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revista Liberdades.
18
| Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais | nº 18 – janeiro/abril de 2015 | ISSN 2175-5280 |
Expediente | Apresentação | Entrevista | Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa | Artigos | Globalização e o Direito Penal |
Carlo Velho Masi | Voltaire de Lima Moraes | A independência judicial e o inconsciente do julgador: um diálogo (im)possível? | Bruno
Seligman de Menezes | Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de extraditar em casos de crimes políticos: seria o
terrorismo um crime político? | Gabriela Carolina Gomes Segarra | A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva |
Carlos Eduardo da Silva Serra | Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do sistema penal e ao ciclo da
criminalização | Raíssa Zago Leite da Silva | El discurso de los menores bajo medida judicial | Concepción Nieto Morales | História |
O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do direito penal no Brasil contemporâneo | Maria Paula Meirelles Thomaz de
Aquino | Resenha de Livro |“Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas”, de Carl
Hart | Roberto Luiz Corcioli Filho
expediente
sumário
apresentação
entrevista
Expediente
Diretoria da Gestão 2015/2016
Diretoria Executiva
Conselho Consultivo
Presidente:
Andre Pires de Andrade Kehdi
Carlos Vico Mañas
Ivan Martins Motta
Mariângela Gama de Magalhães Gomes
Marta Saad
Sérgio Mazina Martins
1º Vice-Presidente:
Alberto Silva Franco
2º Vice-Presidente:
Cristiano Avila Maronna
Ouvidor
1º Secretário:
Fábio Tofic Simantob
Yuri Felix
Colégio de Antigos Presidentes e Diretores
2ª Secretária:
Eleonora Rangel Nacif
1ª Tesoureira:
Fernanda Regina Vilares
2ª Tesoureira:
Cecília de Souza Santos
Diretor Nacional das
Coordenadorias Regionais e
Estaduais:
Carlos Isa
história
resenha de
livro
Publicação do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
e

artigos
Alberto Silva Franco
Alberto Zacharias Toron
Carlos Vico Mañas
Luiz Flávio Gomes
Mariângela Gama de Magalhães Gomes
Marco Antonio R. Nahum
Marta Saad
Maurício Zanoide de Moraes
Roberto Podval
Sérgio Mazina Martins
Sérgio Salomão Shecaira
Coordenação da
Coordenador-Chefe:
Roberto Luiz Corcioli Filho
revista Liberdades.
Coordenadores-Adjuntos:
Alexandre de Sá Domingues, Giancarlo Silkunas Vay, João Paulo
Orsini Martinelli, Maíra Zapater, Maria Gorete Marques de Jesus e
Thiago Pedro Pagliuca Santos.
Conselho Editorial:
Alexandre Morais da Rosa, Alexis Couto de Brito, Amélia Emy
Rebouças Imasaki, Ana Carolina Carlos de Oliveira, Anderson Bezerra
Lopes, André Adriano do Nascimento Silva, André Vaz Porto Silva,
Antonio Baptista Gonçalves, Bruna Angotti, Bruno Salles Pereira
Ribeiro, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres, Christiany
Pegorari Conte, Cleunice Valentim Bastos Pitombo, Daniel Pacheco
Pontes, Danilo Dias Ticami, Davi Rodney Silva, Décio Franco David,
Eduardo Henrique Balbino Pasqua, Fábio Lobosco, Fábio Suardi D’
Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Fernanda Carolina de Araujo Ifanger,
Gabriel de Freitas Queiroz, Gabriela Prioli Della Vedova, Giancarlo
Silkunas Vay, Giovani Agostini Saavedra, Humberto Barrionuevo
Fabretti, Janaina Soares Gallo, João Marcos Buch, João Victor Esteves
Meirelles, Jorge Luiz Souto Maior, José Danilo Tavares Lobato, Leonardo
Smitt de Bem, Luciano Anderson de Souza, Luis Carlos Valois, Marcel
Figueiredo Gonçalves, Marcela Venturini Diorio, Marcelo Feller, Maria
Claudia Girotto do Couto, Matheus Silveira Pupo, Maurício Stegemann
Dieter, Milene Maurício, Rafael Serra Oliveira, Renato Watanabe de
Morais, Rodrigo Dall’Acqua, Ryanna Pala Veras e Yuri Felix.
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Expediente.........................................................................................................................2
e
Apresentação....................................................................................................................5
Entrevista
Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa..............................................................................7
Artigos
Globalização e o Direito Penal...............................................................................................................16
Carlo Velho Masi e Voltaire de Lima Moraes
A independência judicial e o inconsciente do julgador: um diálogo (im)possível?.........................44
Bruno Seligman de Menezes
Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de extraditar
em casos de crimes políticos: seria o terrorismo um crime político?..................................................59
Gabriela Carolina Gomes Segarra
A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva.........................................................79
Carlos Eduardo da Silva Serra
Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do
sistema penal e ao ciclo da criminalização.........................................................................................101
Raíssa Zago Leite da Silva
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resenha de
livro
El discurso de los menores bajo medida judicial.................................................................................110
Concepción Nieto Morales
História
O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do direito penal
no Brasil contemporâneo.......................................................................................................................127
Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino
Resenha de Livro
“Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa
visão sobre as drogas”, de Carl Hart.....................................................................................................152
Roberto Luiz Corcioli Filho
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Apresentação
Inicia-se 2015. No ano que passou as edições da Revista Liberdades trouxeram textos que sempre nos provocaram
a reflexão. A primeira edição do novo ano, creio, conseguirá manter a linha.
Iniciamos com uma entrevista repleta de pontos polêmicos. Concedida pelo professor da Universidade de Nova
Iorque, Luis Ernesto Chiesa, a Spencer Toth Sydow, o entrevistado revela a importância de seus mestres George Fletcher
e Francisco Muñoz Conde, em uma formação em Direito Penal que reúne as visões continental e anglo-saxã sobre a
matéria. Fornece detalhes da analogia em Direito Penal possível no direito americano e expõe sua polêmica posição
determinista do agir humano.
Entre os artigos, Carlo Velho Masi e Voltaire de Lima Moraes retomam a Globalização, criminalidade internacional
e política criminal. Após uma abordagem histórica e teórica da globalização e duvidar de sua linearidade, preocupam-se
com seus efeitos sobre a produção em matéria penal.
Nesta edição, duas expedições sobre uma ciência sempre presente e pouco penetrada pelos operadores do Direito.
No primeiro artigo, Bruno Seligman de Menezes adentra no diversificado e fascinante mundo da psicologia para, à
luz do pensamento Freudiano, investigar a imparcialidade judicial.
Carlos Eduardo da Silva Serra, analisando correntes psicológicas diversas, investiga suas influências nas teorias
criminológicas sobre o delito e a culpa.
Gabriela Carolina Gomes Segarra discute o instituto da extradição e a diferenciação entre crimes comuns e crimes
políticos. Em especial a discussão gira em torno da dificuldade de conceituação do “político” que qualifica o delito e da
evidente preocupação com a classificação do terrorismo naquela categoria.
De forma direta e didática, Raíssa Zago Leite da Silva apresenta o labelling Approach, em um texto que tem como
maior mérito a fluidez e brevidade das ideias em, após descrever a teoria, relacioná-la com a seletividade do sistema penal
e suas consequências mais evidentes.
A perene preocupação com a formação socioeducativa dos adolescentes submetidos a medidas judiciais é explanada
por Concepción Nieto Morales. Em seu texto, investiga as causas da criminalidade juvenil espanhola analisando aspectos
como família, escola, amigos e drogas, e as confronta com a legislação da Espanha sobre a matéria.
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Um preço muito alto é um livro de memórias escrito por Carl Hart. Roberto Luiz Corcioli Filho nos apresenta uma
resenha das memórias de um professor que ultrapassam a narrativa de fatos vividos e invadem um contexto de crítica
social sobre o tratamento das drogas e sua política proibicionista.
Na seção de história, Enrico Ferri, notório pensador positivista, é retratado por Maria Paula Meirelles Thomaz de
Aquino de forma cuidadosa e responsável. No texto, a autora consegue um retrato fiel e bem elaborado sobre as ideias
de Ferri, os institutos que auxiliou a criar e como tais contribuições afetaram e ainda afetam sistemas penais pelo mundo,
inclusive no Brasil. O Texto tem ainda outro mérito: foi produzido no seio do grupo de estudos avançados do instituto.
A primeira edição do ano marca também a passagem do cetro. Nas próximas edições, a revista contará com nova
coordenação, algo sempre necessário e salutar para sua sobrevivência. Certamente, a qualidade será superada e toda a
sorte é desejada ao trabalho que se inicia.
Boa leitura e um bom ano.
Alexis Couto de Brito
Coordenador-chefe da Revista Liberdades (gestão 2013-2014).
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Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa
1) Por favor, nos conte um pouco sobre sua história pessoal, relacionada com seus estudos jurídicos.
Resposta: Na realidade, eu estudei administração de empresas, com concentração em contabilidade, na
Universidade de Porto Rico em minha graduação. Nos Estados Unidos – inclusive em Porto Rico – têm-se que
fazer quatro anos de graduação preliminar (denominada undergrad) após o colegial para poder ingressar na
faculdade de Direito. Após isso, a faculdade de Direito leva três anos. O resultado disso é que você recebe o título
de juris doctor após os sete anos de estudos que se seguem à escola. Depois de completar a faculdade de Direito,
fui para a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, para cursar meu mestrado e, eventualmente, meu doutorado
em Direito (JSC ou Juris Science Doctorade, que é o grau de pesquisador em Direito). Aprendi imensamente
em Columbia, levando-se em conta que meus orientadores naquela universidade foram os Professores George
Fletcher e Francisco Muñoz Conde, ambos ganhadores do importante prêmio Humbold Wissenchaft em suas
bolsas de estudo em direito criminal.
Em termos de minha carreira, comecei a lecionar em tempo integral na Faculdade de Direito de Pace (Pace Las
School) em White Plains, Nova Iorque. Fiquei por lá por sete anos. No ano de 2013, fui aceito como professor de
Direito e Diretor do Centro de Direito Criminal de Buffalo, na State University of New York. Atualmente, também sou
o vice-diretor da Faculdade de Direito. Como diretor do Centro de Direito Criminal de Buffalo (CDCB), sou capaz
de fornecer aos estudantes e pesquisadores uma plataforma única para imersão em estudos acerca de direito
penal norte-americano, internacional e comparado. O CDCB enriquece a vida acadêmica da Faculdade de Direito
de Buffalo, pois a comunidade acadêmica nacional e internacional organiza importantes eventos acadêmicos,
recebendo estudiosos e promovendo a convergência entre as aproximações entre o sistema de commom law e o
de continental law relacionados à justiça criminal.
Também tenho sido professor visitante de direito criminal na Universidade Sergio Arboleda em Bogotá (Colômbia),
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na Universidade Torcuato di Tella em Buenos Aires (Argentina), na Universidade de Ottawa (Canadá) e na
Universidade de Porto Rico.
Finalmente, estou atualmente envolvido com o Poder Legislativo de Porto Rico para promover a mudança de seu
Código Penal.
2) Então é possível dizer que você estudou tanto o direito continental quanto o direito anglo-saxão (common law)?
Quanto importante isso foi para você e na sua vida profissional?
Sim, eu estudei ambas as aproximações no que se refere ao direito criminal durante meus estudos de graduação
e, mais tarde, em meu doutorado na Faculdade de Direito de Columbia, Nova Iorque. Estudar direito criminal
em Porto Rico necessariamente implica estudar direito criminal comparado, uma vez que o estado mistura
jurisdições civis e anglo-saxãs à luz de seus laços históricos com a Espanha e seus laços atuais com os
Estados Unidos da América do Norte. Eu aprofundei tais estudos comparados em meu doutorado, uma vez
que o Professor George Fletcher é um dos principais estudiosos do mundo nessa área. Além disso, aprendi
muito sobre direito criminal continental com Francisco Muñoz Conde, que considero ser meu mestre espanhol.
Considero ter sido essencial tal perspectiva comparativa para minha formação como pesquisador e como
professor. Isso contaminou todos os aspectos da minha vida pessoal e é o fator definidor da minha carreira
de estudos. Creio que se pode aprender muito olhando para outros sistemas legais e observando como tais
sistemas lidam com problemas comuns. Direito comparado nos dá uma ferramenta importante nesse sentido.
3) Em sua opinião, quais as principais diferenças entre os dois sistemas (common law e continental law)?
Embora existam muitas maneiras em que sistemas de common law e civil law possam variar, uma diferença
particularmente importante é a maneira pela qual os advogados em cada jurisdição raciocinam a partir de um
problema jurídico.
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Em geral, os advogados de direito anglo-saxão raciocinam o direito penal (e outras áreas do Direito) indutivamente.
Ou seja, eles começam com um caso (ou grupo de casos) no qual eles têm interesse em resolver de modo
realista, razoável. Então o caso é decidido de uma forma que parece adequada. Subsequentemente, casos
semelhantes são decididos de forma semelhante. Eventualmente, um princípio que explica por que esses
casos foram decididos de forma semelhante surge como resultado do raciocínio indutivo.
Advogados de direito anglo-saxão, portanto, progridem de casos específicos para princípios gerais. Mas os
princípios apenas passam a existir porque eles representam adequadamente a resolução correta dos casos
individuais. Se surgirem casos no futuro que não podem ser resolvidos de forma justa pela aplicação do
princípio, advogados de direito anglo-saxão são bastante tendentes a fazer revisão ou abandonar o princípio
se essa for a única maneira de resolver um caso concreto (ou um grupo de casos) de forma adequada.
Em contraste, os advogados de direito continental tipicamente raciocinam seu caminho através de um problema
jurídico de modo dedutivo. Ou seja, eles começam a sua análise de um caso com um princípio aparentemente
aplicável, que é geralmente aceito como prevalente e vinculativo. Eles, então, aplicam o princípio para o caso
em questão para se chegar a uma solução. Advogados de direito continental, portanto, tipicamente vão dos
amplos princípios geralmente aceitos para a resolução específica de casos concretos. Como resultado, ao
contrário de jurisdições de direito comum, os princípios não se justificam, porque eles fornecem resultados
intuitivos em casos particulares. Em vez disso, os princípios são justificados, porque eles são vistos como
prevalentes de forma independente ou obrigatórios, independentemente de produzirem soluções intuitivas ou
contraintuitivas para casos particulares. O princípio é visto como autoritário ou o prevalente se ele deriva de
compromissos jurídicos, políticos ou morais ainda mais amplos.
4) Por que você diz que o direito anglo-saxão não possui uma aproximação dogmática em seu modo de ser?
Alguns estudiosos de direito anglo-saxão realmente constroem o direito penal de uma forma que provavelmente
seria descrita como “dogmática”. O exemplo mais óbvio é o do Professor Paul Robinson. Se um estudioso de
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direito continental lesse o livro de Paul Robinson intitulado Estrutura e Funcionamento em Direito Penal (1997),
ele ficaria chocado com a semelhança da abordagem de direito penal feita por ele frente às modernas teorias
funcionalistas do tipo, populares em jurisdições atuais.
No entanto, não há nenhuma dogmática no direito anglo-saxão em um sentido mais amplo, porque teóricos
anglo-americanos passam pouco tempo tentando racionalizar normas legais existentes. Em vez de se engajar
em tais esforços descritivos, os teóricos anglo-americanos se envolvem mais no que você poderia chamar de
“filosofia do direito penal”. Portanto, eles veem seu trabalho como um conceito normativo que não pergunta
“como é que podemos racionalizar a lei existente” (a questão dogmática), mas sim “como deveria ser a lei
ideal” (a questão filosófica). É por isso que os principais professores anglo-americanos de direito penal são
realmente mais filósofos do que advogados (por exemplo, Michael Moore, Antony Duff, Doug Husak, Heidi
Hurd, Larry Alexander etc).
5) Quais os trabalhos e/ou autores que mais o influenciaram em sua carreira?
O trabalho de direito penal que mais me influenciou foi – de longe – Repensando direito penal (Rethinking
Criminal Law), de George Fletcher. Eu acho que é o mais importante livro de Direito Penal escrito em qualquer
língua no século XX. É incrível como Fletcher foi capaz de expressar – em inglês – ideias, como a teoria finalista
da ação de Welzel, de um modo a fazê-la relevante para os advogados de direito anglo-saxão (common
law). Um trabalho realmente impressionante. É uma verdadeira pena que ele não tenha sido traduzido para o
espanhol, alemão ou português. Espero que alguém traduza isso em breve. Outra obra que influenciou meu
pensamento foi Estrutura e Funcionamento em Direito Penal (Structure and Function in Criminal Law), de Paul
Robinson. Lê-se como um texto em alemão, mas escrito em inglês. Fiquei impressionado com a forma como o
pensamento de Robinson é semelhante com a teoria básica do direito penal alemão.
No que se refere a autores europeus, fui bastante influenciado pela teoria da ação elaborada em Fundamentos
del Sistema Penal, de Tomas Vives Antón. As obras de Silva Sanchez sobre omissão também moldaram a
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forma como eu encaro o injusto passivo. Eu também acho muito importantes as obras de Manuel Cancio Meliá
sobre causalidade, “imputação objetiva” e conduta da vítima. Finalmente, admiro a obra de Jakobs, embora eu
costume discordar dele. No entanto, é difícil negar que Jakobs seja o teórico de direito criminal alemão mais
filosoficamente sofisticado das últimas décadas.
6) Você acredita que estamos diante de uma espécie de fusão entre direito anglo-saxão e direito continental, especialmente
considerando crimes que possuem consequências internacionais como lavagem de dinheiro, corrupção e crimes
informáticos?
Na verdade, eu não acredito que o que está acontecendo pode ser chamado de “fusão” ou uma “convergência”
dos sistemas de common law e continental law de direito penal. Infelizmente, acho que o direito penal ainda
é considerado uma disciplina paroquial. No entanto, o Estatuto de Roma é definitivamente um exemplo que
tenta mesclar os dois sistemas. Creio que a afirmativa é verdadeira para Direito Penal Internacional em geral,
embora eu ache que ainda exista muito trabalho a ser feito; também acredito que os estudiosos do direito
penal internacional em geral – com exceção de Kai Ambos – comumente não são muito sofisticados em sua
compreensão da teoria do direito penal. Também é verdade que os crimes com consequências internacionais,
tais como lavagem de dinheiro, corrupção e crimes de internet, provavelmente vão forçar uma aproximação
dos sistemas para se conseguir lutar contra esses males. No entanto, eu não acredito que estamos lá ainda.
7) Você acredita que os Estados Unidos da América do Norte possuem uma forma mais ampliada de interpretar o direito
criminal?
Uma coisa que deve ser esclarecida é que nos EUA – como em jurisdições continentais europeias – o principal
órgão encarregado de criar o direito penal é o legislador. No entanto, é verdade que os tribunais norte-americanos
se sentem mais confortáveis para interpretar as leis penais de forma mais ampla do que seria, provavelmente,
considerada censurável na Europa ou na América Latina. Assim, por exemplo, a principal preocupação do
princípio da legalidade nos EUA parece ser a de garantir ao cidadãos um aviso prévio e justo do que seria uma
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conduta proibida, em vez de garantir uma apropriada separação de poderes entre o Legislativo e o Judiciário.
Como resultado, a chamada “proibição de analogia” (in bonan ou in malan partem) não existe nos EUA, uma
vez que os tribunais podem interpretar as legislações criminais analogicamente desde que a interpretação seja
razoavelmente previsível e, portanto, não prive cidadãos de aviso prévio e justo da existência da proibição da
conduta.
8) Os Estados Unidos da América do Norte têm a maior população carcerária do mundo. Quais as causas que justificam
isso em sua opinião? O sistema é muito eficiente, muito radical ou a sociedade é muito criminalizada?
Há um consenso entre os estudiosos do direito penal nos EUA de que nosso direito penal é demasiado punitivo
e que temos tanto um problema de supercriminalização quanto de superpopulação carcerária. As causas para
o encarceramento em massa são de natureza política. Políticos americanos frequentemente fazem campanhas
baseadas em uma mentalidade de serem “duros com o crime” que, inevitavelmente, se traduz em mais punição.
Estudiosos de ciências criminais sabem que isso não funciona, mas os políticos não se importam. Dito isso,
acredito que estamos começando a enxergar uma inversão da tendência de encarceramento em massa. As
prisões estão atualmente muito lotadas, e manter tantos detentos está começando a se tornar um grave fardo
financeiro. Isso está levando à liberação de muitos prisioneiros. Além disso, vários estados já descriminalizaram
o uso da maconha. Se essa tendência continuar, veremos consideravelmente menos prisões e, portanto,
menos pessoas presas ao menos por posse de drogas.
9) O que você acha do Patriot Act (“Lei Patriota” promulgada após o episódio das Torres Gêmeas em 11 de setembro de
2001)? Acredita que diminui direitos constitucionais e processuais?
A “Lei Patriota” claramente restringiu os direitos substantivos e processuais dos suspeitos. No entanto, se a
restrição de direitos equivale a uma violação da constituição, já é uma questão diferente. É óbvio que a tortura
que aconteceu em Guantánamo e em prisões secretas eram inconstitucionais. É também óbvio que a detenção
prolongada de suspeitos sem eles terem a oportunidade de contestar a legalidade da sua detenção em um
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tribunal é inconstitucional. Mas nenhuma dessas situações foi autorizada pelo Patriot Act. Eram coisas que o
ex-presidente George W. Bush fez sem expressa autorização legislativa ou judicial. Um problema mais difícil
é a existência atual dos Tribunais FISA (Tribunais criados pelo Foreign Intelligence Surveillance Act ou Lei de
Vigilância da Inteligência Estrangeira), que autorizam a pesquisa de registros de internet e telefone celular
sem obtenção de um mandado tradicional de um tribunal norte-americano. Não estou convencido de que esse
procedimento é constitucional.
10) É verdade que você não acredita em livre-arbítrio? Poderia nos explicar um pouco sobre isso?
É verdade. Antes de explicar meu ponto de vista, deixe-me primeiro esclarecer o que quero dizer com
“livre-arbítrio”. Eu defino o livre-arbítrio como “o grau de liberdade que faz juízos de culpa e atribuições de
responsabilidade moral possíveis”. Uma vez definido o livre-arbítrio dessa maneira, é fácil ver por que ele é
ameaçado pela tese do determinismo causal. Determinismo causal é a crença de que tudo o que acontece no
universo, incluindo a conduta humana, é o produto de tudo o que aconteceu no passado, em combinação com
o funcionamento de leis naturais.
Há pelo menos quatro razões que sugerem que a tese do determinismo causal deve ser levada a sério.
Primeiro, não há respaldo científico para a visão de que o comportamento de objetos macroscópicos é
determinado causalisticamente pela confluência do passado e as leis naturais. Em segundo lugar, estudos
neurocientíficos famosos, como os realizados por Benjamin Libet, sugerem que a conduta humana é determinada
por processos inconscientes que não estão sob o controle do ator.
Em terceiro lugar, estudos biológicos demonstram que aspectos do comportamento humano são, em
grande parte, determinados por nossa composição genética. Por fim, vários estudos psicológicos sugerem a
possibilidade de que aspectos do comportamento humano são determinados, em grande medida, por fatores
ambientais.
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Nenhum desses motivos sozinho é suficiente para estabelecer a verdade do determinismo causal.
No entanto, a combinação de todos esses fatores faz pelo menos com que uma dúvida séria seja lançada
sobre se o comportamento humano pode ser rastreado até processos indeterministas. Esse é especialmente
o caso quando a evidência mais forte até agora em favor da conclusão de que o comportamento humano não
é causalisticamente determinado é a intuição de que nós controlamos nossos destinos de uma forma que
desmente a tese do determinismo.
A maioria das pessoas acredita que seres humanos podem ser culpados ou elogiados por aquilo que fazem
apenas se tiverem a capacidade de escolher agir de forma diferente (os filósofos chamam este o princípio de
possibilidades alternativas). O determinismo causal ameaça o princípio de possibilidades alternativas, porque
sugere que, dada a fixidade do passado e da imutabilidade das leis naturais, os seres humanos não têm
controle sobre os fatores que moldam a sua conduta.
Curiosamente, a maioria dos filósofos e cientistas concorda que o determinismo causal é verdadeiro. No entanto,
muitos filósofos (os chamados “compatibilistas”) também acreditam que o livre-arbítrio é compatível com a
verdade do determinismo causal. Eu sou cético de que o livre-arbítrio e o determinismo causal são compatíveis.
À luz desse ceticismo, prefiro acreditar que o determinismo causal é verdadeiro e, assim, incompatível com
o livre-arbítrio (sou o que os filósofos chamam de “incompatibilista rígido”). Além disso – e mais importante –,
acredito que nós não perdemos muito se rejeitarmos o livre-arbítrio. Na verdade, penso que o direito penal é
melhor sem livre-arbítrio.
Se partirmos do princípio de que os seres humanos não têm livre-arbítrio, isso nos levaria a livrar-nos da
finalidade retributiva como uma justificativa para a imposição da pena.
Ao contrário do que os retributivistas nos querem fazer crer, acabar com a retribuição não faria o nosso sistema
de justiça criminal menos atraente.
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Uma legislação penal que não depende da retribuição como justificativa para a punição deverá conceber punição
como forma de neutralizar os infratores perigosos. Conceituar o direito penal como instrumento que pode ser
usado para neutralizar os infratores perigosos é suscetível de conduzir a um sistema economicamente mais
eficiente e humano de justiça criminal que se baseia menos em encarceramento e muito mais no tratamento e
reabilitação.
Como resultado, há boas razões para acreditar que a assunção de que os seres humanos não têm livre-arbítrio
geraria uma lei penal mais normativamente atraente do que a que temos hoje e isso, por sua vez, fornece-nos
boas razões para abraçar uma solução incompatibilista ao problema do livre-arbítrio.
11) É importante que estudantes de um país que adota a sistemática continental como o Brasil estudem a forma de pensar
do direito anglo-saxão? Como e por quê?
Certamente é importante. Creio que aprender como o direito anglo-saxão se aproxima do direito continental
dá ao estudante uma ferramenta por meio da qual ele pode avaliar a legislação de seu próprio país. Mais
especificamente, o estudante poderá verificar quais legislações necessitam de mudanças.
Embora esse uso crítico do direito criminal comparado seja obviamente relevante para a reforma legislativa,
também pode informar como o sistema judicial responde a questões complexas e importantes do direito penal
doméstico. Se ambos os sistemas abordarem um problema da mesma forma, então pode-se ter certeza de que
a solução é a correta. No entanto, se a solução do direito anglo-saxão para um determinado problema é diferente
da solução do direito continental europeu, então há razão para pensar sobre o assunto mais profundamente.
Por que as soluções são diferentes? Posso aprender alguma coisa com essa outra abordagem? É possível que
o outro sistema legal esteja realmente certo e o meu, errado? Essas são questões importantes e você pode
aprender muito sobre o seu próprio sistema de direito penal comparando-o com um sistema diferente.
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artigo 01
artigo 02
artigo 03
artigo 04
artigo 05
artigo 06
Globalização e o Direito Penal
Carlo Velho Masi
Mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS.
Especialista em Direito Penal e Política Criminal pela UFRGS.
Pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra.
Advogado Criminalista.
Voltaire de Lima Moraes
Mestre e Doutor pela PUC-RS.
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Professor do PPGCCrim da PUC-RS.
Resumo: Como fenômeno de contornos ainda difusos, a globalização demanda permanentes estudos em diversas áreas do
conhecimento. Hoje, é inegável sua influência sobre o Direito e, de forma muito acentuada, sobre o Direito Penal. Entender quais
as implicações da globalização sobre a questão criminal é um desafio do qual não podem se furtar as ciências criminais no contexto
de liminaridade em que vivemos. Sendo assim, o presente artigo busca entender os múltiplos significados do fenômeno e seus
principais atributos, avaliando seus reflexos sobre o Direito Penal moderno e sobre as perspectivas futuras da disciplina. De um modo
geral, é possível perceber que o Direito Penal da globalização depara-se com uma criminalidade transnacional e organizada, o que
inegavelmente demanda uma série de adaptações. Ao lado de uma corrente eficientista com maior aceitação, permanece vivo um
discurso de resistência, que alerta para os malefícios de um expansionismo desenfreado. Graças à ampla possibilidade de debate que
o ambiente atual propicia é possível verificar que o avanço da globalização implica uma maior intervenção do Direito Penal e uma
diminuição da importância do Estado Nacional na tomada de decisões político-criminais.
Palavras-chave: Globalização; Direito Penal; Estado Nacional; Expansionismo Penal.
Abstract: As a phenomenon with still diffuse contours, Globalization demands permanent studies in many areas of knowledge.
Today, its influence on the Law is undeniable, especially on the Criminal Law. To understand the implications of Globalization on
the criminal matter is a challenge that the criminal sciences cannot evade in the context of liminarity in which we live in. Therefore,
this article seeks to understand the multiple meanings of the phenomenon and its key attributes, assessing its impact on the modern
Criminal Law and the future perspectives of the discipline. In general, it is possible to find that the Globalized Criminal Law faces a
transnational and organized criminality, which undeniably requires a number of adjustments. Beside an efficientist party with greater
acceptance, a resistance speech remains alive warning to the dangers of an unbridled expansionism. Thanks to the wide opportunity
the current environment favors it is possible to verify that the advance of Globalization implies a greater intervention of the Criminal
Law and a diminishing importance of the national state in taking criminal policy decisions.
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Keywords: Globalization; Criminal Law; National State; Criminal expansionism.
Sumário: 1. Introdução: a ambiguidade do fenômeno – 2. As múltiplas extensões – 3. A falácia – 4. Os modos de produção – 5. Os
efeitos – 6. A ruptura das fronteiras espaciais e temporais – 7. O esvaziamento da soberania e da autonomia nacionais – 8. O Direito
Penal global – 10. Considerações finais: as consequências – Referências.
1. Introdução: a ambiguidade do fenômeno
A globalização apresenta-se como fenômeno de contornos ainda difusos.1 Como expressão ambígua, pode designar
tanto o poder, como a ideologia que pretende legitimá-lo. Na visão de Zaffaroni, não é um discurso, mas nada mais que
um “novo momento de poder planetário”.2 A propósito, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso observa que, conquanto
tenha ganhado ímpeto recentemente, o tema de globalização, não é nada novo e refere-se ao grande debate em torno da
expansão do capitalismo no século XIX.3
Novos ou antigos, os processos de globalização são fenômenos multifacetários de dimensões econômicas, sociais,
tecnológicas, políticas, culturais, religiosas e legais, todas conectadas a uma tendência complexa. Estranhamente,
combinam-se tanto a universalidade e a eliminação de fronteiras nacionais quanto a diversidade local, a identidade étnica
e o retorno aos valores comunitários.
As origens do globalismo remontam o Estado de Direito de inspiração liberal-clássica, em que se tinham por
objetivos e características “o princípio da soberania nacional, a ideia de Constituição e o primado do equilíbrio entre os
1
2
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Segundo Paulo Sandroni, o termo “designa o fim das economias nacionais e a integração cada vez maior dos mercados, dos meios de comunicação e dos
transportes. Um dos exemplos mais interessantes do processo de globalização é o global sourcing, isto é, o abastecimento de uma empresa por meio de
fornecedores que se encontram em várias partes do mundo, cada um produzindo e oferecendo as melho-res condições de preço e qualidade naqueles
produtos que têm maiores vantagens comparativas” (SAN-DRONI, Paulo (org.). Novíssimo dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 1999, p. 265).
O autor refere-se a três momentos de poder planetário: a revolução mercantil e o colonialismo, nos séculos XV e XVI; a revolução industrial e o
neocolonialismo, nos séculos XVIII e XIX; e a revolução tecno-lógica e a globalização, a partir do século XX.
CARDOSO, Fernando Henrique. Conferência no Seminário Brasil século XXI – O direito na era da globa-lização: Mercosul, Alca e União Europeia. Brasília:
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Bra-sil, 2001. p. 30. Segundo ele “Todos aqueles que pensaram a formação do sistema capitalista – dos
conservadores até (Karl) Marx – mencionavam a tendência à expansão de um mesmo sistema produtivo. E a tendência, portanto, de que pouco a pouco se
consolidasse uma ordem mundial. Já no século XX, alguns pensadores críticos – Rosa de Luxemburgo à frente – mostravam que existia, realmente, uma
tendência incontrastável no sentido de que a homogeneização das forças produtivas seria impor uma ordem econômica só. A discussão que se travou mais
tarde seria saber que ordem seria essa – se capitalista ou socialista. Por uma razão óbvia: é que as transformações tecnológicas foram de tal monta que
era fácil prever a expansão do sistema produtivo e, como ele, os valores entranhados”.
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poderes”. Originalmente destinado a conter o absolutismo dos primeiros tempos do Estado moderno, cujo principal traço
era o monopólio do uso da violência por parte do despotismo esclarecido, o primado do equilíbrio dos poderes atribui
a titularidade da iniciativa legislativa a parlamentares soberanos, restringe o campo de ação do Executivo aos limites
estritos da lei e confere ao Judiciário a competência exclusiva para julgar e dirimir conflitos. Desse modo, embora o
Estado detenha o poder total, ele não pode mais exercê-lo de modo absoluto.
4
Os desdobramentos naturais dessas concepções atingiram diretamente a identidade cultural nacional5 do homem,
ocasionando sua modificação, mais significativamente a partir do final do século XX.
Nas últimas três décadas, as interações internacionais se intensificaram dramaticamente, desde os sistemas de
produção e das transferências financeiras, até a disseminação mundial de informação e imagens através da mídia, ou os
movimentos em massas de pessoas, sejam turistas ou trabalhadores e refugiados imigrantes. A extraordinária amplitude e
profundidade destes movimentos passaram a ser vistos pelos sociólogos e políticos como rupturas de formas prévias de
interações fronteiriças, um fenômeno que se passou a denominar de globalização.
A rapidez da troca de informações e as respostas imediatas que esse intercâmbio acarretou nas decisões diárias são
evidências inegáveis do mundo pós-moderno. Produtos ficam obsoletos antes do prazo de vencimento. A incerteza se
radicaliza em todos os campos da interação humana. Não há mais padrões reguladores precisos e duradouros.6 Assim, o
termo “global” é hoje utilizado para referir-se tanto a processos como a resultados da globalização.
Por isso, tem-se afirmado que, assim como os conceitos que o precederam, tais quais o da modernização e o do
desenvolvimento, o conceito de globalização tem dois componentes: um descritivo e um prescritivo. A prescrição é, na
verdade, um vasto conjunto de prescrições, todos ancorados no consenso hegemônico neoliberal.7
4
5
6
7
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FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malhei-ros, 1996, p. 5.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lo-pes Louro. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 8.
BORDON, Giovana. A fragilidade dos laços humanos. Jornal Gazeta Mercantil. Encarte “Fim de Sema-na”, de 31 jul. 2004.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalizations. Theory, Culture & Society. Sage Publications, The TCS Centre, Nottingham Trent University, Nottingham,
Inglaterra, v. 23, n. 2-3, p. 393-399, maio 2006, p. 393-394. O consenso da economia neoliberal aponta que as economias nacionais devem abrir-se
ao mer-cado mundial e os preços domésticos devem ser acomodados aos preços internacionais; deve ser dada prioridade ao setor de exportação, as
políticas monetárias e fiscais devem ser orientadas para a redução da inflação; os direitos de propriedade privada devem ser efetivados e protegidos
internacionalmente; o setor empresarial do estado deve ser privatizado; deve haver livre mobilidade de recursos (exceto de trabalho), investimentos e
lucros; a regulação estatal da economia deve ser mínima; políticas sociais devem ter uma baixa prioridade no orçamento estatal, já não universalmente
aplicadas, mas implementadas como medi-das compensatórias para os estratos sociais vulneráveis.
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O fenômeno parece estar relacionado a uma vasta gama de transformações em todo o mundo, como um aumento
dramático da desigualdade entre países ricos e pobres e entre ricos e pobres em cada país, desastres ambientais, conflitos
étnicos, migração internacional em massa, surgimento de novos Estados e falência ou implosão de outros, proliferação de
guerras civis, limpeza étnica, crime globalmente organizado, democracia formal como uma condição política para a ajuda
internacional, terrorismo, militarismo etc.8
Trata-se, como já se pode antever, de uma realidade que, assim como as anteriores, também vem acompanhada
de um discurso legitimante9 ou de uma ideologia10 – que não se resume às vantagens que obtêm seus protagonistas e se
assenta sobre o pensamento neoliberal de eficácia tecnocrática e de benefício –, tem uma gestão histórica e é irreversível,
na medida em que representa um marco significativo de ruptura.11
O domínio político e cultural da globalização é um campo fundamental de debate, já que as ideias que constituem o
discurso dominante passam para o senso comum e são vividas como uma realidade concreta e inexorável.
Bauman a retrata como a “nova desordem mundial” e percebe seu “caráter indeterminado, indisciplinado e de
autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de
um gabinete administrativo”.12 Para Faria Costa, “As culturas, os gestos, os gostos, os saberes, as informações, tudo está
em qualquer lugar, em qualquer espaço”.13
Nesse sentido, a globalização pode ser expressa no paradoxo da interseção entre presença e ausência, caracterizandose pelo “entrelaçamento de eventos e relações sociais que estão à distância de contextos locais”,14 como resultante dos
avanços tecnológicos, principalmente dos meios de comunicação, em especial da tecnologia eletrônica, mas, sobretudo,
da mídia. A mobilidade, seja de corpos físicos ou exclusivamente de conteúdos informativos, é uma marca distintiva dessa
sociedade pós-industrial:
8 SANTOS, Boaventura de Sousa. Ibidem, p. 393.
9 Para o colonialismo era a supremacia teológica; para o neocolonialismo, o evolucionismo racista.
10 BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Globalización y concepciones del derecho penal. Estudios Penales y Crimi-nológicos, Santiago de Compostela, Espanha,
USC, n. 29, p. 141-206, 2009, p. 141.
11 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización y las actuales orientaciones de la política criminal. Direito e Cidadania, Praia, Cabo Verde, a. 3, n. 8, p. 71-96,
1999-2000, p. 72.
12 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 67.
13 FARIA COSTA, José Francisco de. A globalização e o direito penal (ou tributo da consonância ao elogio da incompletude). Revista de Estudos Criminais, v.
2, n, 6, Porto Alegre, 2002, p. 30.
14 GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. Trad. Álvaro Cabral. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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“Dentre todos os fatores técnicos da mobilidade, um papel particularmente importante foi desempenhado pelo
transporte da informação – o tipo de comunicação que não envolve o movimento de corpos físicos ou só o faz secundária
e marginalmente. Desenvolveram-se de forma consistente, meios técnicos que também permitiram à informação viajar
independente dos seus portadores físicos – e independente também dos objetos sobre os quais informava: meios que
libertaram os ‘significantes’ do controle dos ‘significados’. (...) O aparecimento da rede mundial de computadores pôs
fim – no que diz respeito à informação – à própria noção de ‘viagem’ (e de ‘distancia’ a ser percorrida), tornando a
informação instantaneamente disponível em todo o planeta, tanto na teoria como na prática”.15
A mobilidade, acompanhada da velocidade no transporte da informação, tornou possível a milhares de investidores
individuais a transferência de “vasta quantidade de capital de um lado do mundo para outro ao clique de um mouse”.16 Ainda
que fisicamente imóveis, todos estão em movimento, seja esta condição desejável ou não ou, até mesmo, desconhecida.
Logo, “imobilidade não é uma opção realista num mundo em permanente mudança”.17
André-Jean Arnaud sistematiza o conceito de globalização quando certo grupo de condições são preenchidas.
Segundo o autor, em síntese, são elas: 1) mudança nos modelos de produção; 2) desenvolvimento de mercados de capitais
com fluxo livre de investimentos sem que as fronteiras dos Estados sejam levadas em conta; 3) expansão crescente das
multinacionais; 4) importância crescente dos acordos comerciais entre nações que formam blocos econômicos regionais
de primeira importância; 5) ajuste estrutural, passando pela privatização e pela redução do papel do Estado; 6) hegemonia
dos conceitos neoliberais em matéria de relações econômicas; 7) uma tendência generalizada em todo o mundo à
democratização, à proteção dos direitos humanos, a um renovado interesse pelo Estado de Direito; e 8) o aparecimento de
atores supranacionais e transnacionais promovendo essa democracia e essa proteção aos direitos humanos.18
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos refere-se ao fenômeno como “um vasto e intenso campo de
conflitos entre grupos sociais, estados e interesses hegemônicos por um lado e grupos sociais, estados e interesses
subalternos por outro”.19 Trata da globalização como um conjunto de trocas desiguais em que certos artefatos, condições,
entidades ou identidades locais estendem sua influência para além das fronteiras locais ou nacionais e, ao fazê-lo,
desenvolvem a capacidade de designar como local outro artefato, entidade, condição ou identidade rival.20
15
16
17
18
BAUMAN, Zygmunt. Globalização... cit., p. 21-22.
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 20.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização... cit., p. 8.
ARNAUD, André-Jean. O direito entre modernidade e globalização: lições de filosofia do direito e do Estado. Trad. Patrice Charles Wuillaume. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999. Introdução. s/p
19 SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos da globalização: a globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 27.
20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalizations. Theory… cit., p. 396.
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O processo afeta a todos os âmbitos da vida humana, individual ou coletivamente, mas se expressa, na concepção de
Martínez González-Tablas em três relevantes manifestações:21 a “globalização econômica” (novas formas de organização
das empresas multinacionais ou transnacionais e seu protagonismo no mercado mundial; multiplicação exponencial das
operações econômico-financeiras de curta duração em todo o planeta; e interdependência entre países e entre estes e os
organismos internacionais, permitindo extensa margem de manobra e autonomia em sua direção e gestão),22 a “globalização
política” (novas realidades que afetam a perda de soberania do Estado; perda do espaço político das ideologias tradicionais
de direita e de esquerda) e a “globalização das comunicações”23 (impacto das novas tecnologias da comunicação e da
informação na vida, permitindo o intercâmbio de informações em tempo real e em quantia quase ilimitada).24
Ao que se nota, a globalização é um fenômeno de numerosos significados, que, por configurar-se em uma sociedade
conturbada, não poderia deixar de apresentar uma alta complexidade.
2. As múltiplas extensões
Os contornos e extensões da globalização sequer podem ser imagináveis, vez que a crise financeira que assola o
mundo não revela inclinações claras ou direções seguras no seu enfrentamento, superação ou adaptação, pelo que se pode
falar apenas em tendências de atuação imediata, sendo as conformações futuras ainda imprevisíveis.25
21 MARTÍNEZ GONZÁLEZ-TABLAS, Angel María. Aspectos más relevantes de la globalización económica. Cuadernos de Derecho Judicial, Madrid, Consejo
General del Poder Judicial, n. 5, p. 69-130, p. 73-74, 2002.
22 BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Curso de política criminal. 2 ed. Valência, Espanha: Tirant lo Blanch, p. 301.
23 HARDT, Michael; NEGRI, Antônio. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 51, advertem que “a co-municação não apenas expressa mas também
organiza o movimento de globalização. Organiza o movi-mento multiplicando interconexões por intermédio de redes. Expressa o movimento e controla o
sentido de direção do imaginário que percorre estas conexões comunicativas. (...) É por isso que as indústrias de comunicação assumiram posição tão
central”. Poucos locais no mundo atual estão desconectados de todo este sistema. Muito embora seja reforçada através destes próprios meios a ideia de
que o mundo globalizado é local de grande intercâmbio cultural, na medida em que existe uma dominação, não existe evidentemente igualdade nas trocas.
24 Segundo Bill Gates, cofundador da Microsoft Corporation, “Llegará un día, no muy lejano, en que seremos capaces de dirigir negocios, de estudiar y explorar
el mundo y sus culturas, de hacer surgir algún gran entretenimiento, hacer amigos, asistir a mercados locales, enseñar fotografías a parientes lejanos sin
abandonar nuestra mesa de trabajo o nuestro sillón. No abandonaremos nuestra conexión a la red ni nos la dejaremos en la oficina o en el aula. Esta red
será algo más que un objeto que portamos o un dispositivo que compremos. Será nuestro pasaporte para un modo de vida nuevo y mediático” (GATES, Bill;
MYHRVOLD, Nathan (colab.); RINEARSON, Peter (colab.). Camino al futuro. Trad. Francisco Ortiz Chaparro. Madrid: McGraw-Hill Interamericana, 1995).
25 CUNHA, Danilo Fontenele Sampaio. Crise econômica e possíveis perspectivas jurídico-sociais. Revista Direito GV, São Paulo, n. 10, p. 343-358, jul.-dez.
2009, p. 353.
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Os riscos provenientes da crise econômica mostram-se como os mais perversos dos enfrentados pela humanidade
nos últimos tempos, trazendo consequências francas, diretas e intensas nas relações internacionais e na proteção aos
direitos humanos e economias mundiais, atingindo profundamente a segurança social integral, não possuindo respostas
únicas, individuais ou exclusivas.26
“A pluralidade de discursos sobre a globalização mostra que é imperioso produzir uma reflexão teórica crítica da
globalização e de o fazer de modo a captar a complexidade dos fenômenos que ela envolve e a disparidade dos interesses
que neles confrontam.”27
Os debates têm mostrado que o que usualmente é denominado globalização representa, em realidade, um vasto
campo social de colisões antagônicas entre grupos sociais hegemônicos ou dominantes, Estados, interesses e ideologias.
Mesmo o campo hegemônico é repleto de conflitos, mas, para além deles, há um consenso básico entre os seus membros
mais influentes. É esse consenso que confere à globalização suas características dominantes.
Com a pluralidade de discursos que se observa, tem-se claramente que não há uma única globalização, ou somente
um “processo de globalismo”. Aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de fato, conjuntos diferenciados
de relações sociais, que dão origem a diferentes fenômenos de globalização.
À luz destas disjunções e confrontos, torna-se claro que a nomenclatura globalização representa um conjunto de
processos de globalização e, em última instância, das distintas, e por vezes contraditórias, “globalizações”, isto é, diferentes
conjuntos de relações sociais, que dão origem a diferentes fenômenos. Nesses termos, não há, a rigor, uma única entidade
chamada globalização, mas sim as globalizações. E, como conjuntos de relações sociais, as globalizações envolvem
conflitos, dos quais emergem “vencedores” e “perdedores”. Porém, deve-se ter em conta que “O discurso dominante sobre
globalização é a história dos vencedores, contada pelos vencedores”.28
26 Idem, p. 356.
27 SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). A globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 54. Segue o autor comentando que a
sua proposta teórica parte de três aparentes contradições que conferem especificidade transicional ao período em que vivemos. A primeira contradição
é entre globali-zação e localização, onde na globalização quanto mais esta evolui, mais aumenta os direitos às opções, demonstrando que as relações
interpessoais estão mais desterritorializadas. Já na localização, a contradição que exsurge fica por conta da tendência dos direitos às raízes, onde emerge
o sentimento de novas identidades regionais, nacionais ou locais. A segunda contradição descrita pelo autor é entre o Estado-nação e o não Estado
transnacional. Trata, pois, do papel do Estado na globalização. Para alguns, o Esta-do é uma entidade obsoleta, fragilizada e em vias de extinção. Para
outros, em contraponto, o Estado continua a ser entidade política central. A terceira contradição é de ordem político-ideológica, entre os que veem na
globalização a energia finalmente incontestável e imbatível do capitalismo e os que veem nela uma oportunidade nova para ampliar a escala e o âmbito da
solidariedade transnacional e das lutas anticapitalistas.
28 SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalizations. Theory… cit., p. 395.
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Uma importante noção que nos é trazida pela globalização é a percepção dos diversos lugares, da diversidade cultural
e da diversidade de maneiras de ver o mundo. Daí a ideia de que a globalização não é uma só. São várias globalizações
ocorrendo simultaneamente.
3. A falácia
A ideia de globalização, como um fenômeno linear, homogeneizado e irreversível, apesar de falsa, é hoje prevalente
e tende a ser ainda mais, a medida que passamos do discurso científico para o discurso político e para a conversa
cotidiana. Aparentemente transparente e sem complexidade, a ideia de globalização mascara mais do que revela o que está
acontecendo no mundo. Estas transformações tem vindo a atravessar todo o sistema mundial, ainda que com intensidade
desigual consoante a posição dos países no sistema mundial.
Longe de ser “inocente”, a globalização não se restringe ao campo econômico, mas deve ser considerada também
um movimento ideológico e político. E dois motivos para tal movimento devem ser esmiuçados.29
O primeiro é o que poderíamos chamar de “falácia do determinismo”. Ele consiste em inculcar a ideia de que a
globalização é um processo espontâneo, automático, inelutável e irreversível, que se intensifica e avança, segundo uma
lógica e uma dinâmica fortes o suficiente para impor-se a despeito de qualquer interferência externa. A falácia consiste em
transformar as causas da globalização em seus efeitos, obscurecendo o fato de que a globalização resulta de um conjunto
de decisões políticas identificadas no tempo e no espaço.
O segundo motivo político é a “falácia do desaparecimento do sul”. Quer a nível financeiro, quer a nível da
produção, ou mesmo de consumo, o mundo tornou-se integrado em uma economia global onde, perante a multiplicidade
de interdependências, já não faz sentido distinguir entre o norte e o sul, ou entre o núcleo (antiga “metrópole”), a periferia
(antiga “colônia”) e a semi-periferia do sistema mundial.
Nos termos desta falácia, até mesmo a ideia do “Terceiro Mundo” está se tornando obsoleta. Tendo em vista que,
contrariamente a este discurso, as desigualdades entre o norte e o sul têm aumentado dramaticamente nas últimas três
décadas, esta falácia parece não ter outro objetivo que não o de banalizar as conseqüências negativas e excludentes da
globalização neoliberal, negando-lhes centralidade analítica. Assim, o “fim do sul”, e o “desaparecimento do Terceiro
Mundo” são, acima de tudo, produtos das mudanças ideológicas que devem ser objeto de análise.
29 SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalizations. Theory… cit., p. 395.
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4. Os modos de produção
A globalização não se refere apenas à criação de sistemas em ampla escala, mas à transformação de contextos da
experiência social. As atividades cotidianas são cada vez mais influenciadas por eventos ocorrendo do outro lado do
mundo; e, inversamente, hábitos locais de estilo de vida tornam-se globalmente consequentes. A globalização deveria ser
vista não simplesmente como um fenômeno “lá fora” mas como um fenômeno também “aqui dentro”: ela afeta não apenas
localidades mas até intimidades da existência pessoal, na medida em que age para transformar a vida cotidiana.30
Boaventura de Sousa Santos distingue entre dois modos principais de produção da globalização, consistentes num
duplo processo de “localismos globalizados”/“globalismos localizados”.31
“Localismo globalizado” é o processo pelo qual um determinado fenômeno é globalizado com sucesso, seja a
atividade mundial de uma multinacional, a transformação do idioma Inglês em uma língua universal, a globalização do
fast food americano, a música popular, ou a adopção mundial da mesmas leis de propriedade intelectual, patentes ou de
telecomunicações promovidas agressivamente pelos EUA.
Nesta forma de produção de globalização, o que se globaliza é o vencedor de uma “luta” pela apropriação ou
valorização de recursos ou para o reconhecimento hegemônico de determinada diferença cultural, racial, sexual, étnica,
religiosa ou regional. Esta “vitória” traduz a capacidade de ditar os termos da integração, da competição e da inclusão.
O segundo processo de globalização é o “globalismo localizado”, que consiste no impacto específico produzido
pelas práticas e imperativos que surgem dos “localismos globalizados” nas condições locais. Para responder a esses
imperativos transnacionais, as condições locais são desintegradas, oprimidas, excluídas, desestruturadas e, eventualmente,
reestruturadas como inclusão subalterna.
Os globalismos localizados incluem a eliminação do comércio tradicional e da agricultura de subsistência; a criação
de zonas de livre comércio; o desmatamento e a destruição maciça de recursos naturais, a fim de pagar a dívida externa;
o uso de tesouros históricos, cerimônias religiosas ou lugares, artesanato e a vida selvagem para o benefício da indústria
do turismo global; o “dumping ecológico” (compra pelos países do “Terceiro Mundo” de lixos tóxicos produzidos nos
países capitalistas centrais, a fim de pagar a dívida externa); a conversão da agricultura de subsistência em agricultura de
30 GIDDENS, Anthony. Admirável mundo novo: o novo contexto da política. In: MILIBAND, David (Org.). Reinventando a esquerda. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1997.
31 SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalizations. Theory… cit., p. 396-397.
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exportação como parte de “ajuste estrutural”; e a etnicização do local de trabalho (desvalorização do salário pelo fato de
os trabalhadores serem de um grupo étnico considerado “inferior”).32
Esses dois processos, embora devam ser tratados separadamente, em razão da distinção entre seus fatores, agentes
e conflitos, operam em conjunto e constituem um tipo hegemônico de globalização neoliberal que vem paulatinamente
determinando e condicionando diferentes hierarquias que constituem o “mundo Capitalista global” (global capitalist
world).
A divisão internacional da produção da globalização tende a assumir o seguinte padrão: “países centrais especializamse em localismos globalizados, enquanto países periféricos têm apenas a opção do globalismo localizado”.33
5. Os efeitos
Conquanto se possam discutir os diversos significados da globalização, sabe-se, entretanto, que ninguém mais
fica imune a seus efeitos. Isso porque, ao passo em que a sociedade global trouxe avanços, trouxe, também, riscos e
inseguranças, reforçando, assim, a ideia do contraste entre determinação e indeterminação, estabilidade e instabilidade.34
No discurso de Silveira, a globalização surge como um elemento de interação no que se refere à sociedade do risco,
ou seja, “uma atua sobre a outra, incrementando riscos globais e alterações pontuais nas relações humanas. Vale dizer,
o risco incrementa-se em uma sociedade globalizada”.35
No plano econômico, a globalização compreende a gênese dos mercados globais, nos quais os agentes econômicos
(global players),36 o capital, o trabalho, os bens e serviços se movem com liberdade em escala mundial, o que é possível
graças ao avanço técnico. As economias nacionais devem se abrir ao mercado mundial e os preços domésticos devem
tendencialmente adequar-se aos preços internacionais; deve ser dada prioridade à economia de exportação; as políticas
monetárias e fiscais devem ser orientadas para a redução da inflação e da dívida pública e para a vigilância sobre a balança
de pagamentos; os direitos de propriedade privada devem ser claros e invioláveis, o setor empresarial do Estado deve ser
32 SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalizations. Theory… cit., p. 396-397.
33 Idem, ibidem, p. 397.
34 ROBALDO, José Carlos de Oliveira; VIEIRA, Vanderson Roberto. A sociedade de risco e a dogmática penal. São Paulo: IBCCRIM, 2002. Disponível em:
<http://www.ibccrim.org.br>. São Paulo: IBCCRIM, 2002.
35 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal de perigo. São Paulo: RT, 2006, p. 56.
36 Entre os quais estão, em primeiro lugar, as organizações inter e supranacionais como as Nações Unidas e a União Europeia.
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privatizado, a regulação estatal da economia deve ser mínima; deve-se reduzir o peso das políticas sociais no orçamento
do Estado.37
No plano político descritivo, a globalização representa a perda de relevância política mundial que sofrem os Estados
nacionais (the breaking of nations) e a ascensão da governança global (global governance).
Já no plano político normativo, globalização confunde-se com uma orientação política com base em interesses
mundiais da humanidade, e não em interesses nacionais. Ocorre o que Joachim Vogel chama de uma “aproximación del
mundo”.38
É possível situar essas alterações socioeconômicas mais relevantes a partir da década de 1980 do século XX.39 A
primeira delas é, por excelência, a “mundialização da economia”, mediante a internacionalização dos mercados de insumo
e consumo, o que causa o rompimento das fronteiras geográficas clássicas e a limitação da execução das políticas cambial,
monetária e tributária dos Estados nacionais. Via de consequência, ocorre a desconcentração do aparelho estatal, mediante
a descentralização de suas obrigações, a desformalização de suas responsabilidades, a privatização de empresas públicas
e a “deslegalização” da legislação social.
O advento de processos de integração formalizados por blocos regionais e por tratados de livre comércio, com
subsequente revogação dos protecionismos tarifários, das reservas de mercado e dos mecanismos de incentivos e subsídios
fiscais acarreta uma internacionalização do próprio Estado.
O próximo passo foi a “desterritorialização” e reorganização do espaço da produção, mediante a substituição das
plantas industriais rígidas, surgidas no começo do século XX, de caráter “fordista”, pelas plantas industriais “flexíveis”,
de natureza “toyotista”, o que veio acompanhado da desregulamentação da legislação trabalhista e da flexibilização das
relações contratuais.
O uso do salário, do emprego e da tributação como variáveis de ajuste provoca uma alta taxa de desemprego e de
redução salarial. A menor arrecadação fiscal causa a redução de investimentos sociais.
Como resultado, os Estados perdem sua capacidade de mediação entre o capital e o trabalho. Os sindicatos carecem
de poder para lutar contra essa situação. A especulação financeira adapta formas que tornam cada vez mais permeáveis as
37 SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos da globalização: a globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 29.
38 VOGEL, Joachim. Derecho penal y globalización. In: CANCIO MELIÁ, Manuel (coord.). Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de
Madrid, Madrid, n. 9, p. 113-126, 2005, p. 114-115.
39 FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica... cit., p. 10-11.
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fronteiras entre o lícito e o ilícito. Os paraísos fiscais para capitais de origem ilícita são conhecidos por todos e ninguém
os obstaculiza. O sistema tributário se inverte, tentando compensar a menor tributação do capital com a maior tributação
do consumo, que recai sobre os de menor renda.40
A sociedade contemporânea é, assim, marcada pela concentração de riqueza, pela exclusão social e pelo consequente
esgarçamento das relações sociais e dos laços de controle sociais informais. A globalização econômica hegemônica tem
não só aumentado consideravelmente a concentração de riqueza, mesmo nos países centrais,41 mas também gerado um
novo nível de “miséria”.
A principal consequência social deste fenômeno de poder é a geração de um amplo e crescente setor excluído da
economia,42 formado por pessoas que não conseguem se inserir no sistema, que sequer adquirem cidadania, vez que a
noção de cidadão passa a ser substituída pela de consumidor e adota a solvência como critério de inclusão social.
A política da globalização torna impotente o poder nacional frente ao poder econômico globalizado. Dessa forma,
Zaffaroni nota que “existe un poder económico globalizado, pero no existe una sociedad global ni tampoco organizaciones
intencionales fuertes y menos aún un estado global”.43
A fragmentação das atividades produtivas nos diferentes territórios e continentes permitiu que conglomerados
multinacionais praticassem o comércio interempresa, acatando seletivamente distinções legislativas nacionais e
concentrando seus investimentos em países onde elas são mais favoráveis. As empresas fixam-se nos países periféricos,
buscando reduzir ao máximo o número ou os salários de empregados e a carga tributária. Para tanto, contam com o apoio
de políticos que buscam atrair esses capitais.
Por fim, deu-se a expansão de um Direito paralelo ao dos Estados, de natureza mercatória (lex mercatoria), como
decorrência da proliferação dos foros de negociações descentralizados, estabelecidos pelos grandes grupos empresariais.44
A globalização vem, dessa forma, desestruturando a “espinha dorsal” do Estado moderno. Os centros de decisões
(sejam elas relacionadas à moeda, à pesquisa, ao desenvolvimento tecnológico, à produção industrial ou à comercialização
de mercadorias) já não se circunscrevem ao Estado-nação; o dinheiro concentra-se nas relações financeiras – tão
40 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización y las actuales orientaciones de la política criminal. Direito e Cidadania, Praia, Cabo Verde, a. 3, n. 8, p. 71-96,
1999-2000, p. 74.
41 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 251-252.
42 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización… cit., p. 74.
43 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización… cit., p. 75.
44 FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica... cit., p. 10-11.
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especulativas quanto voláteis – e, não mais, nas relações de produção. Há uma total perversão dos valores, onde o poder
econômico gradativamente se sobrepõe ao poder político e as arenas decisórias são progressivamente fragmentadas,
multiplicando-se em distintos níveis e lugares.45
6. A ruptura das fronteiras espaciais e temporais
A maior oferta e facilidade de transportes e telecomunicações promoveu, a partir do final do século passado, uma
revolução na relação entre os países. Os fluxos comerciais e financeiros multiplicaram-se várias vezes. A maior aproximação
econômica, social e cultural entre os países só foi possível graças aos esforços internacionais para a redução de barreiras
comerciais e financeiras e para padronização de normas e regulamentos, de maneira a oferecer velocidade e segurança
na realização das transações. Neste contexto, Faria Costa nota que “O nosso viver despacializou-se. O nosso interagir
subjectivo perdeu as referências clássicas do espaço. As culturas, os gestos, os gostos, os saberes, as informações tudo
está em qualquer lugar, em qualquer espaço. (…). Está em qualquer lugar porque a velocidade de circulação de bens,
mesmo dos bens materiais – para não falarmos sequer dos chamados serviços –, desenvolveu-se exponencialmente”.46
Então, a globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais,47
integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em
realidade e em experiência, mais interconectado. Ela implica um movimento de distanciamento da ideia sociológica
clássica da sociedade como um sistema bem delimitado (fechado) e sua substituição por uma perspectiva que se concentra
na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço.48
Para o cidadão “globalizado” não há barreiras intransponíveis, pois, com a ideia de ligação do indivíduo e da
sociedade através de um grande sistema de redes, abandonam-se definitivamente as ideias de estabilidade e determinismo.49
45 COSTA, Daniela Carvalho Almeida da. Globalização e controle social na contemporaneidade. Questio-nando a legitimidade do direito penal. Jus Navigandi,
Teresina, ano 15, n. 2520, 26 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14892>. Acesso em: 4 fev. 2013.
46 FARIA COSTA, José Francisco de. A globalização e o direito penal (ou o tributo da consonância ao elogio da incompletude). In: Stdvdia Ivridica – 73,
Colloquia – 12, Globalização e direito. Coimbra: Ed. Coimbra, 2003, p. 186.
47 Segundo Alberto Silva Franco, o fenômeno da globalização “contém seu ponto fulcral na existência de um mercado mundial que não conhece fronteiras.
O caráter transnacional do mercado não respeita o Esta-do-nação, condenado a um desmonte sistemático” (FRANCO, Alberto Silva. Globalização e
criminalidade dos poderosos. In: PODVAL, Roberto (Org.). Temas de direito penal econômico. São Paulo: RT, 2000, p. 238-239.).
48 GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Trad. Saul Barata. 6. ed. Lisboa: Ed. Presença, 2006.
49 ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Org. por Michel Schröter. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Ja-neiro: Jorge Zahar, 1994, p. 30 ss.
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Note-se que o tempo e o espaço são as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. Todo meio
de representação, seja a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, simbolização através da arte ou dos sistemas de
telecomunicação, deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais. Assim, a narrativa traduz os eventos numa
sequência temporal de “começo-meio-fim”, e os sistemas visuais de representação traduzem objetos tridimensionais em
duas dimensões.
Diferentes épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo.50 Podemos ver
novas relações espaço-tempo sendo definidas em eventos tão diferentes quanto a teoria da relatividade de Einstein, as
pinturas cubistas de Picasso e Braque, os trabalhos dos surrealistas e dos dadaístas, os experimentos com o tempo e a
narrativa nos romances de Marcel Proust e James Joyce, ou o uso de técnicas de montagem nos primeiros filmes de Vertov
e Eisenstein.51
Paradoxalmente, os lugares permanecem fixos e é neles que fixamos “raízes”. Contudo, a globalização proporciona
que o espaço possa ser “cruzado” num piscar de olhos – por avião a jato, por fax, por e-mail, por vídeo, por satélite –.
David Harvey chama este fenômeno de “destruição do espaço através do tempo”.52
Almeja-se, então, proporcionar uma explicação da realidade da vida social e da vida dos indivíduos desde uma
perspectiva planetária, neste mundo sem fronteiras, por um lado interdependente e intercomunicado (apesar das distâncias
físicas) e, por outro, independente dos povos, das etnias e das culturas de cada um dos operadores dos sistemas econômico,
político e social.53
Eis a metáfora correspondente à intensificação das consequências das crises, da qual decorre uma natural diminuição
das distâncias espaciais e temporais, ocasionando a remodelagem do que se entende por fronteiras e trazendo novas
expectativas político-jurídicas, mormente no que diz respeito ao princípio da soberania, à caracterização e consagração
dos direitos humanos e à manutenção da ordem pública internacional.54
50
51
52
53
54
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HALL, Stuart. A identidade cultural... cit., p. 70.
HALL, Stuart. A identidade cultural... cit., p. 70-71.
HARVEY, David. The condition of postmodernity. Londres: Basil Blackwell, p. 205.
BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Globalización y concepciones… cit., p. 145-146.
CUNHA, Danilo Fontenele Sampaio. Crise econômica e possíveis perspectivas jurídico-sociais. Revista Direito GV, São Paulo, n. 10, p. 343-358, jul.-dez.
2009, p. 344. O autor aponta que a participação de Estados em organismos internacionais em busca de soluções comuns faz com que suas decisões
políticas e mesmo as de iniciativa normativa sejam condicionadas, ou no mínimo balizadas, pelas deliberações dos demais membros das entidades. E, no
caso de descumprimento dos atos bilaterais, multilaterais, acordos, tratados ou convenções, os meios de coerção disponíveis com o fim de repor a ordem
jurídica lesada podem ser ativados.
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7. O esvaziamento da soberania e da autonomia nacionais
A partir dos anos 1980 do século passado, a história passa a registrar ininterruptas transferências de capital, auxiliada
continuamente pelo avanço tecnológico voltado à comunicação, concentrando grandes somas nas mãos de empresas
transnacionais, e estas passam de forma incontrolável a influenciar as políticas nacionais nos países e povos onde se
instalam.
Fronteiras deixam de existir, econômica e politicamente, resultando numa política globalizada, visualizando-se o
trânsito livre de pessoas, capitais, serviços e mercadorias, com tendência à eliminação de barreiras alfandegárias internas
e outros óbices impedientes ao livre comércio. O Estado acaba por diminuir seu poder de regulamentação, dependendo
crescentemente de determinações supranacionais à aplicação de regras de mercado.55
O esvaziamento da soberania e da autonomia nacionais na economia globalizada obrigou os Estados-nações a
internacionalizar alguns direitos nacionais e a controlar a expansão de normas privadas no plano infranacional, pois as
organizações empresariais, possuindo autonomia frente aos poderes públicos, passaram a criar as regras que necessitam
de acordo com suas conveniências.56
“A la base de esto se encuentra la idea de que somos testigos (sujeto y objeto) de una fractura ‘dentro’ de la
modernidad, la cual se desprende de los contornos de la sociedad industrial clásica y acuña una nueva figura, a la que
aquí llamamos ‘sociedad (industrial) del riesgo’”.57
Os fatores primários de produção e troca (dinheiro, tecnologia, pessoas e bens), comportam-se cada vez mais à
vontade num mundo acima das fronteiras nacionais. Com isso, é cada vez menor o poder que tem o Estado-nação de
regular estes fluxos e impor sua autoridade sobre a Economia.58 Juntamente com a expansão das empresas, corporações
e conglomerados transnacionais, articulada com a nova divisão transnacional do trabalho e a emergência das “cidades
55 FARIA COSTA, José Francisco de (Coord.) Temas de direito penal econômico. Coimbra: Ed. Coimbra, 2005, p. 257.
56 PERUCHIN, Vitor Antônio Guazzelli. O crime de evasão de divisas: dificuldades definitoriais e de con-trole. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais)
– Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 83.
57 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998, p. 16.
58 HARDT, Michael; NEGRI, Antônio. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 11. A tese marcante da obra é que a globalização e informatização dos
mercados mundiais, desde o fim dos anos 1960, levaram um declínio progressivo na soberania dos estados-nação e a emergência de uma nova forma
de soberania, composta por séries de organismos nacionais e supranacionais unidos sobre uma única regra lógica de governo. Esta nova forma global de
soberania é o que os autores chamam “Império”. Esta mudança repre-senta a “subordinação real da existência social pelo capital”.
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globais”, o Estado começa a ser obrigado a compartilhar ou aceitar decisões e diretrizes provenientes de centros de poder
regionais e mundiais.59
As relações de poder estariam deslocando, progressivamente, as instâncias primordiais de mando para níveis
supranacionalizados de institucionalidade. Agências como FMI, BIRD, OMC, e outras tantas situadas no mesmo plano de
articulação, passam a ser referências de coordenação do sistema global, preenchendo funções que cabiam tradicionalmente
aos Estados nacionais.60
Milton Santos observa que o discurso que propugna um Estado mínimo decorre da necessidade dos condutores da
globalização de um Estado flexível a seus interesses. Não é que o Estado se ausente ou se torne menor; ele apenas se omite
quanto ao interesse das populações, e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante.61
Com o nítido enfraquecimento regulatório do Estado-nação, este perde sua característica de Estado-providência e
passa a cumprir uma função de contenção dos eventuais dissensos sociais que possam surgir neste contexto “explosivo”.
Desenha-se no horizonte um “Estado de prevenção ou de segurança”. Uma vez o Estado ausente na função de prover as
estruturas mínimas para o desenvolvimento harmônico da sociedade, esta clama por uma maior proteção.
O terreno é fértil para o surgimento de toda sorte de clamor social por uma maior intervenção estatal na área de
segurança, terreno suficientemente adubado para o florescimento de um cenário repressor, utilizando-se, primordialmente,
do Direito Penal como resposta.62
8. O Direito Penal global
Por possuir um enorme grau de diferenciação, a sociedade atual alcançou um nível inédito de integração e coesão.63
59 IANNI, Octavio. Globalização: Novo paradigma das ciências sociais. Revista Estudos Avançados, Insti-tuto de Estudos Avançados da USP, São Paulo, v.
8, n. 21, p. 147-163, 1994, p. 17
60 MELLO, Alex Fiuza de. Marx e a globalização. São Paulo: Boitempo, 1999, p. 253.
61 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 66.
62 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada cit., p. 324.
63 GIDDENS trata deste “estreitamento dos vínculos sociais” como reflexo da criação de espaços de difícil controle e monitoramento na vida social, por
ele denominados de “sistemas abstratos” ou “sistemas peritos”, isto é, redes técnicas e de saber das quais todos dependemos nos dias atuais (bancos,
provedores de internet, sistemas de informação diversos etc.) e que são caracterizadas por se situarem em espaços geográficos diferentes daqueles
ocupados por seus usuários e, ainda, por serem operados por “peritos”. Por conta da organização atual da sociedade, todos dependem da ação idônea
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Afinal, o viver de cada cidadão é, cada vez mais, um viver como “cidadão do mundo”. No que diz respeito às normas,
o que se percebeu na contemporaneidade foi uma expansão das condutas geradoras de riscos e uma resposta igualmente
expansiva do Direito Penal,65 em vez de uma superação progressiva do Direito repressivo.66
64
A realidade jurídico-penal da globalização é a do pluralismo jurídico (legal pluralism)67 ou “interlegalidade”, uma
multiplicidade de ordens jurídicas e da combinação entre elas, diante do que “Rather than being ordered by a single legal
order, modern societies are ordered by a plurality of legal orders inter-related and socially distributed in diferent ways”.68
Não interessa mais ao Direito a estática de um determinado ordenamento, e sim a dinâmica do processo de intercâmbio
entre ordens de diferentes escalas, que se influenciam mutuamente e conduzem a novos agentes, formas, orientações e
conteúdos da legislação penal. Silva Sánchez, ao dimensionar o fenômeno da globalização no Direito Penal, adverte que
“A globalização política e cultural provoca, como indicado anteriormente, uma tendência no sentido de
universalização do direito, também do Direito penal. (...) Vale dizer: a tendência no sentido da universalização e a
maior homogenização cultural poderia expressar-se em uma maior restrição ou em uma expansão do Direito Penal. A
globalização política está se manifestando, de momento, somente em intentos de proceder a uma aplicação extraterritorial
de leis estatais, com o fim de desconsiderar as disposições de isenção ou extinção da responsabilidade penal ditadas
pelos Estados em cujo território se cometeu o delito”.69
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destes “peritos” e podem, potencialmente, ser afetados pela sua ação ilícita, ou seja, as consequências das atitudes lesivas eventual-mente cometidas
por alguns destes profissionais terão resultados negativos em grande escala (GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp,
1991, p. 88 e ss.).
VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Cooperação judiciária em matéria penal no âmbito do terrorismo. Sistema penal & violência, Porto Alegre, PUC-RS,
v. 5, n. 1, p. 73-92, jan.-jun. 2013, p. 75.
Há quem afirme, no entanto, que a globalização não contribui diretamente à expansão do Direito Penal, mas justamente o contrário. A globalização tende
à desregulação de mercados e políticas e, com isso, tende a substituir o Direito Penal. A globalização produz um questionável intervencionismo estatal
diante de sujeitos e modalidades de conduta que perturbam o funcionamento dos mercados globalizados como, por exemplo, a imigração ilegal de pessoas
(VOGEL, Joachim. Derecho penal y globalización cit., p. 113).
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lavagem de dinheiro e advocacia: uma problemática das ações neutras. Boletim IBCCRIM, São Paulo:
IBCCRIM, ano 20, n. 237, p. 13-14, ago. 2012.
Sobre a internacionalização do Direito Penal ver AMBOS, Kai. Lavagem de dinheiro e direito penal. Trad. notas e comentários de Pablo Rodrigo Alflen da
Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007.
“Ao invés de ser ordenadas por uma única ordem jurídica, as sociedades modernas são ordenados por uma pluralidade de ordens jurídicas inter-relacionados
e socialmente distribuídas de maneiras diferen-tes.” (Tradução Livre) (SANTOS, Boaventura de Sousa. Toward a New Common Sense: Law, Science and
Politics in the Paradigmatic Transition. Nova Iorque: Routledge, 1998).
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: RT, 2002. v. 11, p.
102-103.
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Não se pode mais negar a influência de determinados Estados sobre a legislação de outros, especialmente das
pressões norte-americanas sobre outros países. Materialmente, a nova legislação frequentemente se refere a campos de
criminalidade em que se percebe um perigo para o Estado, a economia e a sociedade.70
Tem-se afirmado que a política criminal estadunidense é a mais influente em escala planetária. Nos EUA, surgiram
as principais tendências em termos de Direito Penal das últimas décadas, como a criminalidade empresarial, o retorno
ao retributivismo (just desert), o endurecimento das penas privativas de liberdade (sentencing schemes), o agravante por
reincidência (three strikes and you are out) e a flexibilização da responsabilidade penal dos menores (you do adult crime,
you do adult time). Na parte especial, a legislação norte-americana foi responsável pela concepção de diversos novos
delitos concernentes ao Direito Penal Econômico, Direito Penal Informático, combate à criminalidade organizada, ao
tráfico de drogas, à lavagem de dinheiro, à corrupção, aos crimes sexuais e, principalmente, ao terrorismo.
Nos anos 1990, o fim da Guerra Fria levou a um novo ambiente de segurança global, marcado pelo maior foco nas
guerras internas do que nas guerras entre Estados. No início do século XXI surgiram novas ameaças globais. Os ataques
de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos foram uma clara demonstração do desafio do terrorismo internacional,
enquanto eventos posteriores aumentaram a preocupação com a proliferação de armas nucleares e os perigos de outras
armas não convencionais. A exacerbação criminal catapultada pela globalização, comunicacionalmente (mais) afirmada
pelo fenômeno terrorista consciencializou-nos para a desterritorialização do crime e da segurança.71
Estas influências se produzem no plano político,72 mediante contatos informais entre corpos de política, organismos
de governo e políticas, mas também por meio de pressão diplomática aberta, mediante tratados internacionais dos quais
os EUA são signatários e, ultimamente, por intermédio de resoluções do Conselho de Segurança da ONU.73 A propósito
desta “internacionalização do Direito Penal”, no sentido de unificação legislativa, Sotomayor Acosta afirma que
70 VOGEL, Joachim. Derecho penal y globalización cit., p. 119.
71 Para VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Cooperação judiciária em matéria penal no âmbito do terro-rismo. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre,
PUC-RS, v. 5, n. 1, p. 73-92, jan.-jun. 2013, p. 76, “A assumpção de que a criminalidade transnacional não tem local fixo quer nos factos quer nos efeitos
é incrementada na lógica do terrorismo. Os actos terroristas praticados em Londres – 7 de julho de 2005 – não se esgotam nesta cidade: da preparação
à execução existem vários locais e vários Estados da União Europeia e Estados terceiros. Este pensar aplica-se ao 11 de março de 2004: atentados de
Atocha. Muito mais se aplica ao 11 de setembro de 2001: actos terroristas de nível transnacional”.
72 VOGEL, Joachim. Derecho penal y globalización cit., p. 118.
73 Um bom exemplo desta pressão internacional é a “Declaração sobre Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional” aprovada pela Assembleia Geral
da ONU em 1995 (UNITED NATIONS. Measures To Eliminate International Terrorism, A/RES/49/60, 17 fev. 1995, Disponível em: <http://www.un.org/ga/
search/view_doc.asp?symbol=A/RES/49/60>. Acesso em: 13 abr. 2013.)
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“(…) en el contexto del mundo globalizado actual es innegable que las transformaciones que se producen en los
países centrales tienen repercusiones en los países periféricos. Hoy un número cada vez más creciente de decisiones
políticas (y por supuesto también político-criminales) se producen en los países centrales, desde donde se orientan o
se imponen a los países periféricos, en consonancia con la concentración de poder político general y económico de los
primeros. Esta situación está dando lugar al fenómeno de la internacionalización del Derecho penal, que se refleja sobre
todo en la creciente tendencia a la unificación legislativa. Con ello no se quiere decir que ahora sí, en el contexto de la
globalización, resulta legítimo trasladar tales doctrinas y debates, sin más, pues está claro en todo caso que aunque las
normas pudieran tener formalmente la misma cara o al menos caras parecidas, los resultados de su implementación en
uno y otro contexto serán siempre muy diferentes, pues dicha unificación legislativa tiene lugar a partir de realidades muy
diferentes y unas relaciones de poder claramente desiguales entre los países”.74
Como antevisto, os riscos provenientes do mundo globalizado geram a expropriação do próprio Estado, o qual não
tem recursos suficientes nem liberdade de manobra para suportar a pressão. Diante deste repentino descontrole gerado,
dentre outros fatores, pelo aparecimento de novos riscos e agravamento dos já existentes, o Estado passou a utilizar-se
do maior instrumento de repressão que possui – o Direito Penal –, com o objetivo de controlar os riscos provenientes da
ação humana, através da coibição de comportamentos não necessariamente lesivos, porém que possam retratar um risco
de lesividade iminente.
Torna-se extremamente difícil referenciar o Direito Penal com objetivos de política criminal, sem ter em conta
a enorme complexidade no âmbito das ciências sociais, pelo que não é estranho que se opte por deixar de lado essas
referências e se prefira voltar-se a construções dedutivas de feição kantiana ou hegeliana, ainda que isso se leve a cabo por
meio da radicalização do pensamento sistêmico em Sociologia (Jakobs) ou da assunção direta da ética idealista (Köhler).75
A mundialização afetou a criminalidade tanto em sua extensão como em sua estrutura e forma de aparição. Para
fazer frente à “criminalidade da globalização”, o sistema penal tem que adaptar-se aos novos tempos. Os efeitos da
globalização na delinquência se refletem na Dogmática Penal, nos modelos funcionalistas, no Direito Penal simbólico76
74 SOTOMAYOR ACOSTA, Juan Oberto. ¿El Derecho penal garantista en retirada? Revista Penal, Medellín, Colombia, n. 21, p. 148-164, jan. 2008, p. 154.
75 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La globalización… cit., p. 78.
76 Para: BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle do crime organizado na sociedade contemporânea: da crise do modelo liberal às tendências
de antecipação da punibilidade e flexibilização das garantias do acusado. In: CARVALHO, Salo de (Org.). Leituras constitucionais do sistema penal
contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 263-264, os novos crimes, as penas majoradas, a flexibilização de garantias e princípios, os novos
métodos de investigação (não raramente de questionável constitucionalidade) estão inseridos no discurso de que “algo precisa ser feito”, e não possuem
um caráter “prático”, como desejado por não poucos políticos, juristas e formadores de opinião (independentemente das consequências daí advindas).
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e no Direito Penal do inimigo. “Las leyes penales son uno de los medios preferidos del estado espectáculo y de sus
operadores ‘showmen’, en razón de que son baratas, de propaganda fácil y la opinión se engaña con suficiente frecuencia
sobre su eficacia. Se trata de un recurso que otorga alto rédito político con bajo costo. De allí la reproducción de leyes
penales, la descodificación, la irracionalidad legislativa y, sobre todo, la condena a todo el que dude de su eficacia”.78
77
Não há dúvidas de que o processo de globalização influencia também na extensão universal dos direito humanos
como valor fundamental do Estado liberal e das democracias ocidentais. Isso tem determinado que os sistemas penais de
diferentes culturas e civilizações assimilem um âmbito comum de comportamentos humanos que se deseja proibir e castigar.
Todavia, a transnacionalização dos direitos fundamentais e sua permeabilização nas distintas culturas e civilizações tem
determinado uma nova compreensão dos mesmos, que não pode ser interpretada exclusivamente em sua visão original,
mas deve ser contemplada perante um consenso sobre suas principais bases, desde uma perspectiva intercultural.79
Nesse sentido, Christian Tomuschat vincula a extensão dos direitos humanos aos efeitos da globalização. Com
efeito, o professor emérito de Direito Internacional Público da Universidade Humboldt de Berlim entende que, no mundo
das modernas tecnologias e das comunicações internacionais sem fronteiras, nenhuma civilização pode exilar-se sem ser
afetada por influências externas,80 inclusive do Direito Internacional Penal.
A consequência dogmática desta alteração global é que o Direito Penal deixou de se orientar apenas pela legalidade,
e passou a definir-se também pela constitucionalidade (Direito Penal Constitucional) e pelo sistema universal de direitos
humanos. Tornou-se um lugar comum dizer que o Direito Penal é um “instrumento de efetivação dos direitos humanos”,
mas isso tem sido levado à risca pela jurisprudência das Cortes Internacionais, quando “recomendam” que os juízes, em
virtude de suas posições de “garantes” dos direitos humanos, passem a realizar um controle de legalidade (conformação
com a lei), constitucionalidade (conformação com a Constituição), mas, sobretudo, de convencionalidade (conformação
com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos).81
O “Direito Penal da globalização” revela uma pretensão social e política de valorar como merecedor de proteção
bens jurídicos relevantes para a coexistência social. Nada obstante, existem dúvidas sobre a eficácia real da aplicação da
77 BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Globalización y concepciones… cit., p. 141.
78 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Globalización y sistema penal en America Latina: de la seguridad nacional a la urbana. A legislação brasileira em face do crime
organizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 5, n. 20, p. 13-23, out.-dez. 1997, p. 19-20.
79 BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Globalización y concepciones… cit., p. 199-200.
80 TOMUSCHAT, Christian. Human rights: Between Idealism and Realism. Padstow, Reino Unido: Oxford University Press, 2003, p. 83.
81 Disciplina Direito Penal em Perspectiva ministrada pelo Prof. Dr. Guillermo Yacobucci em 28 maio 2013 no âmbito do Programa de Pós-graduação em
Ciências Criminais da PUC-RS, Porto Alegre.
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lei penal em certos âmbitos, pois frequentemente se utiliza a elaboração de medidas punitivas como mero instrumento,
conjuntural e político, para tranquilizar inquietudes, inseguranças e, até mesmo, a consciência de certo setor da população.82
Impõe-se globalmente o Direito Penal simbólico como tendência à utilização de reformas penais como meio de frear
o alarde social originado de determinados surtos de criminalidade (muitas vezes exagerados artificialmente pela mídia) ou
como mecanismo para satisfazer as demandas de consciência de amplos setores sociais.83
As principais tendências de política criminal no contexto contemporâneo seriam a descriminalização dos chamados
“crimes antiglobalização” (descaminho, evasão de divisas etc.); globalização da política criminal, especialmente no que
tange à criminalidade transnacional; globalização da cooperação policial e judicial, mediante tratados ou acordos de
cooperação bilaterais ou multilaterais; globalização da justiça criminal, com a criação do Tribunal Penal Internacional
pelo Tratado de Roma.84
Já no que diz respeito às transformações do Direito Penal, fala-se em globalização dos crimes e dos criminosos,
em razão das facilidades da globalização – livre circulação financeira, informatização – fazendo com que os crimes se
globalizem (narcotráfico, tráfico de armas, de órgãos humanos, corrupção internacional); a globalização dos bens jurídicos,
traduzindo a ideia da sociedade de risco, como a ecologia, genética, segurança nas comunicações; a globalização das
vítimas, no sentido de que da vítima individual passou-se a ter a vítima coletiva, e, em alguns casos, a vítima planetária
(como nos casos de delitos ambientais, vírus na informática etc.); a globalização da explosão carcerária; a globalização
da desformalização da justiça penal, reduzindo garantias penais e processuais, para que o sistema seja mais eficiente; a
hipertrofia do Direito Penal, pela inflação legislativa.85
10. Considerações finais: as consequências
É inegável que o Direito Penal globalizado afasta-se dos princípios jurídico-penais tradicionais, o que constitui
uma dolorosa erosão da herança cultural ocidental. No desenvolvimento da globalização há fenômenos de adaptação e
equiparação, perdendo-se parâmetros de direitos e peculiaridades de distintas culturas jurídicas.86
82
83
84
85
86
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BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Globalización y concepciones… cit., p. 177.
Idem, ibidem, p. 204-205.
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, A. O direito penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002, p. 19-22.
Idem, ibidem, p. 22-26.
VOGEL, Joachim. Derecho penal y globalización cit., p. 113.
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Da mesma forma que as mudanças já mencionadas permitiram o crescimento econômico e social das nações,
facilitaram também a internacionalização do crime, tornando obsoletos os mecanismos tradicionais para o seu
enfrentamento. A legislação adjetiva e substantiva penal dos países e as regras de cooperação jurídica internacional não
responderam imediatamente e, na mesma profundidade, a esse novo ambiente.87
“(...) se todo o comportamento, quer individual, quer coletivo, está inexoravelmente determinado pelo fenômeno da
globalização, então, os comportamentos criminais, também eles não podem deixar de ser determinados por essa mesma
realidade.”88
Constata-se, nesta linha, a dificuldade do Estado em conduzir sua Administração, nos mais variados aspectos. Isso
fatalmente acaba refletindo sobre o Direito Penal, fazendo com que sua utilização como instrumento regulador não ofereça
resposta condizente e eficaz aos anseios políticos, econômicos e sociais.89
Então, este “Direito Penal da globalização” caracteriza-se, em última análise, pela maximização da intervenção
punitiva estatal. É um Direito Penal de feição “eficientista” ou “expansionista”, para o qual a defesa de uma “segurança
interior” torna-se o foco central.90
Nada obstante, conquanto a criminalidade tem sido efetivamente modificada pela globalização, não se pode afirmar
que isso resultou na criação de uma criminalidade global.91 Possivelmente, a globalização tem modificado não só a
realidade da criminalidade, mas a própria percepção de determinadas formas de criminalidade, que são consideradas um
problema global, embora, por si mesmas, não tenham dimensão global (“global concern over local crime”).92
Já há algum tempo, graves violações de direitos humanos ou do Direito Internacional Humanitário são concebidas
como um problema da comunidade de todos os povos. Afirma-se, com frequência, que são os crimes mais graves que a
87 RODRIGUES, Antonio Gustavo. O COAF e as mudanças na Lei 9.613/1998. Boletim IBCCRIM, São Paulo: IBCCRIM, ano 20, n. 237, p. 14-15, ago. 2012.
Segundo o autor, a resposta político-criminal internacional começou a surgir no final dos anos 80 do século passado, com a Convenção das Nações Unidas
contra o Tráfico de Drogas (Convenção de Viena).
88 FARIA COSTA, José de. O fenômeno da globalização e o direito penal econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, a. 9, v. 34, p.
09-25, abr.-jun. 2001, p. 11.
89 PERUCHIN, Vitor Antônio Guazzelli. O crime de evasão de divisas: dificuldades definitoriais e de con-trole. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais)
– Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p. 101.
90 VELÁSQUEZ V., Fernando. Globalización y derecho penal. In: LOSANO, Mario G./MUÑOZ CONDE, F. (Coords.). El derecho ante la globalización y el
terrorismo. Valencia: Tirant lo Blanch, p. 185-208.
91 O termo seria incorreto para designar a nova criminalidade pelo simples fato de que um delito ser co-metido em todas as partes (como, por exemplo, o furto)
ou se transmitir pelas fronteiras estatais não o tornaria global.
92 VOGEL, Joachim. Derecho penal y globalización cit., p. 115.
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Humanidade conhece. Neste sentido, são colocadas como um problema global e julgadas por uma instituição global – o
Tribunal Penal Internacional –, embora limitadas local e temporalmente.
A grande preocupação reside na conversão artificiosa de outros campos de criminalidade em “problemas globais”,
quando, em realidade, não o são. Isso ocorre, por exemplo, com a escravidão, a pirataria, o tráfico de drogas e o terrorismo,
quando são definidos como ataques à civilização ou a interesses comuns de todos os povos civilizados.93 É que, ao adjetivar
um determinado crime como global, impõe-se o estigma de algo especialmente perigoso e nocivo, que não agride apenas
a um indivíduo ou a um Estado, mas a todo o mundo.
Quanto ao controle penal, o mercado globalizado demonstra uma potencialização deste intervencionismo punitivo
frente aos sujeitos ou comportamentos que estima desviantes.94 O Estado caminha para a criminalização total das mais
variadas condutas, atingindo, notadamente, as camadas mais marginalizadas da população.95
O Direito Penal brasileiro, mais especificamente, com sua índole extremamente intervencionista, não denotando
a área de significado da violência – confundindo-a com criminalidade e colocando-a como um desígnio a ser repelido
com estratégias de combate, de forma a aplacar o sentimento individual e social de insegurança – tem sistematicamente
acatado os preceitos da globalização, transmudando-se em um Direito Penal notadamente “promocional” e “simbólico”,
de aparente, mas ilusória, “eficácia”.96
Ao combinar o adiantamento da tutela penal com a configuração de novos bens jurídicos e a flexibilização das
estruturas e princípios do Direito Penal consubstanciados pelo Estado de Direito, o “Direito Penal da globalização” acaba
por ampliar demasiadamente o modelo de imputação amparado na ideia de dano ou lesão, criando, assim, um Direito
preventivo simbólico, ineficaz e contraproducente, por falta de autoridade e legitimidade.97
Enfim, a par de ser um movimento irreversível, a globalização conduz a uma diminuição da importância da legislação
penal e da política criminal do Estado e à consequente redução da soberania nacional, o que vai de encontro aos interesses
93 VOGEL, Joachim. Derecho penal y globalización cit., p. 116.
94 TERRADILLOS BASOCO, Juan Maria. El derecho penal de la globalización: luces y sombras. In: HER-NÁNDEZ, Capella (Coord). Transformaciones del
derecho en la mundialización. Madrid, 1999, p. 215.
95 Consequências derivadas do desemprego, da imigração, do êxodo rural e, nos chamados países ricos, de práticas de exclusão dos imigrantes procedentes
das ex-colônias de países europeus, erigidos à condição de fatos criminosos.
96 DIX SILVA, Tadeu A. Globalização e direito penal brasileiro: acomodação ou indiferença? Revista Bra-sileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 23, p.
81-96, jul.-set. 1998.
97 BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle... cit., p. 276.
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sociais prementes, que acabam sobrepostos pela influência de algumas nações, organismos e grupos econômicos bem
organizados e com capacidade de levar adiante seus interesses egoísticos, em prol de causas específicas.
Ao que se verifica, a par do estudo científico do fenômeno da globalização, tal como hoje se apresenta, é necessária uma
reflexão que não apenas exalte seus atributos evolutivos, mas que também avalie seus aspectos negativos. Especialmente
em relação às transformações causadas ao Direito Penal, é importante refletir até que ponto essa nova realidade tem
ofuscado os objetivos primordiais da disciplina e relegado a um segundo plano o seu caráter de ultima ratio no controle
social, afastando-se, assim, cada vez mais, do núcleo essencial de preservação da dignidade da pessoa humana.
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A independência judicial e o inconsciente do julgador: um
diálogo (im)possível?
Bruno Seligman de Menezes
Mestre em Ciências Criminais (PUC-RS).
Especialista em Direito Penal Empresarial (PUC-RS).
Professor Universitário (FADISMA).
Aluno regular do Doutorado (Univ. de Buenos Aires – UBA).
Advogado.
Resumo: O presente artigo ocupa-se de aproximar os conceitos de independência e imparcialidade, dois elementos indispensáveis
à jurisdição em um processo penal democrático. Tendo como fio condutor a psicologia freudiana, e passeando pela sociologia da
administração da justiça, o objetivo foi buscar motivações escondidas dentro da decisão judicial que possam evidenciar, mesmo que
inconscientemente, a quebra da imparcialidade judicial.
Palavras-chave: Independência – Imparcialidade – Inconsciente.
Abstract: This article deals with the approaching of the independence and impartiality concepts, both essential elements to the
jurisdiction in a criminal case democratic. Having as thread Freudian psychology, sociology and strolling the administration of
justice, the goal was to seek hidden motivations within the judicial decision that may evidence, even if unconsciously, the breakdown
of judicial impartiality.
Keywords: Independence – Imparciality – Unconscious.
Sumário: I. Introdução – II. Discussão – III. Considerações finais – Referências bibliográficas.
I. Introdução
Já não mais se discute que a independência do julgador diante de fatores externos é elemento fundamental para
garantir a tão repetida imparcialidade judicial.1 Segundo Augusto Hortal Alonso, a discussão sobre a independência
1
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Cf. ALONSO, Augusto Hortal. La independencia del juez y la esfera de la justicia. In: YÁÑEZ, Miguel Grande (coord.). Independencia Judicial: Problemática
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pressupõe uma reflexão sobre atuações, mecanismos e procedimentos que possibilitem aos juízes exercerem sua atividade
com a independência necessária para prolatar decisões imparciais, justas, dando o que corresponde às partes em litígio.
Dessa forma,
“(...) de poco sirven los mecanismos, procedimentos y garantías si el juez no quiere ser independiente, si no tiene
convicción y fuerza suficiente para crer más en la justicia que se espera que imparta que en las pressiones o promesas
políticas, en los sobornos o favores económicos, en los vínculos familiares o de amistad, en la propia imagen que difundan
de él los médios, o en el apego a las modas o a las ideologias etc”.2
Não é por acaso, pois, que a representação da justiça se dê por uma balança na mão, para estabelecer equidade entre
as partes, e olhos vendados para indicar que atua sem favorecer uma ou outra parte.3 Ignacio Tedesco4 analisa a alegoria
da Justiça com muito mais profundidade, mas também reconhece a contribuição simbólica que ela acaba por exercer no
imaginário popular. Em suas palavras:
“La alegoria de la Justicia se conviritó en una imagen perfecta: mujer, sospechosa y peligrosa, armada con
una espada amenazante, con una balanza igualmente enigmática y ciega. Una Justicia imposible, una Justicia del
contrasentido en la cual se juzga con los ojos cerrados, más allá de que con ello se intente señalar que a nadie mira con
el fin de favorecerlo”.5
Este é o desafio do processo penal democrático: garantir a imparcialidade do julgador, para que a motivação do ato
decisório seja o mais independente possível. A dificuldade está exatamente na coexistência (dificilmente) pacífica entre
fatores externos e internos.
II. Discussão
Ao passo em que os critérios para afastamento do magistrado pela provável quebra de imparcialidade são claros
e objetivos (parente, amigo, inimigo, credor, devedor etc.), a motivação é um ato solitário, intimista, que, mesmo sem
2
3
4
5
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Ética. Madrid: Dykinson. 2009. p. 43: “Juzgar con justicia requiere imparcialidad. La imparcialidad requiere independencia. Sin independencia real y
buscada no hay sino parcialidad; sin imparcialidad para juzgar los casos conforme a la ley ante la que todos somos supuestamente iguales no hay justicia”.
ALONSO, Augusto Hortal. La independencia... p. 39.
Idem, ibidem, p. 47-48.
TEDESCO, Ignacio. El acusado en el ritual judicial: Ficción e imagen cultural. Buenos Aires: Del Puerto. 2007. p. 238-240.
Idem, ibidem, p. 240.
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parecer, pode estar viciado por alguma influência subjetiva. A rigor, o vocábulo motivação designa “aquellos factores o
determinantes internos más que externos al sujeto, que desde dentro le incitan a la acción”.6
Não se pode pretender compreender a influência de fatores inconscientes em atitudes pretensamente conscientes
(racionais) sem a necessária intersecção com a psicanálise.7 Sigmund Freud relata que ao longo da história da humanidade,
os homens foram feridos três vezes, atingindo, em cada uma delas, a imagem que os homens tinham de si próprios, como
seres conscientes e racionais, o narcisismo.
A primeira ferida é atribuída a Nicolau Copérnico, quando provou que a Terra não estava mais no centro do Universo,
e que os homens não eram o centro do mundo. A segunda, quem causou foi Charles Darwin, ao provar a descendência
humana dos primatas, sendo um elo de uma evolução das espécies, e não mais criaturas feitas à imagem e semelhança de
Deus. Por fim a terceira ferida foi causada pelo próprio Sigmund Freud quando, por meio da psicanálise, demonstrou que
a consciência é a menor e mais fraca parte da estrutura psíquica.8
David Zimerman se vale da metáfora de um iceberg para explicar a relação consciente x inconsciente. A parte visível
do iceberg seria o consciente, facilmente identificável, ao passo em que a parte oculta equivaleria ao inconsciente. O
efeito devastador para navios pode ser comparado ao efeito devastador que o inconsciente exerce nas vidas de psicóticos,
psicopatas, neuróticos, e de quem os rodeia.9 Sobre isso, importante é a lição de Sigmund Freud:
“‘Estar consciente’ é, em primeiro lugar, um termo puramente descritivo, que repousa na percepção do caráter
mais imediato e certo. A experiência demonstra que um elemento psíquico (uma ideia, por exemplo) não é, via de regra,
consciente por um período de tempo prolongado. Pelo contrário, um estado de consciência é, caracteristicamente, muito
transitório; uma ideia que é consciente agora não o é mais um momento depois, embora assim possa tornar-se novamente,
em certas condições que são facilmente ocasionadas. No intervalo, a ideia foi... Não sabemos o quê. Podemos dizer que
esteve latente, e, por isso, queremos dizer que era capaz de tornar-se consciente a qualquer momento. Ora, se dissermos
6
7
8
9
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PINILLOS, José Luis. Principios de psicologia. 23. reimp. Madrid: Alianza Universidad. 2010. p. 503.
Para COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O estrangeiro do juiz ou o juiz é o estrangeiro. In: COUTI-NHO, Jacinto Nelson de Miranda. Direito e
psicanálise: interseções a partir de “O estrangeiro” de Albert Camus. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2006, p. 69: “Sigo com uma grande preocupação em
relação à interseção Direito-Psicanálise; e não pelo imenso prazer que as novas fronteiras abrem, passo a passo, dando sabor e cor àquilo que, desgastado,
tem-se mostrado “sem tudo”; mas porque, cada vez mais é possível afirmar que o Direito não tem salvação sem as luzes do discurso psicanalítico”.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática. 2012, p. 209.
ZIMERMAN, David. Uma resenha simplificada de como funciona o psiquismo. In: ______; COLTRO, Antônio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos
na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Mil-lennium. 2010, p. 118.
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que era inconsciente, estaremos também dando uma descrição correta dela. Aqui ‘inconsciente’ coincide com ‘latente e
capaz de tornar-se consciente’”.10
O conceito de inconsciente, para Sigmund Freud, nasce da teoria da repressão. O reprimido seria o protótipo do
inconsciente, que se dividiram em dois tipos, um latente, capaz de se tornar consciente, e outro reprimido, muito mais
difícil de se tornar consciente, por si próprio. Assim, surgiram três denominações, consciente (Cs.), pré-consciente (Pcs.),
o latente, e inconsciente (Ics.), o reprimido. No sentido descritivo, há dois tipos de inconsciente, mas no sentido dinâmico,
apenas pré-consciente tem capacidade de se tornar consciente.11
Essa diferenciação entre três categorias, embora fosse uma importante transformação na busca de compreensão
do aparelho psíquico, não foi suficiente. Sigmund Freud identificou algumas incompletudes na totalização daqueles
conceitos.12
O psicanalista austríaco13 reconheceu a insuficiência de a discussão limitar-se à análise consciente ou inconsciente,
principalmente por conduzir a percepções ambíguas. Diz Sigmund Freud que “só podemos vir a conhecer, mesmo o Ics.,
tornando-o consciente”.14 A partir disso é que David Zimerman lembra que o lema da psicanálise, por muito tempo, foi
o de “tornar consciente tudo aquilo que for inconsciente”, que, após a teoria estrutural, foi mudado para “onde houver id
e superego, o ego deve ficar”.15
O papel que o inconsciente exerceu como contraponto a uma razão cartesiana, fetiche da modernidade, é exaltado
por Salo de Carvalho. Diz que a razão, “reduto da superioridade humana”, foi destronada pelo inconsciente, na medida
em que “a consciência deixa de ser soberana na estrutura psíquica do indivíduo e o eu é alijado de sua autonomia”.16
10 FREUD, Sigmund. O ego e o id. In: ______. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 2006. vol.
XIX, p. 27-28..
11 Idem, ibidem, p. 28-29.
12 Cf. FREUD, Sigmund. Ibidem, p. 31: “Reconhecemos que o Ics. não coincide com o reprimido; é ainda verdade que tudo o que é reprimido é Ics., mas
nem tudo o que é Ics. é reprimido. Também uma parte do ego – e sabem os Céus que parte tão importante – pode ser Ics., indubitavelmente é Ics. E esse
Ics. que pertence ao ego não é latente como o Pcs., pois, se fosse, não poderia ser ativado sem tornar-se Cs., e o processo de torná-lo consciente não
encontraria tão grandes dificuldades. Quando nos vemos assim, confrontados pela necessidade de postular um terceiro Ics., que não é reprimido, temos
de admitir que a característica de ser inconsciente começa a perder a significação para nós”.
13 Nascido em Příbor, cujo nome em alemão é Freiberg in Mähren, à época pertencente ao Império Aus-tríaco, hoje a pequena cidade pertence à República
Tcheca.
14 FREUD, Sigmund. O ego e o id... cit., p. 33.
15 ZIMERMAN, David. Uma resenha... cit., p. 118
16 CARVALHO, Salo de. A ferida narcísica do direito penal: crítica criminológica à dogmática jurídico-penal. In: CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia.
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Gabriel Antinolfi Divan, no mesmo sentido, aponta que Sigmund Freud conseguiu enxergar para além de um ser
humano progressista e iluminado pela razão, mas sobretudo um novo ser, agora “habitante de um campo dotado de poder
de fala, e conceitualmente ignorado pela imagem subjetiva que se tinha até então”.17 Nesse novo ser, “residiria um novo
desenho de sujeito, afetado por um panorama sombrio”.18 A conclusão sobre essa ruptura com o sujeito cartesiano deriva
da própria lição de Sigmund Freud, ao pontuar que para aqueles que tem uma educação baseada na filosofia, “a ideia de
algo psíquico que não seja também consciente é tão inconcebível que lhes parece absurda e refutável simplesmente pela
lógica”.19
O inconsciente20 funciona como uma “usina geradora de pulsões”,21 porque é dentro dele que reside o id, servindo
como refúgio para todos os recalcamentos, repressões que o consciente não tolera. A noção de felicidade, para Sigmund
Freud, apresenta-se como uma “satisfação repentina de necessidades altamente represadas”.22
A civilização e a própria existência humana, como indivíduo inserido socialmente, somente são explicadas a partir
do gasto de energia para conter os impulsos primitivos de violência e satisfação de desejos prazerosos a qualquer custo.23
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 80.
DIVAN, Gabriel Antinolfi. Decisão judicial nos crimes sexuais: o julgador e o réu interior. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 85.
Idem, ibidem, p. 85.
FREUD, Sigmund. O ego e o id... cit., p. 27.
Para ZIMERMAN, David. Uma resenha... cit., p. 117-118: “Freud, ao longo de sua obra, estabeleceu em épocas sucessivas, três teorias do funcionamento
psíquico: a primeira ele denominou como traumática, partindo do pressuposto de que as neuroses resultavam de uma repressão de traumas realmente
sofridos (suas pacientes histéricas alegavam que tinham sido precocemente seduzidas pelos respectivos pais); a segunda é a teoria topográfica (em
grego: topos), que então considerava o psiquismo como composto de três lugares: o consciente, o pré-consciente (ou subsconsciente) e o inconsciente;
e o terceiro e definitivo modelo, que é a teoria estrutural, em que ele concebeu uma mente mais dinâmica e não tão estática como a topgráfica anterior, e
considerou três instâncias psíquicas: o id, ego e superego, onde as pulsões provindas do id encontravam uma barreira nos mecanismos defensivos do ego
e também da vigilante e às vezes tirânica censura do superego. Assim, o ego é a zona mais nobre do psiquismo, pois ele exerce uma função de mediador
entre as cargas de desejos proibidos demandados pelo id, as proibições exageradas do superego e a realidade exterior”.
21 ZIMERMAN, David. Uma resenha... cit., p. 118.
22 Para FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011, p. 20: “Aquilo a que chamamos ‘felicidade’,
no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno
episódico. Quando uma situação desejada pelo princípio do prazer tem prosseguimento, isto resulta apenas em um morno bem-estar; somos feitos de
modo a poder fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado. Logo, nossas possibilidades de felicidade são restringidas por nossa constituição.
É bem menos difícil experimentar a infelicidade”.
23 DIVAN, Gabriel Antinolfi. Decisão judicial... cit., p. 85.
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Conforme Sigmund Freud, a satisfação irrestrita de todas as necessidades é a forma mais tentadora de se conduzir a vida,
mas “significa pôr o gozo à frente da cautela, trazendo logo o seu próprio castigo”.24
As diferenças fundamentais entre id e ego apresentam-se no fato de que o id é povoado pelo princípio do prazer,
imperando os instintos, as paixões, enquanto que o ego busca uma afirmação do princípio da realidade, fazendo reinar
a percepção, por meio da razão e do senso comum.25 O ego busca ordenar os processos mentais segundo uma ordem
temporal, submetendo-os a um teste de realidade, na intenção de sujeitar o id, sendo que por vezes fica dele refém.26
Como resultado de uma fase sexual dominada por um complexo de Édipo completo,27 surge o superego como “um
precipitado no ego, consistente dessas duas identificações unidas uma com a outra de alguma maneira”.28 Entretanto,
Sigmund Freud adverte que o superego não é só esse depósito das escolhas objetais primitivas do id, mas também uma
energia reativa a essas escolhas, tendo a missão de reprimir o complexo de Édipo. Ele é fruto, fundamentalmente, de dois
fatores, um biológico e outro histórico. O primeiro se funda na duração prolongada do desamparo e dependência de sua
infância, no homem, ao passo em que o segundo se dá, a partir da repressão de seu complexo de Édipo, que se vincula
24 FREUD, Sigmund. O mal-estar... cit., p. 21.
25 FREUD, Sigmund. O ego e o id... cit., p. 38-39.
26 Cf. FREUD, Sigmund. O Ego e o Id... 67-69: “Mediante seu trabalho de identificação e sublimação, ele ajuda os instintos de morte do id a obterem controle
sobre a libido, mas, assim procedendo, corre o risco de tornar-se objeto dos instintos de morde e de ele próprio perecer. A fim de poder ajudar desta
maneira, ele teve que acumular libido dentro de si; torna-se assim o representante de Eros e, doravante, quer viver e ser amado”.
27 O complexo de Édipo descrito por Sigmund Freud vai muito além da identificação do filho com a mãe, e da filha com o pai, e da consequente relação
ambivalente com o genitor de mesmo sexo. O psicanalista austríaco aponta que por conta dessas circunstâncias, a dissolução do complexo de Édipo
consolidaria a masculinidade no caráter do menino e a feminilidade no da menina. Entretanto, isso não soaria natural, na medida em que, a partir de suas
próprias conclusões, quando uma pessoa tem de abandonar um objeto sexual, muito frequentemente ocorre uma alteração do seu ego que se explica pela
instalação do objeto dentro do ego, como na melancolia. Assim, a eliminação do objeto sexual (p. ex. a mãe, no caso do menino), não deveria despertar a
masculinidade, mas sua feminilidade. Sigmund Freud anota que esta solução alternativa até pode ocorrer, sendo mais frequente em meninas. Isso levaria
à conclusão que é a força reativa das disposições sexuais masculina ou feminina que determina o desfecho da situação edipiana, sendo a bissexualidade
uma das decorrências do complexo de Édipo. Dessa forma, o complexo de Édipo simples é mais didático, mas menos verdadeiro, na medida em que a
bissexualidade presente na criança faz com que ele seja dúplica, positivo e negativo. A par disso, nem sempre o menino tem uma atitude ambivalente
com o pai e uma escolha objetal afetuosa com a mãe, podendo se comportar como menina e inverter os papéis, existindo, pois, um complexo de Édipo
positivo numa extremidade, e outro negativo noutra. Na dissolução do complexo, as quatro tendências (duas relações afetuosas e duas ambivalentes,
uma positiva e outra negativa em cada) tenderão a agrupar-se e provocar uma identificação materna e outra paterna, cada uma preservará a relação
de objeto pertencente ao complexo positivo, e substituirá a relação pertencente ao complexo invertido. A intensidade das duas identificações refletirá a
preponderância de uma ou de outra das disposições sexuais na criança. Nesse sentido: FREUD, Sigmund. O ego e o id... cit., p. 44-46.
28 FREUD, Sigmund. Ibidem, p. 47.
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com a interrupção do desenvolvimento da libido pelo período de latência, e acaba por provocar um início bifásico na vida
sexual do homem.29
O superego, portanto, herdeiro direto do complexo de Édipo, comporta os impulsos mais poderosos e as maiores
dificuldades libidinais do id. Por meio dele se desenvolve um elemento que se manifesta presente na maioria das religiões:
um autojulgamento que admite que o ego não alcança seu ideal, produzindo um sentimento de humildade muito frequente
no crente. Ao passo em que a criança cresce, o papel do pai é transferido ao professor e a outras pessoas em situação de
autoridade, de modo que suas atribuições e proibições seguem vivas no superego, e continuam a exercer uma censura
moral, sob a forma de consciência. Quando a consciência conflita com o agir concreto do ego, surge o sentimento de
culpa.30
Sigmund Freud aponta que a religião, a moralidade e o senso social têm uma origem comum no lado superior do
homem. No superego, portanto. As duas primeiras originam-se na tentativa de dominar o complexo de Édipo, e a última
na necessidade de superar a rivalidade remanescente.31
A ideia de um sentimento social é muito bem explicado utilizando as denominações de totem e tabu,32 a partir
de onde se pode compreender psicanaliticamente a ideia do crime, e, principalmente, os meandros da jurisdição. Para
Sigmund Freud, totem é um antepassado comum de um clã. Pode ser um animal, um vegetal, ou um fenômeno natural,
com relação ao qual os integrantes do clã têm uma obrigação de não matar e nem destruir seu totem, recaindo sanções
para as violações às proibições impostas. Essa relação peculiar faz do totem um instinto de proteção para evitar a quebra
do tabu.33
O tabu é uma proibição primitiva, imposta à força e dirigida a desejos poderosos dos seres humanos. O anseio
de violá-lo reside no inconsciente do indivíduo.34 Sobre ele, age a consciência, elemento inato ao superego, com toda a
percepção interna da rejeição a um desejo, e consequente sentimento de culpa a ela inerente,35 fazendo com que o tabu
exerça uma tentação, mas ao mesmo tempo provoque sua obediência.
29
30
31
32
FREUD, Sigmund. O ego e o id... cit., p. 44.
Idem, ibidem, p. 49.
Idem, p. 49-50.
FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. In: ______. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago. 2006. v.
XIII, p. 21-163.
33 Idem, ibidem, p. 21-22.
34 Idem, p. 51
35 Idem, p. 80.
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Alexandre Morais da Rosa identifica a mesma relação com o Direito. Diz que “a lei jurídica impõe uma proibição
à realização do desejo humano (...) daí a funcionalidade do ordenamento jurídico penal: eis que somente se proíbe o
que se manifesta como propensão humana”.36 A partir dessa relação, Amilton Bueno de Carvalho identifica na figura do
juiz a de um pai, na medida em que ele “é aquele que pune, repreende, autoriza o casamento, determina a separação
conjugal, distribui os bens. A comunidade, quando não consegue resolver seus problemas, busca socorro na figura do
pai/julgador”.37
Essa relação edipiana entre juiz e jurisdicionado é muito mais acentuada quando examinada sob a ótica do juiz em
relação ao tribunal, na medida em que é o tribunal que pune o juiz, eleva seus vencimentos, promove, elogia.38 Assumindo
o tribunal a figura metaforizada de pai; o juiz, logicamente, assume a de filho, e, como tal, assim se manifesta em suas
decisões.
Há juízes que se encontram na infância. Assim, têm o “pai” por ídolo, e seu único objetivo é agradá-lo; “seu desejo,
quando ‘crescer’ é ser como ele”.39 A forma de mais “agradar” ao “pai” é reconhecer sua inteligência, a partir da obsessiva
reiteração de suas decisões, independentemente de estarem adequadas.
Outros juízes estão numa fase mais adiante, a adolescência. Assim como os jovens que se encontram nessa fase, o
juiz também quer “destruir o pai”. O seu inimigo é o tribunal. Nem suas virtudes são exaltadas. Cria uma relação doentia
com o seu “irmão” que sempre tem suas decisões mantidas pelo tribunal.40
Por fim, há o juiz que assume a maturidade. Reconhece no pai um sujeito com virtudes e defeitos. Segue os
primeiros, afasta-se dos últimos. É o juiz que ousa, que está disposto a criar, gostando o tribunal ou não, tudo com olhos
ao jurisdicionado. Esse “filho” livre, geralmente causa um mal-estar no “pai” mais neurótico, que assume uma sensação
de perda. No “pai” mais democrático, a maturidade do “filho” é importante no avanço do direito.41
David Zimerman, ao analisar a possibilidade de múltiplas decisões sobre o mesmo fato, reconhece a importância
de aspectos objetivos do julgador, formados a partir de variáveis reais e específicas que integram a singularidade do juiz.
Entretanto, adverte que não se pode descuidar de elementos subjetivos, que dizem diretamente com o juízo de crítico de
36 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Jurisdição do real x controle penal: direito & psicanálise via literatura. Petrópolis: KBR. 2011. p. 70
37 CARVALHO, Amilton Bueno. O juiz e a jurisprudência: um desabafo crítico. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias constitucionais e processo penal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 9
38 Idem, ibidem, p. 17.
39 Idem, p. 18.
40 Idem, p. 18.
41 Idem, p. 18.
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cada pessoa em relação ao mundo exterior. Considera esse juízo crítico uma das funções mais nobres do ego, sendo um
pilar de sustentação das relações interpessoais e na tomada de decisões.42
Essa possibilidade de múltiplas facetas psicojurídicas dos juízes impõe alguns questionamentos sobre o efetivo
papel do ato decisório. De todas as fontes atribuídas ao Direito, a que contemporaneamente provoca o maior protagonismo
é, por certo, a jurisprudência.
A par de servir de efetivo instrumento de transformação social, não raras vezes acaba indo na contramão de tantas
outras fontes. A jurisprudência, pelo menos aquela que questiona, que transforma, que constrói o Direito, é o produto
indissociável do ativismo judicial, de modo que não se pode examinar a primeira, sem aprofundar breves linhas nas
garantias inerentes à jurisdição.
Examinando fundamentalmente a administração da justiça na Argentina, diagnóstico que sem maiores dificuldades
pode se estender à maioria dos países latino-americanos, Roberto Omar Berizonce conclui que tanto a jurisprudência
quanto a doutrina, mesmo não sendo fontes primárias, vêm tendo uma importância significativa no desenvolvimento
progressivo das instituições jurídicas, isso tudo como “reflejo de las exigências de efectividad del sistema de justicia como
valoración comunitaria”.43
Roberto Omar Berizonce aponta o papel transformador da jurisprudência, exaltando o fato de que a Corte Suprema
de Justicia de la Nación, fruto de um acentuado ativismo, vem reconhecendo a efetividade da tutela das mais variadas
garantias fundamentais. A posição é compartilhada pela mais alta corte brasileira. O Ministro Celso de Mello, nos autos
da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.300, que discutia a união civil entre pessoas do mesmo
sexo, decidiu no sentido de que reconhecer o direito, até que haja lei regulamentando-o, por entender que essa “é a missão
fundamental da jurisprudência, que necessita desempenhar seu papel de agente transformador dos estagnados conceitos
da sociedade”.44
Não restam dúvidas, nesse sentido, de que o maior ativismo judicial será diretamente proporcional à maior
independência do juiz. Garantias inerentes à jurisdição devem transcender meros conceitos acadêmicos para se
transformarem em uma verdadeira ideologia da atividade jurisdicional. Roberto Omar Berizonce aponta que a independência
42 ZIMERMAN, David. A influência dos fatores psicológicos inconscientes na decisão jurisdicional – A crise do magistrado. In: ZIMERMAN, David; COLTRO,
Antônio Carlos Mathias (org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Millennium, 2010, p. 125
43 BERIZONCE, Roberto Omar. La administración de justicia en Argentina. In: OVALLE FAVELA, José. Administración de justicia en Iberoamérica y sistemas
judiciales comparados. México: Unam, 2006, p. 18.
44 BRASIL. STF. MC na ADIn 3.300, rel. Min. Celso de Mello, j. 03.02.2006, publ. 09.02.2006. Disponí-vel em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 6 abril 2013.
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dos tribunais, fundamental para a garantia da imparcialidade, não pode ser vista como um privilégio em benefício dos
juízes, mas dos jurisdicionados.45
Dessa forma, a inamovibilidade, a estabilidade, e outras garantias acabam por permitir que o juiz julgue sem
comprometimento com qualquer parte, muitas vezes até mesmo contra o poder a que está vinculado. Entende o autor que
por meio da independência dos juízes é que se exerce a força operativa de suas decisões, o que tem como contrapartida a
responsabilidade, pressuposto indispensável para garantir a confiança pública.46
Para garantir essa separação suficiente a produzir decisões independentes, é fundamental a separação entre a
administração da justiça e os demais órgãos pertencentes às esferas políticas e econômicas de um estado.47 A Corte
Suprema de Justicia de la Nación, que até 1994 acumulava as funções de governo e administração do Poder Judicial de la
Nación, passou a dividir tarefas com o Consejo de la Magistratura Nacional, nos termos do art. 114 da Constituición de
la Nación Argentina.
A respeito da independência judicial, Roberto Bergalli entende que no contexto latinoamericano representa muito
mais um mito do que uma realidade. O autor aponta que, derivada de uma formação franco-germânica, o juiz latinoamericano é muito mais apegado a mecanismos normativos do que a compromissos de efetiva transformação social:48
“(...) la idea de una administración de justicia que aplica meramente el ordenamiento juridico ha impedido que
surgieran interrogantes o que se cuestionara el papel que la jurisdicción cumplía frente a regímenes de injusticia social”.49
Roberto Bergalli anota que a questão judicial, a qual está intimamente ligada à independência judicial, relacionase fundamentalmente com a seleção dos juízes que compõem todos os níveis da jurisdição.50 Aponta que a deficiente
cultura jurídica e política dos juízes dos níveis mais elementares, bem como a interferência direta dos poderes executivo
e legislativo na escolha dos membros de Cortes Supremas, faz com que a independência não seja efetiva, se não apenas
45 BERIZONCE, Roberto Omar. La administración... cit., p. 20-21.
46 Idem, ibidem, p. 21.
47 BERGALLI, Roberto. Protagonismo judicial y cultura de los jueces. In: ______. Hacia una cultura de la jurisdición: ideologías de jueces y fiscales. Buenos
Aires: Ad-Hoc, 1999, p. 306.
48 BERGALLI, Roberto. La quiebra de los mitos (independencia judicial y selección de los jueces). In: ______. Hacia una cultura de la jurisdición: ideologías
de jueces y fiscales. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1999, p. 281-284.
49 Idem, ibidem, p. 281.
50 BERGALLI, Roberto. La quiebra... p. 284.
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um mito. Para ilustrar o que diz aponta o fato de que em muitos países latino-americanos há efetiva interferência do poder
executivo em promoções de juízes, por exemplo.51
A formação dos juízes e a maneira pela qual se estrutura o corpo técnico dos tribunais conduz a uma homogeneidade
que não é favorável à criação de uma jurisprudência crítica e inovadora. Nesse sentido:
“(...) la concepción tradicional de la jerarquía puesta de manifiesto por los propios integrantes del cuerpo judicial,
ha estado en la Argentina claramente dirigida a inducir en los jueces la homogeneidad ideológica y el conformismo. (...)
Ella se entronca con una concepción de la justicia, de los actos propios de administrarla y de la interpretación de las
fuentes legales que se describe como meramente técnica, desprovista de toda creatividad y encuadrada en una absoluta
asepsia ideológica como si el momento jurisdicional no estuviera profundamente marcado por una carga valorativa. Por
tanto, cualquier actitud crítica queda excluída por vía teórica y es absolutamente inimaginable para esta concepción
formal-legalista que ha dominado el discurso judicial argentino, lo cual ha servido muy bien para obtener la asdcripción
de los jueces”.52
Essa dependência velada do juiz com seu tribunal, em um primeiro momento, e com o Poder Executivo, em uma
fase seguinte, pode acabar criando uma linha de decisões que vise, subjetivamente, “agradar” a tais poderes. Dito de outra
forma, conforme Roberto Bergalli, será mais facilmente promovido, elogiado, o juiz que “pensar” e “decidir” de acordo
com seu superior:
“(...) la intervención del poder ejecutivo es decisiva y única en los sistemas de promoción de los magistrados, existe
un poder disciplinario, ejercido por los tribunales superiores en grado, que es sin duda limitativo de la libre actuación
de los jueces llamados inferiores, cuyas resoluciones –más allá de compadecerse con el derecho positivo vigente– deben
“agradar en estilo, contenido valorativo y prescindencia política a los magistrados de alzada”.53
Nesse sentido, ao passo em que a jurisprudência pode ser vetor para um novo direito, muitas vezes é a responsável
pelo engessamento de um direito arcaico, a partir da substituição de discussões arejadas em detrimento da reprodução
de velhos julgados. Amilton Bueno de Carvalho, ao reconhecer esse papel importante pelo qual a jurisprudência vem
se destacando, adverte que se de um lado a jurisprudência pode “contribuir para o avanço do Direito numa diretiva
emancipatório-democrática”, ao passo em que por outro pode acabar sendo um “instrumento do entorpecimento do
51 Idem, ibidem, p. 288.
52 BERGALLI, Roberto. Estado Democrático y cuestión judicial: vías para alcanzar una auténtica y demo-crática independencia judicial. Buenos Aires:
Depalma, 1984, p. 62-63.
53 BERGALLI, Roberto. La estructura judicial en América Latina (Bases para una necesaria organización democrática de la dministración de Justicia en
América Latina desde la cuestión argentina). In: RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y estructura social. Bogotá: Têmis, 1984, p. XXVIII-XXIX.
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jurídico, com seu dogmático-esclerosamento”. E adverte do risco de se inverterem dogmas: a lei pelo pensamento dos
juízes, forma igualmente cruel de inibir a criatividade do operador jurídico.54
Esse protagonismo judicial,55 muitas vezes divorciado de um comprometimento transformador do direito vem
preocupando e inquietando os estudiosos de uma sociologia da administração da justiça. Roberto Bergalli aponta a falsa
igualdade entre as pessoas, especialmente no âmbito penal, como uma das causas de uma distribuição não homogênea de
justiça. Para ele, a complexidade e o elevado nível de litigiosidade alcançado nas relações sociais contribuem para que o
direito não atinja um grau de racionalidade substancial que permitiria mediar direitos entre partes desiguais.56
Para que os juízes trabalhem na solução dessa ambiguidade, é necessário ter claro a dicotomia entre racionalidade
formal e substancial. O compromisso com uma interpretação constitucional do sistema penal é uma garantia ao jurisdicionado
de que se estará diante de um sistema efetivamente democrático (e, portanto, menos arbitrário e discricionário).57
Roberto Bergalli finaliza com considerações a respeito da cultura dos juízes a partir de uma concepção pós-moderna.
Entende que há uma crise de racionalidade, de legitimidade e de motivação, que reclama o desenvolvimento de um novo
sentido comum jurídico, a partir do reconhecimento de espaços de criações de novos direitos (doméstico – relações sociais
entre membros da família –, de produção – relações no âmbito do trabalho –, de cidadania – relações sociais na esfera
pública, entre Estado e cidadãos –, e mundial – relações econômicas internacionais e entre Estados nacionais.), o que
acaba sendo o embrião para o reconhecimento de um pluralismo jurídico.58
Neste contexto, complementa, é fundamental que para a cultura jurídica aceitar esse sentido comum pluralista,
sejam abandonados alguns fetichismos que tradicionalmente alimenta, intimamente vinculados a um direito tradicional e
rígido, e incorpore uma cultura de legalidade. Importante salientar que o pluralismo jurídico supõe que as práticas jurídicas
incluem sempre alguns momentos de ilegalidade, em razão de transições e transgressões decorrentes da porosidade das
várias ordens legais existentes.
54 CARVALHO, Amilton Bueno de. O juiz e a jurisprudência... cit., p. 13.
55 Cf. BERGALLI, Roberto. Protagonismo judicial... cit., p. 305: “Desde hace algún tiempo se presencia un fenómeno que, con mayor o menor propiedad
– tanto en lenguaje periodistico como en ciertos niveles de estudio – se denomina como protagonismo judicial. El fenómeno consiste en una aparente
hiperacti-vidad de la acusación pública y la jurisdicción penal, llamada a intervenir en asuntos de una supuesta mayor entidad política respecto de los otros
para las que regularmente aquéllas estan predispuestas. En alguns casos, de manera exagerada, el fenómeno ha dado pie para que se lo denomine como
‘gobierno (o República) de los jueces’”.
56 Idem, ibidem, p. 308.
57 Idem, p. 308-310.
58 BERGALLI, Roberto. Protagonismo Judicial... pp. 311-313.
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III. Considerações finais
Não se pode imaginar que o juiz consiga se colocar como um ente efetivamente imparcial, acima de pré-julgamentos
decorrentes de sua formação pessoal, profissional, religiosa, política. Ao buscar legitimar a modernidade pela racionalidade,
nivela-se a sociedade em parâmetros abstratos, aplicáveis, a princípio, a todos. Aproximando à sociologia desenvolvida por
Norbert Elias, pode-se dizer que o direito está posto à sociedade, sem se preocupar com os indivíduos dela integrantes.59
Dito de outro modo, nem o juiz, nem o jurisdicionado representam a média da sociedade, mas sim indivíduos, que,
como tal, são dotados de individualidades, características que lhes fazem únicos, de modo que a distribuição de justiça
deve ser personalizada, e não em massa. Dessa forma, não se pode, pois, atingir um sistema de justiça penal democrático,
tendo por base tão somente uma racionalidade formal. Ou, melhor explicando, não basta que uma sentença penal seja
racionalmente fundamentada, mas fundamentada em uma interpretação conforme os direitos fundamentais.
Eis o desafio do juiz, fazer com que surja um novo protagonismo questionador de valores e bens jurídicos tradicionais,
a fim de dar efetividade a valores constitucionais. É bem verdade que, nessa perspectiva, os princípios de ética profissional
que norteiam a atuação do juiz são postos a prova, de modo que suas convicções morais devem ser submetidas a parâmetros
de estreita legalidade, para aplicar ou não uma determinada lei. É o momento, pois, para o surgimento de uma nova
hermenêutica constitucional, a qual deve nortear a aplicação da lei, pelos juízes, dentro de “espacios inevitables de
autonomía moral y de responsabilidad política”.60
Referências bibliográficas
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Independencia Judicial: problemática ética. Madrid: Dykinson. 2009. p. 39-54.
Bergalli, Roberto. Estado Democrático y Cuestión Judicial: vías para alcanzar una auténtica y democrática
independencia judicial. Buenos Aires: Depalma. 1984.
______. La Estructura Judicial en América Latina (bases para una necesaria organización democrática de la
dministración de Justicia en América Latina desde la cuestión argentina). In: Rusche, Georg; Kirchheimer, Otto.
Pena y estructura social. Bogotá: Têmis. 1984. p. XVII-XLIV.
59 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar. 1994.
60 ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar. 1994.
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______. La quiebra de los mitos (independencia judicial y selección de los jueces). In: ______. Hacia una cultura
de la jurisdición: ideologías de jueces y fiscales. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1999. p. 281-303.
______. Protagonismo judicial y cultura de los jueces. In: ______. Hacia una Cultura de la Jurisdición: Ideologías
de Jueces y Fiscales. Buenos Aires: Ad-Hoc. 1999. pp. 305-315.
Berizonce, Roberto Omar. La administración de justicia en Argentina. In: Ovalle Favela, José. Administración de
justicia en Iberoamérica y sistemas judiciales comparados. México: Unam, 2006. p. 3-44.
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.300. Relator Min.
Celso de Mello. Julgado em 03.02.2006. Publicado em 09.02.2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>.
Acesso em: 06.04.2013.
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Morais da Rosa, Alexandre. Jurisdição do real x controle penal: direito & psicanálise via literatura. Petrópolis:
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Pinillos, José Luis. Principios de psicologia. 23. reimp. Madrid: Alianza Universidad, 2010.
Tedesco, Ignacio. El acusado en el ritual judicial: ficción e imagen cultural. Buenos Aires: Del Puerto, 2007.
Zimerman, David. A influência dos fatores psicológicos inconscientes na decisão jurisdicional – A crise do magistrado.
In: ______; Coltro, Antônio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas:
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______. Uma resenha simplificada de como funciona o psiquismo. In: ______; Coltro, Antônio Carlos Mathias
(Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. 3. ed. Campinas: Millennium, 2010. p. 113-124.
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Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de
extraditar em casos de crimes políticos – seria o terrorismo um
crime político?
Gabriela Carolina Gomes Segarra
Mestranda em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra, com estudos na Universidade Complutense de Madrid.
Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra.
Advogada.
Resumo: A extradição é tida como uma das principais formas de cooperação jurídica internacional e encontra-se disposta nos mais
diversos tratados transnacionais. Hodiernamente, a exceção de extraditar por crimes políticos é um fator presente nesses acordos.
O trabalho em tela trata das dificuldades na aplicabilidade da referida exceção, haja vista ser o termo “crime político” no cenário
internacional de difícil conceituação, de modo que fica a cargo do Poder Judiciário a decisão de o fato ser ou não crime político e
fazer jus à benevolência da não extradição. Para além disso, o artigo também trata da questão do terrorismo, que muitas vezes tem
conotação política, mas não recebe a mesma benignidade.
Palavras-chave: Direito Penal Internacional – Extradição – Crime político – Terrorismo.
Sumário: 1. Introdução – 2. Evolução histórica da cláusula de não extraditar por crimes políticos – 3. Afinal, o que se entende por
crime político? – 4. Crimes políticos x motivos políticos: o caso Cesare Battisti – 5. Seria o terrorismo um crime político? – 6.
Conclusão – 7. Referências bibliográficas.
1. Introdução
“Nem a juventude das leis (da própria constituição) nem a profundidade com que se tem desenvolvido o debate
juscientífico sobre a estrutura do estado de direito, o carácter minimalista do direito penal ou a teoria do bem jurídico
trouxeram consigo até agora o acicate pela análise dos bens alegadamente atingidos pelos crimes políticos”.1
1
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SILVA PEREIRA, Maria Margarida. Bens jurídicos colectivos e bens jurídicos políticos. Liber discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra
Ed., 2003. p. 295.
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Ao falar de cooperação jurídica internacional, de imediato vem à nossa mente o conceito de extradição, recordando
como um processo formal para fazer que um infrator penal, a pedido de um Estado, seja-lhe entregue por outro Estado,
para que, em seu território, cumpra a pena ou receba um processo penal justo.2
Nesse diapasão, é desígnio deste trabalho demonstrar a desnecessidade da cláusula de não extradição aos criminosos
políticos, sendo a eles concedida uma benevolência a que não fazem jus.
Diante desse cenário, é de extrema relevância que os entendimentos dogmáticos acerca da matéria advenham de
minuciosa ponderação entre os valores em questão, sem olvidar de trazer à baila os princípios norteadores, além do
justo equilíbrio entre as leis internacionais alargadamente aplicadas e a real necessidade nos tempos modernos. Por aqui,
discutem-se também a dificuldade e o subjetivismo esquecidos nas mãos do Poder Judiciário para decidir os rumos das
relações entre países, uma vez que, entendendo ser o fato um crime político, torna-se legalmente impossibilitada a sua
extradição.
A esse propósito, no primeiro capítulo encontram-se expostas sínteses dos fundamentos históricos da cláusula em tela.
Percebe-se, nesse momento, que a exceção de extraditar disposta aos criminosos políticos tem sua origem remota – ainda
incerta – por volta da década de 1700 e positivada no século XIX. Tinha como finalidade a proteção de revolucionários
que retornavam a seus países para encarar acusações por crimes cometidos contra seus governos.
O início da problemática da pesquisa encontra-se no segundo e no terceiro capítulo, nos quais serão discutidas as
inúmeras peculiaridades e facetas que possui na carga semântica “crime político”.
A pretensão do quarto capítulo será tratar as peculiaridades em elencar o terrorismo como um crime político.
Alcançada tal proposta, a cláusula de não extradição conferida apenas aos criminosos políticos deveria também ser
aplicada aos atos terroristas, que, por sua vez, aproveitaria da benevolência e da brecha que a legislação lhe concede.
2. Evolução histórica da cláusula de não extraditar por crimes políticos
De antemão, cabe aqui consignar que a cláusula de proibição de extraditar em casos de crimes políticos nem sempre
esteve constitucionalizada. Pelo contrário, nos primórdios da extradição, teve, nos suspeitos por crimes religiosos e
2

KINNEALLY III, James J. The political offense exception: Is the United States – United Kingdom Supplementary Extradition Treaty the Beginning of the end?
American University International Law Review, vol. 2, Article 4, Issue 1, 1987, p. 205.
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políticos contra os soberanos, a sua causa. Nesse quadro, os crimes comuns não eram vistos como um perigo para a
sociedade, de forma que os soberanos sequer os perseguiam. Entretanto, aqueles que ousassem cometer crimes contra o
Estado eram frequentemente perseguidos e severamente punidos.4
3
Nesse diapasão, muitos criminosos que se atreveram a fugir foram capturados por déspotas medievais ansiosos pela
redenção dos adversários políticos para a solidificação do seu poder. Diante desse cenário, houve uma mudança quanto
aos tratados de extradição. Eles se desenvolveram de modo a facilitar o retorno dos suspeitos por crimes políticos.5
A proibição constitucional para extraditar nos casos abrangidos pelos crimes políticos tem sua origem – quanto
ao local e data – ainda incerta. Entretanto, em consonância com Van Den Wijngaert, o primeiro texto oficial com tal
interdição se deu na França, com a Circular de 05.04.1831.6
Em seguida, a Bélgica, no Bulletin Officiel des Lois Et Arretes Royaux de La Belgique 1.195, de 01.10.1833,
estipulou, no art. 6, a devida proibição. Sem embargo, dúvidas não pairam quanto ao primeiro tratado que incorporou tal
cláusula. Este se deu em 22.11.1834 entre Bélgica e França.7
Após esse tratado, a França incorporou-a em seu ordenamento. O mesmo fizeram os Estados Unidos da América,
em 1843, e a Inglaterra, em 1852. No final do século XIX, a proibição de extraditar em casos de crimes políticos tornou
parte das leis internacionais.8 Apenas a título de exemplo, cita-se o Tratado de Extradição de Criminosos entre a República
Federativa do Brasil e a República do Peru, firmado no Rio de Janeiro, em 13.02.1919, e alterado pelo Dec.-lei 5.853, de
19.07.2006, a saber: “Art. 3.º Não será concedida a extradição (...) d) quando a infração constituir crime político ou fato
3
4
5
6
7
8

KINNEALLY III, James J. The political offense exception: Is the United States – United Kingdom Supplementary Extradition Treaty the Beginning of the end?
American University International Law Review, vol. 2, Article 4, Issue 1, 1987, p. 205.
CERVASIO, Christine E. Extradition and the International Criminal Court: The Future of the Political Offense Doctrine. Pace International Law Review, vol.
11, Article 7, Issue 2, Fall, 1999, p. 421.
KINNEALLY III, James J. The political offense exception... cit., p. 205.
WISE, Edward M. The political offence exception to extradition: the delicate problem of balacing the rights of the individual and the intermational public order.
The American Journal of Comparative Law, vol. 30, n. 2, The Netherlands: Kluwer, 1980, p. 362. Nota-se que Ferrajoli, em sua obra Derecho y Razón,
expressa outras datas para o tema. Em sua dicção: “Los Primeros textos legislativos en los que aparece la expresión ‘delito político’ son la Constitución
francesa de 14.8.1830, cuyo artículo 69 prevé para los délits politiques la aplicación del jurado; una ley de amnistía para tales delitos de 8.10.1930; la
Constitución belga de 1831, cuyo art. 98 reproduce el art. 69 de la Constitución francesa” (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón – teoría del garantismo
penal. Madrid: Editorial Trotta, 1995. p. 838).
WISE, Edward M. The Political Offence Exception to Extradition... cit., p. 362.
BUCKLAND, Aimee J. Offending Officials: Former Government Actors and the Political Offense exception to extradition. California Law Review, vol. 94,
Article 4, Issue 2, 2006, p. 440.
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conexo”. Consigna-se a continuação desse tratado, em seu art. 4.º: “Para efeitos deste Tratado, não serão consideradas
infrações de natureza política: (...) c) atos de terrorismo”.
Pois bem. Nesse contexto encontra-se o cerne do problema. A questão aqui posta seria no que tange à definição de
crimes políticos, visto que o conceito é fluido e se adapta a cada situação, estando a cargo do Poder Judiciário a definição
no caso concreto. Assim, como podemos falar em uma cláusula que excetua a extradição de crime político, sendo que
sequer temos uma definição do que estamos excetuando?
Desde a codificação na legislação belga, as seguintes normas apenas aclamam a cláusula de proibição, mas não
conceituam o crime politico. Tanto é verdade que, conforme mostrado no exemplo supracitado, é imprescindível outra
cláusula excluindo eventos do que se entende por crime político. Nota-se a necessidade de explicitar que o terrorismo não
se encaixa em tal modalidade.9 De igual modo é a dicção da Lei Portuguesa da Cooperação Judiciária Internacional em
Matéria Penal – Lei 144, de 31.08.1999.10
Por derradeiro, consigna-se lembrar que essa exceção nasceu para resguardar os poderes políticos dos Estados.
3. Afinal, o que se entende por crime político?
Previamente, cabe mencionar que o tópico em tela é de grande divergência, não apenas doutrinária como também
consuetudinária. Van Den Wijngaert garante que o conceito de crime político é fluído e sofre mudanças em cada situação
9
Nessa toada: Artigo 3(1) de 1957 da Convenção Europeia de Extradição: “Extradition shall not be granted if the offence in respect
of which it is requested is regarded by the requested party as a political offence or as an offence connected with a political offence”.
Tratado de 03.03.1987, de Extradicion y Asistencia Judicial en Material Penal entre o Reino da Espanha e a República Argentina, firmado em Buenos Aires:
“Artículo 5: 1. no se concederá la extradición por delitos considerados como políticos o conexos con delitos de esta naturaleza. La mera alegación de un
fin o motivo político en la comisión de un delito no lo calificara por si como un delito de carácter político. A los efectos de este tratado, en ningún caso se
consideraran delitos políticos: a) el atentado contra la vida de un jefe de estado o de gobierno, o de un miembros de su familia; b) los actos de terrorismo;
c) los crímenes de guerra y los que se cometan contra la paz y la seguridad de la humanidad”.
10 “Art. 6.º Requisitos gerais negativos da cooperação internacional (...) b) Houver fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de
perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua
pertença a um grupo social determinado”. “Art. 7.º Recusa relativa à natureza da infracção (...) 2 – Não se consideram de natureza política: a) O genocídio,
os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra e infracções graves segundo as Convenções de Genebra de 1949; b) As infracções referidas no artigo
1.º da Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo, aberta para assinatura a 27 de Janeiro de 1977; c) Os actos referidos na Convenção contra a
Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984”.
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factual. O que para uma sociedade seria considerada uma ofensa à natureza política, as mesmas circunstâncias não se
enquadra nessa categoria em situação subsequente. A doutrinadora ainda defende a não definição rígida nos tratados.11
De outra banda, tem-se I. Shearer, que afirma não ter dificuldades para definir o conceito de crime político nos
tratados e legislações. Para ele, a definição é elástica e se desenvolveu por meio de decisões judiciais de cada caso.12
Em termos gerais e consoante a predominância da doutrina e dos julgados, “esses crimes são definidos como aqueles
perpetrados contra a ordem política estatal, isto é, os que se voltam contra a segurança interna do Estado, a forma de
Governo e sua constituição política”.13
No intuito de encontrar os limites dos delitos políticos, separando-os dos crimes comuns, tem-se a divisão daqueles
em três categorias, quais sejam, objetiva, subjetiva e mista.14 Começando pelos crimes políticos objetivos, encontram-se
os delitos contra a personalidade do Estado, isto é, “los cuales ‘ofenden um interés político del estado, o bien um derecho
político del ciudadano’”.15 Atentam contra a existência do Estado, colocando em risco a organização político-jurídica.
Aqui, entende-se que o importante é a direção do ataque com o intuito de perturbar a ordem pública e não necessariamente
o motivo.16
Ademais, subjetivamente, político são aqueles crimes impulsionados por motivos políticos, de forma que não importa
se a conduta delituosa foi praticada por um crime comum. Por essa teoria, não seria possível qualificar os homicídios de
Mahatma Gandhi, Martin Luther King ou Rosa Luxemburgo como crimes políticos, não obstante a notória motivação
política nesses acontecimentos históricos.17
11 VAN DEN WIJNGAERT, C. The political offense exception to extradition (hereinafter C. Van Den Wijngaert), 1980, at 95-102 apud KINNEALLY III, James J.
The political offense exception... cit., p. 207.
12 SHEARER, I. Extradition in International Law 5, 1971, at 168-169 apud KINNEALLY III, James J. The political offense exception... cit., p. 205.
13 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Medidas compulsórias... cit., p. 75. Ainda nesse sentido, CEZÓN GONZÁLEZ, C. Derecho extradicional. Madrid:
Dykinson, 2003. p. 123: “La Audiencia Nacional considera como delitos políticos, la rebelión, la asociación subversiva, el atentado contra los poderes del
Estado, la conspiración política o delitos contra el régimen político, la tenencia de armas y explosivos, las detenciones ilegales y el robo perpetrado con
finalidad política”.
14 Não obstante seja esse o entendimento da maioria da doutrina, encontra-se divergência em algumas. A título de exemplo, cita-se Mariano Ruiz Fines, que
vislumbra a existência de cinco categorias para os delitos políticos: histórica, política, penitenciária, sintética e jurídica (RUIZ FUNES, Mariano. Evolución
del delito político. México: Editorial Hermes, s/d. p. 13).
15 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón... cit., p. 809.
16 Nesse sentido, MAURACH, Reinhart. Tratado de derecho penal. Barcelona: Ariel, 1962. vol. I, p. 133.
17 PAMPLONA, Gustavo. Crimes políticos, terrorismo e extradição: nos passos de Hannah Arendt. Porto Alegre: Simplíssimo, 2001. p. 41-42.
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A fim de exemplificar o contexto político, cita-se uma passagem de Homens em Tempos Sombrios de Hannah
Arendt, a saber: “(...) até o dia fatídico de janeiro de 1919, quando Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, os dois líderes
da Spartakusbund, os precursores do Partido Comunista Alemão, foram assassinados em Berlim – sob as vistas e
provavelmente com a conivência do regime socialista então no poder. Os assassinos eram membros do ultranacionalista
e oficialmente ilegal Freikorps, uma organização paramilitar de onde as tropas de assalto de Hitler logo recrutariam seus
matadores mais promissores (...) com o assassinato de Rosa Luxemburgo e Liebknecht, tornou-se irrevogável a divisão
da esquerda europeia entre os partidos comunistas e socialistas”.18
Derradeiramente, dessa distinção categórica encontra-se a teoria mista, pela qual há uma miscigenação das duas
teorias supracitadas. Para tal, exige que tanto o bem jurídico atingido como o intuito do agente sejam de caráter político.19
Sem embargos, os professores Canotilho e Vital Moreira atentam para a não evidência do significado da expressão
“extradição por motivos políticos”, entretanto, parecem compreender em duas situações, sendo elas: “a) ser o extraditado
acusado ou ter sido condenado pela prática de crime de natureza política (o que exige a definição deste conceito); b)
ser o pedido de extradição motivado por razões de perseguição política ou para o perseguir criminalmente por razões
políticas”.20 Interessante notar que no segundo ponto apresentado pelos doutrinadores desenvolve-se outro problema: as
perseguições políticas.
Há quem defenda que a proibição aqui exposta tem sua razão de existir exatamente na necessidade de defesa do
indivíduo em face do “arbítrio e o ódio que surgem em períodos de exaltação política”.21
Outro importante aspecto que faz necessário seu comento diz respeito àqueles delitos com natureza de crimes
comuns, mas que são beneficiados pela isenção da extradição simplesmente por terem sido cometidos paralelamente aos
crimes políticos. Sob esse prisma, “en règle générale pour préparer, faciliter, assurer ou masquer la commission de celuici, voire en procurer ultérieurement l’impunité”.22
Nessa questão tece a crítica baseada em fatos reais: não são considerados infrações conexas ao crime político delitos
como corrupção passiva, pilhagem de bens nacionais, financiamentos ilícitos de partidos políticos, venda de armas para o
18 ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 38-39.
19 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Delito político e terrorismo: uma aproximação conceitual. Revista dos Tribunais, ano 89, vol. 771, jan.
2000, p. 427.
20 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa: anotada. Coimbra: Coimbra Ed., 2007. vol. I, p. 533 – grifo nosso
21 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Medidas compulsórias... cit., p. 77.
22 ZIMMERMANN, Robert. La coopération judiciaire internationale em matière pénale. Deuxième édition. Bruxelas: Staempli Editions AS berne, 2004. p. 431.
Tradução livre: “como regra geral para preparar, facilitar, assegurar ou ocultar a comissão, ou mesmo adquirir a impunidade ulterior”.
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Irã, financiamento a contra revolução na Nicarágua. Entretanto, foi extraditado para a Ruanda o autor de um ataque à mão
armada, que apenas estava tentando revelar a sua pertença à etnia, mas era perseguido por aqueles que detinham o poder.23
Ainda sobre a análise pragmática de crimes políticos, dentro dessa categoria cabe a distinção entre relativo e absoluto.
Entende-se por absoluto (pure political offenses) aquele que atua diretamente contra o governo ou organização política
estatal e afeta o bem jurídico, que é o Estado. Têm-se aqui crimes como traição, sedução ou espionagem.24
Os crimes políticos relativos (relative political offense) são aqueles que têm como ponto de partida o direito penal
comum, mas com o propósito de delito político – pelos atos terem consequências políticas ou estarem situados em contexto
político –, motivo pelo qual também são causas de não extradição. São exemplos dessa classe de crimes políticos: morte
de civis ou injúrias. Muitos tribunais limitam-se no uso desse tipo de crime político relativo a atos violentos que são
diretamente voltado a civis.25
No tocante aos crimes relativos e aos crimes conexos aos políticos a proibição da extradição parece firmar na mesma
linha de raciocínio da isenção dada aos delitos por motivos políticos, qual seja, evitar um julgamento injusto ao agente
pelo Estado Requerente.
Uma tentativa de definição dos parâmetros do entendimento de não extradição por crime político está na cláusula
belga de atentado, de 1856, a qual nega a consideração como delito político o atentado contra a vida de um chefe de Estado
ou de um membro de sua família.26
Acerca dos conceitos e problemas supraexpostos, são as palavras de Edward Wise: “the problem was never with that
small classes of offenses, such as treason, sedition or espionage, which are quite clearly political. These are generally
excluded from extradition anyway, they do not fall within the list of extraditable offenses typically set out in bilateral
extradition treaties. The difficulty is rather with otherwise ordinary crimes, such as murder, arson, or theft, which have
political purpose, or political implications. It is not sufficient simply to deny that such offenses can ever be political. If this
were so, many prototypical political offenders, such as Mazzini, would have had to have been extradited”.27
23 Idem, p. 434-435.
24 Nesse sentido, ZIMMERMANN, Robert. La coopération judiciaire internationale em matière pénale... cit., p. 429; BUCKLAND, Aimee J. Offending Officials...
cit., p. 440.
25 BUCKLAND, Aimee J. Offending Officials... cit., p. 441.
26 KINNEALLY III, James J. The political offense exception... cit., p. 207.
27 WISE, Edward M. The Political Offence... cit., p. 367.
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4. Crimes políticos x motivos políticos: o caso Cesare Battisti
Dentre as diversas questões de competência judiciária ou executiva que envolvem o caso do italiano Cesare Battisti,
terá como objetivo do presente trabalho a análise de seu delito em ser considerado político ou não. Cesare Battisti é
italiano e ex-ativista da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) de orientação esquerdista durante o
período conhecido como “anos de chumbo”.28 Foi condenado por quatro homicídios ocorridos entre 1978 e 197929 e
recebeu pena de prisão perpétua em seu país de origem.
No ano de 1979, Battisti e outros membros do PAC foram detidos em Milão como parte de uma operação antiterrorista.
Dois anos mais tarde, o ex-ativista foi condenado por participação em grupo armado e ocultamento de armas, época em
que fugiu da prisão de Frosinone, perto de Roma, e se refugiou na França.
Posteriormente, em 1982, o italiano fugiu para o México. Entretanto, em 1985, o então presidente francês, François
Miterrand, com a “Doutrina Miterrand”, se comprometeu a conceder asilo político, e não extradição, aos ex-ativistas
italianos de extrema esquerda que rompessem com o passado – luta armada –, exceto àqueles que haviam cometido
“crimes de sangue”. Assim, em 1990, Battisti regressou à França como condição de refugiado. No ano seguinte, com base
em tal doutrina, a Itália vê negado o seu pedido de extradição.
Sem embargos, em 1995, com a mudança do presidente francês – agora Jacques Chirac –, foi alterada a “Doutrina
Mitterand”. Em 2002, a Itália requereu novamente a extradição de Battisti. Em 2004, a pedido da justiça italiana, Battisti
foi preso na França, mas liberado logo em seguida. No mesmo ano foi concedida a extradição, entretanto, Battisti não se
apresentou à Polícia e passou para a clandestinidade. O primeiro ministro francês, Jean Pierre Raffarin, assinou o decreto
de extradição, mas Battisti, aconselhado, fugiu para o Brasil.
Em 01.03.2007, o Brasil decretou a prisão preventiva contra o ex-ativista, com base na legislação pátria vigente
à época, Lei 6.815/1980,30 e no tratado bilateral firmado entre Brasil e Itália. Em 2009, o então ministro da Justiça do
Brasil, Tarso Genro, em uma decisão bastante controvérsia, concedeu a Battisti o status de refugiado político, baseando28 Expressão utilizada para descrever o período da história, compreendido entre 1968 e meados dos anos 1980, fortemente marcado por violência política,
luta armada, terrorismo e endurecimento do aparato repressivo dos Estados democráticos. A Itália foi um dos países mais atingidos por esse período.
29 Quatro homicídios dolosos: contra o agente de custódia Antonio Santoro, em 06.06.1978, contra Lino Sabbadin, em 16.02.1979, contra Pierluigi Torregiani,
em 16.02.1979, e contra a agente de polícia Andréa Campagna, em 19.04.1979.
30 Lei 6.815/80, art. 84. “Efetivada a prisão do extraditando (artigo 81), o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. Parágrafo único. A prisão
perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue”. De
igual modo, tem-se o art. 208 do Regimento Interno do STF, que declara: “Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso
e colocado à disposição do Tribunal”.
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se, para tanto, no fundado temor de perseguição por opinião política, contrariando a decisão do Comitê Nacional para os
Refugiados (Conare).31 Com tal status, ficou suspenso o pedido de extradição.
Nessa época – 16.12.2009 –, o Supremo Tribunal Federal do Brasil, pelo placar de 5 votos a 4, posicionou-se de
modo a não admitir o status de refugiado32 e a favor da extradição de Cesare Battisti ao governo italiano, mas resguardou
a decisão final do imbróglio ao então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que, em 31.12.2010, negou o
pedido, alegando que o italiano poderia ser submetido a atos de discriminação em face da sua situação pessoal.33
O interessante a ser posto para a pesquisa em tela seriam os argumentos usados pela Corte na posição de ser a favor
da extradição. O contexto aqui colocado foi exatamente aquele que se discute no trabalho, qual seja, a não configuração de
crime político, motivo pelo qual não se discute a proibição de extraditar. Senão vejamos: “3. Extradição. Passiva. Crime
político. Não caracterização. Quatro homicídios qualificados, cometidos por membro de organização revolucionária
clandestina. Prática sob império e normalidade institucional de Estado Democrático de Direito, sem conotação de reação
legítima contra atos arbitrários ou tirânicos. Carência de motivação política. Crimes comuns configurados. Preliminar
rejeitada. Voto vencido. Não configura crime político, para fim de obstar a acolhimento de pedido de extradição,
homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena normalidade institucional de
Estado Democrático de Direito, sem nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a regime
opressivo”.34
Derradeiramente, em face do recurso da República Italiana, no dia 08.06.2011, em consonância com a decisão do
antigo Presidente da República, o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu, por 6 votos a 3,35 pela não extradição de
Cesare Battisti ao seu país de origem, expedindo alvará de soltura.
31 A fundamentação para o pedido de refugiado baseou-se no art. 1.º, I, da Lei 9.474/1997: “Art. 1.º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país
de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país”. Entretanto, a Comissão entendeu não haver perseguição em seu país de
origem.
32 Nos termos do art. 3.º, III, do Estatuto dos Refugiados, fica proibida a outorga do mencionado status quando os indivíduos: “III – tenham cometido crime
contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas”.
33 A negação da extradição pelo Presidente da República estava embasada pelos arts. 1.º, 4.º, I, 84, VII, da CF. O parecer do Presidente Luis Inácio Lula da
Silva encontra-se disponível no website [http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/152830]. Acesso em: 04.06.2014.
34 STF, Extradição 1.085, república Italiana, Tribunal Pleno, rel. Min. Cezar Peluso, j. 16.12.2009, Data de Publicação: 16.04.2010.
35 Importante aqui mencionar que os três votos divergentes – Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Cezar Peluso – vão de encontro ao fundamento de que
o Presidente da República descumpriu com a lei e a decisão do STF. Afirmou o Ministro Gilmar Mendes que “no Estado de Direito, nem o presidente da
República é soberano. Tem que agir nos termos da lei, respeitando os tratados internacionais (...) Não se conhece, na história do país, nenhum caso, nem
mesmo no regime militar, em que o presidente da República deixou de cumprir decisão de extradição deste Supremo Tribunal Federal” (STF, Extradição
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Pois bem. Analisando a difícil conjuntura, é possível tecer duas indagações, plausíveis para a pesquisa em tela: (i) a
questão da democracia instável; (ii) a questão do crime político x motivo político.
A partir do pressuposto histórico de que o período dos “anos de chumbo” vivido pela Itália não foi ditatorial, quando
é negada aos cidadãos participação política ou qualquer tipo de manifestação, tampouco o país não passava por momento
de revolução ou guerra civil. O Estado não deixou de ser democrático de direito devido às revoluções constantes pelas
quais passava a Itália, de forma que não haveria razão para duvidar dos seus processos judiciais. Para Geoff Gilbert,
“democracy is very much in the eye of the beholder”. De forma diferente, para muitas pessoas a democracia é apenas
sinônimo de poder de votação.36
Ademais, acerca da outra indagação, cabe ressaltar duas correntes doutrinárias: a primeira entende por “motivo
político como mero impulso psicológico, o móvel interno do agente”;37 já a segunda não analisa os aspectos pessoais do
réu. A constatação se mede “pelas características externas, tais como: as condições do lugar ou do contexto histórico no
qual o ato foi concedido, bem como a figura do réu e da vítima (...) o relevante para se configurar o motivo político seria
o histórico da vida pregressa do réu com o objetivo de contextualizar a sua militância política”.38
Acerca da disparidade desse assunto, traz a baila o Swiss Test, pelo qual rege os princípios da preponderância e da
proporcionalidade, “balances the political motive or purpose of the ofender against the elements of common crime”.39 O
teste em comento usa ambos os critérios – subjetivos e objetivos – para determinar se certo delito é de caráter político
suficiente para justificar a exceção de não extraditar por crimes políticos.
O Swiss Test foi aperfeiçoado em 1951, no caso Ockert, momento em que o Tribunal Suíço definiu crimes políticos
como sendo “atos que tenham o caráter de um crime comum que aparece na lista dos crimes passíveis de extradição,
mas que, por causa das circunstâncias concomitantes, em especial por causa do motivo e objeto, são de uma tez
predominantemente política”.40
1.085 (Petição avulsa na Extradição), República Italiana, Plenário, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 08.06.2011, Data de Publicação: 03.04.2013).
36 GILBERT, Geoff. Responding to International Crime. Martinus Nijhoff Publishers: The Hague/Boston/London, 2006. p. 250.
37 PAMPLONA, Gustavo. Crimes políticos, terrorismo e extradição... cit., p. 44-45. Importante destacar que os conceitos aqui concedidos pelo autor Gustavo
Pamplona são de Giulio Ubertis em UBERTIS, Giulio. Reato politico, terrorismo, estradizione passiva. L’Indice Penale, vol. 21, Fascículo 2, Padova, 1987.
38 PAMPLONA, Gustavo. Crimes políticos, terrorismo e extradição... cit., p. 44-45.
39 KINNEALLY III, James J. The political offense exception... cit., p. 210.
40 BLAKESLEY, Christopher L. The Evisceration of the Political Offense Exception to Extradition. Scholarly Works, Paper 321, 1986, p. 114. Disponível
em: [http://scholars.law.unlv.edu/facpub/321]. Acesso em: 04.06.2014. Tradução nossa. Do original, “acts which have the character of an ordinary crime
appearing on the list of the extraditable offenses, but which, because of the attendant circumstances, in particular because of the motive and the object, are
of a predominantly political complexion”.
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A definição, entretanto, foi alterada pelo Tribunal Suíço em 1952, a fim de proporcionar a flexibilidade necessária
para permitir exceção de extraditar para aqueles que cometem crimes com o intuito de escapar do regime totalitário
moderno. Em 1961, o Tribunal Federal Suíço resumiu o desenvolvimento jurisprudencial dos princípios básicos do teste
de preponderância e refinou ainda mais a definição de crime político, de modo que, mesmo quando o motivo é em
grande parte político, os meios empregados devem ser os únicos meios disponíveis para realizar a perseguição final. Tal
argumentação é apoiada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido.41
Sob a ótica do Swiss Test, fica difícil encaixar o caso de Cesare Battisti como um protótipo de crime político. Perfaz,
aqui, as características de crime por motivação ou conotação política, que não faz jus ao benefício da não extradição por
crime político.
5. Seria o terrorismo um crime político?
De um lado há o repudio ao terrorismo em forma de comoções nacionais e transnacionais expressas pelos princípios
que regem as relações internacionais. Noutro extremo, encontra-se codificado nos mais diversos ordenamentos e tratados
o benefício da não extradição àqueles que cometem crimes políticos. Nesse extremo, pairam as dúvidas no que tange
a esse tópico. Seria também o terrorismo um crime contra a segurança nacional e, assim, considerado crime político
abarcado pelo benefício da não extradição?
As indagações não param por aí. Afirma a doutrina – não uníssona – que, de igual modo aos crimes políticos, o termo
“terrorismo” também é de difícil conceituação. Sobre esse tópico, aponta Baussioni que não há consenso internacional
quanto às estratégias estatais e da comunidade internacional, no que toca aos seus valores, objetivos e resultados, de modo
a dificultar o que deve ser prevenido e controlado, bem como os motivos e o modo de como fazer. Em sua dicção: “As a
result, the pervasive and indiscriminate use of the often politically convenient label of ‘terrorism’ continues to mislead
this field of inquiry”.42
41 Idem, p. 114-115.
42 BAUSSIONI, M. Cherif. A Policy-Oriented Inquiry into the Different Forms and Manifestations of “International Terrorism”. Legal Responses to International
Terrorism: U.S. Procedural Aspects. Martinus Nijhoff Publishers: The Netherlands. 1988. p. xvi. Nesse escopo, na tentativa de uma definição, continua
BASSIOUNI: “an ideologically-motivated strategy of internationally proscribed violence designed to inspire terror within a particular segment of a given
society in order to achieve a power-outcome or to propagandize a claim or grievance irrespective of whether its perpetrators are acting for and on behalf of
themselves or on behalf of a state”.
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Entretanto, de outra banda, Cassese é incisivo na opinião contrária acerca da falta de conceito para terrorismo. O
autor inicia um subtópico da obra com o título: A current misconception: the alleged lack of a generally agreed definition
of terrorism.43 Cassese não para suas alegações apenas na (não) existência da definição de terrorismo. Para ele, esse delito
também equivale a um crime de direito internacional consuetudinário.44
Com efeito, ao analisar as legislações internas de alguns países europeus,45 pode-se notar a tendência em tipificar o
delito de terrorismo como um crime comum. Entretanto, com atos voltados a atingir a perturbação da ordem pública ou
princípios fundamentais do Estado. Assim, descreve Sara Pellet que, “se esta motivação consiste em atentar gravemente
contra as bases e princípios fundamentais do Estado, destruí-las, ou ameaçar a população, trata-se de um atentado
terrorista”.46
Sob esse prisma, para parte da doutrina, o entendimento é de que o delito político se diverge do ato terrorista, visto
que, para o último, atenta ao temor à violência e crueldade; as vítimas normalmente são escolhidas ao acaso, englobando
civis e inocentes. Além disso, o terrorismo pode ser expressão de revolta política, levante social ou protesto religioso, de
forma que alcança certos fins políticos ou não. Ainda, preconiza que, “enquanto os delitos políticos atingem a ordem e a
organização política de um Estado determinado, o terrorismo tende à destruição do regime político, social e econômico
de todos os países”.47
Para o outro entendimento doutrinário, consigna-se o terrorismo ligado ao crime político sob o argumento de que
aquele é um crime contra a ordem constitucional do Estado Democrático de Direito, e não apenas um delito contra a
segurança nacional. Assim, a prática terrorista tem finalidade política, devendo seguir todas as regras previstas aos delitos
políticos, tais qual a benevolência de não extradição.
Corrobora com esse entender Heleno Cláudio Fragoso em sua obra Terrorismo e Criminalidade Política, o qual,
em sua dicção, nos ensina que “a denominação terrorismo por ser vaga e inconcludente pudesse terminar permitindo a
43 CASSESE, Antonio. International Criminal Law. New York: Oxford University Press Inc., 2003. p. 120 e ss.
44 Idem, p. 120. Para Antonio Cassese, há três elementos essenciais para configurar crime de terrorismo internacional: (i) os atos devem ser considerados
um delito na maioria dos sistemas legais; (ii) as atos devem ser destinados a espalhar terror, por medo ou intimidação, por meio da violência ou ameaça
dirigida ao Estado, o público ou grupo particular de pessoas; (iii) os atos devem ser motivados politicamente, religiosamente ou de outras ideologias que
não seja a busca de finalidade privada (CASSESE, Antonio. International Criminal Law... cit., p. 124).
45 A título de exemplo, art. 300 do Código Penal Português; art. 571 do Código Penal Espanhol; art. 421-1 do Código Penal Francês.
46 PELLET, Sarah. A ambiguidade da noção de terrorismo. In: CALDEIRA, Leonardo Nemer (coord.). Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na
comunidade internacional e no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 16.
47 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Delito político e terrorismo... cit., p. 438. No mesmo sentido, CUELLO CALÓN, Eugenio. Derecho penal.
Parte general. Barcelona: Bosch, 1975. t. I.
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extradição de crimes políticos”. Nessa frase curta e com muito conteúdo nota-se aquilo que o trabalho vem abordando:
a dificuldade em encontrar um conceito único e pacífico para terrorismo e crime político, bem como conceder aos atos
terroristas a benevolência da não extradição outorgada aos criminosos políticos.49
48
Entretanto – como já mencionado –, é fato o entender dos tribunais em não julgar de igual forma o crime político
e o terrorismo para efeitos de extradição. Tal entendimento parece estar mais relacionado às razões pragmáticas e de
cooperação penal internacional do que aos fundamentos teóricos.
Nesse diapasão, Cassese também já asseverava acerca desse dilema, colocando como um problema o fato de os
terroristas não serem considerados como criminosos políticos e, assim, excetos da extradição. Para o autor, tal entendimento
deve ser mais bem esclarecido, já que muitos atos terroristas têm clara inspiração política. Em suas palavras, “it is simply
that the methods used are such that the advantages normally accorded to political offences should not apply”.50
Para melhor compreensão do dilema, a matéria também traz a baila The Supplementary Treaty, firmado entre os
governos dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Foi proposto durante a administração de Reagan e assinado
em 25.06.1985. O referido Tratado foi o primeiro acordo de extradição que procurou estreitar o escopo da proibição de
extraditar por crimes políticos.
A alteração realizada por esse Tratado Complementar está no art. I, o qual altera a exceção por delito político,
contida no art. V, parágrafo (1) (c), do tratado de extradição em vigor, identificando crimes particulares que não devem
ser considerados como delitos políticos públicos, tais como sequestro, sabotagem de aeronaves e crimes contra pessoas
internacionalmente protegidas. Tal tratado foi firmado no contexto de ajudar o Reino Unido no tocante aos atentados do
IRA (Irish Republic Army), especificamente nos casos McMullen e Joseph Doherty.
Em 1978, McMullen, antigo membro do PIRA (Provisional Irish Republican Army), usando documentos falsos,
entrou ilegalmente nos Estados Unidos. Nesse ano, o Reino Unido pediu a sua extradição aos norte-americanos por
diversos atos que McMullen havia cometido em favor do grupo revolucionário. A extradição foi negada, tendo por base
a não extradição por crimes políticos. Devido à proibição de extraditar, os Estados Unidos deportaram McMullen para a
48 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e criminalidade política. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 5.
49 No mesmo sentido, “que o terrorismo está compreendido na categoria dos crimes políticos subjetivos, porque a conduta põe em perigo o convívio social,
provocando pânico e alarme (...) existe, por parte da doutrina e da jurisprudência, inegável resistência em qualificar o terrorismo como crime político, para
evitar que possa ele receber tratamento jurídico mais favorável” (COSTA JR., Paulo José da; CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito penal na Constituição.
São Paulo: Ed. RT, 1995. p. 253).
50 CASSESE, Antonio. The international community’s “Legal” response to terrorism. International and Comparative Law Quarterly, vol. 38, part 3, London:
British Institute of International and Comparative Law, july 1989, p. 593.
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Irlanda em 1986. Nesse ínterim em que McMullen estava no processo de deportação, o Reino Unido de novo requereu
sua rendição, desta vez baseada no novo tratado que eliminou a exceção de não extraditar em casos de crimes políticos.
Assim, dessa vez, McMullen foi extraditado ao Reino Unido.51
Especificamente, quanto ao caso de Doherty, também um antigo membro do IRA, que estava preso na Irlanda do
Norte pelo assassinato do capitão do Exército Britânico e fugiu para os Estados Unidos, tem-se novamente o impasse da
não extradição por crime político, haja vista que seu pedido, feito pelo Reino Unido, foi negado pelos Estados Unidos
com base nessa exceção.52
As controvérsias e indagações não param nesses casos práticos. Apenas a título de curiosidade da dificuldade em
delimitar o que seria um ato de terrorismo ou um crime político, menciona-se, nessa oportunidade, a questão do árabe
palestino que vivia em Chicago e foi acusado por ter plantado uma bomba em um mercado em Tiberias. Israel pediu
sua extradição. Novamente foi invocada a norma de não extradição por crimes políticos, entretanto, dessa vez não foi
permitida.53 Aqui, de pronto, nota-se a subjetividade do Poder Judiciário em definir quando invocar terrorismo e aceitar
sua extradição ou quando negar com base em crime político.
Durante as audiências de ratificação do The Supplementary Treaty, os críticos levantaram essa preocupação e a
compararam a questão fundamental de justiça, isto é, da mesma forma as pessoas devem ter direitos semelhantes.54 A
extradição ou não extradição por crimes políticos deve ser uníssona para todos os Estados. Além disso, pode-se dizer que
coloca em perigo o equilíbrio entre a separação de poder, uma vez que sobrecarrega o Poder Judiciário com decisões já
expressas nas Constituições.
51 BAUSSIONI, M. Cherif. International Extradition: United States Law and Practice. Sixth Edition. United States of America by Oxford University Press, 2014.
p. 236. Cabe aqui tecer um comentário: “En octubre de 1980 el ‘Board of Immigration Appels’ contradice al juez de inmigración porque McMullen no hay de
ser perseguido si regresa a Irlanda y porque ha cometido graves delitos no políticos como miembro del PIRA. El Tribunal de Apelaciones, al que recurre Mc
Mullen, entiende que para decidir si un delito es político o no – a los efectos de evitar una expulsión – hay que basarse en el vínculo entre el delito cometido
y los propósitos políticos alegados, todo ello contrastado con la proporcionalidad y el grado de atrocidad del delito; en este caso existen suficientes pruebas
para concluir que McMullen hay cometido delito comunes graves” (ROTAECHE, Cristina J. Gortázar. Derecho de asilo y “no rechazo” del refugiado. Madrid:
Dykinson, 1997. p. 7).
52 ROTAECHE, Cristina J. Gortázar. Derecho de asilo y “no rechazo” del refugiado... cit., p. 73.
53 WISE, Edward M. The Political Offence Exception to Extradition... cit., p. 363-364.
54 BASSO, Kathleen A. The 1985 U.S.-U.K. Supplementary Extradition Treaty: A Superfluous Effort? Boston College International and Comparative Law
Review, vol. 12, Issue 1, Article 11, 1989, p. 315.
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Contudo, consignam-se duas justificativas para The Supplementary Treaty: (i) Para Stephen Trott, chefe da Divisão
Criminal do Departamento de Justiça, vislumbra no tratado um protótipo de troca com os EUA, (“friends and allies”);55
(ii) Na sentença a favor do Tratado, para o entendimento do Juiz Abraham D. Sofaer, a razão para esse Tratado está
relacionada a crimes violentos, em que a exceção da não extradição por delitos públicos não tem lugar em tratados de
extradição entre democracias estáveis, em que o sistema está disponível a corrigir queixas legítimas e o processo judicial
fornece um tratamento justo.56
Pela dicção do Magistrado, subtrai-se outra indagação – aquela já feita quando estudado o caso Cesare Battisti –
quando se trata de uma democracia estável? Nesse diapasão é que questiona o motivo de os Estados Unidos não traçarem
acordos semelhantes com países como Coreia do Sul, África do Sul, El Salvador ou Filipinas, haja vista que são países
de importância estratégica aos norte-americanos, mas com uma reputação questionável para a democracia e a justiça para
inimigos políticos.57
Nesse ínterim, na sua decisão o Juiz Sofaer argumenta que a exceção à extradição por delitos políticos é medida pela
motivação do autor e que o Judiciário é incapaz de distinguir atos de terrorismo e atos de crimes políticos.58 O que se extrai
desse impasse entre terrorismo e crime político é que ambos os conceitos são fluídos na sua essência e se confundem no
tempo e no subjetivismo de quem alega.
Entre tantas dúvidas, há duas certezas: i) O terrorismo não é um fenômeno atual. Houve surtos de terrorismos em
diversas épocas do nosso contexto histórico. Os atentados de 11 de setembro de 2001 “apenas têm de singular os meios
utilizados, o número de vítimas e as suas repercussões globais”. Desse modo, cabe-nos afirmar que o terrorismo é um dos
55 YLE, Christopher H. Extradition, politics, and human rights. Philadelphia: Temple University Press, 2001. p. 202.
56 HANNAY, William M. The Legislative Approach to the Political Offense Exception. Legal Responses to International Terrorism: U.S. Procedural Aspects.
Martinus Nijhoff Publishers: The Netherlands, 1988. p. 120: “the rationale for this new Supplementary Treaty is simple: with respect to violent crimes, the
political offense exception has no place in extradition treaties between stable democracies, in which the political system is available to redress legitimate
grievances and the judicial process provides fair treatment”.
57 BLAKESLEY, Christopher L. The Evisceration of the Political Offense Exception to Extradition... cit., p. 122. Disponível em: [http://scholars.law.unlv.edu/
facpub/321]. Acesso em: 04.06.2014.
58 Nesse sentido, BLAKESLEY, Christopher L. The Evisceration of the Political Offense Exception to Extradition... cit., p. 118-119. Disponível em: [http://
scholars.law.unlv.edu/facpub/321]. Acesso em: 04.06.2014: “Judge Sofaer argues that some courts have applied the political offense exception to refuse
extradition to fugitives in cases in which the fugitives were, in the United States Government’s view, actually terrorists. The political offense exception,
therefore, must not be applied to hijacking or aircraft sabotage, to hostage taking or crimes against internationally protected persons. Further, the exception
must not apply to murder, manslaughter malicious assault, kidnapping, or property damage. The political offense exception must not apply to these offenses,
argues Judge Sofaer, because terrorist sometimes commit them and its application runs the risk of courts not finding terrorist extraditable, thereby allowing
those who have commit wanton acts of violence to avoid prosecution”.
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fatores que apertam “os laços de cooperação judiciária e de cooperação policial entre os Estados”; (ii) Nos tratados
entre os Estados, bem como nas legislações nacionais, tendem a delimitar a não extradição nos crimes de terrorismos,
dispondo expressamente uma cláusula.60
59
Em síntese, pelo estudo nota-se a dificuldade em não equiparar o terrorismo como crime político, visto que ambos
são ameaças à segurança nacional e ao Estado Social e Democrático de Direito. Tanto o crime político quanto o terrorismo
podem usar da violência, da emboscada, causando graves consequências psicológicas e grandes intimidações para a
sociedade em geral. Tem-se no terrorismo um fenômeno essencialmente político que causa reflexos de ordem política e
pública.
Na tentativa de não equiparar o terrorismo aos crimes políticos, a fim de evitar a benevolência na não extradição,
foram assinados inúmeros tratados. A título exemplificativo: o Convênio de Haia para a repressão do sequestro ilícito de
aeronaves (1970), o Convênio de Montreal para a repressão de atos ilícitos dirigidos contra a segurança da aviação civil
(1971) e a Convenção Europeia para a Repressão do Terrorismo (1977).
6. Conclusão
“A violência, por exemplo, pode não existir se um sistema de telecomunicações é desarranjado por meios eletrônicos,
ou se bacilos de moléstias contagiosas são enviadas pelo correio. O motivo político pode não existir, como no caso do
sequestro dos ministros da OPEP em sua reunião de Viena, em 1975. A Criação de terror pode também não existir em
fatos isolados, como os assassinatos de Martin Luther King e de Robert Kennedy”.61
Depois de transcorrido o período histórico e conceituado o crime político, cabe-nos uma indagação: a negação
da extradição por crimes políticos teria escopo nos dias atuais? Tomando como ponto de partida o contexto em que a
59 MIRANDA, Jorge. Os direitos fundamentais e o terrorismo: os fins nunca justificam os meios nem para um lado, nem para outro. Revista da Faculdade de
Direito de Lisboa, vol. 44, n. 1 e 2, Coimbra Ed., 2003, p. 658-659.
60 Vide notas 7 e 8. Isso é notado com muita clareza na Convenção Interamericana contra o Terrorismo assinada em 03.06.2002 – pela qual o Brasil é
signatário –, que foi criada como resposta ao medo instaurado pelo atentado de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América.Com o seguinte
teor: “Article 11: Inapplicability of political offense exception – For the purposes of extradition or mutual legal assistance, none of the offenses established in
the international instruments listed in Article 2 shall be regarded as a political offense or an offense connected with a political offense or an offense inspired
by political motives. Accordingly, a request for extradition or mutual legal assistance may not be refused on the sole ground that it concerns a political offense
or an offense connected with a political offense or an offense inspired by political motives”.
61 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e criminalidade política... cit., p. 5.
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cláusula de proibição de extraditar em casos de crimes políticos foi projetada, nota-se que mudou radicalmente em relação
à situação que prevaleceu na primeira metade do século XX, pelo menos no que diz respeito às relações de cooperação
jurídica internacional entre os Estados Democráticos. Partindo dessa premissa, a cooperação, geralmente, não é recusada
com o fundamento de que o ato continuado no Estado requerente seria de natureza política.62
Afirma Robert Zimmermann que, no círculo dos países europeus, a conquista dos direitos democráticos é um direito
adquirido, de forma que não podemos aceitar que os conflitos de grupos minoritários assumam uma significância de tão
grande monta a ponto de justificar criação de imunidades aos autores. Acrescenta ainda o autor que, no direito internacional,
não está bem definido o conceito de crime político. Em suas palavras: “Ces considérations de justice et d’humanité ont
pris ainsi le pas sur les jugementes de valeur – parfois assez hasardeux – que la notion floue du délit politique impose
aux autorités de l’Etat requis”.63
Outrossim, toda a premissa dessa abordagem – a aceitação da extradição aos criminosos políticos – pode ser falha
quando se tem a noção de que os tempos mudaram, de forma que o âmbito dessa isenção pode estar muito longe dos tipos
de casos a que é atualmente aplicada. Nesse diapasão, esse âmbito deve ser totalmente redefinido para as necessidades do
presente, a fim de proteger e promover a ordem pública internacional.64 Faz sentido tal entendimento quando se relaciona
a abordagem histórica para os delitos públicos, mas, atualmente, parece ser um benefício àqueles que cometem os delitos
considerados políticos.
Ademais, há a questão relacionada ao terrorismo, que, hodiernamente, “representa um grande problema para a
ordem jurídica internacional, visto que a maior preocupação é precisamente subtrair das ações terroristas o caráter
de criminalidade política”.65 Nesse ínterim, não obstante as codificações no sentido de que os atos de terrorismos não
se enquadram no rol do benefício da não extradição, nota-se que ainda há dificuldades em não descrevê-lo como crime
político.
Muitas soluções foram propostas para encarar os problemas da cláusula de não extradição aos criminosos políticos a
partir do final do século XX. Entre as possíveis soluções, destaca-se aquela dada de forma certeira por Zimmermann, que
aponta para a desnecessidade de usar a cláusula da não extradição nos casos de crimes políticos, exceto nos casos em que
62 ZIMMERMANN, Robert. La coopération judiciaire internationale em matière pénale... cit., p. 435.
63 Ibidem. Tradução livre: “As considerações de justiça e humanidade vão contra ao julgamento de valor – às vezes bastante perigosos – que a noção pura
do delito político impõe às autoridades estatais do Estado Requerente”.
64 Nesse sentido, GILBERT, Geoff. Transnational Fugitive Offenders in International Law – Extradition and Other Machanisms. Martinus Nijhoff Publishers: The
Hague/Boston/London, 1998. p. 246-247.
65 PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de. Delito político e terrorismo... cit., p. 430.
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cooperação é solicitada por um Estado totalitário ou que existe arbitrariedade. De antemão, ressalva que nessas hipóteses
aplica-se a regra de aut dedere, aut judicare (ou entrega ou julga).66
É de bom alvitre que os Estados – em seus tratados e legislações – tomem seus devidos cuidados para não tornar a
terra da impunidade, em que são guiados pelas necessidades dos momentos históricos, cujas regras não foram revisadas
na atualidade e perece a sua necessidade.
7. Referências Bibliográficas
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66 ZIMMERMANN, Robert. La coopération judiciaire internationale… cit., p. 436. Acerca da regra aut dedere, aut judicare: “Quando o Estado requerido, por
força da sua lei interna, não puder atender ao pedido estrangeiro deverá assumir a posição de guardião do interesse internacional comum, obrigandose a proceder contra o extraditando, tal como se o crime tivesse sido cometido em seu território” (GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Medidas
compulsórias... cit., p. 55).
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A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva
Carlos Eduardo da Silva Serra
Mestre em Ciências Jurídico-Criminais (Universidade de Lisboa).
Especialista acadêmico em Ciências Criminais (CESUSC – Florianópolis-SC).
Especialista em Ciências Jurídico-Criminais (Universidade de Lisboa).
Professor do curso de Direito do Instituto Superior do Litoral do Paraná – ISULPAR.
Professor orientador do departamento jurídico do Patronato de Pontal do Paraná-PR. Advogado militante no Estado do Paraná.
Sumário: Introdução – 1. A psicanálise e a sua relação com a Criminologia: o inconsciente pede passagem: 1.1 Breve histórico
da Psicanálise; 1.2 A estrutura da personalidade – 2. Teorias psicanalíticas sobre o crime: 2.1 Hipótese geral explicativa; 2.2 O
criminoso por sentimento de culpa – 3. Teorias psicanalíticas da sociedade punitiva: 3.1 Freud e a origem do tabu; 3.2 Posteriores
desenvolvimentos – 4. Consequências das teorias psicanalíticas para a política criminal – Conclusão – Referências bibliográficas.
Introdução
Os discursos do Direito e Psicanálise são evidentemente diversos, o que impede qualquer aproximação que não seja
feita com extrema cautela. No entanto, a Criminologia, por sua própria natureza interdisciplinar que se afasta da rigidez
da ciência jurídica, ante seus diversos desdobramentos e produção, permite esse diálogo com a psicanálise.
Como o propósito da psicanálise é analisar o homem como sujeito do inconsciente, e apreender seu comportamento,
por certo não poderia deixar de buscar explicações para o comportamento desviante. Com isso, diversos psicanalistas,
desde Freud até os contemporâneos, diligenciaram nesse sentido, e se debruçaram sobre o tema.
Se os conhecimentos criminológicos proporcionaram uma redução na tensão existente entre delinquente e vítima,
de modo a relativizar o contraste entre ambos, o discurso da psicanálise no campo da criminalidade é o que, efetivamente,
aproximará as noções de homem honesto e normal/homem criminoso e anormal, de tal forma que a oposição entre eles
acabará por deixar de existir.
Por outro lado, a teorias psicanalíticas não se restringiram à explicação do comportamento criminoso, mas voltaramse também para a pena, sob um ângulo visual completamente diverso, de modo a incluir a sociedade dentro do objeto de
estudo, a chamada teoria da sociedade punitiva.
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Destarte, o objetivo deste trabalho é abordar as principais teorias psicanalíticas sobre o crime e identificar sua
contribuição para a criminologia. Para tanto, discutiremos as teorias que procuram explicar o crime como ato individual.
Logo após, a teoria psicanalítica da sociedade punitiva, que apresenta os motivos que levam a sociedade a “produzir” o
crime e a puni-lo. Por fim, traçaremos em linhas gerais as implicações das referidas teorias para a política criminal.
1.A psicanálise e a sua relação com a Criminologia: o inconsciente pede
passagem
1.1 Breve histórico da Psicanálise
A psicanálise foi desenvolvida na década de 1890, por Sigmund Freud, e sua proposta é analisar o homem,
compreendido como sujeito do inconsciente. Ao analisar seus pacientes, Freud percebeu que seus problemas originavamse dos desejos reprimidos e acontecimentos traumáticos, os quais não eram “apagados”, antes ficavam relegados ao
inconsciente, de modo a influenciar continuamente seus pensamentos e comportamentos. A psicanálise consiste, portanto,
em um método de investigação que tem como objeto encontrar o significado inconsciente que existe nas ações, palavras,
sonhos, fantasias, atos falhos e outras produções imaginárias de um sujeito.
Desse modo, conquanto a psicanálise procure apreender o comportamento humano, evidentemente não poderia
deixar de estudar o comportamento desviante.1 Essa orientação de pesquisa desenvolveu-se a partir de Freud, sobretudo
entre as décadas de 1920 e 1930, quando foram aparecendo os contornos do que seria uma criminologia psicanalítica, a
qual veio, de certo modo, reeditar o pensamento dos primeiros criminólogos, sobretudo no tangível à responsabilidade,
já que, dentre os discursos que afirmavam a anormalidade do criminoso, foi justamente a psicanálise que aproximou as
1

De outro vértice, é importante lembrarmos, com Figueiredo Dias e Costa Andrade, que “é também conhecido o peso que as representações específicas
do universo criminal têm na teoria psicanalítica, na sua linguagem e na sua simbologia”, citando como exemplos categorias jurídico-criminais num conceito
nuclear da psicanálise, como o complexo de Édipo: crime originário, parricídio, incesto, culpa, castigo, etc. (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE,
Manuel da Costa. Criminologia – o homem delinquente e a sociedade criminógena. 2. reimpressão. Coimbra: Coimbra Ed., 1997. p. 186). Deve-se
ter em mente, também, conforme lembra Lélio Braga Calhau (Breves considerações sobre a visão de Jacques Lacan. Disponível em: [http://www2.
forumseguranca.org.br/node/22531]. Acesso em: 29.03.2010), que criminologia e psicanálise são ciências (para os que defendem essa visão) que surgiram
em períodos históricos muito próximos. Cesare Lombroso publicou O homem delinquente em 1876, enquanto A interpretação dos sonhos, de Freud, foi
publicada em 1900. Ambas tiveram notável influência no pensamento dos fins do século XIX (impende destacar que parte da doutrina considera a obra Dos
delitos e das penas, de Cesare Beccaria, como o marco inicial do surgimento da criminologia, mas a utilização do método empírico é atribuída a Lombroso).
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noções de homem honesto, normal/homem criminoso, anormal, sendo que tal proximidade deu-se de tal modo que a
oposição acabou por deixar de existir.2
Dentre as distintas linhas de pensamento que se seguiram, ainda que interligadas, a contribuição da psicanálise não
se ateve simplesmente à explicação do comportamento criminoso como ato individual, mas trouxe ainda um novo objeto
de análise, a própria sociedade, com o objetivo de esclarecer as razões pelas quais se busca a punição de determinadas
condutas, tipificando-as como crime.3
1.2 A estrutura da personalidade
Fundamental para a compreensão das teorias psicanalíticas é a representação da personalidade não como uma
estrutura homogênea, e sim dividida em três instâncias, denominadas Id, ego e superego.
O Id representa a instância inferior, comandada pelo princípio do prazer, é o polo inteiramente inconsciente e
impulsivo da personalidade, vive em busca de eliminar o desprazer e viver o prazer.
O superego é a instância superior, corresponde à ideia vulgar de “consciência”, já que atua como agência censória
sobre as pulsões instintivas do Id, a punir e reprimir as atitudes. É o que nos dá a noção de dever, obrigação, valores morais
etc. Começa a se estabelecer em nossa personalidade por volta dos 5 ou 6 anos de idade, quando começamos a ter maior
consciência de regras e valores.
Por fim, o ego é a instância intermediária. Atua como mediador entre os impulsos do Id e a censura do superego,
tentando estabelecer compromisso entre eles. É quem vai “decidir”, ponderar entre as duas outras instâncias. Embora
não seja nitidamente distinto do Id, o ego “procura conformar-se com as exigências do mundo exterior e o princípio da
realidade”.4
2
3
4

REUTER, Cristina. Criminologia e subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 50.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2002. p. 50. Também, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 184.
MANNHEIM, Hermann. Criminologia comparada. Trad. J. F. Faria Costa e M. Costa Andrade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. vol. 1, p. 450,
em que cita também Foulkes que “compara estas três camadas da personalidade humana a uma outra tríade: criminoso-sociedade-juiz, em que o cidadão
normal ocupa uma posição entre o primeiro e o terceiro” (p. 451). Também, FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 188189.
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Portanto, não é a “consciência consciente” que representa o principal regulador do comportamento ético e moral,
que depende, sobretudo, da atuação de códigos inconscientes que atuam durante todo o processo em que se forma a
personalidade do indivíduo.
2. Teorias psicanalíticas sobre o crime
2.1 Hipótese geral explicativa
Das teorias psicanalíticas, as quais têm origem comum na doutrina freudiana da neurose,5 podemos extrair uma
teoria geral do crime. Como hipótese explicativa do crime em geral, a criminologia psicanalítica assenta em três princípios
fundamentais, quais sejam:
– o homem é por natureza antissocial;
– o crime é consequência de uma domesticação sem êxito de um animal selvagem;
– a personalidade é moldada durante a infância, ou seja, essa fase é fundamental para um futuro comportamento
conforme ou desviante.6
Com isso, verificamos o primeiro fator de grande importância para a criminologia, a rejeição à ideia de delinquente
nato; distinguindo-se, portanto, das teorias lombrosianas. Enquanto Lombroso faz a distinção entre o criminoso nato e o
resto da humanidade, dando maior importância aos fatores hereditários ou congênitos, Freud afirma que todos os homens
entram na vida carregados de instintos igualmente imorais e antissociais – a privilegiar, assim, o papel conformador das
experiências externas (embora não ignore expressamente a força do substrato biológico e hereditário do indivíduo).7
5
6
7

O DSM IV eliminou a categoria “neurose”. Tais desordens são atualmente descritas como ansiedade e desordens depressivas. No entanto, adverte-se que
se manterá o termo nesse escrito apenas como forma de preservar o sentido com que era empregado.
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 191.
Ibidem. No mesmo sentido, MANNHEIM, Hermann. Op. cit., p. 457-458. Ambos destacam que tal pretensão de Lombroso, de distinguir a si próprio e aos
seus colegas do criminoso/anormal, é tida pelos psicanalistas como um desejo narcisista acadêmico.
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Em geral, as teorias psicanalíticas concordam que, assim como nos sonhos, atos falhos e sintomas neuróticos, o
crime representa a erupção vitoriosa das pulsões libidinosas no campo da consciência.8 Função do crime é, portanto,
satisfazer simbolicamente os instintos libidinosos. Ou seja, há uma perda do caráter inibitório do superego, pelo que o
ego passa a submeter-se às exigências do Id. As instâncias da personalidade ficam em permanente tensão, e nos casos em
que o Id não consegue a condescendência do ego para a criminalidade real, exprime-se a criminalidade latente, a qual é
encontrada em todos os homens, de forma mais ou menos intensa, o que não significa sua inatividade ou degenerescência.
Ela manifesta-se não apenas de forma inconsciente, como nos sonhos, mas também consciente, por meio das fantasias,
como, por exemplo, no caso em que a pessoa imagina um acidente mortal para a pessoa que odeia, ou até mesmo se
imagina a provocar tal acidente. Isso leva Freud a sustentar que em todos nós há um criminoso, e que todo homem, mesmo
o maior cumpridor das leis, é capaz, por exemplo, de matar.9
Por outro lado, existe a criminalidade neuroticamente condicionada: onde percebem-se processos neuróticos que
flexibilizam a dependência do ego em relação ao superego, ou mesmo o iludem quanto aos motivos reais, de modo a
ocultar-lhe o sentido do ato. Entre estes, podemos citar como exemplos o delito-sintoma ou delito-obsessão, em que o
ato aparece na consciência de maneira incompreensível e irresistível (é o caso da cleptomania); outra figura é o crime
provocado por mecanismos patológicos de sofrimento, tanto de sofrimento real, mas provocado (ou seja, há um processo
neurótico), como de sofrimento imaginado (em que há um processo psicótico em que o agente projeta sobre a vítima
seus instintos recalcados, como que em legítima defesa, por imaginar-se maltratado, segregado etc.); temos ainda o crime
“legitimado” por meio de racionalizações, é a situação em que se invocam razões aceitáveis para a prática do ato, de modo
que o ego acaba por se esquivar à vigilância do superego, a satisfazer os impulsos antissociais; e o crime por sentimento
de culpa, que é a forma extrema de criminalidade neurótica,10 o qual, devido à sua importância para o desenvolvimento
deste trabalho, será um pouco mais aprofundado.
8
Melanie Klein, citada por Figueiredo Dias e Costa Andrade, afirma que “não é tanto a fraqueza ou a ausência do Superego, mas antes a sua ‘severidade
excessiva e a sua crueldade esmagadora’ que são as verdadeiras responsáveis pelo crime. É o ódio a um tal Superego que leva à destruição de toda a
pessoa ou objecto que, de forma mais ou menos directa, mais ou menos simbólica, se identifica com ele” (Op. cit., p. 195).
9 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 193-195. Nesse sentido, também discorre Antonio Moniz Sodré de Aragão:
“Criminosos seremos todos... em latência... Seremos todos prisões ambulantes cheias de criminosos aferrolhados e que buscam escapar-se, a despeito
das grades e dos ferrolhos do recalcamento, iludindo a vigilância dos carcereiros da censura. Estes evadios serão nossos crimes. Portanto, como as
criancinhas inocentes são incestuosas e invertidas, nós, os probos e honestos cidadãos somos ladrões e assassinos a quem faltou oportunidade para o
roubo ou homicídio” (As três escolas penais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963. p. 394, citado por RAUTER, Cristina. Criminologia e subjetividade no
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 50).
10 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 197-198.
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2.2 O criminoso por sentimento de culpa
Nesse caso, o interessante é que se verificou que a culpa precedia o crime, a conduta contrária à lei penal é
praticada com o intuito de identificar sua angústia a algo concreto, pelo que a punição representaria seu alívio. Ele deseja,
inconscientemente, a punição, de modo a expiar não apenas esse novo crime, como também a culpa proveniente dos seus
desejos proibidos do passado. Portanto, há uma inversão da sequência normal de causa-efeito entre crime e culpa: em vez
de crime-culpa-punição, temos sentimento de culpa-crime-punição, e, por vezes, mais crime-punição, crime-punição...11
O sentimento de culpa assume o lugar dos outros fatores causais. Pode ocorrer de o agente insistir em continuar a praticar
delitos até ser descoberto, ou até mesmo se confessar, o que ocorre com frequência.12
De acordo com Freud, esse sentimento de culpa é resultado dos nossos sentimentos de agressão e ódio, ou ainda
dos desejos incestuosos, derivados sobretudo dos conflitos afetivos provocados pelo complexo de Édipo.13 O nome dado
a esse complexo remonta ao rei de Tebas, da tragédia de Sófocles – Édipo-rei –, o qual matou o pai e casou com a mãe
sem os identificar como tais. Segundo Freud, esse complexo desenvolve-se no período fálico ou genital, por volta dos 3
anos de idade, e consiste no desejo de ter relações sexuais com o progenitor do sexo oposto. Assim, no caso da criança
do sexo masculino,14 esta passa a ter desejo incestuoso em relação à mãe, o que é acompanhado de sentimento de ódio
e rebelião contra o pai, já que o vê como seu rival. A relação do menino com o pai nesse período é marcado por forte
ambivalência, porque o ama, admira e respeita, mas ao mesmo tempo mantém o sentimento parricida e, portanto, teme a
retaliação paterna.
A resolução do Édipo é condição indispensável para a boa inserção da criança no circuito de intercâmbio social,
já que representa o primeiro período em que se defronta com as figuras da lei, da transgressão, da culpa e do temor ao
castigo, advindo do poder de polícia e do papel de juiz atribuídos ao pai, e normalmente é resolvido por meio do processo
de identificação, quando o menino sublima seus sentimentos de ódio do pai e aceita-o como modelo, mas também pode
ocorrer por meio do complexo de castração ou medo de castração. O menino, na fase fálica, já tem o pênis como seu
principal órgão de prazer, e, descobrindo a diferença entre os sexos, imagina que a menina e a mulher não possuem seu
11 MANHEIMM, Hermann. Op. cit., p. 462.
12 Afirma Freud: “Por mais paradoxal que isso possa parecer, devo sustentar que o sentimento de culpa se encontrava presente antes da ação má, não
tendo surgido a partir dela, mas inversamente – a iniquidade decorreu do sentimento de culpa. Essas pessoas podem ser apropriadamente descritas como
criminosas em consequência do sentimento de culpa. A preexistência do sentimento de culpa fora, naturalmente, demonstrada por todo um conjundo de
outras manifestações e efeitos” (FREUD, Sigmund. Criminosos em consequência de um sentimento de culpa. Obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Edição standard brasileira das obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1916. vol. XIV, p. 347).
13 Idem, p. 347-348.
14 No caso da criança do sexo feminino, tem-se o complexo de Electra.
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órgão porque foram castradas, e justamente por uma punição do pai. Logo, por medo de que o mesmo lhe aconteça, passa
a ceder à sua paixão incestuosa pela mãe, e esse temor induz o menino a aceitar a lei do pai. Destarte, o complexo de
Édipo desaparece por volta dos 4 ou 5 anos de idade, pelo que Freud afirma que com isso marca o início do surgimento do
superego e da consciência. O complexo de Édipo é tido como o complexo nuclear das neuroses.15
Na sua obra Mal-estar na civilização, Freud ainda aponta a origem da culpa como expressão do conflito de
ambivalência, da eterna luta entre o instinto de vida (Eros) e o instinto de destruição ou morte (thanathos), que tem
origem na família e, posteriormente, ganha forma mais ampla na vida comunitária.16 Enquanto a civilização está a serviço
do Eros, o instinto agressivo é parte do thanathos, que é, portanto, uma luta entre instinto de vida e de destruição. A
agressividade geralmente é introjetada e transformada em superego, que se põe contra o ego. E dessa tensão entre ego e
superego surge o sentimento de culpa.17
Freud aponta as causas do agir delitivo a partir de dois interrogantes: em primeiro lugar, sobre a origem do sentimento
de culpa, o qual antecede o ato; depois, se é possível afirmar-se que esse motivo seja efetivamente importante na prática
delitiva. Quanto à primeira questão, a resposta é dada a partir do complexo de Édipo, conquanto o sentimento de culpa
represente uma reação às duas grandes intenções criminais: matar o pai e gozar a mãe. Segundo Freud, o parricídio é o
crime capital e primordial, tanto da humanidade como do indivíduo, compondo, juntamente com o tabu do incesto, a fonte
da qual a humanidade extraiu sua consciência.18
15 MANHEIMM, Hermann. Op. cit., p. 463.
16 Idem, p. 464-465.
17 Afirma Freud: “Embora talvez não seja de grande importância, não é supérfluo elucidar o significado de certas palavras, tais como ‘superego’, ‘consciência’,
‘sentimento de culpa’, ‘necessidade de punição’ e ‘remorso’, as quais é possível que muitas vezes tenhamos utilizado de modo frouxo e intercambiável.
Todas se relacionam ao mesmo estado de coisas, mas denotam diferentes aspectos seus. O superego é um agente que foi por nós inferido e a consciência
constitui uma função que, entre outras, atribuímos a esse agente. A função consiste em manter a vigilância sobre as ações e as intenções do ego e julgálas, exercendo sua censura. O sentimento de culpa, a severidade do superego, é, portanto, o mesmo que a severidade da consciência. É a percepção
que o ego tem de estar sendo vigiado dessa maneira, a avaliação da tensão entre os seus próprios esforços e as exigências do superego. O medo desse
agente crítico (medo que está no fundo de todo relacionamento), a necessidade de punição, constitui uma manifestação instintiva por parte do ego, que
se tornou masoquista sob a influência de um superego sádico; é, por assim dizer, uma parcela do instinto voltado para a destruição interna presente no
ego, empregado para formar uma ligação erótica com o superego. Não devemos falar de consciência até que um superego se ache demonstravelmente
presente. Quanto ao sentimento de culpa, temos de admitir que existe antes do superego e, portanto, antes da consciência também. Nessa ocasião, ele é
expressão imediata do medo da autoridade externa, um reconhecimento da tensão existente entre o ego e essa autoridade. É o derivado direto do conflito
entre a necessidade do amor da autoridade e o impulso no sentido da satisfação instintiva, cuja inibição produz a inclinação para a agressão” (FREUD,
Sigmund. O mal-estar da civilização. Obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. São Paulo: Imago, 1996. vol. XXI, p. 139).
18 CARVALHO, Salo. Freud criminólogo: a contribuição da psicanálise na crítica aos valores fundacionais das ciências criminais. Revista Direito e Psicanálise,
vol. 01, p. 107-137, 2008, p. 123. Afirma ainda o autor que: “Isto explicaria porque não caberia atribuir ao azar o fato de as três obras-primas da literatura
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A segunda questão, contudo, é relativizada por Freud, que, embora sustente que o sentimento de culpa seja, na
maioria das situações, a motivação que levou à prática delitiva, nega que ele seja tido como causa determinante e universal
dos delitos, afirmando que há casos nos quais reconhece que as pessoas efetivamente praticam crimes sem sentimento de
culpa ou que atuam crendo justificado seu ato.19
É justamente ante a teoria do crime por sentimento de culpa que Alessandro Baratta aponta para uma radical
negação do tradicional conceito de culpabilidade e, portanto, também de todo o direito penal baseado no princípio da
culpabilidade,20 já que, fundada no livre arbítrio, a construção dogmática da culpabilidade pressupõe a capacidade de
compreensão do caráter ilícito do fato por parte do autor, bem como a possibilidade de agir diversamente, pelo que a noção
racionalista de ação consciente constitui a base do conceito de reprovabilidade penal.21
De outro vértice, ainda é preciso fazer a distinção entre o criminoso por sentimento de culpa e o criminoso normal,
que é o caso em que o superego assume natureza antissocial, havendo mesmo a ausência de conflito com as outras instâncias
da personalidade. Seu aparecimento deve-se a perturbações nos processos de identificação e formação da consciência
durante a primeira infância. Ou seja, o indivíduo é condicionado pela sua educação e ambiente, considerando, portanto,
naturais as práticas delitivas (é o caso dos delinquentes habituais e a delinquência juvenil mais ou menos organizada).22
Outra questão interessante é a dos crimes negligentes. Freud acredita que, por vezes, podem tão somente aparentar
não intencionais, quando, na verdade, são motivados também pelo inconsciente, assim como acontece nas por ele chamadas
“ações negligentes”, como chiste, lapso e ato falho.23
universal (Édipo de Sófocles, Hamlet de Shakespeare e Os Irmãos Karamazof de Dostoyewski) contemplarem o mesmo tema: o parricídio”.
19 CARVALHO, Salo. Freud criminólogo... cit., p. 123. Segundo Freud: “No tocante às crianças, é fácil observar que muitas vezes são propositadamente
‘travessas’ para provarem o castigo, e ficam quietas e contentes depois de serem punidas. Frequentemente, a investigação analítica posterior pode
situar-nos na trilha do sentimento de culpa que as induziu a procurarem a punição. Entre criminosos adultos devemos, sem dúvidas, excetuar aqueles
que praticam crimes sem qualquer sentimento de culpa; que, ou não desenvolveram quaisquer inibições morais, ou, em seu conflito com a sociedade,
consideram sua ação justificada. Contudo, no tocante à maioria dos outros criminosos, aqueles para os quais as medidas punitivas são realmente criadas,
tal motivação para o crime poderia muito bem ser levada em consideração; ela poderia lançar luz sobre alguns pontos obscuros da psicologia do criminoso
e oferecer punição com uma nova base psicológica” (FREUD, Sigmund. Criminosos em consequência de um sentimento de culpa... cit., p. 348).
20 Nas palavras do autor: “Precisamente com o comportamento delituoso, o indivíduo supera o sentimento de culpa e realiza a tendência a confessar. Deste
ponto de vista, a teoria psicanalítica do comportamento criminoso representa uma radical negação do tradicional conceito de culpabilidade e, portanto,
também de todo direito penal baseado no princípio da culpabilidade” (BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 50).
21 CARVALHO, Salo de. Freud criminólogo... cit., p. 124-125.
22 MANHEIMM, Hermann. Op. cit., p. 466 e FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit, p. 201.
23 MANHEIMM, Hermann. Op. cit., p. 466-467.
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Por outro lado, é importante verificarmos também o afastamento que os seguidores de Freud tiveram das suas
teorias.
Diversamente do sistema de Freud, que era estruturado essencialmente na ideia de sexo (no seu sentido mais amplo),
Alfred Adler, a introduzir o conceito de complexo de inferioridade (em substituição ao complexo de Édipo), sustentou
suas ideias na vontade de poder (no lugar da libido, como instinto fundamental), o sentimento originário de inferioridade
e a consequente luta pela superioridade. Segundo Adler, um complexo de inferioridade pode ser considerado como
motivação de determinados delitos justamente pelo fato de que estes seriam uma das formas mais eficazes de compensar
seu sentimento de inferioridade, conquanto a prática delitiva faça com que o indivíduo chame para si todas as atenções.24
Carl Gustav Jung também considerou exagerada a importância que Freud conferia ao instinto sexual, mas considerava
equivocado partir da atuação contínua de um único instinto, como em Adler. Assim, a estabelecer seus conceitos de
introvertido e extrovertido (os quais vieram a ser retomados e amplamente utilizados na investigação atual em psicologia),
acreditava que a união das teorias freudianas e adlerianas poderia se combinar para ocorrer o tratamento.25
Erich Fromm também divergiu das teorias freudianas no tangível à libido como a força básica que motiva as paixões
e os desejos humanos, afirmando que o impulso sexual e suas derivações, embora forças muito poderosas, não seriam as
efetivamente mais poderosas que atuam no homem, tampouco a sua frustração seria causa de perturbações mentais. As
forças mais poderosas que motivam a conduta humana, preconizava Fromm, nascem das condições de sua existência,
da “situação humana”. Ele considerava que todas as paixões e necessidades do homem são importantes. Dentre elas,
a necessidade de vincular-se com outros indivíduos, de relacionar-se com eles, sendo mesmo imperiosa, pois da sua
satisfação depende a saúde mental do homem.26
24 Idem, ibidem, p. 473-474; FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit, p. 187.
25 MANHEIMM, Hermann. Op. cit., p. 476-477.
26 FROMM, Erich. Psicoanálisis de la sociedad contemporánea: hacia una sociedad sana. 6. ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1964. p. 31.
Acrescenta Fromm: “Esta necesidad está detrás de todos los fenómenos que constituyen la gama de las relaciones humanas íntimas, de todas las pasiones
que se llaman amor en el sentido más amplio de la palabra (...). Sólo hay una pasión que satisface la necesidad que siente el hombre de unirse con el
mundo y de tener al mismo tiempo una sensación de integridad e individualidad, y esa pasión es el amor. El amor es unión con alguien o con algo exterior
a uno mismo, a condición de retener la independencia e integridad de sí mismo. Es un sentimiento de coparticipación, de comunión, que permite el pleno
despliegue de la actividad interna de uno. (...) Hay amor en el sentimiento humano de solidaridad con nuestros prójimos, en el amor erótico de hombre y
mujer, en el amor de la madre al hijo, y también en el amor por sí mismo como ser humano; y en el sentimiento místico de unión. En el acto de amor, yo
soy uno con todo y, sin embargo, soy yo mismo, un ser humano singular, independiente, limitado, mortal. En realidad, el amor nace y vuelve a nacer de
la misma polaridad entre aislamiento y unión” (p. 34). Fromm introduz o conceito de narcisismo para que se compreenda plenamente a necessidade que
sente o homem de relacionar-se com os demais nas consequências de ausência de toda classe de relações. Esclarece que, segundo Freud, o narcisismo
é um fenômeno normal, conforme o desenvolvimento normel, fisiológico e mental, da criança, o que ele denomina narcisismo primário. No entanto, exite
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Por sua vez, Jean Bergeret também dissentiu de Freud, sobretudo na questão do complexo de Édipo. Enquanto
para Freud a questão fundamental que está em jogo é o incesto, Bergeret afirma que a questão principal a ser resolvida é
a da violência fundamental e da rivalidade. Tal violência fundamental é definida pelo autor como a disposição natural e
primitiva do ser humano, de lutar pela sua sobrevivência, pela qual o homem é levado a dominar, subjugar ou até destruir
o outro, tudo em nome da “lei da sobrevivência”. O incesto surge, portanto, como uma expressão ou consequência dessa
rivalidade, pelo que Bergeret confere outra interpretação do Édipo-rei, já que Édipo matou seu pai e ocupou seu lugar no
leito, e não para ocupar seu lugar no leito. Entre pulsões libidinais e a violência fundamental se estabelece uma relação
que não é de conflito, mas sim de continuidade, pelo que sua integração lhes dá um direcionamento. Portanto, para que
as energias da violência fundamental sejam canalizadas para os objetos e objetivos definidos e socializados, é necessária
a sadia resolução do complexo de Édipo, fazendo com que a vida psíquica se organize sob o primado da libido. Caso não
ocorra essa canalização, afirma Bergeret, a violência fundamental assume formas perversas ou psicóticas.27
Já os pesquisadores de orientação lacaniana apresentam outra posição, segundo a qual o crime é a busca de uma obra.
Obra no sentido de fundação de uma inscrição social, a qual todo sujeito anseia. O lugar na polis é o objetivo do ser falante.
“Se não como o super-herói, como o pior dos criminosos. Essa é a prerrogativa de ser, de se destacar da função materna,
do reino da simbiose, que ao mesmo tempo nutre e asfixia, para produzir-se na relação com o Outro constantemente.
Há uma imprevisibilidade naquilo que o sujeito humano é capaz de fazer, seja através de atos, pensamentos, emoções,
sentimentos, desejos, fantasias, etc. Isso traz uma inevitável variabilidade entre os atos tipicamente criminais e os modos
de ser humano”.28
Apresentadas, ainda que de forma breve, as principais teorias psicanalíticas que versam sobre o comportamento
criminoso, passaremos agora a discorrer sobre a outra linha de pensamento que se seguiu, as teorias da sociedade punitiva,
as quais deslocaram o foco de análise, que antes era o próprio agente, para a sociedade e, principalmente, para o sistema
penal e os respectivos processos de criminalização, o que resultou em críticas ao direito penal.
narcisismo em etapas poosteriores da vida (secundário), se a criança em crescimento não desenvolve a capacidade de amar, ou se a perde. Para as
pessoas narcisisticamente afetadas, não há mais que uma realidade, a de seus próprios pensamentos, sentimentos e necessidades. O mundo exterior não
é percebido como objetivamente existente, ou seja, como existente em suas próprias condições, circunstâncias e necessidades, pelo que o narcisismo –
afirma Fromm – é a essência de todas as enfermidades psíquicas graves (p. 37).
27 BERGERET, Jean. La violencia fundamental: el inagotable Edipo. Trad. Carlos Padróny Soledad. Escassi. Madrid: Fondo de Cultura Económica, Ortega,
1990, apud SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 36.
28 HOENISCH, Julio Cesar Diniz; PACHECO, Pedro José; CIRINO, Carlos da Silva. Transgressão, crime, neurociências, impasses aos saberes da psicanálise?
Estudos de psicanálise, n. 32, p. 81-90, 2009, p. 86-87.
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3. Teorias psicanalíticas da sociedade punitiva
3.1 Freud e a origem do tabu
Ante a verificação de que a pena é anterior ao crime, as teorias psicanalíticas da sociedade punitiva buscaram revelar
as razões e a estrutura social que induzem a sociedade a infligir pena àqueles que praticam um comportamento desviante,
pelo que, mais do que enfocar no agente que comete o delito, é a própria sociedade que deveria se tornar objeto de estudo.29
O próprio Freud já se debruçara sobre o tema, principalmente em Totem e Tabu, em que discute as proibições de
infringir o tabu,30 quais sejam, não matar o animal totêmico, nem copular com pessoas do sexo oposto pertencentes ao
mesmo totem-família; como defesa contra nossas tendências criminosas inconscientes. Os impulsos inconscientes por
represália e retribuição são insinuados pelo medo do poder contagioso do crime, de modo que a punição proporciona
àquele que aplica a pena a oportunidade de cometer o mesmo crime, a descarregar seus próprios sentimentos de culpa
outrora reprimidos.31 Após desenvolver a analogia, Freud distingue a neurose do tabu. A neurose é uma doença individual,
o tabu, uma formação social. Ao violar o tabu, o primitivo teme atrair sobre si uma pena grave, uma séria doença ou,
ainda, a morte. Já o neurótico obsessivo, diversamente, teme quanto à violação, à aplicação da pena a um parente ou a
uma pessoa próxima, e não a si próprio.32 A punição ocorre de forma espontânea, nas situações em que se viola o tabu. A
pena que se efetua com o intermédio do grupo social é apenas uma forma secundária de pena, a atuar, portanto, de forma
29 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 202.
30 FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. vol. XIII, p. 40: “A palavra ‘tabu’
denota tudo – seja uma pessoa, um lugar, uma coisa ou uma condição transitória – que é o veículo ou fonte desse misterioso atributo. Também denota
as proibições advindas do mesmo atributo. E, finalmente, possui uuma conotação que abrange igualmente ‘sagrado’ e ‘acima do comum’, bem como
‘perigoso’, ‘impuro’ e ‘misterioso’”.
31 GOMES, Roberto. Violência e crime: o vértice da psicanálise. Civitas – Revista de Ciências Sociais, ano/vol. 1, n. 002, Porto Alegre: Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, dez. 2001, p. 69.
32 Nas palavras de Freud (Totem e tabu... cit., p. 83-84): “Existe, entre os povos primitivos, o temor de que a violação de um tabu seja seguida de uma punição,
em geral alguma doença grave ou a morte. A punição começa cair sobre quem quer que tenha sido responsável pela violação do tabu. Nas neuroses
obsessivas, o caso é diferente. O que o paciente teme, se efetuar alguma ação proibida, é que o castigo caia não sobre si próprio, mas sobre alguma
outra pessoa. A identidade da pessoa, via de regra, não é enunciada, mas em geral pode-se demonstrar sem dificuldade, através da análise, que se trata
das mais próximas e queridas do paciente. Aqui, então, o neurótico parece estar comportando-se altruisticamente e o homem primitivo, egoisticamente.
Somente quando a violação de um tabu não é automaticamente vingada na pessoa do transgressor é que surge entre os selvagens um sentimento coletivo
de que todos eles estão ameaçados pelo ultraje; e em seguida, apressam-se em efetuar eles próprios a punição omitida. Não há dificuldade em explicar o
mecanismo desta solidariedade”.
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subsidiária à punição espontânea, tendo em vista que todos os demais integrantes do grupo se sentem ameaçados com a
violação do tabu e, por isso, antecipam-se na punição do violador.33
Segundo Freud, é a tentação por parte dos demais membros do grupo em imitar aquele que violou o tabu, de modo a
também liberar seus instintos reprimidos, que explica essa estrutura punitiva de solidariedade e, portanto, a representação
da capacidade contaminadora do tabu, demonstrada nas formas de isolamento e quarentena às quais são submetidos seus
violadores. Pressuposto, portanto, da reação punitiva, é justamente a presença de impulsos análogos ao proibido, nos
demais componentes do grupo,34 e a pena, uma vez que é anterior ao crime, representaria um reforço do ego social.35
Destarte, onde há uma proibição, verifica-se um desejo impedido. Como o próprio Freud afirma, não haveria razão
para se proibir algo que ninguém deseja fazer.36 A mesma situação podemos observar em relação ao ordenamento jurídico,
a impor a proibição a determinadas condutas, ao desejo humano, ou seja, somente aquilo que os seres humanos estão
propensos a fazer é que se constituirá em proibições.
3.2 Posteriores desenvolvimentos
Outros autores também se defrontaram com essas questões. Com base na teoria freudiana do crime por sentimento
de culpa, Theodor Reik elaborou uma teoria psicanalítica do direito penal, em que à pena é atribuída uma dupla função,
satisfazer a necessidade inconsciente de punição que conduz à ação proibida, bem como a punição da própria sociedade,
33 BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 50.
34 Idem, p. 51.
35 “O tabu é uma proibição primeva forçadamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e dirigida contra os anseios mais poderosos a que estão sujeitos
os seres humanos. O desejo de violá-lo persiste no inconsciente; aqueles que obedecem ao tabu têm uma atitude ambivalente quanto ao que o tabu proíbe.
O poder mágico atribuído ao tabu baseia-se na capacidade de provocar a tentação e atua como um contágio porque os exemplos são contagiosos e porque
o desejo proibido no inconsciente desloca-se de uma coisa para outra. O fato de a violação de um tabu poder ser expiada por uma renúncia mostra que esta
renúncia se acha na base da obediência ao tabu” (FREUD, Sigmund. Totem e tabu... p. 51). Nesse sentido, também Erich Fromm, citado por Figueiredo
Dias e Costa Andrade: “(...) o direito criminal se dirige menos aos delinquentes, reais ou potenciais, do que aos cidadãos conformistas; que mais do que a
prevenção geral e especial, aspira a uma função educativa. O direito criminal será o meio privilegiado através do quel os agentes da autoridade mobilizam,
ao serviço da ordem, o efeito que a imagem do pai exerce sobre as massas. ‘A justiça penal – escreve – tem o papel do pau encostado à parede, que mostra
à criança rebelde que um pai é um pai e uma criança é uma criança’” (FROMM, Erich. Analytische Sozialpsychologie und Gesellschaftstheorie. Frankfurt:
Suhrkamp, 1971. p. 139, apud FIGUEIREDO DIAS, Jorge; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 203).
36 “Visto que os tabus se expressam principalmente em proibições, a presença subjacente de uma corrente positiva de desejo pode ocorrer-nos como algo
bastante óbvio e que não exige provas exaustivas baseadas na analogia das neuroses, porque, afinal de contas, não há necessidade de se proibir algo que
ninguém deseja fazer e uma coisa que é proibida com a maior ênfase deve ser algo que é desejado” (FREUD, Sigmund. Totem e tabu... cit., p. 81-82).
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por meio da sua inconsciente identificação com o delinquente, pelo que as duas principais funções conferidas à pena, de
retribuir e prevenir o crime, apresentam-se como racionalização de fenômenos estruturados no inconsciente da psique
humana.37
Com isso, denota-se o sentimento ambivalente da sociedade em relação ao crime, manifestado na pena, identificandose ora com a vítima, ora com o delinquente. No primeiro caso, a punição permite à sociedade expressar seus próprios
instintos de agressão, pelo que a pena apresenta-se como verdadeira violência legitimada, a servir como um alívio dos
instintos de agressão da sociedade. Isso leva Freud a asseverar que a pena proporciona aos que a aplicam a possibilidade
de praticar os mesmos atos criminosos, a coberto da justificação da expiação, e este é justamente um dos fundamentos
da ordem penal: ter como pressuposto a identidade dos impulsos criminosos e da sociedade punitiva. Por sua vez, a
identificação com o delinquente proporciona a autopunição e expiação dos sentimentos de culpa da sociedade. Ou seja, da
mesma forma que ocorre no plano individual, o sentimento de culpa e a necessidade da sua expiação por meio do crime
e do castigo são também dados da experiência coletiva.38 É um exemplo da análise freudiana do mecanismo de projeção,
em que a coletividade transfere a sua culpa para o delinquente e pune-se, punindo-o, também conhecida como a teoria do
bode expiatório, mais tarde aprofundada por Helmut Ostermeyer e Edward Naegeli.39
A conclusão a que chega Reik ante sua teoria é de que a propensão de desenvolvimento do direito penal é a própria
superação da pena, afirmando que “talvez virá um tempo em que a necessidade de punição será menor do que a atualidade,
e em que os meios de que dispõe para evitar o delito estarão para a pena assim como o arco-íris está para o tremendo
temporal que o precedeu”.40
Franz Alexander e Hugo Staub enriqueceram a construção de Reik, afirmando que a pena infligida a quem delinque
viria a contrabalançar a pressão dos impulsos reprimidos, representando defesa e reforço do superego.41 Assim, o estímulo
37 BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 52. Acrescenta o autor: “Ambas [teoria retributiva e teoria da prevenção] transferem a função da pena para um resultado
futuro, que consiste em influenciar a coletividade ou o autor do delito. Como tais, elas são estritamente complementares e fundam suas raízes psicológicas
na natureza bifronte que tem a pena, na sua indissolúvel função dupla, dirigida, simultaneamente, ao delinquente e à sociedade. Ambas estas funções
somente podem ser compreendidas através de uma fundação psicológica da finalidade da pena, que parta da investigação psicológica que Freud fez do
sentimento de culpa, anterior ao delito e que, como se disse, aparece não com uma consequência da ação delituosa, mas como a sua mais profunda
motivação”.
38 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 203-204.
39 BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 55.
40 REIK, T. Geständniszwang und Strafbedürfnis. Probleme der Psychoanalyse und der Kriminologie. Psychoanalyse und Justiz. Frankfurt: A. Mitscherlich,
1971. p. 139, apud BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 52.
41 BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 53.
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para a punição representaria uma reação defensiva do ego contra os próprios impulsos, com objetivo da sua repressão, ou
seja, suprimi-los para que sejam impedidos de atingir o consciente, e assim conservar o equilíbrio espiritual entre forças
repressivas e forças reprimidas. A necessidade imperiosa de punir o delinquente é, ao mesmo tempo, uma demonstração
orientada para dentro, de modo a desencorajar os impulsos: “o que nós proibimos ao delinquente, vós também podeis
renunciar”.42
Posteriormente, Alexander e Staub aprofundaram ainda mais a teoria, partindo do princípio freudiano da identidade
dos impulsos que impelem o delinquente e a sociedade na sua reação punitiva, sendo transportado para as propriedades
psicológicas gerais da esfera dos delinquentes e das pessoas que incorporam os órgãos do sistema penal. Reforça-se,
portanto, a tese reikiana, em razão de avaliar a pena não apenas do ponto de vista da identificação da sociedade com
o delinquente, como um reforço do superego, mas da identificação do sujeito individual da sociedade punitiva com os
órgãos da reação penal, levando, neste último caso, que as pessoas realizem um diligente exercício da função punitiva.
Desse modo, a agressão que não pode ser levada a cabo em forma de comportamento social, porquanto fora impedida por
inibições, agora é desviada para uma forma legítima, e aliviada por meio dessa identificação do sujeito com os atos da
sociedade punitiva.43
O conceito psicanalítico de projeção é amplamente retomado em posteriores desenvolvimentos das teorias da
sociedade punitiva. É por meio da figura mítica do bode expiatório que o mecanismo da projeção da agressividade e o
respectivo sentimento de culpa sobre o criminoso são analisados na literatura psicanalítica.44
Nessa seara, é sobretudo na obra de Edward Naegeli que se encontra seu maior desenvolvimento no tangível à
teoria do delinquente como bode expiatório. A necessidade de encontrar no delinquente um bode expiatório, projetando
sobre ele as nossas tendências conscientes e/ou inconscientes, é relacionada por Naegeli à mórbida necessidade das
42 ALEXANDER, Franz; STAUB, Hugo. Ideologie et apareils idéologiques d’Etat. Notes pour une recherce. La Pensée, n. 151, 1971, p. 388 apud BARATTA,
Alessandro. Op. cit., p. 53.
43 BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 53-54. Afirma ainda o autor: “Alexander e Staub, assim como Reik, aprofundam esta análise psicológica da função
punitiva, para realizar uma crítica de fundo da justiça penal, sobre a qual pesa e pesará ainda por muito tempo o sedimento irracional das fontes afetivas da
função punitiva, que a análise psicanalítica põe a nu. Eles partem da representação ideal de uma justiça racional, que atua sem os conceitos de expiação,
de retribuição e que não sirva, como ocorre na realidade, à satisfação dissimulada de agressões das massas. Para que semelhante resultado seja possível
é necessário não só que os homens alcancem um maior controle do ego sobre a vida afetiva, mas também que as tendências agressivas das massas
encontrem mais ampla eliminação através de sublimações. E o discurso de Alexander e Staub não finaliza com a imagem utópica e risonha do arco-íris
reikiano, mas com uma previsão sombria e pessimista, que adquire uma luz sinistra, se pensarmos que ela se fazia presente precisamente na Alemanha,
nos anos imediatamente anteriores ao advento do nacional-socialismo, e não distantes da segunda gerra mundial”.
44 BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 55.
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descrições sensacionalistas de crimes, tão divulgadas pelos meios de comunicação de massa. Assim os sentimentos de
culpa, originados do conteúdo consciencial inibido pelo superego, são descarregados e transferidos para uma outra pessoa,
objeto da projeção, de modo a formar a ideia de que pertence a algo externo, a um terceiro. Esse objeto, que é o bode
expiatório e cuja principal característica é precisamente o fato de encontrar-se em condição indefesa, é insultado e punido,
em vez de essas ações serem voltadas contra si próprio.46 Naegeli ainda adverte para o perigo que esse fenômeno representa
quando levado a cabo pela comunidade e dirigido para minorias e grupos marginais.47
45
É diante das teorias psicanalíticas da sociedade punitiva que Alessandro Baratta afirma que também o princípio
da legitimidade é posto em causa, tendo em vista que “a função psicossocial que atribuem à reação punitiva permite
interpretar como mistificação racionalizante as pretensas funções preventivas, defensivas e éticas sobre as quais se
baseia a ideologia da defesa social (princípio da legitimidade) e em geral toda ideologia penal. Segundo as teorias
psicanalíticas da sociedade punitiva, a reação penal ao comportamento delituoso não tem a função de eliminar ou
circunscrever a criminalidade, mas corresponde a mecanismos psicológicos em face dos quais o desvio criminalizado
aparece como necessário e ineliminável da sociedade”.48
4. Consequências das teorias psicanalíticas para a política criminal
Em virtude da ampla produção e desenvolvimento das teorias psicanalíticas que versam sobre a criminalidade,
diversas são as opiniões e conclusões no sentido de contribuir para a política criminal. Impende destacar que essa
também não é uma tarefa fácil, já que, em que pese a possibilidade de aproximação entre os discursos psicanalítico e
criminológico,49 o mesmo não ocorre em relação ao direito penal, que deixa à margem da sua construção dogmática não
apenas as contribuições da psicanálise, mas inclusive da própria criminologia.50
45 Idem, p. 55-56.
46 A tese de Naegeli encontra eco nos aforismos de Aurora, em Nietzsche: “Quem é castigado já não é aquele que realizou o ato. Ele é sempre o bode
expiatório”.
47 NAEGELI, Edward. Die Gesellschaft un die Kriminellen. Zurich, 1972, apud BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 56.
48 BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 50
49 Para Salo de Carvalho, a possibilidade de diálogo entre psicanálise e criminologia só é imaginável no âmbito da por ele nomeada “criminologia trágica”,
livre dos preceitos etiológicos cientificistas. Para o autor, essa interlocução estaria “na convergência dos discursos para a análise crítica do mal-estar
contemporâneo que se traduz de inúmeras formas na reprodução das violências” (CARVALHO, Salo de. Criminologia e psicanálise: possibilidades de
aproximação. Revista de Estudos Criminais, n. 29, Porto Alegre: Notadez, 2008, p. 89).
50 Para que psicanálise e direito penal possam dialogar, Nilo Batista afirma que há um ponto de partida do qual não se pode evitar, precisamente, “conceber
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Em geral, os códigos penais atuais reconhecem a anormalidade do indivíduo que comete um delito sobretudo pela
via do discurso médico-psiquiátrico. No entanto, são muito mais voltados para o encarceramento do que propriamente para
a terapia, em que haveria uma preocupação pedagógica e reformadora. Destarte, a criminologia psicanalítica permanece
como um discurso de certo modo inoperante, já que, em virtude da influência da psiquiatria – a contar com o respaldo
científico da medicina –, a psicanálise aparece mesmo como arbitrária e anticientífica.51
No âmbito da política criminal, a psicanálise nas duas linhas desenvolvidas traz conclusões distintas: enquanto
interpretação etiológica do crime, mantendo o foco no indivíduo, acaba sendo consensual em relação ao direito penal
vigente, porquanto, ao preceituar a atuação sobre o criminoso latente, mantém-se de certo modo a ideologia do tratamento.
Nesse caso, a proposta preconiza a substituição das penas por uma educação e tratamento psicanalíticos. De outro vértice,
é sugerida a introdução da psicanálise no campo judicial, uma vez que a aplicação da justiça criminal é tarefa que cabe,
mais do que a juízes, à psicanálise, conforme sustentam Alexander e Staub.52
No entanto, Freud acentuou em algumas oportunidades a diferença entre o campo da psicanálise e a prática judiciária,
alertando que o veredito do tribunal não deve se sustentar ou ter como referência as investigações psicanalíticas.53
No mesmo sentido também se posiciona Jacques Lacan, para quem o limite de intervenção da psicanálise é o
momento em que inicia a intervenção policial, em cuja seara ela deve se recusar a ingressar.54 Para o autor, “A ação
concreta da psicanálise é de benefício numa ordem rija. As significações que ele revela no sujeito culpado não o excluem
da comunidade humana. Ela possibilita um tratamento em que o sujeito não fica alienado em si mesmo. A responsabilidade
51
52
53
54

o sofrimento punitivo (...) como o mais infecundo e violento modelo jurídico de decisão de conflitos, remanescência do Estado de polícia dentro do Estado
de direito, contra o qual conspira para agigantar-se permanentemente, na prática se exercendo sempre de forma seletiva e estigmatizante (como fazem
as teorias que deslegitimam a pena)”, só essa “conceção viabilizaria a interlocução entre psicanálise e direito penal, através dela coincididos uma função
restauradora e libertária do sujeito” (BATISTA, Nilo. A lei como pai. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 2, n. 3, Rio
de Janeiro, jan. 2010, p. 20-38).
RAUTER, Cristina. Op. cit., p. 56-57.
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 205-206.
BARRA, Maria Beatriz. A clínica psicanalítica em um ambulatório para adolescentes em conflito com a lei. Estudos e pesquisas em psicologia, vol. 7,
n. 3, Rio de Janeiro, 2007, p. 5. Afirma a autora: “[Freud] Também escreveu relatórios acerca de casos criminais: o primeiro, em 1922, quando fez um
memorando para a defesa num caso de estupro, material que infelizmente se perdeu, e o segundo, em 1931, quando lhe pediram que examinasse o
parecer de um especialista num caso de parricídio. Tanto num trabalho como no outro, demonstrou enfaticamente sua preocupação de que não fossem
feitas aplicações indevidas e ineptas da teoria psicanalítica nos processos legais, na medida em que ela não pode colaborar nas decisões do Direito sobre
a culpa e o castigo. Cabe à psicanálise oferecer tratamento para aquele que o deseja, e, ao Direito, a aplicação da lei, estabelecendo a punição referente
ao ato criminoso inscrita no Código Penal”.
LACAN, Jacques. Premissas a todo o desenvolvimento da criminologia. Outros Escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 131.
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por ela restaurada nele corresponde à esperança, que palpita em todo o ser condenado, de se integrar em um sentido
vivido”.55
Lacan é incisivo ao apontar a necessidade de que o castigo, a sanção, possua uma significação, sendo, para tanto,
imprescindível a existência de um assentamento subjetivo, em que o sujeito possa efetivamente reconhecer a sua falta.56
Por outro lado, como psicologia da sociedade punitiva, com o foco na sociedade, as teorias psicanalíticas rejeitam
toda e qualquer solução da questão criminal em termos clínicos ou psicoterapia individual. Dessa forma, se podemos
falar em “solução” para o problema da criminalidade, esta é apontada, fundamentalmente, para uma ação reformadora
sobre o social. Ação essa que deve ser empreendida sobretudo por meio de métodos educativos. Isso porque, prescindindo
totalmente das causas biológicas no tangível à determinação da “anormalidade” do criminoso, a criminologia psicanalítica
fez da sociedade seu objeto de estudo, e encontrou nela própria a grande fonte produtora de criminalidade.57
No mesmo norte, posiciona-se Júlio Pires Porto-Carrero, a apontar a pedagogia como a solução para o crime. No
entanto, adverte que isso só é possível em um Estado onde haja melhor distribuição de gozos, sobretudo um nivelamento
dos indivíduos em relação à saúde e educação.58
É preciso recordar, ainda em Freud, que o conflito de rivalidade entre filhos e pais, que para a psicanálise assume
papel fundamental, é um paradigma dos grandes conflitos da própria estrutura social, entre seus segmentos e camadas,
entre o indivíduo e a civilização, entre dominados e dominadores e, em geral, entre aqueles considerados frágeis perante
o sistema e os detentores do poder.59
55 Ibidem. Ainda Lacan: “A psicanálise amplia o campo das indicações de um tratamento possível do criminoso como tal – evidenciando a existência de
crimes que só têm sentido se compreendidos numa estrutura fechada de subjetividade – nominalmente, aquela que exclui o neurótico do reconhecimento
autêntico do outro, amortecendo para ele as experiências da luta e da comunicação social, estrutura esta que pode deixar atormentado pela raiz truncada
da consciência moral que chamamos de supereu, ou, dito de outra maneira, pela profunda ambiguidade do sentimento que isolamos no termo culpa” (idem,
p. 128).
56 LACAN, Jacques. Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia. Escritos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 128:
“Toda sociedade, por fim, manifesta a relação do crime com a lei através de castigos cuja realização, sejam quais forem suas modalidades, exige um
assentimento subjetivo. Quer o criminoso, com efeito, se constitua ele mesmo no executor da punição que a lei dispõe como preço do crime (...), quer a
sanção revista por um Código Penal comporte um processo que exija aparelhos sociais muito diferenciados, esse assentimento subjetivo é necessário à
própria significação da punição”.
57 RAUTER, Cristina. Op. cit., p. 56-57.
58 PORTO-CARRERO, Júlio Pires. Criminologia e psychanalyse. Rio de Janeiro: Flores & Mano, 1932., p. 26-30.
59 SÁ, Alvino Augusto de. Op. cit., p. 57.
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Destarte, seguindo esse filão de pensamento, deve-se preconizar a recusa aos estilos autoritários de educação, recusa
aos modelos opressivos de organização econômico-social, às formas repressivas de organização política que suportam
as mitologias da moral e do direito criminal tradicionais. A proposta dirige-se, portanto, para uma real superação dos
modelos tradicionais de sociedade, sistemas jurídico-institucionais, valores culturais e mecanismos de educação e
socialização. Segundo essa vertente, a resposta ao problema criminal deve ser procurada atuando sobre as cargas de
trauma e irracionalidade que sedimentam a experiência coletiva da humanidade.60
Em que pese a divergência desses dois filões de pensamento apresentados, o incontestável para ambos são os efeitos
e consequências proporcionados pela pena privativa de liberdade – evidentemente drásticos em todos os sentidos –, e
que jamais promoverão a resolução desse conflito entre o infrator e o “outro”, do qual se manifesta o crime. Esse conflito
permanecerá em aberto, não resolvido, se outras providências não forem tomadas.61
Observamos nas teorias psicanalíticas, assim como na criminologia (crítica), a permanência latente do “bárbaro” ou,
como preferem alguns, do “selvagem”, no humano civilizado, rompendo com a visão divina deste. Consequentemente, há
uma humanização da figura do criminoso, do delinquente, já que este está presente em todos e em cada um de nós.
A psicanálise nos mostra que o crime é uma possibilidade constitutiva e inarredável do ser, da existência humana.
Sempre haverá crime no mundo, porque o homem é, em seu centro, indeterminação e liberdade. Nada é mais humano
que o crime, afirmam os psicanalistas. O crime desmascara, portanto, algo que é próprio da natureza humana, ainda
que certamente existam em nós a simpatia, a compaixão e a piedade. O humano pode ser definido, precisamente, pelo
60 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 205 e 207. Nesse ponto, Erich Fromm, a discorrer sobre a obra O mal-estar
na civilização, lembra que “Freud parte da premissa de uma natureza humana comum a toda espécie, através de todas as culturas e épocas, e de
certas necessidades e tendências averiguáveis, inerentes a essa natureza. Acredita que a cultura e a civilização se desenvolvem em contraste cada
vez maior com as necessidades do homem, e chega assim à ideia da ‘neurose social’. ‘Se a evolução da civilização – afirma – tem uma analogia tão
grande com o desenvolvimento do indivíduo, e se em uma e outra se empregam os mesmos métodos, não pode estar justificado o diagnóstido de que
muitas civilizações – ou épocas delas – e possivelmente toda a humanidade, tenha caído na ‘neurose’ sob a pressão das tendências civilizadoras? Para
a dissecção analítica dessas neuroses, podem formular-se recomendações terapêuticas do maior interesse prático. Não diria que esse intento de aplicar
a psicanálise à sociedade civilizada seja fantástico ou está condenado a ser infrutífero. Mas devemos ser muito cautelosos, não esquecer que, depois de
tudo, tratamos só de analogias, e que é perigoso, não somente para os homens, senão também para as ideias, retirá-los da religião em que nasceram e
amadureceram. Ademais, o diagnóstigo de neurosis colectivas tropeçará com uma dificuldade especial. Na neurose de um indivíduo podemos tomar como
ponto de partida o contraste que nos é apresentado entre o paciente e seu meio ambiente, que supomos que seja ‘normal’. Não disporíamos de nenhum
fundo análogo para uma sociedade afetada da mesma forma, e haveria de supri-lo de alguma outra maneira. E no que diz respeito à aplicação terapêutica
de nossos conhecimentos, de que valeria a análise mais penetrante das neuroses sociais, já que nada tem o poder de obrigar a sociedade a adotar a terapia
prescrita?” (FROMM, Erich. Op. cit., p. 24).
61 SÁ, Alvino Augusto de. Op. cit., p. 49.
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conflito entre as vertentes da lei e do gozo. O serial killer está desprovido desse conflito, e por isso sai do comum. Ele não
retrocede frente ao seu desejo. E, conforme nos ensina a psicanálise, se utilizamos a palavra “monstro” para qualificá-lo,
nós também somos, em certa medida, pequenos monstros ou monstros tímidos.62
A psicanálise é, em sua gênese, como alguns autores afirmam, transgressora da norma e não a guardiã asséptica de
uma moral vigente ou uma normatividade de qualquer natureza, seja jurídica e/ou científica:63 “Uma vez que a Psicanálise
não se propõe a julgar, ela advoga de certa forma uma perspectiva ‘abolicionista’ da pena ou da responsabilização penal.
Ou seja, busca que o sujeito se responsabilize pelo que ele é, um ser faltante, incompleto, paradoxal, do qual nenhum
sistema penal que funcione hierarquicamente de forma rígida a partir de códigos objetiváveis ou tempos cronológicos
poderá dar conta, por mais que isso seja constante e ilusoriamente prometido com a corrente e ilusória expressão ‘Estado
Democrático de Direito’”.64
Para Lacan, “a máxima é a lei que faz o pecado, continua a ser verdadeira gora da perspectiva escatológica da Graça
em que São Paulo a formulou”. Haveria nessa máxima, portanto, um paradoxo, que a regra implica a sua transgressão”.65
Ele também nos ensina que “a psicanálise soluciona um dilema da teoria criminológica: ao irrealizar o crime, ela não
desumaniza o criminoso”. Dessa forma, ainda que levando em consideração fatores sociais que eventualmente possam
estar envolvidos no ato, a psicanálise pode não tomar a infração sob a perspectiva do coletivo, e, ao tomá-lo como
sujeito, ela não desumaniza o criminoso. Portanto, ao supor a fundação da humanidade em seu aspecto cultural a partir do
parricídio, e o crime a partir de determinados efeitos do Édipo sobre o sujeito, a psicanálise só o faz por meio do sujeito
que se põe a falar do seu ato criminoso, não de uma universalidade dos crimes, mas tão somente da singularidade daquele
que cometeu o ato.66
Conclusão
Verifica-se do exposto a importância das teorias psicanalíticas na própria evolução da criminologia, na medida em
que abandona a visão das práticas delituosas como uma patologia individual. De outro vértice, também apresenta novos
elementos na própria análise do direito penal, sobretudo ante as críticas aos princípios da culpabilidade e legitimidade.
62
63
64
65
66

Jacques-Alain Miller, em intervenção realizada em 29 de abril de 2008 na Faculdade de Direito de Buenos Aires.
HOENISCH, Julio Cesar Diniz et al. Op. cit., p. 85.
Idem, p. 86.
MORELLI, Antônio. Responsabilidade. Afreudite, ano III, n. 5/6, 2007, p. 80.
Idem, p. 82.
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Isso tudo destaca ainda mais a importância da interdisciplinaridade no âmbito das ciências jurídicas, e do quanto
a psicanálise pode ajudar. Mas é necessário termos em mente que, ao estudarmos as diversas teorias criminológicas e
suas vertentes, por exemplo, as que tratam das perspectivas biológica e ambiental da personalidade do agente, não há
como extrair delas uma “explicação geral do crime”, a partir de uma visão universalizante deste. O mesmo acontece com
a psicanálise. Isso porque, se tais teorias podem nos ajudar a entender um pouco o comportamento de um indivíduo na
realização de determinado ato (delituoso), não pode servir para todos os atos tipificados como delito. Por outro lado, ao
proceder dessa forma, deixamos de dar a devida atenção à forma como são “criados” os crimes, os processos sociais que
permitem esse tipo de decisão, pelo que se torna uma análise incompleta de uma realidade. A ilustrar melhor: temos nossas
restrições quanto à perspectiva biológica, por considerá-la eco das teorias lombrosianas, mas, por exemplo, a perspectiva
ambiental pode nos ajudar a entender um pouco melhor o que se passa com o agente que pratica um crime contra o
patrimônio privado, mas resta insuficiente para explicar os chamados “crimes de colarinho branco”. A psicanálise nos
traz elementos que, como vimos, põem em cheque o princípio da culpabilidade, mas isso novamente apenas em relação
a determinados casos, até porque o próprio Freud considerava que havia situações em que o sujeito cometia um delito e
que não era motivado pelo sentimento de culpa (embora fosse contundente em afirmar que na maioria das vezes era); mas
porque também fica difícil nos apoiarmos nas teorias psicanalíticas na tentativa de explicar tantos outros comportamentos
delituosos, como os crimes ambientais, crimes contra a ordem tributária, enfim. Ou seja, mais do que estudar o fenômeno
crime, é evidente a necessidade de analisar o próprio sistema penal.
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Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à
seletividade do sistema penal e ao ciclo da criminalização
Raíssa Zago Leite da Silva
Pós-graduanda em direito pela PUC/SP.
Membro efetiva da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP.
Advogada.
Resumo: O objetivo desse artigo é explicar a Teoria do Labelling Approach e relacioná-la à seletividade do sistema penal atual. Para
isso, será explicado o surgimento dessa teoria no contexto histórico e criminológico da época e suas influências. Ademais, serão
expostos seus elementos e o panorama das instâncias de controle na sociedade, juntamente com o efeito destas no etiquetamento
social. Acerca do etiquetamento social, será exposta uma relação entre ele (Teoria do Labelling Approach) e a seletividade no sistema
penal. Por fim, serão apresentadas as consequências do estigma criado pelo sistema na vida do indivíduo que passa por esse processo.
Palavras-chave: Labelling Approach; Instâncias de controle; Estigmatização; Seletividade do sistema penal.
Sumário: Introdução – 1. Surgimento da Teoria do Labelling Approach: 1.1 Contexto histórico e influências – 2. Instâncias de
controle e etiquetamento social – 3. Seletividade do sistema penal relacionada às ideias do Labelling Approach: 3.1 Consequências
do estigma na vida do indivíduo – Conclusão – Bibliografia.
Introdução
O presente artigo tem por escopo abordar a Teoria do Labelling Approach, desenvolvida no fim da década de
1950 e início da de 1960 pelos autores pertencentes à Escola de Chicago,1 nos EUA. O surgimento dessa teoria será
contextualizado tanto historicamente como no âmbito criminológico da época. Ademais, serão citadas as influências
para a criação dessa teoria e os principais autores que contribuíram para o seu surgimento como Howard Becker, Erving
Goffman, Edwin Lemert, entre outros, que buscavam questionar o paradigma funcional dominante no momento histórico,
o etiológico.
1

Diversos estudos dessa escola poderiam ser citados como contribuição à criminologia, tanto às escolas do consenso, que concebem o crime como uma
falha das instituições e compartilhamento das regras sociais pelos indivíduos, quanto às escolas do conflito, para as quais o pressuposto da natureza
coercitiva da ordem social é um princípio heurístico, e não um juízo factual (SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Ed. RT, 2004).
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Após a explicação da Teoria do Labelling Approach, serão apontados seus principais elementos e serão destacadas
as instâncias de controle, que fazem parte do processo de etiquetamento social.
Ademais, será relacionada a Teoria do Labelling Approach com a seletividade do sistema penal.
Para que se possa contextualizar as consequências do estigma na vida do indivíduo marginalizado, será apresentada
a conceituação de E. Lemert sobre os desvios primários e secundários para que, com isso, se chegue a uma conclusão
sobre a importância dessa estigmatização no aumento da criminalidade.
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1. Surgimento da Teoria do Labelling Approach
A Teoria do Labelling Approach surge como um novo paradigma criminológico, resultado de mudanças sociocriminais
que sofreu o direito penal. Ele foi chamado de paradigma da reação social, pois critica o antigo paradigma etiológico, que
analisava o criminoso segundo suas características individuais. O novo paradigma tem por objeto de análise o sistema
penal e o fenômeno de controle.
A partir desse momento, passa-se a observar o indivíduo como um membro de uma sociedade, de grupos, não
somente o seu lado particular. Nesse sentido, esse novo paradigma analisa as situações em que o indivíduo pode ser
considerado um desviante. O desvio e a criminalidade passam a ser considerados uma etiqueta, um rótulo, atribuídos a
certos indivíduos por meio de complexos processos de interação social, e não mais uma qualidade particular, intrínseca
da conduta individual.
Como sustenta Baratta,2 em relação ao novo paradigma da reação social em contrapartida com o outro paradigma até
então estudado na história criminológica: “a criminologia ao longo dos séculos tenta estudar a criminalidade não como
um dado ontológico pré-constituído, mas como realidade social construída pelo sistema de justiça criminal através de
definições e da reação social, o criminoso então não seria um indivíduo ontologicamente diferente, mas um status social
atribuído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal e pela sociedade que classifica a conduta de tal individuo
como se devesse ser assistida por esse sistema. Os conceitos desse paradigma marcam a linguagem da criminologia
contemporânea: o comportamento criminoso como comportamento rotulado como criminoso”.
Com isso, observa-se que a Teoria do Labelling Approach surgiu em um contexto criminológico diferenciado, no
qual houve uma troca de paradigmas com importantes modificações no pensamento da época. A relevância das relações
2

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 11.
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sociais na análise do comportamento desviante mudou o enfoque do pensamento criminológico, que, anteriormente,
buscava uma resposta sobre a criminalidade nas características intrínsecas de cada indivíduo, e não no contexto social em
que ele estava inserido.
Com essa nova análise, o estudo da criminologia pôde evoluir muito em relação ao pensamento etiológico sustentado
no momento anterior.
1.1 Contexto histórico e influências
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Além do contexto criminológico do surgimento do Labelling Approach, deve-se observar em que contexto histórico
essa teoria surgiu.
Como foi citado anteriormente, ela surgiu no fim da década de 1950 e início da de 1960, nos EUA, e foi idealizada
pelos integrantes da “Nova Escola de Chicago”. Segundo Shecaira,3 “a Teoria do Labelling surge após a 2.ª Guerra
Mundial, os Estados Unidos são catapultados à condição de grande potência mundial, estando em pleno desenvolvimento
o Estado do Bem-Estar Social, o que acaba por mascarar as fissuras internas vividas na sociedade americana. A década
de 60 é marcada no plano externo pela divisão mundial entre blocos: capitalista versus socialista, delimitando o cenário
da chamada Guerra Fria. Já no plano interno, os norte-americanos se deparam com a luta das minorias negras por
igualdade, a luta pelo fim da discriminação sexual, o engajamento dos movimentos estudantis na reivindicação pelos
direitos civis”.
Nesse contexto, com novas formas de conflitividade social, exigiu-se a criação de um novo paradigma criminológico.
Com isso, surge o termo “desvio social”, para englobar todas as condutas que não se enquadravam nas definições legais
ou psiquiátricas, como a homossexualidade, o uso de drogas, o movimento hippie etc., que, em síntese, atentavam contra
o status quo.
Foi em meio a esses conflitos históricos que surgiu o Labelling Approach, que é um paradigma que traz o crime
e a criminalidade como construções sociais. Essa teoria teve influências marxistas, como apontam Hassemer e Conde:4
“Próxima à criminologia de cunho marxista porque, para Marx, a delinquência não era um comportamento anterior
a qualquer sistema de controle social ou jurídico, mas sim um produto desse sistema. Outrossim, as ideias de Marx
contribuíram para a teoria do etiquetamento, especialmente pela crítica ao mito do Direito Penal como igualitário,
3
4

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 371-374.
CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 107-109.
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demonstrando a impossibilidade de existir um direito (penal) que prega igualdade em uma sociedade extremamente
desigual”.
Ademais, temos o pensamento de Molina, que acredita que, “Segundo esta perspectiva interacionista, não se pode
compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas
e condutas etiquetadas como criminosas. Crime e reação social são conceitos interdependentes, recíprocos, inseparáveis.
A infração não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade atribuída à mesma através de complexos
processos de interação social, processos altamente seletivos e discriminatórios. O labelling approach, consequentemente,
supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria definição da criminalidade. Esta – se diz – não é
como um pedaço de ferro, um objeto físico, senão o resultado de um processo social de interação (definição e seleção):
existe somente nos pressuposto normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade. Não
lhe interessam as causas da desviação (primária), senão os processos de criminalização e mantém que é o controle social
o que cria a criminalidade. Por ele, o interesse da investigação se desloca do infrator e seu meio para aqueles que o
definem como infrator, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e funcionamento do controle social ou a gênesis
da norma e não os déficits e carências do indivíduo. Este não é senão a vítima dos processos de definição e seleção, de
acordo com os postulados do denominado paradigma do controle”.5
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Com isso, podemos concluir que o Labelling Approach surgiu num momento histórico de muitas lutas sociais dentro
e fora dos EUA, em que o paradigma da defesa social surgiu para confrontar o etiológico, no qual o indivíduo passou a
ser analisado como parte de uma sociedade, de grupos sociais, com identidade social, não somente como ser individual.
Além disso, o crime passou a ser pensado como algo que foi estipulado por complexos processos de interação social,
não como consequência de uma conduta. A infração só é infração porque alguém assim a determinou.
2. Instâncias de controle e etiquetamento social
No tocante às instâncias de controle, podemos analisar as de controle informal e formal. As de controle informal
são as da própria sociedade, como, por exemplo, a escola, a família, a opinião pública etc. Já as de controle formal são
estatais: policial, judicial e executivas.
5

MOLINA, Antonio García-Pablos de, Criminología: Una Introducción a sus fundamentos teóricos para Juristas, Valencia: Tirant lo Blanch, 1.996, p. 226-227.
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Molina trata dessa divisão: “Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de disciplinálo através de um largo e sutil processo (...) Quando as instâncias informais do controle social fracassam, entram em
funcionamento as instâncias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das
sanções sociais: são sanções estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigoso ou
delinquente)”.
6
Em Outsiders, Becker7 explica de que forma as regras são feitas e como, em certos momentos, tentam impô-las.
Ressalta-se também que essas regras sociais definem padrões de comportamentos, apontando uns como certos e outros
como errados, e quando uma pessoa infringe tal regra, que é considerada errada pelo grupo, esta passa a ser vista como
um outsiders.
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Por outro lado, tem-se a mesma problemática com uma mudança de foco, uma vez que quem está sendo julgado pelo
grupo pode não aceitar, por achar que os julgadores não são competentes para tal função, daí decorre outro significado para
outsiders, tirando o foco de quem a priori teria desviado seu comportamento das regras ditadas pelo grupo e colocando a
quem supostamente julgou. Acerca disso, podemos afirmar que um comportamento somente é desviante se as instâncias
de controle o definirem como tal.
Sergio Salomão Shecaira,8 ainda baseando-se na obra de Becker, afirma que “aquele que viola alguma regra em
vigor pode ser interpretado como uma pessoa não confiável para a vivência em um grupo e que pode alcançar um
traficante de drogas ou alguém que bebeu em excesso em uma festa e que se porta de maneira inconveniente”.
Diante disso, o autor conclui que, surgindo a intolerância, haverá uma espécie de estigmatização desse agente.
E. Goffman, em sua obra Estigma, cita a possibilidade de exclusão de um indivíduo da sociedade pela soma dos
processos de exclusão.
Com isso, podemos concluir que o criminoso não é considerado como tal pelo ato que pratica, mas sim pela etiqueta
que lhe é colocada, e tal rótulo poderá excluí-lo da sociedade, sendo ele estigmatizado e rejeitado.
Temos, por exemplo, as cifras ocultas da criminalidade, a partir das quais alguns crimes nunca são punidos, ou
sequer chegam ao conhecimento das instâncias de controle oficiais. Com isso, passa-se a punir somente uma classe de
pessoas e tipos específicos de crimes, fazendo com que a punição e o direito penal não sigam o princípio da igualdade.
6
7
8

MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 134.
BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 15.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 292
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3. Seletividade do sistema penal atual relacionada às ideias do Labelling
Approach
Como foi citado anteriormente, o crime não é definido pela conduta do agente, mas sim pelo que as instâncias de
controle definem como tal. Ademais, também foi citado que nem todos os crimes são perseguidos pela sociedade e pelo
Estado, punindo-se, assim, somente parte dos crimes e das pessoas, o que chamamos de seletividade.
Fica claro que, pela Teoria do Labelling Approach ou etiquetamento social, as instâncias de controle definem o que
será punido e quem será punido, o que nos remete a uma relação com a seletividade do sistema penal.
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De acordo com Eugenio Raúl Zaffaroni,9 “estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam
com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência de
colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.)”.
O sistema penal brasileiro é um retrato dessa seletividade. Basta analisarmos o perfil da população majoritariamente
encarcerada. Qual seja, população esmagadoramente masculina; por um público dominado por jovens (59% dos
encarcerados possuem de 18 a 29 anos), negros e, ainda, por apresentar escolaridade defasada, vez que cerca de 49% são
analfabetos ou possuem ensino fundamental incompleto.10
Diante desse rótulo recebido, o indivíduo é marginalizado e tem muitas dificuldades de viver em sociedade, o que
acaba acarretando uma série de fatores negativos no agente selecionado.
4. Consequências do estigma na vida do indivíduo marginalizado
Edwin M. Lemert,11 um autor muito relevante para o Labelling Approach, destaca que são dois os tipos de desvios
existentes: o primário e o secundário.
Com isso, ele estabelece que o desvio primário ocorre por fator sociais, culturais ou psicológicos. O indivíduo
delinque por circunstâncias sociais, como observamos no paradigma da reação social.
9 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 130.
10 Dados extraídos do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça.
11 Apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.
89.
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Já o desvio secundário é consequência da incriminação, da estigmatização, da reação social negativa a respeito daquele
outsider. Os efeitos psicológicos causados pela rotulação são tão danosos ao indivíduo que ele se torna marginalizado e
excluído da sociedade. Ele passa a entrar na carreira criminosa.
Sobre a consequência do desvio primário e o desencadeamento no desvio secundário, vale transcrever o pensamento
de Shecaira:12 “Quando os outros decidem que determinada pessoa é non grata, perigosa, não confiável, moralmente
repugnante, eles tomarão contra tal pessoa atitudes normalmente desagradáveis, que não seriam adotadas com qualquer
um. São atitudes a demonstrar a rejeição e a humilhação nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada
para um controle que restringirá sua liberdade. É ainda estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada
desviação secundária e as carreiras criminais”.
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Baratta13 escreve a respeito do desvio secundário, quando cita Lemert em seu livro: “(...) sobre o desvio secundário
e sobre carreiras criminosas, põem-se em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a concepção
reeducativa da pena. Na verdade esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas
detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação
da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. (...) pode-se
observar, as teorias do labelling baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário, não deixaram de
considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos
na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto de reação social (...)”.
Com isso, podemos observar que, além do efeito do desvio primário trazido pelas instâncias de controle sob o
indivíduo marginalizado, o desvio secundário somente afirma essa marginalização, fazendo com que o agente infrator,
excluído da sociedade pela pena privativa de liberdade, consolide seu status de criminoso que o perseguirá além dos
muros da prisão.
Esse status de criminoso influenciará a vida do indivíduo, que poderá não ter outra forma de sobreviver em sociedade
senão dentro do crime, pois, em decorrência do rótulo, esse agente dificilmente conseguirá se reposicionar na sociedade,
por já ter sido um “desviante”.
12 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004. p. 291.
13 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 90-91.
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Diante de todo o exposto, resta claro que as instâncias de controle, tanto informais, quanto formais, descritas na
teoria do Labelling Approach, estigmatizam o indivíduo que não se enquadra na sociedade, fazendo com que ele se torne
um desviante, o que traz graves consequências na vida daquele que recebeu o rótulo.
Tendo em vista esse primeiro desvio, o outsider chega até o submundo dos presídios, que faz com que ele se
consolide como um criminoso, como alertam os pensadores dessa teoria de desvio secundário. Ao entrar nesse segundo
ciclo, o criminoso não consegue retornar à sociedade, uma vez que dela já foi anteriormente excluído, e, assim, recorrerá
mais uma vez ao crime.
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Isso nos leva a pensar sobre a função das prisões na sociedade. Diz-se que uma das funções da pena privativa de
liberdade é a ressocialização. Primeiramente, não se pode ressocializar alguém que nunca foi socializado e alguém que
está sendo excluído pelos muros da prisão, pois, se observarmos a teoria dos desvios primários e secundários, o indivíduo
que foi preso já era um desviante na sociedade, ou seja, não era socializado. Com isso, não há como conceber que a função
da pena privativa de liberdade, materializada na prisão, seja ressocializadora.
Além disso, se observarmos o ciclo supracitado a prisão só consolida a exclusão do indivíduo da sociedade. Ao
passar pela prisão, aquele indivíduo que já era marginalizado pela sociedade por não se enquadrar, ganhará mais um
rótulo e será ainda mais excluído. O desvio secundário é essencial para a formação criminosa daquele agente. Com isso,
temos que, além de não ser possível ressocializar alguém que nunca foi socializado, a prisão só dessocializa ainda mais
o indivíduo, fazendo com que sua personalidade ganhe outros rótulos e pontos desviantes, o que o exclui cada vez mais.
Assim, a prisão não é a solução para uma “ressocialização”. Primeiramente, seria necessário incluir os desviantes
primários na sociedade, a partir dos projetos sociais e políticas públicas, fazendo com que se sentissem membros
pertencentes do seio social, e não excluídos, rejeitados. Além do processo de inclusão, ou seja, da própria “socialização”,
há a necessidade de uma reforma nas instâncias de controle formais, de modo que o tratamento dispensado aos indivíduos
fosse o mais igualitário possível, valendo, assim, a lei para todos, sem distinção de classe social ou de tipo de crime.
Ainda, para aqueles que já cometeram crimes, a prisão deveria ser a alternativa, e não a regra. Desse modo, o ideal
seria que o direito penal fosse utilizado como ultima ratio e que as penas alternativas fossem mais aplicadas pelo Poder
Judiciário. Porém, como esta não é a realidade existente e não parece ser um caminho factível, deveria, ao menos, existir
uma melhoria e expansão nos projetos de reintegração social.
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Sendo assim, se o desvio primário fosse reduzido, o preconceito e o estigma das instâncias de controle, amenizados,
e o desvio secundário, evitado ou diminuído, os indivíduos passariam a se sentir mais pertencentes e poderiam ter uma vida
bem mais integrada uns com os outros, o que, consequentemente, diminuiria a criminalidade e o ciclo da estigmatização
dos agentes desviantes.
Referências Bibliográficas
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Baratta, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed.
Rio de Janeiro: Revan, 2002.
Becker, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
Conde, Francisco Muñoz; Hassemer, Winfried. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008
Molina, Antonio García-Pablos de; Gomes, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: RT, 2002.
Shecaira, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004.
Zaffaroni, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro:
Revan, 1991.
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El discurso de los menores bajo medida judicial
Concepción Nieto Morales
Prof.ª A. Dra. Universidad Pablo de Olavide, Sevilla.
Asesora Técnica Justicia Juvenil Juzgados y Fiscalía de Menores, Sevilla, Andalucía, España.
Resumen: La delincuencia es un fenómeno complejo, polidimensional, múlticausal, con grandes aristas. Desde hace siglos se
estudian las causas y factores que la producen para poder abordar su intervención, aunque nunca como en estos momentos ha sido
tan estudiada.
Muchos de los problemas de los jóvenes actuales tienen sus raíces en la familia. Cuando existen problemas familiares detectados o
bien latente se produce debilidad en los vínculos familiares que transforman las relaciones y el comportamiento de sus miembros, y
estos cambios pueden producir conductas inadaptadas.
El discurso de los menores que se encuentran bajo medida judicial por haber sido condenados judicialmente por actos delictivos es
muy importante, dado que lo que piensan los protagonistas de la situación contribuirá a planificar su resocialización, y esta no se
puede producir sin su implicación. Por ello es necesario saber qué es lo que piensan, qué perspectiva tienen de la situación que están
viviendo, cómo ven su futuro vital tanto personal, profesional, como desde cualquier otra perspectiva.
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Palabras­‑clave: Menores; jóvenes; familia; escuela; grupo de pares; socialización; delincuencia; drogas.
Abstract: Delinquency is a poly-dimensional, chance, sharp-edged and complex phenomenon. For centuries, the different causes and
factors which bring it about have been studied, to be able to deal with it, although it is studied nowadays more than ever.
Many of the problems of juveniles in the present have their origin in the family. When there are family problems identified or
even latent, the family bonds weaken and the relationships and behaviour with other relatives change, and these changes lead to
misconducts.
The speech of juveniles under judicial measures who has been judged due to criminal acts is very important. What they think
about the situation will be mandatory to plan a re-socialization, which can’t be undertaken without their involvement. That’s why
it is necessary to know their opinion, their perspectives on the situation, how they foresee their future in life both personally and
professionally and any other perspective.
Keywords: Juvenile, young people, family, school, pair groups, socialization, delinquency, drugs.
Sumario: Introducción – El origen y tratamiento delictivo de los jovenes: Familia; Escuela; Grupo iguales; Jóvenes y drogas – Ley
Organica de Responsabilidad Penal del Menor (LORPM) – Estrategia metodológica Análisis del discurso de las conversaciones con
los menores – A modo de conclusión – Bibliografía.
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Introducción
Hablar de delincuencia debe implicar hacer un ejercicio de reflexión y pensar en las causas que desencadenan dichas
acciones. La perspectiva jurídica debe ser el ultimo estadio de intervención para disuadir a las personas de engarzarse
en el fenómeno delictivo, aunque la cuestión es mucho mas profunda y se deben atajar las causas, lo que evitaría costes
que van desde los personales (son los más complicados), como los sociales, económicos, etc. Es fundamental plantearse
cuáles son las causas que conducen a los jóvenes a delinquir, y partiendo de dichas causas, planificar acciones preventivas.
“La atribución de responsabilidad en la delincuencia se centra en sí misma, en relación con los demás, en la
familia, en la sociedad y en la oportunidad que ésta brinda. La perspectiva de su futuro se ve influida en tres niveles:
personal, institucional y social” (Vargas Espinosa, Sánchez Pilonieta, 2010:275).
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Las diferentes teorías, según su perspectiva, ya sea social, educativa, criminológica, biológica, etc. cuestionan el
origen, trayectoria y dimensión de la delincuencia juvenil y cada una orienta su origen y perspectiva. Desde, las diferentes
disciplinas que definen la delincuencia juvenil se hará diferente hincapié en la incidencia de sus causas, sea desde la
Sociología, la Criminología, la Psicología, la Medicina, etc.
Conocer el origen y tener una visión de las causas permite trabajar perspectivas de intervención resocializadoras que
proporcionen una inclusión e integración social de los jóvenes que entran en conflicto con la ley penal.
Lo importante no es el lugar desde el cual nos situemos para diagnosticar el problema de la delincuencia, lo
fundamental es dar una solución al problema sobre todo para disminuir los costes que provoca el fenómeno.
“(…) la delincuencia es un fenómeno dinámico, no podemos esperar que los delincuentes y los fenómenos delictivos
y la psicología de delincuentes de cada momento sea siempre la misma; cada proceso, cada delincuencia, nuevas formas
de adaptarse, por tanto, una de las características que conviene no olvidar es que la delincuencia es un proceso en
constante cambio (…)” (Fabián, 2006:242).
El origen y tratamiento delictivo de los jovenes
Basándonos en las diferentes disciplinas se realizará una aproximación respecto al concepto de la delincuencia
juvenil, para aproximarnos a los fundamentos resocializadores.
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Desde los distintos campos del saber se han conformado teorías explicando la delincuencia juvenil que contempla
el delito como fenómeno social explicándolo desde diversos enfoques, que van desde los sociales (ubicación espacial),
personales (familia y autobiografía), educativos (aprendizaje social), etc. Todos son importantes, aunque unos son más
influyentes que otros. Los comportamientos son aprendidos, ya sean normalizados o disfuncionales.
Desde la sociología se destaca la influencia del medio para explicar el fenómeno delictivo (Tarde, 1999, Ferri,
2006; Baratta, 1985; Bandura, 1992; Sutherland, 1947), consideran el acto delictivo como la respuesta adversa al
medio social hostil, sin ser una patología individual; los problemas sociales que afectan a la persona son muy diversos e
inciden en la misma persona de múltiples formas. Todos estos planteamientos consideran que deben aplicarse enfoques
multidisciplinares.
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Sutherland (1947), enumera ideas que constituyen la base de la teoría diferencial entre las que destacan: el aprendizaje
de conductas, la interacción a través de la comunicación, aprendizaje de motivación e impulsos, valores personales. La
sociología plantea que la delincuencia no es una cuestión individual, sino compartida, de ahí la importancia que se
concede al grupo de iguales juvenil en la influencia delictiva. Desde el marxismo se considera que la delincuencia tiene
perspectiva macrosocial y los orígenes en la sociedad capitalista, apostando por la resocialización del delincuente.
Desde el modelo psicológico se pretende comprender el comportamiento teniendo en cuenta los procesos conductuales
y psicológicos; desde la psicología, se aglutinan conocimientos científicos para el estudio de los problemas sociales como
la delincuencia juvenil, conductas disruptivas, exclusión, debiendo poner el énfasis en el estudio y comprensión de los
hechos que oriente a la prevención. Los comportamientos personales implican desde emociones, personalidad, perfil
personal, interacción, etc. Muy lentamente en las ultimas décadas se van generando y conformando conocimiento y
entendimiento psicológicos para entender el fenómeno delictivo.
“La psicología de la delincuencia, entre sus principales ámbitos de interés se encuentra la explicación del
comportamiento antisocial, en donde son relevantes las teorías del aprendizaje, los análisis de las características y
rasgos individuales, las hipótesis tensión-agresión, los estudios sobre vinculación social y delito, y los análisis sobre
carreras delictivas. Este último sector, también denominado ‘criminología del desarrollo’, investiga la relación que
guardan con el inicio y mantenimiento de la actividad criminal diversos factores o predoctores de riesgo (individuales y
sociales, estáticos y dinámicos). Sus resultados han tenido gran relevancia para la creación de programas de prevención
y tratamiento de la delincuencia. Los tratamientos psicológicos de los delincuentes se orientan a modificar aquellos
factores de riesgo, denominados de ‘necesidad criminogénica’, que se consideran directamente relacionados con su
actividad delictiva. En concreto se dirigen a dotar a los delincuentes (ya sean jóvenes, maltratadores, agresores sexuales,
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etc.) con nuevos repertorios de conducta prosocial, desarrollar su pensamiento, regular sus emociones iracundas, y
prevenir las recaídas o reincidencias en el delito” (Redondo Illescas, Pueyo, 2007:187).
En la inadaptación de los menores / jóvenes a la vida en sociedad es susceptible de generar conductas antisociales ya
sea por una deficiente socialización primaria (familia) y/o secundaria (escuela) por los efectos que producen los contextos
desfavorables sobre las personas.
Familia
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Nacemos en un momento histórico, en un lugar determinado que nos viene dado y no escogido por la persona; Una
familia que no se escoge tampoco, coloquialmente a estas situaciones se les llama destino y marca durante toda la vida y
en algún momento se puede uno preguntar ¿el porque se nace aquí y no allí, en esta familia y no en otra?.
A pesar de los cambios en las estructuras sociales acaecidos en los últimos siglos, hay estructuras que permanecen
a pesar de los cambios que han tenido y han debido adaptarse a los nuevos tiempos como es el caso de la familia, por
tanto, imprescindible para socializar a los hijos. Cada vez existen más topologías de familia, aunque lo más importante en
su función es la educación que le dará a los hijos para forjar su personalidad futura, dado que serán los pilares donde se
asiente el resto de su existencia; aunque como refleja Taberner (2012:24) refiriéndose a otros autores, algunos de ellos se
empeñen en “convencernos de que en este momento histórico no hay mas que individuos y un mar de flujos, en movedizas
y ubicuas redes”.
La sociedad occidental donde nos encontramos forma parte de la ola del individualismo que recorre en el momento
presente el mundo occidental, que hasta la crisis mundial actual tenían una seguridad de derechos y libertades que por
los momentos en que estamos se están perdiendo de forma paulatina, sembrándose inseguridad flexibilidad, desempleo,
mayores tasas de pobreza y recursos, que pueden llevar a mas conflicto con la ley.
Entre los problemas sociales y el tanden del individualismo creciente con pérdida de redes familiares y sociales,
cada vez somos más vulnerables como personas y con menos garantías sociales.
La pluralidad de modelos familiares, desde las familias nucleares a las monoparentales se encuentra en la normalidad
aunque algunas tengan un cierto grado de desviación. La familia tradicional ha perdido hegemonía dando paso a otras
tipologías y diversidades familiares, que el paso del tiempo evaluara su influjo sobre los hijos.
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“(…) -tal es el siguiente ejemplo: (…) La familia reconstituida CDE puede considerarse extraña a algunos, pasando
el tiempo se ha vuelto a reconstituir ahora es CDEFG, el hijo mayor por incompatibilidad con padrastro (…) el chico es
un NINI forzoso, la hija es madre soltera y estudia por lo que al bebe le cuidan entre todos. (…) Es difícil funcionar bien
en estos casos, pero la recomposición familiar, de variable estructura, es un fenómeno cada vez mas común y aceptado”
(Taberner, 2012:121).
“Los adolescentes que tienen muchas conductas antisociales disponen de pocas conductas de consideración
hacia los otros, de autocontrol, prosociales, asertivas, pasivas, muchas conductas agresivas y baja adaptación social.
Además estos adolescentes muestran bajo autoconcepto, una percepción negativa de sus compañeros de grupo, muchas
cogniciones prejuiciosas hacia diferentes grupos socioculturales, pocas cogniciones neutras no prejuiciosas, baja
capacidad de empatía, alta impulsividad y muchos problemas escolares (…)” (Garaigordobil Landazabal, 2005:197).
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Dichas tipológicas familiares son de lo más común en menores en conflicto con la ley, y va en aumento, la solución
seria poner límites, imposición de normas y pautas educativas, ayudando a que no se resquebraje la educación de los hijos,
que no se produzcan grietas en la transmisión de la educación a los hijos.
“Tan erróneo es decir que toda estructura o forma de funcionamiento familiar es tan buena como cualquier otra
como mantener que toda salida de la familia tradicional en declive es una catástrofe. No todo vale en la familia para
llevar a cabo algunas funciones sociales, y menos aun habiendo hijos de por medio, ni todo lo que vale (lo permitido) vale
lo mismo en ese sentido” (Taberner, 2012:137).
Escuela
El derecho a la educación se reconoció por primera vez en el siglo XIX, en la Constitución (1812) y con periodos de
ausencia se consagro como derecho definitivamente con la Ley Moyano (1857), posteriormente se han ido consolidando
derechos a la par que se han experimentado cambios que en ocasiones han perjudicado a los escolares bien porque no
entienden que la educación es casi exclusivamente la herramienta de promoción social, o porque a pesar de entenderlo
no consiguen poder realizarlo.
La formación escolar de la persona que en España comienza a los tres años debe de ser revisada evitando retraso
escolar, llegando al fracaso con la consecuencia de no conseguir el nivel adecuado y desencadenando aburrimiento y
mayor retraso con las consecuencias que ello conlleva. Hay que decir que el círculo vicioso que comienza con retraso
escolar, acumulando mas retraso y desencadenando fracaso escolar, lleva a aburrirse en clase, realizar conductas no
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acorde en el aula, ser expulsados por dichos actos, acumulando mayor retraso y abandono prematuro sin la obtención de
la certificación y con muy bajo nivel académico incluso a veces estos menores son analfabetos funcionales, con lo que,
estamos relegándoles a la exclusión.
La escuela sola no puede educar, ni en primaria ni en secundaria, necesita de la colaboración familiar para la
educación de los menores. Hay que tener presente que la “familia es la institución mas valorada” (Taberner, 2012:135).
La Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico, dio a conocer los resultados del Informe PISA
(2009), que evalúa los conocimientos materia obligatorias, estando los alumnos españoles por debajo en conocimientos de
la media de la OCDE, estos datos unidos al problema de de baja valoración de la formación para un sector importante de
la población es un dato muy preocupante, dado que la formación repercute directamente en todos los ámbitos de la vida
de la persona (bajo niveles educativos, escasos recursos y pocas habilidades personales, trabajos muy precarios, flexibles
y poca remuneración, etc.) estos variables inciden en el nivel de vida, lugar de residencia, etc. convirtiéndose también en
un circulo vicioso de la débil inclusión personal.
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Grupo iguales
En las relaciones personales de los hijos, tiene incidencia directa la formación y formas de vida de los progenitores,
los ingresos familiares, el lugar de residencia, etc. Los hijos en general se relacionaran con chicos de sus zonas de
residencia o compañeros de la escuela, además dentro de estas ubicaciones tenderán a relacionarse con los chicos con
los que se sienten mas identificados, tal es el caso de los fracasados escolares, que dispondrán de más tiempo libre
debido a expulsiones y que estarán en similares circunstancias y serán compañeros de actividades de ocio en el tiempo
que el resto de los alumnos están asistiendo a la escuela. Esta situación también les llevara a iniciarse en el consumo de
estupefacientes, por otro lado circunstancia normalizada en los jóvenes de hoy.
“(…) identificar como variables predictoras: muchas conductas agresivas con los iguales, pocas prosociales,
alta impulsividad, pocas conductas de consideración, alto autoconcepto negativo y pocas cogniciones neutras no
prejuiciosas.” (…) “En la actualidad se acepta la influencia de variables socio-ambientales, por ejemplo, la influencia
del grupo de iguales, en la adquisición, desarrollo y mantenimiento de la conducta antisocial. Sin embargo, desde la
década de los 80, diversos estudios han reactivado y recuperado el énfasis en el estudio de variables de personalidad que
pueden interactuar con variables sociales y ambientales en la realización de conductas antisociales. Numerosos trabajos
llevados a cabo con población normal y con población penitenciaria han identificado consistentemente la existencia de
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relaciones entre variables de personalidad y la conducta antisocial-delictiva, variables tales como impulsividad, empatía,
hostilidad, inteligencia o estabilidad emocional” (Garaigordobil Landazabal, 2005:197).
Jóvenes y drogas
Como hemos dicho en otra parte de este trabajo, el consumo de estupefacientes es una circunstancia normalizada
para los jóvenes de hoy.
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¿A que se debe que los jóvenes consuman estupefacientes?
Basándonos en la edad que nos marca la LORPM, enmarcada para mayores de 14 y menores de 18 años, los
menores y jóvenes se encuentran en la etapa adolescente, con lo que la situación conlleva, dado que es una de las etapas
mas criticas para la persona con cambios a todos los niveles desde sociales, identidad, psicológicos, de personalidad,
cuestiona la autoridad, que marcaran para el resto de la vida.
“El proceso evolutivo del adolescente es una etapa en la cual este individuo, en su proceso de crecimiento
personal, se puede encontrar con numerosos obstáculos para desarrollar una vida normalizada (…) “Desde un punto
de vista sistémico, las toxicomanías constituyen una de las formas mas comunes de presentación de los problemas de
la desvinculación en los adolescentes (…) a veces los roles sociales entran en conflicto provocando dificultades que
desencadenen conductas adictivas.” (Soler Martín, García Vicent, 2007:63).
La normalización en el consumo de drogas entre los jóvenes, representa un peligro que ellos no perciben, ni suelen
ser conscientes de los problemas secundarios que les pueden ocasionar debido al consumo. Los amigos son el factor
de mayor influencia en el inicio del habito de alcohol, 80,9% tabaco, 91% cannabis y es con ellos donde se generan las
conductas adictivas, convirtiéndose los amigos el principal factor de riesgo de los jóvenes (Añaños Bedriñana et. al,
2005, Becoña Iglesias, 2011; López Larrosa, Rodríguez-Arias Palomo, 2011).
A nivel afectivo, de libertad, libre elección de amigos, etc. también les marcaran a nivel psicológico. La excesiva
o escasa libertad, la imposición de normas y pautas educativas repercutirán de forma sensible en la elección de amigos,
los ideales, las acciones de ocio y tiempo libre, etc. estas acciones también desencadenaran cercanía o lejanía de alcohol
y estupefacientes.
“El cannabis actúa sobre el sistema cannabinoide, que desempeña un papel fundamental en las funciones de la
memoria, la atención y la percepción, así como la actividad motora. De este modo al consumir cannabis todas estas
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funciones se ven alteradas es más difícil mantener la atención y recordar eventos y la percepción de la realidad se ve
alterada, siendo también difícil la estimación del paso del tiempo. Se produce también una disminución de la actividad
y mayor dificultad en la coordinación de movimientos” “el consumo de cannabis predispone a daños además de físicos
y psicológicos(…) los efectos mas visibles son los relacionados con el aprendizaje ya que aumenta las dificultades para
estudiar, prestar atención, concentrarse y memorizar. Esto hace que los jóvenes consumidores regulares de cannabis
obtengan peores resultados académicos” (Otero, 2009:157-158).
El nivel económico respecto al consumo de estupefacientes indicara solo el tipo de estupefacientes que consuma y
el tiempo que tardara en desencadenar conductas disruptivas por la falta de liquidez económica. La personalidad también
marcara inseguridades, desinhibición, etc.
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“El abuso de drogas suele iniciarse en la adolescencia. Esta vinculado con el proceso normal, auque problemático
del crecimiento, la experimentación con nuevas conductas, la autoafirmación, el desarrollo de las relaciones intimas con
gente ajena a la familia, y el abandono del hogar” (Soler Martín, García Vicent, 2007:73).
En muchas ocasiones la curiosidad, experimentar nuevas experiencias, el riesgo de lo prohibido, los estilos de vida
cercanos al consumo de estupefacientes, se imponen como elemento para comenzar a coquetear con las drogas, unido a la
creencia de que tranquilizan, no son perjudiciales, las consumen todo el mundo, etc.
Si en la etapa adolescente, inmersos en profundos cambios e inestabilidad no percibida existe gran vulnerabilidad
y riesgo en numerosos ámbitos, desde e los amigos, fracaso escolar y en la que nos centra en este punto el consumo de
estupefacientes.
Los padres y amigos son modelos a seguir por los menores en la etapa adolescente y además de transmitir cariño,
emociones, apego, valores, comunicación, etc., influyen en las conductas de los jóvenes, cuanto mas vulnerables mas
influencia positiva o negativa, en esta ultima el riesgo de conductas disruptivas y consumo de estupefacientes se convierte
en un peligro.
Existen ocasiones en que las relaciones familiares se encuentran deterioradas por actos de violencia que repercuten
de forma negativa en las conductas de los hijos, siendo doblemente perjudicial en la etapa adolescente, que predisponen
a los jóvenes a conductas disruptivas y de consumo de estupefacientes.
“El modelo de relaciones actuales es la conexión, demasiado breve y superficial para convertirse en un vinculo,
sin capacidades para establecer nudos afectivos (…)En esta realidad social de la familia es necesario que su proceso
formativo este sustentado sobre lo que permanece., que es la esencia de la familia, valores perennes y en la ética de las
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actividades educativas(…) este proceso exige una respuesta de cada miembro de la familia, en coherencia de vida desde
lo permanente y lo cambiante” (Vilaalobos Torres, 2009:32).
La nueva escala de valores, el desempleo, la normalización en el consumo de drogas, el consumo cultural, las
actividades realizadas en el tiempo libre, las leyes, etc. han contribuido de alguna manera a las formas actuales de conductas
que entran en conflicto con la ley.
El consumo de hachís se encuentra normalizado en los jóvenes de hoy día, no son conscientes de las problemáticas
en general y psicológicas en particular que puede acarrearles. El consumidor de hachís comienza a temprana edad según
manifiestan durante la recogida de datos.
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La edad de comienzo de consumo va ha influir de forma negativa y antes son imputados y condenados por delitos
que se potencian y descontrolan con el consumo de estupefacientes.
Salud física y psicológica
Un estado de salud mental o psicológico deficiente, una patología bien diagnosticada o sin diagnosticar, el consumo
de estupefacientes, circunstancias que alteran el comportamiento normalizado, etc., debe ser digno de estudio en los
menores y jóvenes, tratando de normalizar las circunstancias.
La existencia de diferentes problemas de conducta y psicológicos requieren un diagnostico y tratamiento que evite
desencadenantes de conductas asóciales y ulterior conflicto con la ley. “Son los médicos y pediatras de atención primaria,
por su relación con los jóvenes y sus familias, no sólo tienen oportunidad de influir en los factores que pueden inducir a
un comportamiento infractor o delictivo, sino que tienen la obligación de encargarse de la salud médica y mental de estos
jóvenes (…) Los problemas de salud más frecuentes de los jóvenes varones delincuentes de nuestro entorno son abuso
de sustancias, enfermedades odontológicas, trastornos psicopatológicos, estado de inmunización incompleta, trastornos
del crecimiento y nutrición y enfermedades infecciosas relacionadas con el consumo parenteral de drogas” (Oliván
Gonzalvo, 2002:421-424).
El consumo de drogas puede convertirse en una “bomba” para las personas que presentan una patología latente
de origen psicológico no diagnosticada; dicha enfermedad puede estar dormida y no emerger nunca si no se producen
acontecimientos desencadenantes como pueden ser circunstancias estresantes, el consumo de sustancias drogadictivas,
etc. entre las enfermedades que constituyen un gran problema de gran transcendencia en los jóvenes se encuentran las
psicológicas y psiquiatricas.
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Las circunstancias de carácter emocional que inciden en el comportamiento de un menor con psicopatologías o
déficits pueden incidir en las conductas asóciales. “El 3,8% de los menores que acuden al Equipo Técnico presentan
algún tipo de discapacidad psicológica reconocido o no por el Centro de Orientación y Valoración de la Administración
publica” (Nieto-Morales, 2005).
Se habla de circunstancias personales, biológicas, familiares, laborales, estresantes, etc. de momentos de fragilidad
de la persona que puede enfermar, lo cierto es que existen vulnerabilidades biológicas que se encuentran latentes y que se
desencadenan por diferentes circunstancias precipitantes, que en muchos casos lleva a patología dual, es decir, enfermedad
psicológica, psiquiatrica y consumo adictivo de estupefacientes.
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Ley Organica de Responsabilidad Penal del Menor (LORPM)
La Ley Orgánica de Responsabilidad Penal del Menor 5/2000 de 13 de enero y 8/2006 de 4 de diciembre, enmarca
la edad penal para los que han cumplido los 14 años y aun no tienen los 18, siendo menores de edad.
La conducta antisocial es cualquier conducta que infrinja las reglas sociales y/o sea una acción contra los demás,
como gamberrismo, agresividad, violencia y golpes, agredir a personas, fumar, beber, falsificar notas, no asistir al colegio
o llegar tarde intencionalmente, copiar en un examen, robar, colarse cuando hay que esperar un turno, etc. (Garaigordobil
Landazabal, 2005:19, Rodríguez, López y Andrés-Pueyo, 2002).
La prevención de las conductas disruptivas no se consigue con represión, como algunos puedan pensar, la represión
pasa por normalizar, educar y corregir deficiencias, y a veces no se consigue a corto o medio plazo, sino a largo plazo y
sobre todo con prevención.
La jurisdicción de menores se comienza a conformar a final del siglo XIX y se desarrollo a lo largo del siglo XX
muy lentamente.
La modificación de conducta y pasa por resocialización, en pautas y normas educativas normalizadas en la sociedad
en que nos encontramos.
El modelo de Justicia Juvenil presente se encuentra basado en la responsabilidad de los menores en conflicto a tenor
de la LORPM, diferenciando entre inimputabilidad y responsabilidad.
El abanico de medidas susceptibles de ser impuestas por el Juez de Menores pasa por medidas restrictivas de
libertad para casos graves y medidas en medio abierto para el resto; en todo caso la ejecución implica complejidad por la
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doble faceta de adolescente en circunstancias especiales, debiéndose de integrar motivación, participación, aprendizaje,
orientando modelos normalizados a través de una imposición resocializadora comprensible para que sea real y que sea
susceptible de construir nuevos itinerarios de vida normalizada.
La ejecución de medida impuesta en sentencia por el Juez de Menores conlleva la valoración inicial con una
descripción de la situación, actuaciones que orientaran el cambio y la valoración final, es decir, el joven infractor y sus
características psicosociales, el Técnico o Equipo Técnico de ejecución si se trata de una medida privativa de libertad y
los métodos de intervención que llevan a la resocialización.
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Estrategia metodológica
Este trabajo es parte de un estudio más amplio realizado en centros de internamiento con menores bajo medida
judicial de la Comunidad Autónoma de Andalucía, considerando que el discurso puede ser extensible a otras centros y
ubicaciones geográficas, dado que tanto la LORPM y el Real Decreto 1.774/2004, de 30 de julio, son de aplicación en
todo el territorio nacional y situaciones de los jóvenes con similares características dada la situación de la juventud en el
momento presente en España.
La estrategia metodológica utilizada ha sido cualitativa a través de grupos de discusión con menores bajo medida
judicial, reflejándose en este trabajo el perfil y las conversaciones con menores internos en centros en cualquiera de los
regímenes susceptibles de ser aplicados por el juez según la Ley (régimen cerrado, semiabierto, abierto).
El objetivo de esta investigación es ofrecer una visión de la situación de los menores bajo medida judicial.
El método cualitativo ha permitido interpretar los significados expuestos por los menores que han participado en los
grupos de discusión.
Nuestro interés se centra en obtener información sobre las percepciones, actitudes o motivaciones de los menores
que han perpetrado infracciones penales calificadas en el Código Penal (1995) como delitos y faltas.
De todos los grupos de discusión realizados, se han seleccionado 3 grupos de discusión para analizar el discurso de
estos menores que están compuestos por 5 menores / jóvenes cada grupo, seleccionados por la dirección de los centros con
directrices para que dichos menores fueran una muestra representativa de los internos de los centros estudiados.
La conversación-discusión del grupo se grabo en audio previa petición de permiso de los asistentes siempre
informándoles de que no tienen porque dar su nombre real y advirtiéndoles que al hablar se refieran a su alias.
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La conversación-discusión siguió los parámetros que se utilizan para analizar dicha técnica.
Análisis del discurso de las conversaciones con los menores
Los jóvenes que han formado parte de los grupos de discusión presentan características muy especiales, desde
personales hasta las institucionales. Se debe tener presente que son menores y que su identidad se encuentra protegida. En
caso de aparecer algún nombre es ficticio evitando su reconocimiento.
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Las medidas judiciales vigentes en la LORPM son sancionadoras y educativas, esta cuestión deben tenerla bien
presente los menores que se encuentran internos en centros de internamiento bajo medida Judicial.
Los menores identifican un discurso sobre su experiencia vital y circunstancias presentes, sus miedos y las raíces
de sus problemas.
Los diferentes discursos de las menores y jóvenes bajo medida judicial, difieren en su concepción del discurso,
dependiendo del delito por el que se encuentran cumpliendo la medida judicial, dado, que sus características primarias
también son bien diferenciadas.
Los menores de menor edad sobre todo entre los 14 y 15 años suelen ser un grupo con bastante inmadurez que no
tienen conciencia de su situación vital en general, que van adquiriendo madurez con el paso del tiempo.
El perfil de los menores y/o jóvenes de los grupos de discusión escogidos para este trabajo presentan características
especiales.
Los menores /jóvenes que han participado en estos tres grupos de discusión se encuentran entre los 15 y 21 años, los
delitos por los que han sido condenados van desde homicidio, parricidio a robos con violencia e intimidación.
Un alto porcentaje de ellos han cumplido anteriormente a esta medida actual otras medidas de internamiento y
además tienen pendientes medidas por ejecutar.
Todos sin excepción ya habían abandonado la escolaridad obligatoria incluso antes de cumplir los 16 años que
marca la ley como edad obligatoria en España para la educación secundaria. El discurso social sobre la educación no es
claro, por lo que los menores consideran que si no les gusta estudiar pueden abandonar sin más, pero esto en teoría no es
correcto, dado que hasta los 16 años es obligatoria la asistencia a la escuela, y se debería transmitir la obligatoriedad de
asistencia bajo prejuicio de actuaciones judiciales si no se cumple con dicha obligatoriedad.
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“Comencé con problemas en el colegio, me expulsaban, hasta que me expulsaron definitivamente, yo no consumía.
Nunca he probado la droga, era mi comportamiento, la juventud de hoy esta muy cambiada” (caso 3, 17 años).
Por otra parte estos menores van acumulando retraso escolar y llegado un punto se aburren porque no comprenden
las explicaciones del profesor, produciendo altercados que les llevan a las expulsiones, manifestando todos que ha
experimentado mientras estaban escolarizados algún tipo de expulsión.
“Deje de ir a la escuela con 15 años he tenido trabajos y cuando comencé a consumir cocaína tenía que robar
para poder costearme el consumir. Mi familia es una familia normal, pero con pocos recursos económicos, trabajan y son
responsables. La vida es una sola y hay que vivirla pero con calma. En España llevo 4 años, mis padres vinieron mucho
antes” (caso 4, 20 años).
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También hay que concienciar, que hasta haber cumplido los 16 años, el trabajo que deben realizar es estudiar,
debiendo transmitir que nada es gratuito y hay que sembrar para posteriormente recoger cosecha, cuestión por otra parte
nada valorada por un gran sector de la población entre los que se encuentran.
“Si la primera vez que delinques te internan, se evitarían muchos delitos, pero te dejan libre y piensas que no
pasa nada y como sigues consumiendo sigues robando. Entras en una espiral delictiva, si te encierran la primera vez, te
piensas si hacerlo mas veces, si no es a la primera y te encierran a la segunda, seguro que se evita las tercera vez, nos
dejan y (…) “yo creo que depende de la persona también” cuando son detenidos y nos meten en centros, hasta que no te
meten en un centro, por mucha libertad vigilada, como que no te das cuenta (…) le ves las orejas al lobo” (caso 2, 20
años).
Las zonas de residencia van desde barriadas marginales urbanas a rurales normalizadas. Las ubicaciones de residencia
marchan enormente la vida de las personas y viene condicionada por el nivel socioeconómico de la familia, aunque los
menores que se encuentran cumpliendo medidas judiciales pertenecen a familias de clase media-media y media-baja.
Las drogas y los actos delictivos tanto en adolescentes como en adultos suelen tener una estrecha relación. Son
muy pocos los menores que no han presentado consumo de estupefacientes, y ellos reconocen que ha sido una de las
causas que les ha llevado al centro junto con los amigos de riesgo. Para muchos de ellos la socialización en un ambiente
delincuenciado también ha influido en sus actuales circunstancias.
El consumo de estupefacientes es el desencadenante la un alto porcentaje de situaciones de conflicto con la ley.
“El 80% de los que estamos en un centro es por problemas con las drogas, cuando las tomas disfrutas y estas bien
pero te das cuenta después que la droga mata, cuando empiezas no piensas que te va a traer tantos problemas, a medida
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que pasa el tiempo y te pasan cosas empiezas a ver el problema aunque al principio no quieres entenderlo. Deje el colegio
con 15 años y pasaba todo el día en la calle” (caso 5, 19 años).
El perfil del menor ha cambiado, pero las reincidencias continúan manteniendo un perfil similar que como se ha
descrito se podría deber en gran medida al cúmulo de sus circunstancias psicosocieducativas.
Como describimos, las influencias en las conductas disruptivas de los jóvenes, pasan por los estilos educativos, las
tipologias familiares, el consumo de estupefaciente, estilos de vida en muchos casos marginales sin reconocer ni asumir
responsabilidades, etc. todas estas circunstancias dificulta las posibilidades de reinserción social futura, considerando
que existirían problemas para su reinserción. Cuanto mas normalizada sea la vida familiar del menor imputado, mayores
posibilidades de integración social.
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Respecto al discurso de los menores / jóvenes han manifestado su opinión enmarcadas en su condición especial que
viven con la justicia.
“Aquí te das cuenta que los amigos solo te quieren para utilizarte en la calle para consumir y robar, “aquí ni
siquiera me han llamado”, cuando los veo cuando salgo de permiso los saludo, pero no me voy con ellos, me he dado
cuenta que es la familia la única que se preocupa por lo que me pase, cuando antes pensaba que los amigos eran los que
se preocupaban por mi, no me daba cuenta de la situación que estaba viviendo” (caso 1, 18 años).
Algunos de los familiares directos y otros también indirectos se encuentran o han tenido problemas con la justicia,
este hecho de una u otra forma les familiariza con la socialización delincuencia da, que lleva aparejada otras deficiencias
que también aniden de forma negativa en los valores que adquieren estos menores.
“Estaba todo el día en la calle porque era la vida que quería tener, sin normas y a mi bola”. “Esta claro que una
vida honrada será difícil llevar, hace falta mucho dinero para vivir y cuesta mucho ganarlo de forma honrada, prefiero
conseguir fácilmente dinero para lo que necesito, tener una vivienda, etc.” (caso 6, 20 años).
No podemos cargar las culpas a la familia de forma exclusiva, también los poderes públicos deben hacer examen
de conciencia y evaluar las intervenciones que se realizan para mejorar la vida de las personas mas necesitadas y evitar
desequilibrios. No solo hay que actuar cuando se produce el problema, hay que trabajar para que una vez aflorado se extienda
como una mancha de aceite, en muchas ocasiones quizás haya que cambiar drásticamente formas, comportamientos,
asociaciones, etc. que si continúan se desencadenarían que los menores entren en conflicto con la Ley. Los menores no
son los responsables hasta los 14 años, pero a esa edad arrastran adherencias de etapas anteriores que les marca para el
resto de sus vidas.
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Cuando llevan un tiempo en el centro y sus vidas se van normalizando, se ha trabajado técnicamente con ellos, su
forma de pensar va cambiando y adquiriendo otra forma de razonamiento.
“Empiezas a pensar que tus amigos son tu familia, te lo pasa bien con ellos haciendo diabluras y te trae problemas
con los padres, no te das cuenta, pierdes el trabajo, has dejado los estudios sin obtener ningún tipo de titulación
académica, en fin se dan cuenta que es un desastre” (caso 6, 19 años).
Respecto al grupo de iguales se pronuncian con pesimismo; verbalizan que existen muy pocos amigos, “se pueden
contar con los dedos de la mano, son colegas de fechorías”, los buenos amigos no inducen a robar. Hay que tener claro la
familia es la que les puede ayudar, los demás no darán la cara por ellos.
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Con la madurez reconocerán que también hay otra clase de amigos, “aquí dentro es el olvido”. “(…) a veces no
tienes mas remedio que apoyarte en los amigos, claro si te ofrecen confianza y no te dejan solo en los malos momentos a
mi sobre todo porque yo estoy aquí sin familia y en alguien tengo que apoyarme”.
Para muchos de ellos el registro discursivo difiere cualitativamente realizando cititas de todo tipo pero de forma
especial al exceso de reglamentación institucional, hay que tener en cuenta que muchos de ellos no han tenido ningún tipo
de normas ni pautas educativas que hayan respetado, por lo que cuanto menores normas hayan tenido mayores dificultades
de aceptación e interiorización.
Asumen en general que “(…) el centro nos ha hecho cambiar de opinión, la idea es tener una meta en la calle, para
buscarte un trabajo y no volver al mismo ambiente, tener mas formación para poder trabajar”.
La intervención con familias y menores desde el comienzo, cuando surgen los problemas debe ser estudiada y la
intervención inmediata, con ellos evitaremos multitud de problemas posteriores y costes personales para las familias y los
menores. ¿Dónde dejamos las responsabilidades?. No se trata de represión ni de institucionalización sino de prevención.
A modo de conclusión
La edad, las circunstancias familiares, la ubicación espacial, el consumo de estupefacientes, el grupo de iguales de
riesgo, etc. son los factores de riesgo que presentan los menores bajo medida judicial.
Si se busca el origen del problema hay que retrotraerse en ocasiones a bastantes años anteriores para describir las
causas del problema actual que tienen estos menores.
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A mayores problemas de exclusión, mayor dificultad de integración, debiendo realizarse estudios de forma
prematura que eviten ulteriores dificultades y problemas con coste mas elevados en la solución y mayores dificultades de
normalización.
Volvemos a reiterar que la prevención de las conductas disruptivas no se consigue con represión, sino que se debe
normalizar a través de la educación desde el nacimiento y hasta la adultez, educar y corregir deficiencias, repetimos que
no se consigue a corto o medio plazo, sino a largo plazo y sobre todo con prevención.
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Bibliografía
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O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do
Direito Penal no Brasil contemporâneo
Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino
Ex-integrante do Grupo de Estudos Avançados de Escolas Penais – GEA/IBCCRIM.
Resumo: O presente artigo tem a finalidade de descrever os alicerces da Escola Penal Positiva, suas inovações em relação à Escola
Clássica e seu papel fundamental nas diretrizes legislativas de inúmeros países do mundo, inclusive o Brasil. O foco, até então
inexistente, no criminoso, em suas “anormalidades” psíquicas, no meio em que ele habita, em suas características antropológicas
e genéticas e, por fim, na sua periculosidade, fundamentou o desenvolvimento de institutos como o Exame Criminológico e das
Medidas de Segurança que ainda está presente no ordenamento jurídico-penal brasileiro. Dessarte, o artigo pretende esclarecer a
origem de tais institutos para compreender seu funcionamento e suas práticas na atividade jurídica atual.
Palavras­‑chave: Escola positiva; Enrico Ferri; periculosidade; penas indeterminadas; ciências naturais; medidas de defesa social;
determinismo; responsabilidade social.
Sumário: Introdução – 1. Surgimento do pensamento positivo-criminológico e suas bases fundamentais: 1.1 O método experimental ou
indutivo; 1.2 Determinismo e negação do livre-arbítrio; 1.3 Responsabilidade Social e as medidas de defesa social – 2. Periculosidade
inserida no conceito de Enrico Ferri: 2.1 Responsabilidade social e defesa social; 2.2 Adaptabilidade da sanção ao criminoso; 2.3
Periculosidade social (anterior ao crime) e criminal (após o crime); 2.4 Avaliação da periculosidade do agente criminoso; 2.5
Instituição de penas por prazo indeterminado – 3. Herança do pensamento de Ferri no Brasil de outrora e contemporâneo: 3.1 Exame
criminológico; 3.2 Medidas de segurança no Brasil – A (des)necessidade de prazos mínimos e máximos de sua duração – Conclusão
– Bibliografia.
Introdução
Dentro de um contexto fortemente permeado pelas ciências naturais, o positivismo de Augusto Comte e as ideias
evolucionistas de Darwin e Spencer tiveram grande relevo. Tal período, conhecido como “Científico”, trouxe à tona ideias
e avanços relacionados à Sociologia, Antropologia, Psiquiatria, Biologia e, dessarte, proporcionaram grande influência às
diversas disciplinas correntes. Logo, o Direito Penal não conseguiu escapar a tal explosão cientificista da época.
O empirismo e o método indutivo de estudo no âmbito acadêmico tiveram seu ápice no século XIX, e a Escola
Positiva no Direito Penal começou a se desenvolver em fins do mesmo século. Com o intuito de se adequar aos padrões
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cientificistas da época, os fundadores de tal Escola desenvolveram teorias nas quais todos os elementos, conceitos e
técnicas utilizadas pelas ciências naturais pudessem ser integralmente aplicados no âmbito jurídico-penal existente.
Os principais autores dessa corrente filosófica do Direito Penal são: Cesare Lombroso, Enrico Ferri, Rafael Garófalo.
Suas ideias estiveram presentes na criação de inúmeros Códigos Penais pelo mundo, e tiveram relevante importância na
América Latina, em especial no Brasil.
Este artigo tem o escopo de salientar a responsabilidade dessa corrente de pensamento do século XIX na feitura de
nossas leis, tanto as de outrora, como as atuais.
1. Surgimento do pensamento positivo-criminológico e suas bases
fundamentais
O cenário primordialmente cientificista de meados do século XIX trouxe a ideia de que nada poderia ganhar status
de ciência se não fosse devidamente comprovado pela experiência. A Escola Clássica, em vigor até o dado momento, era
oriunda do Iluminismo e, assim, o Direito “preexistente ao Homem e dado pelo Criador, não chegava a esse patamar,
pois dependia para sua compreensão muito mais de um ato de fé do que de constatação científica”.1 O estudo do Direito
Penal, portanto, para ganhar o status de “Ciências Criminais”, deveria modificar suas vertentes e métodos de estudo e
análise do fenômeno criminal.
Ademais, não somente por isso, mas para ser um contraponto à Escola anterior que, como afirmavam os positivistas,
não estava sendo útil à sociedade e sua metodologia de lidar com a criminalidade já era arcaica e ineficiente, e o aumento
seu estava em nível exponencial.
Segundo Ferri, “Até o presente, a escola clássica, por consequência do pensamento segundo o qual o delito, ao ser
efeito de uma vontade que abusava de sua liberdade, devia estar prevenido ou reprimido por uma sanção penal que se
dirigira contra a vontade mesma e apropriado a reafirmar o direito violado e a restabelecer a tranquilidade turbada, até
o presente, digo, a escola clássica havia reduzido a função de defesa social a ser única e exclusivamente um ministério
penal e repressivo (...)”.2
1
2

SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao direito penal – Criminologia, princípios e cidadania. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2012. p. 43.
FERRI, Enrico. Sociología criminal. Madrid: Centro Editorial de Góngora. t. II, p. 153.
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Admitia, também, que a forte tendência da época em desenvolver inférteis teorias ecléticas com o escopo de conciliar
ideias do velho pensamento com as que estavam emergindo na sociedade jurídica e acadêmica (a Escola Positiva) somente
provaram que o velho pensamento clássico já estava morto, arcaico, vago, e que nada mais o faria ressuscitar. No que
tange à teoria da responsabilidade penal, Ferri considerava que tais teorias eram apenas “variações verbais” do velho tema
da responsabilidade moral, baseada por elas sobre a liberdade moral, não absoluta e, sim, relativa e limitada.3
Nesse ínterim, a mudança do foco do estudo do Direito Penal foi radical. O conceito de crime, com o advento das
ideias de Ferri, v.g., toma outros contornos e deixa de ser uma fórmula “sacramentada” com viés puramente jurídico
e abstrato, como pregava Francesco Carrara, e passa a ser um ato imbuído de complexidades tanto individuais quanto
sociais para essa linha de pensamento jurídico-criminal. Assim explica Jiménez de Asúa: “Os positivistas comprovaram
que a ação punível é um ato natural e social, motivados por três ordens de fatores: antropológicos, físicos e sociais.
Portanto, o delito é, ao mesmo tempo, um fenômeno individual e um fenômeno social”.4
Era imprescindível, na visão dos positivistas, o foco no ser humano, no delinquente, de tal forma que a compreensão
do seu meio ambiente e os fatores que o levaram a delinquir serão, pois, objetos de estudo. A ciência positiva não se
limitou somente a mera descrição dos fatos, mas, também, a explicação das causas. Dessa forma, entender e estudar o
homem delinquente (tanto em quesitos físicos, antropológicos ou sociais) era trivial para poder puni-lo de maneira eficaz
e, assim, reduzir a taxa de criminalidade existente.
A aplicação do positivismo penal se dá de acordo com os seguintes preceitos mencionados e discutidos abaixo:
1.1 O método experimental ou indutivo
A partir da observação do meio social, das características antropológicas do delinquente e da sua personalidade,
é possível o diagnóstico dos fatores internos e externos que motivaram a conduta criminosa. De modo que, como será
explanada mais adiante, a aplicação da pena será mais eficiente, de acordo com os positivistas, pois será enquadrada à
personalidade do criminoso, isto é, ao seu grau de periculosidade.
O método desenvolvido era, portanto, o indutivo, em clara oposição ao método dedutivo utilizado pelos clássicos.
Esses últimos, por meio de uma perspectiva generalizada e constante do comportamento humano, dispensavam o estudo
aprofundado do delinquente, pois ele era perfeitamente independente nas suas escolhas (bem ou mal), despido de causas
3
4

FERRI, Enrico. Sociología criminal cit., p. 147
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal. Filosofía y ley penal. 5. ed. atual. Buenos Aires: Losada. p. 66 (tradução livre).
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endógenas ou exógenas que determinariam seu comportamento. Sustentavam que havia uma ordem moral obrigatória
para todos, sendo necessário o cumprimento das normas oriundas dessa ordem para o equilíbrio social. Dessarte, cabia ao
Direito Penal apenas retribuir o mal cometido pelo infrator com o instrumento da pena.
Em contrapartida, os positivistas, através de um olhar particular, supostamente imparcial e individualizado em
relação a determinado crime ou criminoso, constatavam resultados que eram, em seguida, generalizados e, analogicamente,
se tornavam fórmulas matemáticas, químicas ou físicas, aplicáveis a todo caso concreto.
“Precisamente, para os partidários da escola positiva, a essência de sua doutrina reside no método instaurado.
Desde a obra de Lombroso, os livros desenvolvidos pelas novas tendências antropo-sociológicas se distinguem, a mais
superficial inspeção, dos construídos com o método claramente lógico-abstrato: mapas, gráficos, fotografias e desenhos
se ostentam em suas páginas.”5
Anota Thompson também que:
“O objeto da ciência positiva tem que ser de modo estável, definido, absoluto. Ora, a definição das infrações pelos
preceitos legais caracteriza-se pela fluidez, pela mutabilidade, pela extraordinária variação em função de sua colocação
em termos de tempo/espaço.
Agir de certa maneira pode ser crime hoje e aqui, mas pode ser lícito hoje lá ou tê-lo sido aqui ontem ou vir a sêlo aqui amanhã. Como observou um autor: ‘Uma criminalidade que é regulada em parte pela cronologia, em parte pela
longitude, não se presta facilmente para uma discussão científica.’”6
Em relação à imparcialidade do cientista proposta pelos positivistas, o que tem por desiderato uma espécie de
neutralidade na observação e concretização de suas pesquisas, é alvo de críticas contundentes. Uma delas é oferecida
também por Thompson que deixa transparente o problema da interpretação de fenômenos humanos de criminalidade e,
portanto, complexos, à luz das ciências naturais e exatas.
“Com efeito, o sucesso do método empírico ou positivo depende, medularmente, da neutralidade e desinteresse por
parte do sujeito quando da captação dos elementos relacionados com o objeto do estudo, de sorte a conseguir apreendêlos em sua realidade. Da certeza e pureza dos dados assim recolhidos é que se poderá sistematizar o conhecimento
5
6

JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal... cit., p. 65 (tradução livre).
THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? – O crime e o criminoso: entes políticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 22.
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obtido, dele retirando todas as consequências encaminhadoras à ampliação da área pesquisada. Como, contudo, será
possível encontrar neutralidade por parte do cientista enquanto trabalha no terreno das ciências humanas?”7
Com a crítica posta, a questão que se constrói é: como um ser humano, dotado de características tais que o fazem
ser semelhantes aos outros, por óbvio, tem a capacidade de se mostrar imparcial aos fatos criminosos que são cometidos
também por humanos? Ele investiga, portanto, seu próprio eu; sendo parte do objeto investigado.8
Acrescenta, ademais, “Como ser social – ou, para usar expressão mais elucidativa, ser político – é-lhe impossível
descartar toda essa gama de circunstâncias condicionantes, a ponto de conseguir visualizar o meio a que pertence como
alguma coisa que não lhe diz respeito e, dessa forma, observá-lo com a distância necessária para fazê-lo um objeto
alienado de seus interesses: ‘(...) algo como se uma ameba saltasse rapidamente da lâmina de um microscópio para o
visor, e do visor para a lâmina, tentando observar a si própria’. Só na mais cândida das abstrações será viável conceber
alguém capaz de enxergar o grupo humano sem fazê-lo através de representações de valor (...)”.9
1.2 Determinismo e negação do livre-arbítrio
Outra contribuição da visão naturalista foi a ideia de que o homem é incapaz de tomar suas próprias decisões com
plena liberdade. Com o advento das experiências biológicas, avanços nas pesquisas em genética e maior atenção ao meio
social foi possível o argumento dos estudiosos de que o homem é, na realidade, determinado por causas diversas como
algumas formas de patologia, desvio psicológico, meio social miserável ou não propício a uma boa educação, entre outras.
A Escola Positiva nega a autodeterminação do homem, portanto.10
Ferri, como grande exemplo, desenvolveu a famosa classificação da variedade de criminosos, entre eles, o criminoso
nato que, de acordo com o criminalista brasileiro, Cândido Motta:
“Sobre a these proposta ao Congresso de Roma, LOMBROSO, FERRI e MARRO apresentaram os seus relatorios
que, na essência, são uniformes quanto reconhecimento de certas variedades de criminosos.
Do relatório de Ferri, que é o mais desenvolvido, se deduz que os criminosos são:
7
8
9
10

THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos?... cit., p. 26.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia da repressão. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 16. Apud THOMPSON, Augusto. Ibidem, p. 26.
THOMPSON, Augusto. Ibidem, p. 27.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal – Parte general II. Buenos Aires: Ediar. p. 213 (tradução livre).
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1.º Natos ou instinctivos, que se distinguem pela falta congênita do senso moral e pela imprevidência das
consequências de suas acções.
Os assassinos e ladrões são os typos mais communs dessa classe. A falta de senso moral denuncia-se pela
insensibilidade manifestada perante os soffrimentos e os damnos causados às victimas, e perante os seus soffrimentos e
os dos cumplices ; e tambem pelo cynismo ou apathia do criminoso no correr do processo e nas penitenciarias, facto que
determina muitos outros symptomas psychologicos secundarios como a nenhuma repugnancia à idéa do delicto, a falta
de remorso depois de perpetrado este.
Da imprevidencia resultam as manifestações imprudentes, anteriores e posteriores ao crime, e a indifferença pelas
penas comminadas na lei (sic).”11
Isso demonstra a inclinação dos caracteres biológicos e hereditários na conduta do agente pelas ideias positivistas
em voga. Além de Cândido Motta, o também jurista brasileiro, Moniz Sodré, faz uma interessante citação de um biólogo
o qual demonstra a aplicação de sua disciplina no comportamento do criminoso e na dependência do mesmo às heranças
genéticas:
“À GONÇALO MONIZ tomamos as seguintes palavras escriptas com a elevação de vista e criterio superior de
um biologista affeito às sciencias experiementaes , nas quaes está contido, sobre o assumpto, todo o nosso pensamento:
‘Não ha espontaneidade nos phenomenos vitaes: desde o simples movimento ameboide do protozoario até a mais elevada
manifestação da actividade psychica humana, até o acto voluntario, consciente e deliberado, tudo, como no mundo
inorganico, é o resultado, a reacção fatal, mais ou menos proxima ou remota, de determinadas provocações ou excitações,
simples ou multiplas. O acto voluntario, do mesmo modo que qualquer phenomeno cosmico, está, em suma, subordinado
à severa lei do determinismo.’ (sic)”12
1.3 Responsabilidade Social e as medidas de defesa social
A corrente filosófica anterior à positiva pregava a noção de responsabilidade moral, em que o criminoso, por ser
livre e independente nas suas escolhas, opta pela desestruturação da ordem legal e moral estabelecida pelo legislador, e,
11 MOTTA, Candido. Classificação dos criminosos – Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Estab. Graphico – J. Rosseti, 1925, p. 48-49.
12 ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré. As três escolas penaes – Classica, anthropologica e critica (estudo comparativo). 2. ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro
dos Santos, 1917, p. 54.
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assim, comete o delito. De tal feito, o agente do crime deve ser punido com uma pena (castigo) correspondente ao fato
cometido, tendo essa função meramente retributiva do mal causado.
Em contrapartida, a corrente positiva se desprende da responsabilidade moral do indivíduo, de sua autodeterminação
(como já foi visto) e coloca como o cerne da responsabilidade a sociedade em si. Dessa forma, como já dizia Ferri,
o homem só comete delitos porque vive em sociedade, sendo essa perfeitamente responsável para se defender contra
eventuais ameaças.
Jiménez de Asúa deixa claro que, ao passo que o indivíduo é fatalmente determinado por fatores externos ou internos
a cometer algum delito, a sociedade também é igualmente determinada a defender suas condições de existência.13 A partir
dessa assertiva é possível fazer a conexão entre responsabilidade social e medidas de defesa social.
Essas últimas foram desenvolvidas para substituir a pena-castigo. Sua finalidade precípua é defender a sociedade
com certo caráter preventivo. Ao atestarem a ineficácia da sanção meramente retributiva, os estudiosos vislumbraram
outras finalidades as quais pudessem, além punir pela conduta infratora, impedir sua perpetuação. Estimularam, assim, a
finalidade preventiva, adotando a inocuização e o tratamento como meios efetivos de proteção social.14
Partindo da ideia de que o criminoso é influenciado tanto por fatores endógenos quanto exógenos no cometimento
de um crime, é imprescindível que haja um tratamento coerente e eficaz que impeça uma provável reincidência. Ele
deverá ser “corrigido” por meio das medidas de defesa social. Como salienta Ferri,
“Sob o ponto de vista natural não pode ser delinquente senão quem seja um anormal. Anormal por condições
congênitas ou adquiridas, permanentes ou transitórias, por anormalidade morfológica ou bio-psíquica ou por doença,
mas sempre, mais ou menos, anormal”.15
Desse modo, o criminoso, dotado de anormalidades, será colocado em isolamento durante um período indeterminado
(tudo depende de sua “melhora” ou “cura”) para que, findo esse prazo, retorne ao meio social com plena capacidade de
interagir e se relacionar com outros indivíduos sem possíveis ameaças para estes.
A doutrina positivista, em sua forma sociológica, foi a que obteve grande sucesso, como exemplo, no âmbito penal
soviético. Enrico Ferri já dizia, pouco tempo antes de falecer que, “como realização concreta de seu sistema, estão os
Códigos Penais Soviéticos de 1922 e 1926”. O jurista e professor de Direito Penal Donnedieu de Vabres acrescenta que
13 JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Tratado de derecho penal... cit., p. 66.
14 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no Estado Democrático de Direito. São Paulo: RT, 2001, p. 18.
15 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. Trad. Luiz de Lemos D’Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1931.
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esse sistema trouxe, com efeito, a noção de responsabilidade legal – ao invés da responsabilidade moral – do delinquente
e a substituição das penas por “medidas de defesa social”.16
2. Periculosidade inserida no conceito de Enrico Ferri
“O único fundamento da imputabilidade individual (responsabilidade legal) é ter cometido um crime. E isto, para a
justiça penal; enquanto que para a polícia de segurança, o fundamento jurídico das providências preventivas é justamente
a periculosidade social (com respectiva anormalidade fisio-psíquica, que torna os indivíduos inadaptados à vida livre)
mesmo antes e independentemente da execução de um crime.”17
A partir desse trecho da obra Princípios de direito criminal de Enrico Ferri, traçarei os pormenores desse pensamento,
sua justificativa e sua aplicação na prática judiciária e interpretativa, que se disseminou pelos Códigos de diversas nações,
inclusive no Brasil, que levariam o Direito Penal não ao estudo do fato, mas sim ao estudo de quem o cometeu: o “Direito
Penal do Autor”.18
2.1 Responsabilidade social e defesa social
O critério positivo de responsabilidade penal se baseia na premissa de que só há direito em uma sociedade e só há
sociedade onde existe o direito como instrumento de defesa social. Dessa maneira, Ferri deixou claro sua negação total
à responsabilidade moral do criminoso para, assim, sustentar seus argumentos em prol de uma responsabilidade social:
“Todo homem é sempre responsável por qualquer ação antijurídica realizada por ele, unicamente porque e enquanto
vive em sociedade.”19
Isso se explica pela coordenação e união das ciências naturais e morais que demonstram que o homem não deve ser
considerado como um ser em si mesmo, individualizado, mas, sim, um membro da sociedade em que habita, um elemento
dela. Ferri faz a interessante comparação com um organismo biológico explicando que, como as células, os tecidos, os
16 VABRES, H. Donnedieu de. La politique criminelle des États autoritaires. Paris: Libraire du Recueil Sirey, 1937, p. 146. (tradução livre).
17 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 281.
18 FERRÉ OLIVÉ, Juan Carlos; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro: parte geral:
princípios fundamentais e sistema. São Paulo: RT, 2011, p. 133.
19 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 282.
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órgãos não têm existência biológica no corpo do animal a não ser como partes de um conjunto; ao passo que, o homem, a
família, a comunidade não têm a existência sociológica senão como membros de uma sociedade mais vasta.20
A sociedade ou o Estado, em sua expressão jurídica, tem a necessidade natural de se defender e de se conservar a
qualquer momento em que esteja numa situação de desconforto ou perigo. Como qualquer animal o faria. O indivíduo
determinado pelas condições já expostas (motivos físicos, antropológicos ou sociais) sofrerá a reação da sociedade, porém,
não como sacramentavam os clássicos na sua forma de punição meramente retributiva. Tal reação se dará porque os atos
foram cometidos no convívio social e, por isso, a sociedade (ou Estado) terá, em conformidade com um “determinismo
universal” de castigar ou defender sua integridade.21
“Se o delinquente obedecesse a uma necessidade moral e se o Estado fosse moralmente livre, é certo que toda
pena infligida por este a um ato que não pudesse deixar de ocorrer seria absurda; mas se o Estado também, ou quem
o represente, se encontra na necessidade de castigar, isto é, de se defender, então tudo chega a ser lógico e natural, se
conforma perfeitamente com o determinismo universal.”22
Assim, a partir do que foi supramencionado, passarei a analisar o processo de aplicação da pena ao agente criminoso
e de que forma ele é definido em lei.
2.2 Adaptabilidade da sanção ao criminoso
Ferri frisou em sua teoria que o crime não deve ser analisado como um ente jurídico, como dizia Francesco Carrara,
mas sim como um fenômeno social determinado por causas naturais. Dessa forma, a pena a ser cominada ao delito
deve visar, impreterivelmente, o criminoso, e não o delito. As formas retributiva e mecânica de sanção penal com um
olhar circunscrito ao crime teriam de ser eliminadas. A hermenêutica teria de ser manuseada de outro modo capaz de
compreender o indivíduo infrator e tornar a pena, de fato, útil a ele.
O caminho passa a ser invertido e as ideias de Marquês de Beccaria, como grande expoente do Iluminismo, tornamse retrógradas. Assim sistematiza em seu livro Dos delitos e das penas:
20 FERRI, Enrico. Sociología criminal cit., p. 82 (tradução livre).
21 FERRI, Enrico. Sociología criminal cit., p. 84.
22 Idem, ibidem, p. 84.
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“O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei;
a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se fizer por conta
própria, tudo se torna incerto e obscuro.”23
Com o criminalista italiano, toda essa vertente sofre mudanças. A pena deve servir e se adequar perfeitamente ao
indivíduo criminoso pelo crime por ele perpetrado, com o escopo de prevenir possíveis reincidências. A sanção não deve
ter como foco o fato criminoso. Esse será apenas uma “condição preliminar de procedibilidade (punibilidade)”.
Tal individualização deve ser feita pelo juiz, demonstrando a inversão do pensamento de Beccaria, em suma, do
pensamento clássico.
“Pelo que, até quem, muito embora ecleticamente insistisse sobre a ‘individualização da pena’, distinguido-a
em individualização legal-judiciária-administrativa, declarou que não pode existir uma ‘individualização legal’. E isso
pela formalistica (sic) razão de que a lei, devendo estabelecer ‘normas gerais e impessoais’, não tem possibilidade de
individualizar o criminoso, o que pode fazer-se sómente (sic) pelo juiz e depois na execução da sentença.”24
Para Ferri, a vida e a ciência trouxeram como imposição à justiça penal não mais a observação da relação jurídica
de infração da norma penal, com suas consequências jurídicas já previstas, mas também e, sobretudo, a expressão da
personalidade do agente criminoso. Tal argumento é justificado, pois a causa primordial e provável para um crime futuro
é a personalidade psíquica do agente. A sanção será útil, assim, tanto para defesa social, como para cura ou tratamento do
criminoso respeitando suas particularidades. Ademais, transparece aqui sua função preventiva.
Nesse ínterim, a individualização penal se dá de acordo com a maior ou menor periculosidade do indivíduo,
isto é, circunscrita a sua personalidade que será apreciada e constatada pelo juiz criminal. Dependendo do seu grau de
periculosidade – que será examinado a partir da “exterioridade física da sua acção (sic) e desta chegar à sua intimidade
psíquica” – será possível individualizá-lo na lei, no julgamento e na execução da condenação.25
Contudo, ressalta Ferri, todos, sem distinção, deverão receber uma sanção pelo único fato de ter cometido um crime,
reafirmando, assim, a teoria da responsabilidade social, em que a sociedade é a plena detentora dos direitos de se conservar
na forma que acreditar ser válida. Cada delinquente teria diferentes condições biopsíquicas e seria tratado de maneiras
23 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 29-30.
24 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 193-194.
25 Idem, ibidem, p. 222.
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diversas pela defesa social: criminosos adultos em relação aos menores; criminosos ocasionais e não reincidentes em
relação aos habituais; o louco delinquente de modo diverso do criminoso instintivo.26
É possível aferir que, de acordo com seu posicionamento, todos os membros da sociedade que cometem ações
antissociais, em seu grau de periculosidade específico, são anormais. Deverão suportar as respectivas sanções para
assegurar, como ele mesmo diz, “o mínimo de disciplina social, sem o que não é possível nenhum consórcio civilizado”.27
A demonstração dos clássicos de que a pena somente terá eficácia quando cominada àqueles capazes de entender seu
escopo e sua coação psicológica, sendo excluídos taxativamente os loucos, menores, embriagados e surdos-mudos (como
sustentava o Código Penal italiano em 1931, em voga na época da publicação da obra de Ferri) foi rebatida pela Escola
Positiva por meio da argumentação científica de que todo homem delinquente é um anormal. Ferri afirma ser incontestável,
ademais, a anormalidade psíquica, ainda que ínfima, que o “homem normal”, isto é, o homem não criminoso apresenta.
Ela somente não é exteriorizada pelo motivo determinista de que ele “sabe se adaptar ao ambiente em que vive” e também
pela responsabilidade social, no que tange ao respeito às normas exigidas na sociedade com o escopo único de manter a
ordem e a defesa.
O “homem delinquente” não detém desse bom senso existente no “homem normal”. Suas anormalidades psíquicas,
portanto, “não só são mais graves, mas, sobretudo são mais numerosas no mesmo indivíduo”.28 Assim, no momento da
ação criminosa, há falhas relevantes na atividade psíquica do agente, demonstrando sua incapacidade de se adaptar ao
ambiente e às condições de existência social. Esse desvio mental está, portanto, perfeitamente vinculado à ação delituosa.
Ferri explica com exemplos das categorias antropológicas:
“Serão diversas as graduações deste defeito de adaptação psíquica ou deste anormal funcionamento da actividade
psíquica do delinquente passional (por exemplo, por honra ofendida) ao delinquente ocasional (réu, por exemplo, de
leve furto simples), até ao delinquente nato ou louco (réu, por exemplo, de parricídio), mas a anormalidade psíquica é
inseparável da acção (sic) delituosa. Naturalmente estas gradações diferentes de intensidade, fazem com que a lei penal
possa dar normas especiais sómente para os mais graves e aparatosos (delinquentes loucos, natos, habituais, passionais,
menores), considerando a maioria dos criminosos (ocasionais) atingida apenas por leves e não acumuladas anomalias.
(sic)”.29
26
27
28
29

Idem, p 232.
Idem, ibidem, p. 231.
Ibidem, p. 251.
FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 255.
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A Escola Criminal Positiva trouxe, ademais, o que Ferri denominava “inovação metódica e funcional na justiça
penal, teórica e prática” no exame da lei, do processo penal e da execução penal. Contudo, esse exame se dava, também,
de acordo com a categoria antropológica do criminoso já prevista no texto legal e que desencadeava no momento da
execução penal.
“Na lei, quer dizer, nas normas gerais que a constitui, o delinquente vem individualizado, não só – indirectamente (sic)
– pela diversa gravidade do crime praticado, mas sobretudo e directamente (sic) pela diferente categoria antropológica,
que é sempre por si mesma índice de uma diversa temibilidade, e pela medida desta, segundo as circunstancias (sic) de
maior ou menor periculosidade, além das circunstancias especificas (sic) modificadoras de cada crime ou delito e além
de seus elementos constitutivos.
No processo penal, o delinquente vem individualizado com o exame particular das circunstancias objectivas (sic)
do crime e das condições pessoais do seu autor, antes, durante e depois do facto (sic).
Na execução da condenação, o delinquente, segundo a sua individualização contida na sentença, vem destinado a
um ou outro estabelecimento entre os da espécie estabelecida na sentença e, portanto vem sujeito ao tratamento higienico
(sic), educativo, disciplinar, juridico (sic) e econômico que melhor corresponda à sua personalidade, que pode ser mais
ou menos readaptável à vida social ou incorrigível ou incurável.”30
2.3 Periculosidade social (anterior ao crime) e criminal (após o crime)
A priori, vale ressaltar a diferença entre periculosidade social e periculosidade criminal. Aquela tem por finalidade
uma avaliação preventiva, isto é, uma defesa social anterior à própria ação ou crime perpetrado. A última vincula-se ao
crime já consumado, isto é, uma avaliação repressiva (“perigo de recidiva”). Aquela independe da execução de um crime e
tem como foco a temibilidade do agente (“perigo de crime”). Para justiça penal e, portanto, no que tange à periculosidade
criminal, o que importa é ter o agente cometido ou tentado cometer um delito e, dessa forma, é de suma importância que
ele seja readaptado à vida social por intermédio de uma sanção/pena com prazo indeterminado.
“Para a defesa preventiva distinguem-se os cidadãos em perigosos e não perigosos: para a defesa repressiva todos
os delinquentes são perigosos, se bem que em grau diverso.”31
30 Ibidem, p. 197.
31 Ibidem, p. 285.
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Houve críticas e objeções contumazes aos positivistas (em especial, Enrico Ferri) feitas pelos neoclássicos no que
concerne aos dois principais problemas do seu critério de análise da periculosidade do agente: a incerteza de sua definição
legal e o arbítrio do juiz ao apreciá-la.
No que tange à primeira objeção, Ferri constata que ela tem por foco a periculosidade social, em que se tem em vista
a polícia de segurança e o “perigo do crime”. Contudo, a periculosidade que interessa à justiça penal é a criminal, que
aplicará a sanção ao crime já perpetrado e se fundamentará a partir de circunstâncias reais e pessoais para que avaliação
do grau de periculosidade seja concretizada. Tal avaliação, de acordo com Ferri, não deixará de ser mais complexa e difícil
que a “avaliação probatória dos processos indiciários”.
Ferri cita a resposta de Grispigni a tal censura que diz que ela se dirigiria aos juízes que têm por escopo, ao aplicar
a pena, a prevenção geral (intimidação geral), utilizando os réus apenas com intermediários para tal fim.32
Em suma, a sanção deveria ser adequada ao criminoso tanto em uma análise moralmente culposa (como preferiam
os clássicos) quanto na sua potência ofensiva (periculosidade criminal), reiterando a necessidade da prática de um crime
para tal feito.
Em relação à segunda objeção, Ferri tem o seguinte argumento:
“Certamente o substituir, na justiça penal, ao critério objectivo (sic) do crime o critério subjectivo (sic) do
delinquente, leva necessariamente as mais amplas faculdades de indagações e de apreciações por parte do juiz: mas isto
não pode constituir uma ofensa aos direitos do indivíduo, se se (sic) pensar que nós invocamos uma magistratura penal,
distinta da civil, com adequados conhecimentos tecnicos (sic) acêrca (sic) do homem delinquente”.33
2.4 Avaliação da periculosidade do agente criminoso
É imprescindível que haja, para qualquer avaliação, o respeito a determinados critérios previamente estabelecidos
para que se garantam os efeitos desejados.
No que concerne à avaliação da periculosidade do agente, Ferri propõe três critérios fundamentais: (1) gravidade do
crime; (2) motivos determinantes; (3) personalidade do agente.
32 Ibidem, p. 292.
33 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 293.
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Vale salientar que Ferri deu ênfase e relevância aos dois últimos, dispensando ao primeiro o valor essencial para
determinação da periculosidade criminal, pois o fato criminoso pode ser insignificante, como um furto de um alimento,
contudo, o indivíduo pode ser potencialmente perigoso (loucos, menores, habituais, instintivos, v.g.). E, ao contrário, um
crime pode ser considerado gravíssimo, porém o “delinquente” tem o mínimo grau de periculosidade (crimes passionais,
v.g.).
Em todo crime há um aspecto causal, qual seja, a lesão a um bem jurídico ou quando esse é posto em perigo.
Ademais, há um aspecto sintomático, que seria a própria tendência criminosa do indivíduo, sua periculosidade. Frisa-se
que este último tem uma “importância preponderante”.34
Os motivos determinantes “dão o significado moral e jurídico a todo o ato humano”.35 São os móbeis para fomentar
o ato criminoso, podendo ser motivos: sociais ou antissociais; legítimos ou ilegítimos; egoístas ou altruístas.
A personalidade do criminoso é o cerne da constatação do grau de periculosidade. Nesse critério são inseridas
probabilidades científicas, caracteres genéticos, individualidade biopsíquica, isto é, ele será analisado como um ser-vivo
em sociedade, mas com métodos laboratoriais. Dependendo da personalidade, será submetido a um tratamento que se
enquadre às suas peculiaridades.
Além desses dados, cabe aqui reiterar que há o enquadramento do criminoso às diversas categorias antropológicas
previstas em lei.
Por mais absurdas que pareçam tais ideias, jamais devemos estudá-las e interpretá-las com uma perspectiva filosófica
contemporânea do século XXI. Devemos entender o contexto que propiciou seu surgimento e observar a “evolução”
desenvolvida até os dias de hoje.
Em um trecho da obra, Ferri sugere um estudo de personalidade do indivíduo desde a formação escolar, demonstrando
a acentuada incoerência aos olhares de hoje, porém, a plena coerência na visão do século XIX.
“Como já acentuei, se – além de especiais institutos de estudo bio-psíquico da individualidade humana – nas escolas
populares, por onde passa toda a população masculina e feminina de um Estado, este instituísse uma cedula individual,
confiada aos mestres e aos médicos escolares, para fixar – com os metodos tecnicos da pedagogia antropologica – os
dados mais caracteristicos da personalidade fisica, moral, intelectual de cada aluno, para lhe precisar as tendencias e
atitudes com relação à conduta social e ao trabalho; e se a este censo geral, se acrescentasse – como já fez o Governador
34 Ibidem, p. 298.
35 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 301.
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de Roma – o especializado para os estudantes deficientes anormais, não só intelectualmente, mas sobretudo moralmente
(candidatos à delinquência), é evidente que a defesa preventiva (...) e a defesa repressiva teriam à sua disposição dados
abundantes e seguros sobre a personalidade e periculosidade de todo o cidadão, que com a própria conduta irregular ou
defeituosa reclama sobre si a necessidade de providências preventivas e repressivas (sic)”.36
É transparente a observação de que, com esse tipo de sugestão para facilitar a defesa do Estado/sociedade, o método
de apreciação da personalidade se dá essencialmente com a tendência ou não de cometer crimes. “O crime é um resumo
da personalidade do agente e dela é quasi um simbolo vivo. (sic)”.37
Em agosto de 1925, o Congresso Penitenciário Internacional de Londres exprimiu sobre a necessidade de que
todos os indivíduos condenados fossem sujeitos a um exame físico e mental (como se instituiu no Brasil, o chamado
“exame criminológico”) por médicos experientes e especializados nesse ramo, ademais, a imprescindibilidade de se
instituir um laboratório em cada penitenciária. “Este sistema contribuirá para determinar as causas biológicas e sociais
da criminalidade e para precisar o tratamento adaptado a cada delinquente”.38
Conclui-se, portanto, que a personalidade do criminoso atestada pela sua individualidade biopsíquica fornece dados
suficientes para a graduação da periculosidade, em torno do qual a gravidade do crime e os motivos determinantes serão
de grande valia para se chegar ao objetivo final: adaptação legal da sanção ao criminoso.
2.5 Instituição de penas por prazo indeterminado
Após a constatação da categoria do criminoso prevista em lei e o seu maior ou menor grau de periculosidade, cabe
ao Juiz estabelecer o prazo da condenação. Nos parâmetros da Escola Positiva e nas palavras de Ferri, a indeterminação
do prazo de duração das penas pareceu ser o melhor remédio para a eficácia da justiça penal.
A medida fixa de pena mínima e máxima para um “modelo geral de criminoso” seria totalmente equivocado, a
começar pela fixação prévia de um limite, sendo que é impossível ter a noção de quando o delinquente se readaptará
à vida livre e se um dia será readaptado. Dessa forma, os positivistas propõem o tratamento até o momento que for
necessário, sendo perfeitamente cabível um sequestro perpétuo para criminosos sem possibilidade de “cura”. Em relação
36 Ibidem, p. 315-316.
37 DE SANCTIS apud FERRI, Problemi e programmi della Scuola Positiva na “Scuola Positiva”, 1921, p. 162; Idem, Il concetto moderno di alienazione mentale
nella criminologia, ibidem, Rio Janeiro, 1927.
38 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 318.
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ao “modelo geral de criminoso”, Ferri acredita ser este utópico, pois os criminosos têm características físicas, psicológicas,
antropológicas que se diferem de um para outro, por óbvio. Portanto, jamais devem ser tratados e sancionados da mesma
forma.
O trecho abaixo transcrito integra a obra Sociologia criminal de Ferri e o próximo, a obra do mesmo autor, Princípios
de direito criminal, demonstram a mesma ideia, sendo que o segundo faz a comparação do juiz ao médico e da penitenciária
ao hospital, reiterando as ideias de “anormalidade”, “doença”, “cura”, “tratamento”, utilizadas nas ciências biológicas,
que fazem com que o estudo do Direito Penal seja uma “anatomia jurídica”.39
“Para todo delito cometido, o problema penal não deve, de modo algum, consistir em fixar uma certa dose de pena,
que se acredita proporcionada à falta do delinquente: deve reduzir-se a decidir se, dadas as condições objetivas do ato
(direito violado e dano causado) e as condições subjetivas do agente (motivo determinante e categoria antropológica)
é necessário separar o indivíduo do meio social, para sempre ou por tempo maior ou menor, caso o condenado se
mostre readaptado ou não ao meio social; ou se deve contentar-se simplesmente com uma reparação rigorosa do dano
causado.”40
“Quando o juiz, presentemente – através dos cálculos das frações aritméticas para mais ou para menos – condena
um criminoso, por exemplo, a 9 anos, 7 meses e 20 dias de prisão, o absurdo do sistema é evidente, como se à porta do
hospital o médico prefixasse os meses ou os dias de permanência do doente, que tem de ficar aí até o fim do prazo, mesmo
se for curado antes, ou que tem de sair do hospital no termo designado, mesmo se ainda não estiver reestabelecido.”41
Logo, sua duração era decidida no decorrer da aplicação da sanção.
Jiménez de Asúa também, no seu livro El estado peligroso defende a instituição de penas e medidas de segurança
indeterminadas em relação ao seu caráter provisório, pois quaisquer sentenças que decretem o estado perigoso do agente
devem ser sujeitas a modificações ou reformas, sendo inadmissível a “santidade da coisa julgada”. E assim, a justiça
seria feita, de acordo com ele, impedindo que os criminosos ficassem isolados em um tempo superior ao que realmente
necessitavam para sua readaptação social. Em contrapartida, aos criminosos que necessitavam de um tempo maior ao que
seria previsto por uma pena fixa, ou até um sequestro absoluto, como determinava Ferri.
39 BARRETO, Plínio. Questões criminaes. Secção de obras d’ O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1922, p. 40
40 FERRI, Enrico. Sociologia criminal cit., p. 266 (tradução livre).
41 FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 321.
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Asúa também afirma que, em casos de erro na apreciação da periculosidade do criminoso, deveria ser decretada
imediatamente a inexistência de perigo, mesmo quando o condenado já estivesse cumprindo pena ou medida de segurança.
Assim, ele seria retirado do estabelecimento, pois não havia razão para ser tratado ou inocuizado.42
3. Herança do pensamento de Ferri no Brasil de outrora e contemporâneo
A influência foi bastante relevante em solo pátrio, borbulhando obras de vários criminalistas brasileiros em prol da
aplicação do positivismo criminológico no país no início do século passado. Entre os autores estavam: Cândido Motta,
Tobias Barreto, Vieira de Araújo; e também havia críticos de uma provável reforma penal, como Plínio Barreto e Gastão
Ferreira de Almeida.
Este último nega qualquer necessidade de se implantar no Código Penal brasileiro ideias oriundas do criminalista
italiano, afirmando que os legisladores brasileiros fomentariam, com tal implantação, a própria anarquia.
“Diante do que tudo, a que viria uma ‘reforma’ penal, inspirada nos devaneios anarquistas de uma velha
criminologia, que ao invés de se estender à supressão social ampla dos delitos coletivos, e defesa nacional, refugiavase nos laboratórios, e num Biologismo tão aventuroso quanto deficiente, necessariamente, – buscando, ademais, e
ao contrário, a diretriz pouco sadia e antissocial, de erigir os criminosos em inocentes, os crimes em abstrações, as
penitenciárias em paraísos de conforto, ao mesmo tempo que os gênios e os valores sociais se confundiam aos tarados,
e os inocentes a instrumentos de determinismo retificáveis nos laboratórios à sombra de um obsecado, estéril e irrisório
naturalismo, indisfarçadamente materialista, sem pátria, e desumano? (...)”43
Apesar de tal oposição ao ingresso de estudos biológicos no âmbito jurídico, majoritária parcela de criminalistas
teimou em utilizá-las, e tal afirmação justifica-se pela quantidade de anteprojetos apresentados no Congresso que retificaram
as ideias e termos propostos por Lombroso, Ferri e Garófalo.
Neste presente artigo, darei o exemplo de dois institutos jurídicos que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro,
oriundos do pensamento da Escola Positiva, em especial de Enrico Ferri: o exame criminológico e as medidas de segurança.
42 JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. El Estado peligroso. Madrid: Imprente de Juan Pueyo, 1922. p. 98 (tradução livre).
43 FERREIRA DE ALMEIDA, Gastão. Os projectos do Código Criminal Brasileiro (de Sá Pereira) e do Código dos Delictos para a Itália (de Ferri). São Paulo:
Edições e Publicações Brasil, 1937, p. 9-10.
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3.1 Exame criminológico
Esse instituto jurídico pretende avaliar a personalidade do criminoso, sua periculosidade, sua predisposição ao
cometimento de novos crimes ou um provável arrependimento.
Em 1933, com o primeiro Código Penitenciário da República, o exame criminológico foi consolidado (porém, não
com essa denominação) prevendo a criação de Institutos de Antropologia Penitenciária que realizariam avaliações no que
tange aos caracteres psicológicos e antropológicos do condenado (“tendência para o crime, instintos brutais, influência do
meio, costumes, grau de emotividade”).44 Era imprescindível a confirmação de tais elementos, no sentido de “melhora”
do criminoso, para conceder-se, v.g., o livramento condicional.
Os anteprojetos que se seguiram, trouxeram, com exceção do Código Penal de 1940 e do Código de Processo
Penal de 1941, a previsão do exame do condenado “que compreenderia um estudo clínico morfológico, fisiológico e
neuropsiquiátrico; a análise da inteligência, sentimentos, instintos, tendências e aptidões; e uma pesquisa do ambiente
familiar, vida pregressa, circunstâncias do fato cometido, grau de conhecimentos, nível de cultura e formação religiosa”.45
Dada à clareza da retificação dos estudos da criminologia positiva, as características dos criminosos são distintas e,
portanto, suscetíveis às análises também distintas. E criminalistas importantes acreditavam que o exame das características
pessoais do indivíduo contribuiria para uma correta e moderna política criminal. Alípio Silveira, como grande exemplo,
destacou-se ao fomentar a proposta pelo fato de ter frequentado congressos internacionais pelo mundo e ter tido contato
contumaz com ideias de Lombroso, Ferri e Garófalo.46
O objetivo primordial do exame alegado pelos autores do projeto era traçar o grau de periculosidade do criminoso
por tendência, habitual e o do indivíduo suscetível à medida de segurança. Além disso, seria aplicável em situações em
que o magistrado tivesse a obrigação de apreciar problemas relacionados com as já citadas medidas de segurança ou com
a aplicação de penas indeterminadas.47
Com a proposta de se aplicar penas indeterminadas, já é possível perceber a relevante carga de influência de Ferri
no surgimento de tal exame. Proposta essa que não obteve grandes exaltações negativas por parte da população da época,
pois já estava em voga a adoção do sistema do duplo binário (pena + medida de segurança).48
44
45
46
47
48

BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica sobre o exame criminológico. Temas relevantes de direito penal e processual penal. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 6.
Idem, ibidem, p. 6.
Ibidem, p. 7.
Ibidem, p. 8.
BRITO, Alexis Couto de. Análise crítica... cit., p. 8.
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O que cabe salientar é que, a partir de um anteprojeto realizado por Benjamin Moraes Filho, que previa a aplicação
do exame, suas ideias foram inseridas na Lei contemporânea, como deixa claro o professor Alexis Couto de Brito:
“Em 1984, com a edição das Leis 7.209 (nova parte geral do Código Penal) e 7.210 (que regulamenta a Execução
penal no país) é que o exame criminológico surgiu como algo definitivo em nosso sistema normativo. Mas, o que poucos
percebem, é que o anteprojeto de Frederico Marques e principalmente o de Benjamin Moraes Filho praticamente
serviram de base para a atual Lei 7.210/84, o que demonstra que a atual Lei é na verdade fruto do pensamento de mais
de quatro décadas. E pior, a Lei 7.210/84 manteve no ordenamento jurídico-penal um exame originariamente pensado
para o perigoso, como algo viável para o criminoso culpável.”49
Com a manutenção do exame criminológico ao criminoso culpável, há a tendência de eliminar de vez a lógica de
que ele teria fundamento apenas no que tange à aferição da periculosidade; e, como consequência, retoma-se e retifica-se
o pensamento do século XIX, à luz de uma investigação pericial baseada em métodos científicos, físicos, psicológicos
e comportamentais. Talvez por ser mais fácil simplificar a complexidade do fenômeno da criminalidade imputando-se a
culpa ao indivíduo criminoso por causas naturais oriundas de seu organismo biológico ou de seu meio social.
Antes da entrada em vigor da Lei 10.792/2003, o exame criminológico era facultativo para a progressão do regime;
atualmente, ele foi expulso do ordenamento e, portanto, sua exigência para progressão gera constrangimento ilegal por
ausência de previsão para tal ato.
A forma para se realizar o exame, ademais, nunca foi detalhada, como explica o professor, “Em nenhum momento
dos projetos ou mesmo de suas exposições de motivos há uma orientação de como o exame deverá ser feito e quais as
técnicas possíveis que seriam adotadas para se chegar às conclusões esperadas por tal exame, talvez porque sempre se
soubesse que tais conclusões fossem apenas especulações, ou mesmo um ato de fé no fato de que a ciência pudesse dar
causas tratáveis à criminalidade.”50
Em suma, a questão se põe à reflexão é: como um exame realizado por “médicos especialistas” que não tem uma
forma específica, detalhada, pormenorizada em lei, poderá definir a possível “melhora” ou não do criminoso, isto é,
sua capacidade de retornar ao convívio social, a partir de constatações tão abstratas como tal exame propõe? Frisa-se
que, com essa abstração, ocorre um possível constrangimento ilegal, pois submeter o indivíduo a algo não detalhado no
ordenamento jurídico parece ferir, danificar as bases democráticas de um Estado de Direito. O risco de arbitrariedades e
49 Idem, ibidem, p. 9
50 Ibidem, p. 10.
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jogos de interesse político parece ser de uma obviedade transparente. Ademais, com sua instituição, a possibilidade de se
verificar a realidade dos fatos torna-se quase inalcançável, indemonstrável.
3.2 Medidas de segurança no Brasil – A (des)necessidade de prazos mínimos
e máximos de sua duração
A aplicação de medidas preventivas, que tinha por objetivo extrair o indivíduo antissocial do seio da sociedade, está
presente em nossa civilização há tempos. As percepções do perigo ou de uma doença mental já serviriam de fundamento
para o envio às casas de custódia para tratamento, evitando, dessa forma, a incidência do Direito Penal.
Sua natureza é modificada com o advento do pensamento positivista no século XIX. Com a constatação pelos
estudiosos de tal corrente de que a sanção-pena não estava cumprindo a tarefa de minimizar o fenômeno da criminalidade,
surgiu a indagação sobre a possibilidade de uma nova espécie de resposta jurídico-penal ao crime cometido.51
Amparada nas ideias de Ferri, todo o crime é uma doença, isto é, todo indivíduo que comete um ato infrator
é um anormal que necessita de tratamento. A pena, reiterando o que já foi explanado, deve se enquadrar ao grau de
periculosidade do criminoso. Ele tem a chamada “periculosidade criminal” e que, portanto, deverá submeter-se a uma
sanção cuja característica originária é a indeterminação quanto aos seus prazos de duração, com o objetivo preventivo de
defesa social.52
Em relação à influência dessas ideias no solo pátrio, destaco que apenas na promulgação do Código de 1940 ocorre
a instituição das medidas de segurança – apesar de já ter sido disciplinada anteriormente como “medidas de tratamento”:
“Disciplinada pela primeira vez pelo Decreto 1.132, de 22 de dezembro de 1903, a medida de tratamento consistia
no recolhimento, em institutos para alienados, indivíduos portadores de moléstia mental, congênita ou adquirida, que
comprometessem a ordem pública ou a segurança das pessoas.”53
Adotava-se no Código Penal de 1940 o “duplo binário”, isto é, a aplicação da pena acrescentada da medida de
segurança. O criminoso imputável receberia, a priori, uma pena, com prazo determinado, alicerçado a todo o aparato
garantidor atendendo, assim, ao princípio da legalidade. Todavia, se não for constatada sua “melhora” e a “plena capacidade
51 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança... cit., p. 16.
52 Idem, ibidem, p. 175.
53 Ibidem, p. 33.
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de se readaptar novamente”, ele será submetido à medida de segurança, em que se negava qualquer limite máximo da
duração. Logo, ela serviria como complemento à pena, ferindo por completo o princípio non bis in idem. Ao passo que,
para os irresponsáveis/inimputáveis, a pena seria automaticamente substituída pela medida de segurança.
“Segundo o Código Penal de 1940, a medida de segurança só cessaria quando o indivíduo estivesse totalmente
curado, fixando, por outro lado, absurdo lapso temporal mínimo obrigatório em sua execução, pouco se importando com
a cessação prévia do estado de periculosidade (art. 81).”
A necessidade de um tempo mínimo obrigatório, como veremos mais adiante, continua presente no ordenamento
jurídico brasileiro, sendo alvo de discussões contumazes.
Ademais, previa o então Código que, apesar de o indivíduo não ter perpetrado um delito, poderia presumi-lo
como delinquente apenas ao configurar elementos suficientes, como fatos perigosos – “quase crime” –, para atestar sua
periculosidade e admitir uma medida de segurança de cunho social.54
Com a Reforma de 1984 do Código Penal, foi exigida a prática de ilícito típico, somente, retirando a apreciação
da periculosidade social, isto é, uma presunção de periculosidade. Aboliu-se também o sistema do “duplo binário” e
adotou-se, em contrapartida, o sistema vicariante, que cindiu a resposta punitiva entre penas (imputáveis) ou medidas de
segurança (inimputáveis). Mesmo em casos de indivíduos inimputáveis, o juiz deverá escolher, prioritariamente, a pena,
porém reduzida (como aduz o art. 26, parágrafo único, do Código Penal) e, excepcionalmente, optar pela medida de
segurança, nos termos do art. 98 do mesmo Código.55
Apesar de tais avanços, a promulgação da Lei 7.210 (Lei de Execução Penal) trouxe retrocessos para o regime penal
no Brasil ao manter o prazo mínimo fixado para que o condenado inimputável faça o devido cumprimento. Aduz o art. 98
do Código Penal:
“Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento
curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo
mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos.”
Qual seria a justificativa encontrada pelos legisladores ao estabelecer a exigência desse prazo mínimo? O limite
da sanção, teoricamente, será quando for constatada a cessação da periculosidade. Não seria, então, contraditória tal
determinação legal? Salo de Carvalho faz a seguinte análise:
54 FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança... cit., p. 36.
55 CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 506.
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“Imaginem-se os casos em que o sujeito, ao longo de um processo criminal que pode durar anos, submeteu-se a
tratamento psiquiátrico e psicológico, e, no momento da sentença, está em plenas condições de convívio social, não
apresentando risco de reincidência maior do que aquele inerente a todas as pessoas. Situação similar seria a dos casos
em que o sujeito inicia o cumprimento da medida e é constatada a cessação da periculosidade antes do período mínimo.”56
Note-se que algo de retributivo, ainda que mínimo, permeia a aplicação dessas medidas. Há críticas no sentido de que
a compreensão do sofrimento psíquico do autor e as devidas formas de cuidado e tratamento para com ele são “esquecidas”
ou até “apagadas” em prol da existência de um crime “que permanece como dado congelado em sua biografia”.57
Vale salientar que existe a possibilidade de desinternamento ou liberação, condicionados pelo prazo de um ano.
Contudo, não significam a extinção da medida, pois, se o agente, antes do decurso de um ano, praticar ato indicativo de
sua periculosidade, a situação anterior será restabelecida.58
No que tange ao prazo máximo das medidas, prevê o art. 97, § 1.º, do Código Penal, seja ele indeterminado.
No entanto, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, o prazo máximo para as medidas de segurança devem
circunscrever-se ao prazo estabelecido à pena máxima prevista no ordenamento: 30 anos. Tendo se pautado, ademais,
no entendimento constitucional de que não é permitida, em território brasileiro, a prisão perpétua; apesar do texto
constitucional não regulamentar sobre as medidas de segurança.59
A crítica contumaz que se constrói a respeito do funcionamento das instituições no Brasil (tanto prisão quanto
manicômio) caminha para a transparência da incapacidade de realizarem minimamente suas finalidades: resocializar
o imputável e tratar, com as devidas cautelas, o inimputável. As condições de extrema precariedade das prisões e dos
manicômios, além de graves problemas inerentes a isso, confirmam que ambas as respostas penais ao crime estão fadadas
ao fracasso.
Como foi ressaltado acima, o caráter punitivo (ainda que ínfimo) das medidas de segurança e os problemas de sua
metodologia são analisados por Cirino dos Santos, citado por Salo de Carvalho no seguinte trecho:
56
57
58
59

CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança... cit., p. 516.
Idem, ibidem, p. 516.
FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança... cit., p. 44.
“A interpretação sistemática e teleológica dos arts. 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se
considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos” (STF, HC
84.219, rel. Min. Marco Aurélio, j. 15.02.2005).
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“No caso específico das medidas de segurança, Cirino dos Santos demonstra que a crise decorre da inconsistência
dos métodos científicos de prever o comportamento futuro (periculosidade: prognóstico de delinquência futura) e da
incapacidade da medida de transformar condutas antissociais em condutas ajustadas: ‘a crise das medidas de segurança
estacionárias é a crise da prognose de periculosidade e da eficácia da internação para transformar condutas ilegais de
inimputáveis em condutas legais de imputáveis. A inconsistência desses pressupostos explica a convicção generalizada
sobre a necessidade de redução radical das medidas de segurança estacionárias.’”60
É possível perceber que os portadores de uma doença mental, ao cometer um delito recebem, imediatamente, a resposta
penal (medida de segurança) que tenha por escopo minimizar a periculosidade do agente com tratamentos psiquiátricos
decentes e cautelosos. Porém, tais características fundamentais do tratamento sublinhadas são, majoritariamente, deixadas
a segundo plano. O cuidado aos portadores de sofrimento psíquico deveria ser ampliado, seus direitos e garantias idem.
Ferri já ressaltava que “a medida de segurança é a miúdo mais severa que a pena”.61
Diante de tais infortúnios em relação ao tratamento dos portadores de sofrimento psíquico, promulga-se a Lei
10.216/2001 (Lei de Reforma Psiquiátrica) que repensou e reestruturou o modelo das medidas de segurança vigente.
O limite mínimo da medida, por exemplo, “deveria ser abandonado em prol da avaliação das condições psíquicas do
usuário do sistema de saúde mental”.62
Dentre os avanços que a Lei de Reforma Psiquiátrica trouxe, estão: ao ser diagnosticado o transtorno mental, os
substitutos penais previstos para os imputáveis na Lei 9.099 não deverão ser excluídos no processo; a proibição de qualquer
forma de tratamento manicomial; internação psiquiátrica torna-se subsidiária, sendo a prioridade o tratamento em ambiente
o menos invasivo possível, possibilitando a reinserção do paciente em seu meio (art. 4.º, parágrafo único).63 Ademais,
“redefine o portador de sofrimento psíquico como sujeito de direitos dotado de uma especial forma de compreensão dos
seus atos (culpabilidade sui generis)” impedindo qualquer tipo de sanção que seja de natureza segregadora.
Em suma, encontrar alternativas ao arcaico modelo “retributivo” de tratamento dos enfermos mentais infratores da
lei é perfeitamente possível. Com o amparo da Lei 10.216 torna-se crível uma igualdade de direitos e garantias (colocados
em risco nos julgamentos atuais) dos imputáveis e inimputáveis, não fazendo mais sentido que a pessoa que agiu com
plena consciência no ato delituoso seja mais respeitada nos seus direitos fundamentais (previstos ainda na Constituição)
60
61
62
63

CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança... cit., p. 509.
FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal... cit., p. 240
CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança... cit., p. 527.
CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança... cit., p. 529.
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e o enfermo mental, com clara vulnerabilidade perante os demais, seja esquecido e, não raro, tratado de forma violenta e
ilegal pelo sistema periculosista em vigor.
Conclusão
Por fim, o presente artigo teve por escopo salientar o grande peso que a filosofia criminal da Escola Positiva gerou
no desenvolvimento de Códigos Penais pelo mundo todo, além de contribuir para a criação de diversos institutos até então
inexistentes no contexto da época. Ela, portanto, modificou o objeto de estudo, retirou as bases “velhas” do classicismo e
inaugurou o pensamento “moderno”, “atual” e, em sua visão, indubitavelmente mais eficaz contra a criminalidade.
Ao “borbulhar” soluções exatas, matemáticas, práticas para o fenômeno criminal na Europa, a América Latina, e em
especial o Brasil, não escaparam dessa “onda” de modernidade europeia. Os Códigos Penais no Brasil criaram institutos
e soluções propostas por Ferri e pelos demais positivistas, deixando resquícios inevitáveis no século XXI.
Apesar de suas ideias terem contribuído demasiadamente para o surgimento da Criminologia, seus passos foram
retrógrados no que tange ao marco garantista. Fomentaram teses totalitárias por diversos países ao trazer a noção de
Direito Penal do autor – que significou também um retrocesso em relação ao classicismo, pois esse tinha como centro
da questão criminal o fato para, posteriormente, apreciar o autor – que permitiu que julgamentos ilegais ou deveras
complexos fossem solucionados, arbitrariamente, com instrumentos abstratos, provas insuficientes e alegações fracas e
duvidosas, baseadas na ciência antropológica e sociológica.
E tal corrente de pensamento ainda sobrevoa o atual terreno do Direito Penal brasileiro.
Até quando ele sobreviverá?
Bibliografia
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Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que
desafia nossa visão sobre as drogas, de Carl Hart
Roberto Luiz Corcioli Filho
Graduado em Direito pela USP.
Conselheiro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Juiz de Direito em São Paulo.
Resumo: A presente resenha procura destacar alguns pontos tratados pelo livro Um preço muito alto, de Carl Hart, misto de
interessantes memórias com crítica sociológica e farmacológica a respeito do fenômeno do consumo de drogas e as políticas
voltadas à sua repressão. Seu autor cresceu em um ambiente marcado pela conhecida segregação racial americana e vivenciou a
escalada repressiva ao consumo de crack, tendo galgado o posto de professor titular dos departamentos de Psicologia e Psiquiatria da
Universidade Columbia, com um já destaque internacional no estudo dos efeitos de diversas drogas. Sua visão crítica a respeito da
política proibicionista, com suas práticas racistas e discriminatórias, pontuada com dados de interessantes pesquisas farmacológicas
e sociológicas a respeito do fenômeno, dá um brilho especial ao corajoso livro de memórias desse jovem intelectual americano.
Palavras-chave: Um preço muito alto; Carl Hart; Drogas; Proibicionismo; Criminologia; Racismo.
“Os intelectuais... que tiveram a coragem de expressar sua discordância muitas vezes pagaram um preço muito
alto.” A frase é de Tahar Bem Jelloun e foi uma das epígrafes escolhidas por Carl Hart, professor dos departamentos
de Psicologia e Psiquiatria na Universidade Columbia, para abrir o seu livro Um preço muito alto: a jornada de um
neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas (Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Zahar, 2014).
Trata-se de uma combinação de relato autobiográfico com a apresentação e discussão de pesquisas científicas e sua
relação – ou deliberada não relação – com as políticas públicas no campo das drogas ilícitas.
Carl Hart nasceu e foi criado em um bairro marginalizado de Miami, tendo assistido e vivenciado ele próprio as mais
variadas situações relacionadas à política proibicionista de drogas, difundidas pelos Estados Unidos ao resto do mundo
durante as últimas décadas.
Inegavelmente fascinante em razão do relato de uma trajetória incomum de um jovem negro marginalizado que
vem a se tornar um dos mais prestigiados estudiosos sobre o tema das drogas, o livro contém uma prévia advertência,
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com a qual o autor afirma reconhecer que “é fácil formular ideias inexatas quando se recorre apenas a casos de caráter
pessoal” (p. 9), de modo que deixa claro que procurou fundamentar suas análises e conclusões com o devido conhecimento
científico relativo ao tema – do que é prova o conjunto de notas ao final do volume.
Se é verdade que a imensa maioria dos leitores dessas Liberdades já está convencida da absoluta irracionalidade da
atual política mundial de drogas, ainda assim parece ser importante a divulgação, entre nós, de livros como o que aqui
se apresenta, e não apenas para que tenhamos cada vez mais subsídios a nos indicar o acerto da crítica que buscamos
construir, mas também para que possamos ter em mãos mais um excelente material de divulgação do tipo de conhecimento
que cultuamos, qual seja, aquele baseado em evidências científicas, e ainda assim desenvolvido de maneira perfeitamente
acessível e até atrativa para a parcela de público leiga que, no geral, é, por assim dizer, mais suscetível aos alarmismos e
a visões de pânico social que são ainda hoje disseminadas pela mídia (pelos políticos, autoridades policiais e judiciárias,
ou mesmo por diversos “especialistas”) no que diz respeito às drogas ilícitas.
Já sabemos que a chamada guerra às drogas é algo absolutamente pernicioso, inócua para enfrentar os reais
problemas ocasionados pelo uso abusivo de entorpecentes, ao mesmo tempo em que é, sem dúvida, perversamente danosa
especialmente àquela parcela da população já tão afetada por outras questões ligadas à marginalização. Isso sem sequer
aprofundar o debate acerca da autodeterminação do indivíduo.
O debate, inegavelmente, tem avançado. Bastante revelador que, no próprio berço da referida política proibicionista,
venham surgindo novas abordagens e disseminando-se questionamentos que eram inimagináveis tempos atrás. Certamente
vêm indicar uma possível futura guinada no tratamento legal mundialmente dado a certas drogas.
E o livro em questão vem cumprir muito adequadamente o papel de procurar fazer chegar ao público em geral
(infelizmente bastante limitado em nosso país em razão do baixíssimo hábito de leitura de nossa população, é verdade)
uma visão crítica que por ele pode vir a ser mais bem digerível do que aquelas já volumosas produções de viés mais
acadêmico disponíveis acerca do tema. Afinal, não é sempre que se pode encontrar um livro carregado, por assim dizer,
de uma abordagem tida por heterodoxa no meio social a respeito das drogas (e o mesmo valeria para qualquer outro tema)
em prateleiras de destaque de grandes redes de livrarias.
Um dos mais importantes jornais escritos do país, em recente editorial (A Justiça e o porte de drogas. O Estado de
S. Paulo, Opinião, 18 de julho de 2014), festejou uma decisão tomada pelo STJ no sentido de não se aplicar o princípio
da insignificância para o caso de porte de pequena quantidade de droga destinada para uso próprio. Os editorialistas
asseveraram, na linha da decisão comentada, que o porte e o consumo de drogas não seriam criminalizados apenas pelos
danos que causariam à saúde dos “dependentes. Acima de tudo, são proibidas por causa dos problemas que os viciados
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acarretam para a sociedade, uma vez que o consumo é a etapa final de uma extensa cadeia de atos criminosos, envolvendo
prostituição, homicídios, roubos e tráfico de armas” (grifamos).
Em primeiro lugar, o que leva tão importante veículo de mídia a generalizar, logo de cara, todo uso como um vício?
Carl Hart nos lembra que diversas pesquisas científicas (cujas fontes são devidamente reveladas) têm demonstrado
que o vício acomete apenas entre 10 e 25% dos que têm contato até mesmo com as drogas mais demonizadas na sociedade
atual, como o crack, por exemplo (p. 23).
Ora, mas se dados científicos (já amplamente divulgados) como tais forem usados pela mídia, como sustentar um
discurso de pânico social? E, afinal, por que se optar por tal discurso, mesmo contra a racionalidade científica, lembrando
que “fatores simples como bebida e drogas poucas vezes contam a história toda” (p. 22)?
Vincular as drogas (e seus usuários – notadamente se forem provenientes de classes sociais subalternas, se forem
negros) a “uma extensa cadeia de atos criminosos, envolvendo prostituição, homicídios, roubos e tráfico de armas” (algo
que é ainda afirmado por muitos sem que sequer surja uma face corada pelo despudor de se sustentar a mais elementar
ilogicidade, posto que se atribuem ao consumo de drogas os efeitos que decorrem, justamente, do proibicionismo que
vigora em relação a algumas delas) pode ser bastante conveniente para respaldar determinado perfil de Estado (autoritário,
truculento e excludente)...
O autor nos lembra que “o problema é que, ao estudar coisas como o vício, focalizamos os comportamentos
patológicos e ignoramos o que acontece nas condições comuns e normais. O uso de drogas, na maioria dos casos, não
leva ao vício” (p. 87). E mais. Ao revisitar seus anos de adolescência, ficava claro para o autor “que o crime nem sempre,
ou nem mesmo com frequência, era motivado por drogas, e muitas vezes não se relacionava a elas” (p. 112) – afirmação
de caráter pessoal devidamente embasada, de outro lado, cientificamente, com a apresentação das respectivas estatísticas
criminais dos EUA (p. 113-114).
Usar as evidências científicas e um discurso racional em prol das liberdades públicas e de uma abordagem mais
humana para questões igualmente humanas pode, evidentemente, não interessar para todos. Aí, conforme ilustra o editorial
supracitado, aqueles que o fazem são acusados de nada contribuir “para coibir os crescentes malefícios das drogas
nas escolas e nos lares”. Pagam um preço muito alto por, em tempos de espetáculos midiáticos e de debates políticos
condicionados por estratégias de marketing, procurarem analisar as coisas com olhar crítico, sob um viés racional e
pautado em evidências científicas, não temendo revelar o equívoco e até mesmo a sordidez de determinadas opções
políticas.
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Opções essas que têm propiciado no Brasil, por exemplo, a explosão de sua população carcerária, ostentando
atualmente o quarto lugar no mundo (com mais de meio milhão de pessoas no sistema carcerário), muito em razão do
recrudescimento na punição de traficantes (com o advento da Lei 11.343/2006), quase que exclusivamente pequenos
varejistas.
Fora os custos de se manter todo o sistema (calculados em R$ 1.300,00 mensais por preso, conforme dado da CPI do
sistema Carcerária, do já distante ano de 2009), a perversidade da chamada guerra às drogas tem tirado a vida de milhares
de jovens – e destruído a de um número muitíssimo maior. Citando um estudo canadense, o autor apresenta um dado
assustador como exemplo dos efeitos deletérios do etiquetamento criminal: adolescentes “que haviam recebido alguma
pena de detenção na adolescência tinham 37 vezes mais probabilidades de ser detidos quando adultos que os outros,
que, com crimes semelhantes, não haviam sido encarcerados na adolescência” (p. 135). E isso também nos serve para
advertir mais uma vez que não são as drogas que levam frequentemente ao crime, mas que, justamente, o processo de
criminalização de jovens marginalizados desde muito cedo (e em boa medida em razão da venda de reduzida quantidade
de drogas) pode ter um peso bastante significativo e determinante de impor novas criminalizações, destruindo quaisquer
possibilidades de empoderamento e emancipação. Afinal, “com ficha criminal e um vazio no currículo, fica ainda mais
difícil achar emprego” (p. 262).
A histórica cruzada contra as drogas nos Estados Unidos (e no resto do mundo, poderíamos dizer) tem escondido,
na verdade, uma posição de hostilidade contra as populações marginalizadas. “As medidas de proibição do uso de drogas
inevitavelmente eram antecedidas de uma cobertura noticiosa histérica, cheia de histórias assustadoras sobre o uso de
drogas entre minorias desprezadas, não raro imigrantes pobres” (p. 235).
E quanto ao consumo verdadeiramente problemático, aquele que acarreta mal ao usuário, se há uma prevalência
maior em populações pobres, tal apenas vem indicar que a grande questão está, antes, na própria marginalização, que não
permite às pessoas terem acesso aos chamados “reforços concorrentes”. “O status socioeconômico alto proporciona mais
acesso a empregos e fontes alternativas de significado, propósito, poder e prazer, além de melhor acesso aos cuidados de
saúde mental” (p. 261).
Segundo o autor, ao longo se seus anos de estudos com usuários frequentes de drogas, ficou cada vez mais claro para
ele “que nossos próprios preconceitos sobre a utilização de drogas e nossas políticas punitivas em relação aos usuários
faziam com que as pessoas que consomem drogas parecessem menos humanas e menos racionais. O comportamento
dos usuários sempre foi explicado em função das drogas, em primeiro lugar, e não considerado à luz de outros fatores
igualmente importantes do mundo social, como as leis relativas à toxicodependência” (p. 250). Com isso, e esquecendose “que a maioria das pessoas que usa qualquer substância ilegal faz isso sem problemas”, “o foco quase exclusivo
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nos efeitos negativos também colaborou para uma situação em que deparamos com a meta indesejável e irrealista de
eliminar certos tipos de consumo a qualquer custo. Com demasiada frequência o preço é pago sobretudo por grupos
marginalizados” (p. 293).
O autor nos lembra que “nunca houve uma sociedade sem drogas, e provavelmente nunca haverá” (p. 205). Mas
também nos aponta ser possível sonhar com mais respeito aos direitos humanos, igualdade, autonomia, liberdade e
dignidade de cada cidadão, e a promoção de políticas públicas verdadeiramente calcadas em conhecimentos científicos
e racionais humanizadores – e não em discursos de pânico social que escondem propósitos inconfessáveis de se impor
maior exclusão àqueles já marginalizados.
Não parece ser otimismo exacerbado asseverar que há uma onda de mudanças a caminho. Certamente alguns anos
ainda serão necessários, mas o pensamento crítico cultivado por alguns está, pouco a pouco, permeando o sedimentado
discurso de senso comum, tão disseminado em matéria de drogas, até mesmo em instâncias de produção e difusão de
conhecimento, para além do universo dos meios de comunicação, da prática judicial e dos programas políticos dos
governos de praticamente todo o mundo.
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