ARTIGO ORIGINAL

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ARTIGO ORIGINAL
Prótese com Sistema Valvular Anti-Refluxo no Tratamento Paliativo do
Carcinoma do Esôfago*
CARLOS CLEBER ALVES NUNES1 , FÁBIO LUIZ WAECHTER2 , JOSÉ ARTUR SAMPAIO2 , ALDO PAZZA
JÚNIOR 3 , ANTÔNIO NOCCHI KALIL1 , LUIZ PEREIRA-LIMA4
RESUMO
Objetivo: Na tentativa de diminuir o refluxo gastroesofágico(RGE) e suas complicações, os autores idealizam
prótese cirúrgica acoplada a sistema valvular anti-refluxo.
Método: No período compreendido entre janeiro e agosto de 1994, 3 pacientes com carcinoma epidermóide de
esôfago distal irressecável submeteram-se a tratamento cirúrgico paliativo. Um tubo de látex era confeccionado e adaptado
por sobre a porção distal de uma prótese esofágica de Malafaia, quantificando o RGE no pós operatório através de medida
do pH esôfago-gástrico, fluoroscopia, radiografias contrastadas e cintilografia de esvaziamento esofágico.
Resultados: Os valores de pH não foram significativamente diferentes entre as diversas posições e manobras
realizadas em cada paciente isoladamente, pórem, ao compararmos as secreções obtidas no estômago e no esôfago após as
diversas manobras, houve importante diferença nas medidas de pH em todas as posições.
A fluoroscopia e as radiografias contrastadas para pesquisa de refluxo não demonstraram RGE em nenhum dos
pacientes. A cintilografia realizada após a administração de alimentos líquidos e sólidos marcados com o traçador 99m TCfitato, corroborou o exame fluoroscópio.
Conclusões: Não houve evidência de RGE na associação de prótese esofágica com o sistema valvular preconizado, tendo as
complicações sido restringidas a pirose e tosse de fácil tratamento clínico, permitindo, desta maneira, melhora da qualidade
de vida destes doentes.
Prosthesis with Anti-Reflux Valvular System in the Palliative Treatment of
Esophageal Carcinoma
ABSTRACT
Objective: In an attempt to reduce gastro-esophageal reflux(GER) and its complications, the authors created a
prosthesis attached to an anti-reflux valve system, and studied its effectiveness,
Technique and Methods: During the period between January and August 1993, three patients with irresectable
epidermoid carcinoma of the distal esophagus were submitted to palliative surgical treatment. A latex tube was made and
adapted over the distal portion of the Malafaia esophageal prosthesis, quantifying GER by measuring gastro-esophageal pH,
fluoroscopy, contrast radiographs and scintigraphy of esophageal emptying.
Results: The pH values were not significantly different in the various positions and maneuvers performed in each
patient separately, but, when we compared the secretions obtained in the stomach and in the esophagus after the different
maneuvers, a significant difference was found in the pH measures in all positions.
The fluoroscopy and constrast radiographs for the study of reflux did not show GER in any of the patients. The
scintigraphy performed after the administration of liquid and solid foods marked with the tracer 99m TC-phitate
corroborated the fluoroscopic examination.
Conclusions: The association of the esophageal prosthesis with the valve system did not demonstrate GER, with
complications limited to pirose and cough of simple conservative treatment. Thus, the method allow to improve the quality
of life of these patients.
* Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da FFFCMPA
1
Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Fundação Faculdade
Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA)
2
Cirurgião Geral.
3
Residente Radiologia da FFFCMPA
4
Professor Titular de Cirurgia da FFFCMPA e Adjunto da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
Endereço para correspondência:
Carlos Cleber Alves Nunes
Rua Pareci, 204 - Assunção
Porto Alegre - RS - Brasil
CEP: 91900-660 - [email protected]
Descritores: - Câncer do esôfago
- Cirurgia do esôfago
- Doença do esôfago
Keywords: - Esophageal cancer
- Esophageal surgery
- Esophageal diseae
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Nunes CCA, Waechter FL, Sampaio JA et al.
INTRODUÇÃO
Apesar dos grandes avanços nas modalidades
terapêuticas hoje existentes, o carcinoma de esôfago
continua sendo doença devastadora para a grande maioria
dos pacientes. Com a conduta cirúrgica sendo a principal
opção paliativa no tratame nto desta neoplasia 1 , a
tunelização esofágica trans-tumoral através de prótese tem
sido método preferencial na terapêutica destes tumores
irressecáveis 2,3,4,5,6 . As complicações decorrentes deste
último procedimento apesar de freqüentes, são quase
sempre de fácil controle7 . Entre elas, a perfuração esofágica
é considerada a mais severa(8-12%)8,9,10 . O sangramento(312%) geralmente é de pequena monta e a migração da
prótese em sentido cranial ou distal é relativamente
infreqüente(9-10%). As obstruções(8-9%) podem ocorrer
por impactação de alimentos, crescimento tumoral,
prolapso da mucosa do esôfago para o interior da luz do
tubo, ou devido a angulação do mesmo 7 .
O uso da prótese está também associado com a
presença de RGE, principalmente nas neoplasias de terço
distal do esôfago em que a transição esôfago-gástrica
mantém-se permanentemente aberta, perdendo seu
mecanismo valvular intrínseco pela presença do tubo transtumoral8,10,11,12 . Desta forma, o refluxo do conteúdo
gástrico para o esôfago acentua-se, fazendo com que o
paciente, que outrora apresentava disfagia, passe então a
referir pirose, assim como, vômitos pós-prandiais com
relativa freqüência. Este risco maior de broncoaspiração,
embora subestimado, é traduzido rotineiramente através de
pneumonias graves, distúrbios do sono, ou aspirações
maciças de conteúdo gástrico, diminuindo em muito a
qualidade de vida e sobrevida destes pacientes já terminais.
Desta maneira, faz-se necessário a adoção de
medidas anti-refluxo como manutenção da cabeceira da
cama elevada e utilização de medicamentos para
neutralizar ou diminuir a produção ácida do estômago.
Entretanto, nenhuma destas formas previne mecanicamente
o RGE, nem a aspiração, além de impor condições de
repouso desconfortáveis, assim como, dispêndios
financeiros muitas vezes não negligenciáveis. Para aliviar a
disfagia e ao mesmo tempo evitar complicações inerentes à
falta do esfíncter esofágico inferior, os autores propõem o
uso de mecanismo valvular anti-refluxo acoplado à
extremidade distal da prótese.
MÉTODO
Amostra. No período compreendido entre janeiro
a agosto de 1994, 3 pacientes com carcinoma epidermóide
de esôfago distal irressecável submeteram-se a tratamento
cirúrgico paliativo por um único grupo de cirurgiões do
Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.
As idades foram de 55, 57, e 62 anos constando de
2 homens e 1 mulher.
Procedimentos. Um tubo de látex era
confeccionado a partir do dedo médio de uma luva número
8,5, quando o mesmo era seccionado na sua base e ponta. O
tubo formado era adaptado por sobre a porção distal da
prótese esofágica de Malafaia número 19, sendo fixada
através de fio de nylon monofilamentar. A porção distal
excedente do tubo de látex era invertida para a face interna
da prótese, quando então esta era adaptada ao dilatador
cônico da prótese (Figura 1). Após gastrostomia o conjunto
formado era então posicionado conforme descrição de
Malafaia 13 . O dilatador cônico era retirado e o tubo de
borracha evértido, repousando estendido sobre a parede
posterior do corpo gástrico.
A fim de obtermos controle da efetividade da
válvula, duas sondas de Dobb-Hoff eram posicionadas no
trans-operatório sob visão direta. A primeira, proximal à
porção distal da prótese, era deixada com a ponta distal
dentro da prótese, enquanto que a segunda era mantida
dentro do estômago, ao nível do antro gástrico, transpondo
a válvula. As sondas eram identificadas na sua ponta
proximal quanto a sua posição junto a prótese.
Assim que o paciente apresentasse consciência,
ventilação espontânea e movimentação no leito, eram
realizadas provas para documentar e quantificar a presença
do RGE. Para este fim, utilizou-se a mensuração do pH
esôfago-gástrico, fluoroscopia, radiografias contrastadas e
cintilografia de esvaziamento esofágico.
Determinou-se inicialmente o pH das secreções
em S1 (esôfago) e S2 (estômago) após aspiração do
conteúdo das mesmas com seringas distintas, utilizando-se
para isto fita reagente (Universalindikator pH 0-14,
Merck). Primeiramente com o paciente sentado no leito em
repouso, posteriormente, realizando manobra de Valsalva,
respiração profunda e tosse forçada. Repetia-se o mesmo
procedimento com o paciente em decúbito lateral esquerdo,
decúbito lateral direito e em decúbito dorsal com cabeceira
baixa a 20 graus. Após o término destas manobras, era
infundido 15 ml de ácido acético 1 molar pela sonda
posicionada no antro, quando após 5 minutos repetia-se a
coleta do material de S1 e S2 nas mesmas posições supra
mencionadas. Terminada esta fase, retirava-se a sonda
posicionada no interior da prótese, seguindo-se da injetação
de 120 ml de contraste baritado pela sonda posicionada
junto ao antro gástrico, quando então, sob fluoroscopia,
eram obtidas radiografias da junção esôfago-gástrica,
com o paciente em ortostatismo, decúbito dorsal,
com prensa abdominal, e Trendelenburg. Ao término
destas manobras, era retirado a sonda remanescente.
Quarenta e oito horas após realizava-se cintilografia
para pesquisa de RGE e documentação do esvaziamento
esofágico. Todos os pacientes
foram
ainda
avaliados quanto a presença ou não de disfagia, pirose,
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vômitos e tosse no pré e pós-operatório imediatos (até 30
dias após a cirurgia). Todos os três doentes referidos foram
informados do tipo de procedimento a ser realizado, assim
como, dos possíveis riscos, autorizando a utilização do
sistema valvular anti-refluxo junto a prótese.
RESULTADOS
Houve pirose e tosse relacionável a mesma em
apenas 1 paciente no período pós operatório. Não houve
episódios de vômitos pós prandiais, broncoaspiração e
pneumonia pós operatória nos pacientes desta série.
Os valores de pH não foram significativamente
diferentes entre as diversas posições e manobras realizadas
em cada paciente isoladamente, pórem, ao compararmos as
secreções obtidas em S1 e S2 após as diversas manobras,
houve diferença significativa nas medidas de pH das duas
sondas em todas as posições. O pH de S1 manteve-se entre
5 e 8,3 nas medidas iniciais e entre 5 e 7,3 na presença de
infusão ácida (Tabela 1). Ao nível de S2, o pH se
apresentou em 2,5 antes da instilação de ácido acético e
entre 2 e 2,25 após o uso da solução ácida.
A fluoroscopia e as radiografias contrastadas para
pesquisa de refluxo não demonstraram RGE em nenhum
dos pacientes (Figura 2). A cintilografia realizada após a
administração de alimentos líquidos e sólidos marcados
com o traçador 99m TC-fitato, corroborou o exame
fluoroscópio (Figura 3), entretanto apresentou estase para
liquídos e sólidos em 1 paciente, e apenas para liquídos em
outro doente. Apesar dos achados cintilográficos, não
houve correlação clínica com disfagia.
Figura 2 - Radiografia contrastada da junção esôfagogástrica, evidenciando-se prótese com sistema valvular
competente frente a instilação gástrica de contraste.
TABELA 1
Média das três medidas do pH da secreção esofágica sem e
com instilação de ácido acético 1 molar
Posição
Sentado
Decúbito lateral esquerdo
Decúbito lateral direito
Decúbito dorsal
pH secreção
Sem instilação de ácido
acético
(média)
8,33
7,47
7,63
6
esofágica
Com instilação de ácido
acético
(média)
7,33
5
6
5,33
Figura 1 - Técnica utilizada na colocação de prótese
cirúrgica trans-tumoral com válvula.
Figura 3 - Cintilografia esofágica demonstrando estase para
alimentos sólidos em terço médio do esôfago, porém, com
livre passagem através da prótese valvulada.
DISCUSSÃO
O carcinoma de esôfago avançado é doença de
mau prognóstico, e mesmo com os avanços nas
modalidades terapêuticas hoje existentes, a taxa de
sobrevida em 5 anos continua baixa 1,8 . Quarenta a 60%
destes tumores são irressecáveis no momento do
diagnóstico, restando à maioria destes doentes o tratamento
paliativo como único alento à disfagia obstrutiva. Entre os
métodos terapêuticos conhecidos, a tunelização esofágica
tem sido considerada por muitos autores 2,3,4,5,6,7,8,14 a
principal opção no tratamento paliativo de pacientes
com carcinoma avançado ou irressecável de terço
médio e distal do esôfago 14 . Trata-se de método simples
e barato, podendo ser
executado
em
centro
cirúrgico de pequeno porte, evitando migração de
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Nunes CCA, Waechter FL, Sampaio JA et al.
enfermos com mau prognóstico para centros de referência 7 .
A técnica permite que estes pacientes, muitos em fase final,
retomem a via oral, independentemente da associação de
outros tratamentos como radioterapia ou quimioterapia. O
método em tela oferece também a vantagem de colocar
próteses de diâmetros maiores com baixo risco de
obstrução pelo crescimento tumoral, além de tamponarem
sangramentos e bloquearem eventuais fístulas com a árvore
respiratória.
O uso do mecanismo valvular anti-refluxo
adaptado à extremidade distal da prótese permitiu prevenir
o RGE nos pacientes estudados, mesmo quando submetido
a manobra de Valsalva. Desta maneira, os autores inferem
que isto seja resultado do impedimento mecânico causado
pela válvula de látex posicionada no interior do estômago.
Esta, possuindo luz com diâmetro variável conforme o
fluxo de alimentos que por ela passa, evitaria que as
secreções gástricas refluíssem em grande quantidade
através da válvula. Além disto, a maior pressão abdominal
manteria o tubo de látex colabado, colaborando para o seu
mecanismo valvular. Isto ficou demonstrado pela diferença
de pH de S1 e S2, mesmo quando infundida secreção ácida
no estômago. Da mesma forma estes pacientes, frente ao
estudo radiológico, não apresentavam franco RGE,
mantendo boa passagem do alimento através do tubo
conforme demonstrado pelo estudo cintilográfico.
Os autores concluem que, apesar da pequena
amostra apresentada, não foi evidenciado importante RGE
na associação de prótese esofágica com o sistema valvular
acima descrito. Soma -se o fato que o dispositivo é de fácil
execução, custo ínfimo, e com complicações restritas a
pirose e tosse de fácil tratamento clínico(observadas em
apenas 1 paciente da série), permitindo, desta maneira,
melhora da qualidade de vida destes doentes com tão baixa
sobrevida.
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