pacientes em hemodiálise frente à fístula arteriovenosa implantada

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PACIENTES EM HEMODIÁLISE FRENTE À FÍSTULA ARTERIOVENOSA
IMPLANTADA EM SEU CORPO
Aran Rolim Mendes de Almeida, Evelyn Rolim dos Santos Rocha, Jakelline de Paulo Ramalho, Maria
Miriam Lima da Nóbrega, José Melquiades Ramalho Neto
Universidade Federal da Paraíba - UFPB - João Pessoa-PB.
INTRODUÇÃO
A filtração do sangue e a eliminação dos produtos finais do metabolismo
compreendem umas das mais importantes funções dos rins, juntamente com a remoção de
fluidos em excesso no organismo e a manutenção do equilíbrio de eletrólitos, ácidos e bases
existentes. Uma vez reduzida alguma dessas capacidades, tem-se a Insuficiência Renal
(FERMI, 2011).
A Doença Renal Crônica (DRC) constitui-se em um problema de saúde pública em
todo o mundo e se caracteriza pela perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais
glomerular, tubular e endócrina. Sua definição é primordialmente baseada em três
componentes: um anatômico ou estrutural (marcadores de dano renal); um funcional, baseado
na Taxa de Filtração Glomerular (TFG); e um temporal, em que se considera portador de DRC
qualquer indivíduo que, independente da causa, apresente TFG < 60 mL/min/1,73m2 ou TFG
> 60 mL/min/1,73m2 associada a, pelo menos, um marcador de dano renal parenquimatoso
(por exemplo, proteinúria) presente há pelo menos 3 meses (BASTOS; KIRSZTAJN, 2011).
Do ponto de vista clínico e epidemiológico, o caráter progressivo da patologia é
dividido em seis estágios funcionais de acordo com o grau de função renal do paciente,
abrangendo desde a fase zero, na qual estão incluídos aqueles indivíduos que fazem parte do
grupo de risco, não apresentando lesão renal e mantendo sua função normal; até a fase cinco,
que inclui os indivíduos intensamente sintomáticos e portadores de lesão renal com
insuficiência renal terminal, fazendo-se necessária a implementação de terapia renal
substitutiva (TRS) nos mesmos (BRASIL, 2006).
A DRC apresenta alta morbimortalidade pelo fato da sua evolução para estágios mais
graves acontecer de maneira insidiosa e não apresentar sintomas significativos durante muitos
anos até, então, atingir seus estágios finais. Associado a isso, também se pode destacar que a
população idosa de muitos países emergentes vem aumentando ao longo dos anos, e doenças
como insuficiência cardíaca, hipertensão arterial e diabetes mellitus podem se desenvolver
com o avanço da idade e, consequentemente, vir a causar doença renal.
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Nesse contexto, a atuação da equipe de enfermagem para identificar esses grupos de
risco e estabelecer ações para prevenir os agravos torna-se fator crucial para evitar o
encaminhamento tardio desses pacientes para atenção médica nefrológica e a evolução da
DRC para estágios mais avançados e irreversíveis.
Lins et al. (2013) ressaltam que esse caráter irreversível da doença obriga o paciente
a conviver constantemente com rigoroso regime terapêutico, desde a realização de uma
restrição hídrica e dietética imperiosas até à adequada adesão a uma terapia medicamentosa
que muitas vezes está associada à frequentes consultas médicas e realização de uma TRS,
fazendo-se necessária uma mudança no estilo de vida do próprio paciente e de seus familiares
que acaba culminando também em modificações sobre a vida social de todos.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (2015), 334 Unidades renais
declararam oferecer Programa Crônico Ambulatorial de Diálise no ano de 2013, atendendo
um total de 50.961 pacientes, tendo como principais diagnósticos médicos de base a
hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus, e a hemodiálise como modalidade
predominante de terapia dialítica.
Em se tratando das diversas possibilidades de tratamento da DRC, Fermi (2011) e
Roso et al. (2013) destacam o tratamento conservador, indicado no início da doença e
implementado, principalmente, por meio de medicamentos, dieta com restrições, consultas e
avaliações periódicas no intuito de retardar o início da terapia dialítica; bem como a terapia
renal substitutiva, caracterizada pela diálise peritoneal intermitente ambulatorial ou assistida
por cicladora, hemodiálise e, por último, pelo transplante renal.
A hemodiálise é um tratamento dialítico em que o sangue é bombeado por meio de
um acesso vascular, permitindo um fluxo sanguíneo extracorpóreo em direção a um filtro
capilar, o qual é composto por uma membrana semipermeável e que extrai do sangue toxinas,
resíduos nitrogenados e água em excesso, devolvendo, em seguida, o sangue limpo ao
paciente, sendo esse o tratamento mais utilizado na DRC por toda a vida ou até o paciente
submeter-se a um transplante renal bem-sucedido (SOUZA et al., 2013; PESSOA;
LINHARES, 2015).
Na percepção de Koepe e Araújo (2008), as unidades de hemodiálise são muito
enriquecedoras no que diz respeito à interação enfermagem-paciente, tendo em vista que nesta
especialidade do cuidar o cliente comparece ao setor três vezes por semana, permanecendo
em média por um período diário de quatro horas, o que resulta em interação integral, cuja
relação de proximidade leva, muitas vezes, a um conhecimento amplo sobre a pessoa, seu
contexto familiar e sobre o seu processo de saúde e doença.
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Nesse ínterim, indubitavelmente o enfermeiro atua de maneira contínua e direta junto
ao paciente em tratamento hemodialítico. Essa interação, por sua vez, permite que ele
identifique uma diversidade de necessidades humanas e trace um plano de cuidados de
enfermagem que traduza um atendimento integral e individualizado para, então, minimizar a
potencial frustração desses doentes renais crônicos frente ao tratamento, às limitações a ele
associadas e à modificação na aparência corporal em razão da presença do cateter para acesso
vascular ou da implantação da fístula arteriovenosa (FAV).
A FAV representa a modalidade de escolha para acesso vascular nos pacientes com
IRC, e consiste em uma anastomose subcutânea de uma artéria com uma veia adjacente,
geralmente confeccionada nos membros superiores, no braço não dominante para limitar as
consequências de qualquer incapacidade funcional. Quanto à sua localização elas se
classificam em distais, incluindo as FAV radiocefálicas no punho e no antebraço; e proximais,
que incluem as braquiocefálica, braquiobasílica superficializada e braquioaxilar ou
braquiobraquial em alça com prótese. O ramo venoso, por sua vez, dilata-se e suas paredes se
tornam mais espessas, permitindo repetidas punções com a finalidade de se obter fluxo
sanguíneo adequado para passar através do dialisador durante as sessões de hemodiálise
(NEVES JÚNIOR et al., 2011, 2013; MOREIRA; ARAÚJO; TORCHI, 2013).
Assim, ao entender que a insuficiência renal e a hemodiálise trazem consequências
físicas aos indivíduos que as vivenciam, prejuízos psicológicos e alteração do cotidiano, elas
certamente refletem um processo que incapacita e emergem como um sério problema social
que interfere fortemente no papel que esses indivíduos desempenham na sociedade. Ademais,
diante dessa notória vulnerabilidade social, doentes renais com fístula arteriovenosa adotam
estratégias de enfrentamento da doença por meio da sua adaptação à nova condição de saúdedoença, procurando harmonizar a flutuação dos sentimentos, preocupações e buscando
motivação para enfrentar as não mais inusitadas relações de interdependência entre o ser
paciente e seus familiares.
O presente estudo teve como objetivos analisar a percepção de pacientes renais
crônicos frente à fístula arteriovenosa implantada em seu corpo; descrever as emoções e
sentimentos provocados pela implantação da fístula arteriovenosa em pacientes renais
crônicos; e conhecer o autocuidado de pacientes renais crônicos com a fístula arteriovenosa.
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METODOLOGIA
Pesquisa descritiva de corte transversal e abordagem qualitativa, realizada no setor
de Nefrologia de um Hospital da rede privada de João Pessoa-PB.
A população foi constituída pelos pacientes portadores de DRC, usuários do referido
serviço e que realizavam hemodiálise por meio de acesso venoso permanente do tipo fístula
arteriovenosa, sendo a amostra efetivada com 10 pacientes, obedecendo aos seguintes critérios
de inclusão: possuir idade superior a 18 anos; estar na sala de espera da Unidade de
Hemodiálise aguardando a sessão; possuir uma fístula arteriovenosa confeccionada há pelo
menos 30 dias; aceitar participar da pesquisa; e ratificar o consentimento legal a partir da
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades de
Enfermagem e Medicina Nova Esperança mediante CAAE nº 0156.0.351.000-11, recebendo
parecer favorável para sua publicação conforme Protocolo nº 157/2011.
A coleta de dados ocorreu em outubro de 2011 por meio de formulário estruturado,
composto por duas partes: a primeira constituída por dados de identificação social da amostra;
e a segunda por questões norteadoras que levantaram a percepção, as emoções e sentimentos
vivenciados por pacientes renais crônicos frente à fístula arteriovenosa implantada em seu
corpo, bem como a prática sobre o autocuidado com o dispositivo. Durante a pesquisa foi
solicitada uma resposta às seguintes perguntas: A partir da sua vivência, descreva como você
percebe a FAV implantada em seu corpo. Que emoções e sentimentos essa(s) percepção(ções)
lhe provoca(m)? Após a confecção da fístula, descreva os cuidados que você tem para
preservar a FAV.
O material coletado teve como método de análise o Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC), procedimento metodológico que, segundo Lefèvre e Lefèvre (2005), faz uso de uma
estratégia discursiva para tornar mais clara uma dada representação social sobre um fenômeno
específico.
No intuito de promover a fala coletiva dos pacientes renais desse estudo, foram
adotadas três figuras metodológicas: Expressões-chave (ECH); Ideias Centrais (IC) e, por fim,
o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) que, para os autores supracitados, as ECH
compreendem trechos ou transcrições literais do discurso que revelam a essência do
pensamento de cada indivíduo ou, mais precisamente, do conteúdo discursivo dos segmentos
em que se divide o depoimento, as quais devem ser destacadas pelo pesquisador. As IC são
nomes ou expressões linguísticas que revelam e descrevem de maneira sintética, precisa e
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fidedigna o sentido de cada um dos discursos analisados e de cada conjunto homogêneo de
ECH que, por sua vez, darão origem ao DSC.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os participantes da pesquisa, as características sociodemográficas apontam 5
homens e 5 mulheres com média de idade de 47 anos, a qual variou de 35 a 58 anos. Em
relação à escolaridade, 20% possuíam o ensino fundamental, 50% o ensino médio e 30%
detinham o ensino superior. Além disso, a maioria dos pacientes informou ser casado (60%),
não exercer nenhuma atividade laborativa (80%), com uma renda familiar predominante de 12 salários mínimos (50%) que, em grande parte, era oriunda do benefício auxílio-doença da
Previdência Social ou da aposentadoria por invalidez do Instituto Nacional de Seguridade
Social (70%). Muitos deles relataram que antes exerciam alguma atividade remunerada, mas
com a descoberta da DRC e diante da necessidade do tratamento viram-se incapacitados de
conciliar o trabalho com o tratamento dialítico. Entretanto, apenas 2 (20%)
sujeitos
afirmaram vencer tais dificuldades vivenciadas e exercer com satisfação suas atividades
profissionais de professor e topógrafo.
Ao se analisar a doença de base, os pacientes apresentavam como doença prévia
principalmente o diabetes mellitus (40%), seguido da hipertensão arterial sistêmica (30%),
hipertensão arterial associada ao diabetes (10%), pielonefrite (10%) e atrofia renal (10%),
evidências também encontradas em estudos de Godinho et al. (2006); Negretti, Mesquita e
Baracho (2015). Diante disso, Rhee et al. (2014) oportunamente ressaltam que o controle
glicêmico tem sido recomendado como estratégia para prevenir ou diminuir as complicações
macro e microvasculares do diabetes, tendo em vista que os pacientes diabéticos em diálise
apresentam uma sobrevida menor quando comparados aqueles com DRC terminal devido à
hipertensão ou doença glomerular.
Ademais, na análise dos depoimentos foram utilizadas as figuras metodológicas de
linguagem, sendo identificadas e sublinhadas as ECH de cada questão; identificadas e
agrupadas as IC de mesmo sentido, sentido equivalente ou mesmo complementar para, então,
construir o DSC propriamente dito e analisar a percepção, as emoções e os sentimentos
provocados pela implantação da fístula arteriovenosa em pacientes renais crônicos; e conhecer
o autocuidado de pacientes renais crônicos com a fístula arteriovenosa.
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Os temas e as IC que emergiram dos depoimentos estão apresentados no Quadro 1:
TEMAS
Desvelamento do eu frente à fístula
Velamento da fístula a partir do eu
IC
1: Percepção da FAV implantada no corpo
2: Emoções e sentimentos provocados pela
implantação da FAV
3: Práticas de autocuidado com a FAV
Quadro 01 – Temas e ideias centrais. João Pessoa-PB, 2011.
A partir do tema Desvelamento do eu frente à fístula e da questão norteadora “A
partir da sua vivência, descreva como você percebe a FAV implantada em seu corpo”, a IC1
permitiu a construção do DSC1 presente no Quadro 2 abaixo:
IC1
DSC1
Percepção da FAV implantada no corpo
[...] A solução pra minha sobrevivência [...]
Um corpo estranho que traz muitas
complicações [...] um intruso [...] um objeto
que só serve para fazer hemodiálise [...] como
uma forma de sobrevivência [...]
Quadro 02 – Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo dos pacientes em tratamento dialítico em
resposta à questão norteadora: A partir da sua vivência, descreva como você percebe a FAV
implantada em seu corpo.
A IC do Quadro 02 revela que, para a maioria dos pacientes, a FAV é percebida como
um mero aparelho que fora instalado no braço e que carreia um sinal de anormalidade, tendo
em vista que a mesma é retratada como um corpo estranho, intruso ou objeto, o que
possivelmente denota uma falta de conhecimento sobre o acesso vascular e de como é
realizada a sua confecção cirúrgica. Entretanto, os depoimentos também deixam claro o
entendimento da FAV como o motivo das suas sobrevidas, demonstrando a confiança dos
pacientes nesse acesso para a realização da hemodiálise e, consequentemente, atribuindo-se à
FAV o significado de vida, de sobrevivência.
Essa realidade de tornar-se doente desfaz o entrelace da relação entre o indivíduo
consigo mesmo e com o meio em que está inserido. Maniva e Freitas (2010); Terra et al.
(2010), destacam que, enquanto perdurar a doença, a pessoa assume uma nova condição, o
fenômeno ser ou estar doente surge, determinando mudanças e perdas que alterarão seu estilo
de vida, embora a proposta da TRS nesses pacientes fundamente-se na melhoria da qualidade
de vida, resgatando-lhes o bem-estar físico e a capacidade cognitiva, além de mantê-los
inseridos no contexto social.
Entretanto, essa proposta esbarra nas alterações da vida diária que o tratamento
hemodialítico impõe ao paciente, assim como pode esbarrar na falta de suporte familiar e da
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equipe de saúde para a manutenção do tratamento, acarretando em importantes repercussões
biopsicossociais, sendo extremamente relevante uma abordagem dessas questões por um viés
da espiritualidade e da religiosidade.
Na sequência da análise dos depoimentos desse primeiro tema, a questão norteadora
“Que emoções e sentimentos essa(s) percepção(ções) lhe provoca(m)?” fez emergir a IC2 que
evidenciou o DSC2 no Quadro 3 a seguir:
IC2
Emoções e sentimentos provocados
pela implantação da FAV
DSC
[...] Não sinto nada, levo a vida normalmente porque
confio em Deus. Só me sinto triste por ter amputado a
minha perna [...] Se eu pudesse arrancava ela fora,
tenho raiva da doença e de usar a fistula [...] no
começo me sentia triste, mas hoje sou conformado
[...] Não sei o que dizer, venho porque é o jeito, é
muito sofrimento [...] Tenho que passar por isso
mesmo, já sou conformada [...] Tenho sentimentos de
raiva, mal estar e me sinto triste [...] por usar a fistula
e fazer hemodiálise [...] No começo eu tinha
vergonha e me sentia triste mais já superei [...] Sou
conformada não tenho problemas com ela [...] Me
sentia impotente mais tive que superar [...]
Quadro 03 - Idéia Central e Discurso do Sujeito Coletivo dos pacientes em tratamento dialítico em
resposta à pergunta: Que emoções e sentimentos essa(s) percepção(ções) lhe provoca(m)?
O Quadro 3 evidencia em sua IC que as emoções e sentimentos provocados pela
implantação da FAV nos pacientes são bastante diversificados. Tais depoimentos
demonstraram sensações de repulsa, raiva da doença e da fístula, tristeza, impotência por não
poder exercer mais nenhuma atividade laborativa, vergonha e sofrimento, atualmente
superados em sua maioria.
Neste momento, percebe-se o desvelamento verdadeiro desses pacientes frente ao
acesso venoso neles implantado, traduzido pela exposição de sentimentos que estavam
bastante ocultos em seu interior, por vezes durante longo tempo. Koepe e Araújo (2008)
afirmam que o ser humano torna-se potencialmente mais complexo e frágil nas situações de
desequilíbrio no seu sistema, ameaçando seu bem-estar, sua vida, seus objetivos futuros,
enfim, sua relação com o mundo, com os outros e consigo próprio.
Nesse ínterim, esses pacientes precisam lidar com sua situação de forma adaptativa,
para enfrentar as limitações da enfermidade, tentando se adequar a um novo estilo de vida de
acordo com a sua condição física e social. Para Salati, Hossne e Pessini (2011), essa mistura
de sentimentos evidenciada no estudo decorre da tentativa de entender que a única forma de
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sobrevivência é o tratamento dialítico, o que gera transtornos físicos, emocionais, psíquicos e
sofrimentos individuais e familiares, potencializando o aparecimento de pontos vulneráveis.
No contexto do cuidado de enfermagem e sob a ótica das autoras supracitadas, faz-se
necessário conhecer o lado de quem sofre, de quem teve o seu cotidiano profundamente
modificado, tornando-o vulnerável, potencializando subsídios concretos e, talvez, mais
fidedignos para uma assistência mais individualizada, direcionada aos problemas maiores para
o paciente e não para o profissional, reduzindo a sensação do “ser mais um no contexto
dialítico”. No tocante ao campo atitudinal e diante dessa potencial situação de
vulnerabilidade, o enfermeiro também deve estar atento para aspectos espirituais, tendo em
vista que a fé em Deus representa um fator de auxílio para enfrentar essa situação.
Por fim, a partir do questionamento “Após a confecção da fístula, descreva os
cuidados que você tem para preservar a FAV”, o tema Velamento da fístula a partir do eu
trouxe a dimensão atitudinal para o autocuidado que norteou a IC3 e, consequentemente,
promoveu a construção do DSC3 evidenciado no Quadro 4:
IC3
DSC
Práticas de autocuidado com a FAV
[...] Não pode dormir por cima do braço, nem fazer
força [...] não verificar pressão no braço da fístula
nem tomar injeção, fazer um doppler de 6 em 6
meses, lavar o braço antes da hemodiálise [...] fazer
compressa [...] lavar bem o braço no local da fistula
[...] não pode deitar por cima do braço [...] não pegar
peso [...] não pode fazer esforço, não pode apertar a
fita do braço [...]
Quadro 04 - Ideia Central e Discurso do Sujeito Coletivo dos pacientes em tratamento dialítico em
resposta ao questionamento: Após a confecção da fístula, descreva os cuidados que você tem
para preservar a FAV.
A IC do Quadro 04 revela um conhecimento incipiente e ainda inadequado para um
processo eficaz de autocuidado por parte dos pacientes renais crônicos, podendo-se perceber
uma fragilidade enorme em relação aos cuidados com o acesso em seu período de maturação,
exclusivamente restrito a evitar o excesso de peso. Entretanto, houve uma atenção maior no
tocante aos cuidados durante o seu uso, onde os pacientes ressaltaram evitar excesso de peso,
lavar o membro da FAV com água e sabão antes da sessão de hemodiálise, não administrar
medicamentos nem aferir pressão arterial no membro da FAV, não dormir por cima do braço e
administrar compressa.
A maioria dos pacientes do estudo (60%) possuía uma única FAV ao longo do
tratamento hemodialítico, com tempo atual de confecção de até 5 anos (90%), sendo
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instaladas principalmente em uma localização distal - radiocefálica (80%) ou proximal braquiocefálica (20%).
O acesso vascular da FAV representa, dessa forma, a linha da vida do paciente, sendo
necessários cuidados para sua preservação e manutenção, conforme Maniva e Freitas (2010);
Moreira, Araújo e Torchi (2013); Pessoa e Linhares (2015) destacam: vigiar o funcionamento
do acesso por meio da palpação e percepção do frêmito; em situações de sangramento da
fístula comunicar de imediato à equipe de hemodiálise; evitar curativos apertados no membro
que possui uma FAV; lavar o membro da FAV antes da punção, utilizando água e sabão ou
solução antisséptica; não usar adereços como relógios, anéis, pulseiras e similares no braço
que possui a FAV; evitar compressões no membro da fístula, não carregando peso, não
dormindo em cima do braço, e não permitindo a verificação da pressão arterial nesse membro;
não realizar tricotomia na região da fístula; evitar carregar mochilas com peso, bem como
carregar peso no braço que possui uma FAV, a exemplo de crianças e/ou compras; realizar
exercícios físicos, comprimindo uma bola de borracha diariamente para ajudar a manter a
FAV em funcionamento; não permitir punções muito próximas e no mesmo local; verificar
diariamente o funcionamento da fístula pela presença do frêmito; evitar traumas e observar a
FAV para alterações no local, como edema, eritema, calor ou dor, o que deve ser comunicado
à equipe médica e de enfermagem.
No tocante ao cuidado de não dormir sobre o braço, essa atitude fundamenta-se no
fato de o excesso de peso sobre o mesmo exercer uma pressão que, potencialmente, pode
interromper o fluxo sanguíneo, ocasionando trombose no acesso venoso. O levantamento de
peso pode, igualmente, ocasionar em interrupção do fluxo sanguíneo e trombose, assim como
a interrupção desse fluxo ocasionada pela insuflação momentânea do manguito para verificar
a pressão arterial. Com relação à administração de medicamentos, ou mesmo coleta
sanguínea, o risco maior não é relacionado à trombose, mas sim à ocorrência de hematomas e
não preservação da rede venosa daquele braço no qual se encontra a fístula. O uso de
compressas mornas e frias busca primordialmente auxiliar na absorção de hematomas e
reduzir o extravasamento sanguíneo, respectivamente (MANIVA; FREITAS, 2010).
Diante do exposto, o ato de cuidar inerentes à Enfermagem e ao enfermeiro faz
florescer uma necessidade imperiosa de adequadamente preparar esses pacientes para a
hemodiálise, tendo em vista que se eles não se tornarem sujeitos do cuidado de si e não
compreenderem a importância e impacto desse procedimento em suas vidas, eles jamais
poderão aderir eficazmente às políticas de autocuidado para com a fístula. Assim, o
relacionamento interpessoal entre a equipe de saúde, o paciente e sua família constitui a mola
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propulsora para que o ser paciente renal crônico, vulnerável, se sinta empoderado para
enfrentar o conflito diário do tratamento, questionar, tirar dúvidas e encarar todas as
dificuldades impostas pela doença e pela sociedade.
A perda do emprego e a dependência da Previdência Social; as consequentes
mudanças na autoimagem; as restrições hídricas e dietéticas; a impossibilidade de realizar
passeios e viagens prolongadas em razão da periodicidade das sessões de hemodiálise; a
diminuição da atividade física (prática de esportes) e de outras atividades sociais; a
diminuição do desejo sexual e impotência; a perda da autonomia; a depressão, o estresse e o
sentimento ambíguo entre o viver e o morrer, acarretam um desequilíbrio em suas vidas, não
somente no aspecto biológico, mas também nas dimensões social, política, cultural e familiar
(MANIVA; FREITAS, 2010).
Assim sendo, Pietrovski e Dall’Agnol (2006) enfatizam ser necessária a ampliação
do leque de atenção para extrapolar a fronteira da sofisticação tecnológica e do aparato
instrumental que, mesmo sendo importantes e indispensáveis no tratamento hemodialítico, são
insuficientes para suprir as necessidades de um ser humano que está sendo cuidado, tendo em
vista que as constantes sessões de hemodiálise geram dependência do indivíduo quanto à
equipe de saúde, à máquina dialisadora e o acesso venoso, grandes fontes de estresse que
ocasionam muitas vezes má adesão ao tratamento e às orientações fornecidas, ratificando,
sobremaneira, a presente e previsível vulnerabilidade desse grupo de renais crônicos.
CONSIDERAÇOES FINAIS
O estudo permitiu conhecer a percepção de pacientes renais crônicos frente à fístula
arteriovenosa implantada em seu corpo, os quais verbalizaram sentimentos e emoções
guardados em seu interior, superados em sua grande maioria pelos laços de vida e esperança
ao longo desse caminhar.
Além disso, os cuidados que os pacientes referiram ter com a FAV traduziram um
conhecimento bastante incipiente e inadequado, independentemente do início do tratamento
ser recente ou não, informações essas possivelmente advindas em sua maioria de outros
pacientes companheiros de sessão que se mostram mais experientes no problemático e difícil
caminho do tratamento hemodialítico.
Para a excelência do cuidado ao paciente renal crônico em tratamento dialítico é
necessário que o enfermeiro tenha, além da fundamentação científica e de competência
técnica, também o conhecimento dos aspectos que levem em consideração os sentimentos e as
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necessidades de tais pacientes. Assim, o enfermeiro deve estabelecer um diálogo efetivo com
os mesmos, ultrapassando o formalismo técnico habitual de fornecer informações frias, de
difícil compreensão, estanques, no momento errado, e onde praticamente só o profissional tem
a palavra e a razão, fazendo com que esses pacientes despertem para um envolvimento cada
vez maior nas suas atividades diárias relacionadas ao autocuidado.
Acredita-se que uma contínua estimulação e investigação da prática do autocuidado
pelos profissionais de saúde junto aos pacientes renais crônicos durante as sessões de
hemodiálise, ou em conversas informais, melhorem a qualidade de vida desses pacientes a
partir do momento em que eles próprios percebam uma equipe interdisciplinar que transmita
preocupação para com o outro e que os faça se sentirem o foco de um cuidado. Nesse
processo, lacunas de conhecimento a respeito da doença, acerca da FAV, dos sintomas e
limitações físicas, de informações sobre os cuidados ideais para com o acesso vascular
implantado em seu corpo serão sanadas e, potencialmente, aperfeiçoarão a adesão desses
pacientes ao tratamento.
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