando a atividade
jurisprudencial preenche lacunas ou corrige omissões do texto constitucional,
previstas ou não pelo constituinte.
Anote-se que, a partir do momento em que se atribui um novo sentido para a
regra contida no artigo 52, X, da CF/88, qual seja -, o de que a resolução do Senado tem como
função primordial dar, apenas, publicidade à decisão proferida pelo Pretório Excelso - já que
esta já é dotada de efeitos erga omnes -, está-se diante de uma mutação constitucional.
Essa nova interpretação é perfeitamente possível, com fulcro no processo
informal de mudança no texto constitucional, uma vez que acompanha, sem sombra de
dúvidas, os anseios da sociedade.
42
FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações
constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 128-130.
105
Relembre-se, inicialmente, que referida resolução suspensiva da lei
declarada inconstitucional foi criada na Constituição Federal de 1934, em que vigia
exclusivamente o controle concreto de constitucionalidade por um órgão – Senado Federal-,
não integrante do Poder Legislativo, que tinha como função tão somente coordenar e
harmonizar a atuação dos demais Poderes, visando suprir a lacuna do stare decisis do direito
norte-americano.
Apesar disso, essa competência do Senado Federal foi mantida em todas as
constituições posteriores, salvo na de 1937, vivenciando todas as mudanças fáticas,
legislativas e jurisprudenciais ocorridas até o presente momento.
Assim, o texto constitucional, em 1965, presenciou a introdução tímida no
direito brasileiro do controle abstrato de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal, cujo legitimado era o Procurador-Geral da República.
Ademais, o Senado Federal, no interregno de 1965 a 1977, suspendeu leis
declaradas definitivamente inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal tanto no controle
abstrato quanto no controle concreto até que este tribunal por meio da decisão proferida pelo
Ministro-Presidente Thompson Flores.
A partir da Constituição Federal de 1988, entretanto, é que a competência
do Senado Federal vivencia profundas transformações ocorridas no controle de
constitucionalidade brasileiro.
Aponta Luís Roberto Barroso43:
A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade,
pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de
1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo.
Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle
incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os
mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional,
quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua
manutenção.
Passa-se à prevalência de um controle abstrato-concentrado em detrimento
de um controle difuso-concreto, com a ampliação dos legitimados ativos, das modalidades da
43
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 111.
106
ação, dos efeitos erga omnes e vinculante, da possibilidade do relator conceder liminar
suspendendo a eficácia da lei reputada inconstitucional e da decisão do STF dar interpretação
conforme a Constituição ou declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto.
Fora isso, constatam-se inúmeras mudanças também no controle concreto de
constitucionalidade realizado pelo STF como a objetivização do recurso extraordinário por
meio da exigência da repercussão geral e o julgamento por amostragem.
Ademais, a jurisprudência do STF no controle concreto passa a ter papel
decisivo no julgamento dos recursos pelos demais Tribunais, consoante se verificam das
mudanças na legislação processual civil.
Vem à tona a súmula vinculante que já confere eficácia erga omnes e efeito
vinculante ao entendimento consubstanciado pelo STF, independentemente de resolução do
Senado Federal.
Inegável, portanto, que os pressupostos da mutação constitucional estão
presentes ante todas as mudanças ocorridas desde 1934.
Ensina Zeno Veloso44 que:
Devemos convir, entretanto, que não há razão para manter em nosso Direito
Constitucional legislado a norma do art. 52, X, da Constituição Federal,
originária da Carta de 1934, quando só havia o controle incidental, e o
princípio da separação dos poderes se baseava em critérios e valores
absolutamente ultrapassados, ancorados numa velha e rígida concepção
oitocentista. Uma reforma é necessária, para que se estabeleça, de uma vez
por todas, que as decisões do Supremo Tribunal Federal, no controle de
constitucionalidade, por qualquer de suas vias, sejam finais e definitivas,
tenham eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Ao trazer a competência do Senado para a mera publicidade, atende-se ao
princípio da supremacia constitucional, uma vez que se exclui a possibilidade de outras
decisões serem prolatadas com base em uma lei já declarada inconstitucional, bem como o
principio da isonomia.
Em decorrência, prima-se pela segurança jurídica – considerada
característica intrínseca a CF/88 -, bem como pela economia processual.
44
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 63.
107
Por fim, é evidente que o novo significado dado ao texto constitucional gera
o desafogamento do Poder Judiciário, evitando-se os gastos com a movimentação da máquina
estatal.
Lúcio Bittencourt, citado por Ana Valderez Alencar45, ao comentar a
Constituição de 1946, já consignava que:
Se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual
continuará a produzir todos os efeitos regulares, que, de fato, independem da
colaboração de qualquer dos outros poderes. O objetivo do art. 64 da
Constituição é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao
conhecimento de todos os cidadãos. Dizer que o Senado ´suspende a execução`
da lei inconstitucional é positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o
ato, sendo ´inexistente`ou ´ineficaz`, não pode ter suspensa sua execução.
Em suma, a incidência da mutação constitucional sobre o preceito
constitucional do art. 52, X, da CF/88, atende aos requisitos e propósitos desse processo
oblíquo de mudança, já que tende a trazer benefícios para a coletividade que anseia pela
efetiva prestação jurisdicional isonômica, num tempo razoável.
3.7 QUESTÕES POLÊMICAS
Mister se faz, ainda, o enfrentamento de certas consequências na adoção da
abstração do controle concreto de constitucionalidade, em regra, não questionadas pela
maioria da doutrina.
O primeiro questionamento que se faz refere-se à amplitude da
abstrativização do controle concreto de constitucionalidade, isto é, a concessão do efeito
vinculante ocorre em qualquer processo que o STF declare no caso concreto a
inconstitucionalidade da lei ou apenas em determinados processos paradigmáticos que o
próprio tribunal imponha a concessão desse efeito?
45
ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos
atos declarados inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, ano 15, n. 57, p. 236,
jan./mar. 1978.
108
Com efeito, em determinadas situações, o STF pode entender conveniente
não estender os efeitos da declaração de inconstitucionalidade tomada no caso concreto para
outros processos, ou porque a questão posta seja inédita ou até mesmo porque os Ministros
ainda não se achem suficientemente seguros para a concessão do efeito vinculante.
Ademais, como compatibilizar a concessão do efeito vinculante em uma
única decisão do STF que decreta a inconstitucionalidade da lei na via concreta-difusa com a
súmula vinculante editada por esse mesmo tribunal?
Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha46 classificam as
decisões do STF em matéria de controle de constitucionalidade e interpretação da constituição
em quatro graus, de acordo com a sua força vinculante, são eles:
a) proferidas por uma turma, em controle difuso; b) proferidas pelo Pleno, em
controle difuso, e ainda não consagradas em enunciado de súmula vinculante; c)
posicionamentos já consagrados em súmula vinculante; d) decisões em controle
abstrato de constitucionalidade.
A primeira espécie (“a”) só tem eficácia inter partes e se constitui em
precedente jurisprudencial de menor importância [...]
A segunda espécie (“b”), como vimos, pode produzir efeitos ultra partes, como
precedente jurisprudencial vinculativo, mas pode ser revista pelo Pleno do STF,
surgindo novos fundamentos e tendo em vista a evolução do pensamento a
respeito do assunto. [...]
A súmula vinculante (“c”) tem eficácia erga omnes e somente pode ser revista
de acordo com os pressupostos previstos no § 2º do art. 103-A da CF/88.
Revelam um estádio bem mais avançado de estabilidade do posicionamento do
STF, que, porém, ainda pode ser revisto, pois tomado a partir de decisões
proferidas em controle difuso, em que a questão constitucional aparece
incidenter tantum, inepta para ficar imune pela coisa julgada material.
As decisões proferidas em controle concentrado – “d” [...] ficam imunes pela
coisa julgada material, não podendo ser revistas sequer por ação rescisória [...]
Trata-se do nível mais elevado de estabilidade a que se pode chegar um
posicionamento do STF em tema de interpretação da Constituição Federal.
Com a adoção da súmula vinculante trazida pela Emenda Constitucional nº
45/04, que introduziu o art. 103-A da CF/88, é inconteste de dúvida que o STF impõe seu
posicionamento, após reiteradas discussões, a todos os demais membros do Poder Judiciário e
da administração pública direta e indireta, inclusive, com a possibilidade de reclamação
constitucional em caso de desrespeito, demonstrando, claramente, a tendência da
46
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3. p. 338.
109
abstrativização do controle concreto de constitucionalidade e a dispensa da resolução do
Senado Federal para a concessão do efeito erga omnes.
Ensina Gilmar Mendes47:
Não resta dúvida de que a adoção de súmula vinculante em situação que envolva
a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo enfraquecerá ainda
mais o já debilitado instituto da suspensão pelo Senado. É que a súmula
vinculante conferirá interpretação vinculante à decisão que declara a
inconstitucionalidade sem que a lei declarada inconstitucional tenha sido
eliminada formalmente do ordenamento jurídico [...] Mais uma razão para que
se reveja a interpretação que se confere, tradicionalmente, ao disposto no art. 52,
X, da Constituição, de modo a assegurar o efeito às decisões do Supremo
Tribunal Federal, independentemente de terem sido proferidas em sede de
controle abstrato, direto ou incidental [...].
Portanto, a grande discussão acerca da caracterização da abstrativização do
controle concreto ocorre no interregno entre o momento da decisão singular do pleno do STF
que declara a inconstitucionalidade da lei na via concreta até o momento da edição da súmula
vinculante por este mesmo tribunal.
Assim, a súmula vinculante terá o seu papel diminuído caso se adote o
entendimento de que uma decisão do pleno do STF, que declara a inconstitucionalidade,
opera efeitos ultra partes, pois esse precedente assumiria feição vinculante sem a necessidade
do procedimento da edição da súmula vinculante.
Na verdade, tão somente serviria para casos em que o STF não declara a
inconstitucionalidade da lei, mas a interpretação sobre determinado assunto como, por
exemplo, a súmula vinculante nº 1148, que trata do uso de algemas.
Por conseguinte, resta saber, neste período controverso, o cabimento do
instituto da reclamação constitucional no caso do desrespeito pelos demais membros do Poder
Judiciário da decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade da lei na via concreta.
47
48
MENDES, Gilmar Ferreira. Organização dos poderes In: BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO,
Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 1012-1013 .
“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado de receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilizar disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que
se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Debates e
aprovação da Súmula Vinculante nº 11. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, n. 215, 11 nov. 2008, p. 19.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/DJE_11.11.2008.pdf>.
Acesso em: dez. 2009.
110
Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha49 perfilham o
seguinte entendimento:
[...] tudo isso conduz a que se admita a ampliação do cabimento da reclamação
constitucional, para abranger os casos de desobediência a decisões tomadas pelo
Pleno do STF em controle difuso de constitucionalidade, independentemente da
existência de enunciado sumular de eficácia vinculante. É certo, porém, que não
há previsão expressa nesse sentido (fala-se de reclamação por desrespeito a
“súmula” vinculante e a decisão em ação de controle concentrado de
constitucionalidade). Mas a nova feição que vem assumindo o controle difuso de
constitucionalidade, quando feito pelo STF, permite que se faça essa
interpretação extensiva, até mesmo como forma de se evitar decisões
contraditórias e acelerar o julgamento das demandas”.
No mesmo diapasão, Luiz Flávio Gomes50, aventando, ainda, a
responsabilidade civil por atos estatais que contrariem a posição tomada pelo STF em sede de
controle difuso-concreto:
O descumprimento da decisão do STF, por qualquer órgão judiciário brasileiro,
para além de retratar uma convicção ideológica conflitiva com o Estado
constitucional e democrático de direito, dará ensejo a uma dupla conseqüência
jurídica: a) em primeiro lugar, cabe a interposição de Reclamação junto ao STF
(contra a decisão do juiz que está violando a declaração de inconstitucionalidade
mencionada). Em outras palavras, pode o prejudicado, via Reclamação, bater às
portas desta Corte para que reconheça seu direito de ver o pedido de progressão
examinado concretamente pelo Judiciário; b) em segundo lugar, não se pode, de
modo algum, afastar a possibilidade de ação indenizatória contra o Estado, por
estar o juiz afetando direitos fundamentais do condenado, na medida em que se
recusa a acolher declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF ao
mesmo tempo em que continua aplicando texto legal reconhecido com inválido.
O descumprimento intencional e ‘irracionalmente ideológico’ da decisão do
STF, já anunciado por alguns juízes, pode indiscutivelmente implicar em
responsabilidade civil do Estado (porque ninguém está obrigado a se sujeitar a
determinada forma de execução reconhecidamente inconstitucional).
Registre-se que a responsabilidade civil por atos judiciais é matéria
extremamente controvertida na doutrina não comportando o presente trabalho um estudo mais
aprofundado do tema.
49
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3. p. 337-338.
50
GOMES, Luiz Flávio. Progressão de regime nos crimes hediondos: efeitos do controle de constitucionalidade
abstrativizado. Revista Jurídica Consulex, Brasília, DF, ano 10, v. 9, n. 221, p. 47, mar. 2006.
111
Um dos riscos oferecidos pela abstrativização do controle concreto de
constitucionalidade consiste na atribuição de um superpoder ao STF, na qual seus membros
podem julgar de acordo com a sua própria conveniência, ultrapassando os limites
constitucionais.
Alguns ordenamentos jurídicos adotam certos mecanismos controladores da
atuação do órgão de cúpula do Poder Judiciário como o recall, referendum, ou, ainda, a
aprovação de emenda constitucional, que assim se organiza segundo Adriana Zanconade51,
com assento em Anna Cândida da Cunha Ferraz:
O primeiro atribui ao povo a capacidade de cassar decisões judiciais,
traduzindo-se em verdadeiro controle popular, acolhido por várias
Constituições de Estados norte-americanos, como meio para “superar
obstáculos à aplicação de leis sociais, opostos pela magistratura eletiva
pressionada por grupos econômicos que decidiam as eleições”. O
referendum, segundo a autora, funciona com êxito na Suíça, relativamente às
leis federais, importando na submissão a consulta popular, pelo próprio
Poder Judiciário, de lei que considera inconstitucional. A última alternativa
de controle indicada, isto é, a promulgação de emenda constitucional,
encontra exemplo típico no que aconteceu nos Estados Unidos, com a
promulgação da Emenda XVI à Constituição de 1787.
Contudo, inexiste no Brasil qualquer mecanismo coibitivo das decisões do
STF, a não ser a sua revisão por esse mesmo tribunal, o que leva a conclusão de que este
órgão estatal assumiu, definitivamente, um papel de maior responsabilidade e destaque
perante todos os demais.
51
ZANDONADE, Adriana. Mutação constitucional. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São
Paulo, ano 9, n. 35, p. 217-218, abr./jun. 2001.
112
CONCLUSÃO
A presente dissertação pretende contribuir com a discussão existente no seio
doutrinário e jurisprudencial, especialmente, no STF, acerca dos prós e contras da
generalização dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade por este tribunal no controle
concreto-difuso independentemente da resolução suspensiva do Senado Federal.
Depois de quase três quartos de século da entrada em vigor no ordenamento
jurídico pátrio da competência do Senado Federal para suspender a execução de lei ou ato
normativo declarado definitivamente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, na via
concreta, é inquestionável a necessidade de releitura do significado do disposto do art. 52, X,
da CF/88, em face de todas as mudanças históricas, fáticas, legislativas e jurisprudenciais
ocorridas até o presente momento.
A competência do Senado Federal foi criada pela Carta Constitucional de
1934 com o escopo de elastecer os efeitos da decisão de inconstitucionalidade do Supremo
Tribunal Federal numa época que vigia exclusivamente o controle jurisdicional difusoconcreto de constitucionalidade.
No transplante do método difuso-concreto de constitucionalidade do direito
norte-americano para o direito pátrio, foi olvidado que a decisão daquela Suprema Corte
constituia precedente obrigatório para os demais juízes, o que não ocorria no Brasil, por força
da diversidade dos modelos jurídicos adotados entre estes.
Então, como forma de suprir tal lacuna, outorgou-se ao Senado Federal,
órgão alheio ao Poder Legislativo, cuja incumbência era coordenar os poderes estatais na
Constituição Federal de 1934, a competência para suspender a lei declarada inconstitucional
pelo STF, visando a evitar decisões contraditórias entre os demais juízes e tribunais, o que foi
repetido pelas demais Constituições, salvo a Constituição Federal de 1937.
A partir da Emenda Constitucional nº 16, de 11 de novembro de 1965, à
Constituição Federal de 1946, o controle de constitucionalidade brasileiro filia-se ao controle
jurisdicional misto, haja vista a introdução do controle concentrado-abstrato, oriundo da
Europa continental, que atribuía ao Supremo Tribunal Federal a competência para julgar em
tese a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, cujo único legitimado era o Procurador-
113
Geral da República, o que fez com que houvesse um predomínio do controle difuso-concreto
sobre este.
Demais disso, viu-se o Senado Federal, agora como órgão do Poder
Legislativo Federal, exercendo seu papel constitucional de suspender a lei declarada
definitivamente inconstitucional pelo STF tanto na via difusa-concreta quanto na concentradaabstrata.
Em 1977, todavia, o Supremo Tribunal Federal dispensou a comunicação ao
Senado Federal prevista no art. 42, VII, da Constituição de 1967/1969 quando a declaração de
inconstitucionalidade fosse proferida na via concentrada-abstrata, haja vista que a decisão já
possuía efeito erga omnes, restringindo sua participação no âmbito do controle de
constitucionalidade ao controle difuso-concreto.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 nota-se uma inversão
acerca da prevalência dos métodos de fiscalização de constitucionalidade, ganhando
proeminência o controle concentrado-abstrato em detrimento do controle difuso-concreto. Há
em relação ao primeiro uma ampliação do rol dos legitimados ativos; a criação de novas
modalidades de ação; a instituição de um defensor da constitucionalidade da lei, dentre outros
aspectos, perdurando a competência do Senado Federal para suspender, discricionariamente, a
lei declarada inconstitucional pelo STF na via incidental.
Institui-se o efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF na ação
declaratória de constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade genérica e arguição
de descumprimento de preceito fundamental, respectivamente, pela Emenda Constitucional nº
3/93, Lei nº 9.868/99, Lei nº 9.882/99 e Emenda Constitucional nº 45/04.
Verifica-se, assim, que o STF, guardião por excelência da Constituição, atua
no combate à inconstitucionalidade da lei ou ato normativo sob as frentes da via abstrataconcentrada e a via concreta-difusa.
Na primeira, por meio do processo objetivo, utiliza-se de uma gama variada
de instrumentos para expurgar do ordenamento jurídico a lei contrária à Constituição como a
manipulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, inclusive com o efeito erga
omnes e vinculante e as técnicas de interpretação conforme a constituição e declaração parcial
de inconstitucionalidade sem redução de texto; a participação do amicus curiae e a concessão
de liminar pelo relator suspendendo a lei declarada inconstitucional.
114
A segunda, em regra por meio do recurso extraordinário, começa a se despir
de suas características clássicas de efeitos inter partes e apresentar a transcendência dos
motivos determinantes da decisão declaratória de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, a legislação infraconstitucional confere força às súmulas e
jurisprudência dominante do plenário do Supremo Tribunal Federal consubstanciada em
decisões de inconstitucionalidade em casos concretos como a permissão do relator negar
seguimento a qualquer recurso ou dar-lhe procedência; dispensa do reexame necessário; não
conhecimento do recurso de apelação; inexigibilidade do título judicial fulcrado em lei ou ato
normativo inconstitucional, a dispensa da cláusula de reserva de plenário para remessa do
processo ao plenário ou órgão especial dos tribunais; a participação do amicus curiae; a
exigência da repercussão geral no recurso extraordinário e a possibilidade de julgamento por
amostragem deste.
Cedendo a essa aproximação ao controle abstrato-concentrado o próprio
Supremo Tribunal Federal começa a utilizar mecanismos próprios desta via ao controle
concreto como o entendimento da causa de pedir aberta, a manipulação dos efeitos temporais,
a análise do processo com base em decisão paradigmática e, por fim, a concessão de efeito
erga omnes e vinculante independentemente da resolução suspensiva do Senado Federal.
Como derrocada final da função do Senado Federal trazido pelo art. 52, X,
da CF/88 de suspender a lei, ou parte dela, declarada definitivamente inconstitucional pelo
STF na via concreta e, por conseguinte, a extensão da decisão a todas as demais pessoas, temse o instituto da súmula vinculante trazida pela Emenda Constitucional nº 45/04.
Portanto, a abstrativização do controle concreto de constitucionalidade é
uma realidade jurídica por meio da alteração formal do texto constitucional consubstanciada
na edição de súmula vinculante dotada de efeito vinculante conjugada com a mudança
constitucional silenciosa do art. 52, X, da CF/88.
A discricionariedade do Senado Federal em editar a resolução suspensiva da
lei inconstitucional para gerar efeitos erga omnes não se coaduna com o princípio da
supremacia constitucional e força normativa da Constituição que exige do STF todos os
esforços para aniquilar a lei inconstitucional, além de não se compatibilizar com as técnicas
da interpretação conforme a Constituição de declaração parcial de inconstitucionalidade sem
redução do texto.
115
Dessa forma, a mitigação do papel do Senado Federal no controle de
constitucionalidade assegura também o respeito ao princípio constitucional da celeridade
processual trazido pela Emenda Constitucional nº 45/04 ao evitar a necessidade de
ajuizamento de ações desnecessárias ou mesmo julgamentos rápidos com base no
entendimento firmado pela mais alta corte judiciária.
Resta, ainda, preservado o princípio da isonomia e segurança jurídica ao se
coibir tratamentos desiguais entre jurisdicionados, para não se falar na concretização do
princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais e no princípio da eficiência que
rege a administração pública. O princípio da isonomia passa a ter como amplitude não só a
igualdade perante a lei, mas também perante o juiz.
O ponto que ainda resta controverso e que será objeto de análise pelo
próprio STF na Reclamação nº 4335/AC diz respeito ao momento em que a abstração ocorre,
ou seja, a partir da decisão única do pleno em relação à inconstitucionalidade da lei ou tão
somente com a aprovação da súmula vinculante por 2/3 dos seus membros após reiteradas
discussões sobre a matéria constitucional.
Sob o ponto de vista do sistema constitucional vigente somente a súmula
vinculante é dotada de efeito vinculante na via concreta e admite como instrumento de defesa
o ajuizamento de reclamação constitucional. Tem como pressuposto para sua edição a
maturação do posicionamento da corte acerca da inconstitucionalidade da lei, propiciando
uma maior valorização da segurança jurídica.
Por outro lado, partindo da premissa de que o órgão de cúpula do Poder
Judiciário que julga a inconstitucionalidade da lei é o mesmo nas vias abstrata e concreta,
inclusive com o mesmo quorum de aprovação de maioria absoluta, não seria possível cogitar
a distinção de efeitos entre as decisões de inconstitucionalidade do STF.
É dizer que na via concreta-difusa também deve o STF atuar como guardião
máximo da Constituição e prestigiar o princípio da supremacia constitucional, força
normativa e unidade, independentemente da edição da súmula vinculante. Também não
permite situações contraditórias como que a decisão do relator, em uma ADI genérica, que
concede a liminar, suspendendo a eficácia da lei declarada inconstitucional, com eficácia erga
omnes e vinculante, se sobreponha a decisão do plenário que declara a inconstitucionalidade
da lei na via concreta por maioria absoluta.
116
Caso se adote este posicionamento a consequência imediata é a redução do
campo de alcance da súmula vinculante, subsistindo tão somente para os casos de
interpretação constitucional de lei, ato normativo ou conduta do Poder Público que não se
refira à declaração de inconstitucionalidade.
Num sentido ou noutro é inegável uma tendência de unificação da atividade
do controle de constitucionalidade pelo STF qualquer que seja a via que se manifeste, e, por
conseguinte, a atuação do Senado Federal na via concreta passa a ser de conferir mera
publicidade à decisão do STF que declara a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo,
cientificando formalmente os entes responsáveis pela elaboração da lei ou ato normativo
quanto à necessidade de saneamento do ordenamento jurídico.
Assim, o órgão de cúpula do Poder Judiciário em cumprimento a sua função
constitucional de intérprete-mor da Constituição passa a exercer uma tarefa fundamental na
proteção efetiva dos direitos fundamentais, constituindo-se numa verdadeira corte
constitucional.
Caso adotada a teoria da abstrativização em sua inteireza surgirá um
controle de constitucionalidade sui generis, peculiar, verdadeiramente brasileiro, eis que
funde no âmbito do STF os sistemas norte-americano e europeu-continental.
117
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taquigráficas, por unanimidade de votos, dar provimento ao agravo regimental e, apreciando o
recurso extraordinário, dele conhecer e, ao mesmo, dar provimento, nos termos do voto da
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(2005/0059450-5). A Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração da
contribuinte e acolheu os da Fazenda Nacional, alterando o resultado do julgamento para dar
parcial provimento ao recurso especial. Lausanne Participações e Comércio LTDA e Fazenda
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 744.937 – SP.
(2005/0067699-3). Assim, deve-se adotar a orientação firmada pela Excelsa Corte, para negar
provimento ao recurso especial, mantendo-se para a contribuição em referência a aplicação da
base de cálculo prevista no art. 2° da Lei Complementar 70/91, ou seja, o conceito de faturamento
ali indicado equivalente ao de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços
e de serviços de qualquer natureza. Fazenda Nacional e Benteler Estamparia Automotiva LTDA.
Relatora: Ministra Denise Arruda. Revista Eletrônica da Jurisprudência, Brasília, DF.
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parte, o mandado de injunção, para que se comunique ao Congresso Nacional a mora em que
se encontra, afim de que sejam adotadas as providências necessárias para o suprimento da
omissão. Sindicato das Microempresas e Empresas de Pequeno porte do Comércio do Estado
do Rio de Janeiro e Congresso Nacional. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Diário da
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