efeito mateus, aprendizagem significativa e leitura

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EFEITO MATEUS, APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E LEITURA
Pedro Luiz Christiano – DF / CCEN / UFPB
Maria Elizabeth Affonso Christiano – DLCV / CCHLA / UFPB
O termo Efeito Mateus foi utilizado pela primeira vez em 1968 por Robert K Merton em estudos
de sociologia da ciência (MERTON, 1968). Analisando entrevistas realizadas por Harriet Zuckermann
(1965) com ganhadores de premio Nobel, Merton observou que era freqüente a manifestação, por parte
desses indivíduos, do sentimento de que cientistas eminentes recebiam crédito desproporcionalmente
elevado por suas contribuições à ciência, ao passo que cientistas pouco conhecidos tendem a receber
pouco ou nenhum crédito por suas contribuições, mesmo que estas tivessem sido comparativamente mais
relevantes.
Vários desses cientistas se questionavam sinceramente se deveriam ou não incluir seu nome em
um trabalho feito em colaboração com colegas menos ilustres quando estes é que tinham dado a
contribuição mais relevante ao trabalho. Argumentavam eles que, se seus nomes não fossem acrescentados
à lista de autores, era bastante provável que o trabalho não recebesse a merecida atenção da comunidade
científica – apesar de sua relevância intrínseca – pois na lista de autores do trabalho só constariam os
nomes de indivíduos pouco ou nada conhecidos da comunidade. Por outro lado, se os seus nomes fossem
incluídos, muito provavelmente todo o crédito pela realização do trabalho seria a eles atribuído, apesar de
sua contribuição ter sido mais modesta do que a dos outros autores, terminando por roubar de seus
colaboradores o reconhecimento a que tinham direito.
Merton reconheceu imediatamente que esse era um fenômeno muito freqüente, que ocorria em
muitas situações diferentes e deu-lhe essa denominação inspirado na parábola dos dez talentos, como
relatado no evangelho de São Mateus (XXV:29):”Porque a qualquer que tiver lhe será dado, e terá em
abundância; mas ao que não tiver, até o pouco que tem lhe será retirado”.
Merton baseou-se tão intensamente nas entrevistas realizadas por Zuckermann que em trabalho
posterior sobre o mesmo assunto reconheceu que seu nome deveria ter sido incluído no trabalho como coautora (MERTON, 1988).
Em educação é muito comum encontrar na literatura a informação de que o efeito Mateus foi
introduzido nessa área em 1986 por Stanovich (1986). Uma leitura mais cuidadosa de seu artigo, porém,
deixa claro que os primeiros a usar essa denominação em educação foram Wahlberg e Tsai, em 1983. No
entanto, talvez pelo fato de o artigo de Stanovich ser de mais fácil acesso do que o de Wahlberg e Tsai
(1983), ou talvez como mais um exemplo da ocorrência do efeito Mateus, essa contribuição lhe foi
atribuída pela comunidade. De qualquer forma, é o trabalho de Stanovich que trouxe o citado efeito à
atenção da comunidade.
O que foi destacado por Stanovich em seu trabalho é que sucessos iniciais na aquisição da leitura
geralmente estão associados a sucessos posteriores, à medida que a criança cresce, ao passo que insucessos
iniciais, que tendem a associar-se com frustração e desestímulo, podem se traduzir em problemas vitalícios
na aquisição dessa habilidade. O que se verifica é que uma pequena vantagem inicial, muitas vezes devida
ao fato de a criança vir de um lar mais privilegiado, onde a leitura é um hábito rotineiro, tende a crescer,
criando um fosso entre as crianças mais e menos privilegiadas e, com o tempo, a tendência natural é que
esse fosso se alargue mais e mais uma vez que as crianças inicialmente bem sucedidas na leitura tendem a
ler mais, o que amplia sua capacidade de leitura, criando um ciclo virtuoso. Por outro lado, as crianças com
graves dificuldades iniciais na leitura progridem muito pouco e, por isso, lêem menos, o que, por sua vez,
faz com que sua capacidade de leitura não aumente ou aumente muito pouco.
O processo é perverso na medida em que aufere vantagens àqueles que sempre tiveram as melhores
oportunidades ao mesmo tempo em que penaliza aqueles que sempre foram penalizados. É preciso que
observemos, como destaca Magda Soares (2006), que o alargamento do fosso não se deve a diferenças de
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capacidade ou de esforço e dedicação dos alunos. Deve-se a diferenças de oportunidades. Em suas próprias
palavras:
Se considerado de forma superficial, o “Efeito Mateus” poderia ser acusado de não
passar de uma nova versão da teoria do deficit, segundo a qual as dificuldades de
aprendizagem e o fracasso no processo de escolarização se explicam por carências
ou deficiências dos alunos. O “Efeito Mateus” refere-se a desvantagens e não
deficiências, e explica aquelas basicamente em termos de características sociais,
enquanto estas são em geral atribuídas a características individuais.
Soares prossegue afirmando que o efeito Mateus, além de caracterizar as diferenças como
vantagens/desvantagens, identificando nelas seu caráter discriminativo, também revela seu caráter
progressivo, pois tendem a crescer com o tempo, e aponta a qualidade do processo de escolarização como o
responsável pela forma como essas diferenças se perpetuam e se ampliam. Ao final de seu artigo, explicita
o desafio que nos é colocado pelo efeito Mateus e que consiste na identificação dos fatores determinantes
do efeito e responsáveis por sua progressiva ampliação e as ações que permitam torná-lo uma “metáfora
desnecessária”.
Nosso objetivo neste artigo então é responder ao desafio proposto, apresentando as razões que
fazem com que nosso processo de escolarização atue no sentido de ampliar pequenas diferenças iniciais e
sugerindo mecanismos para identificar essas diferenças. Como elas se ampliam com o tempo, é evidente a
importância de sua eliminação nos primeiros estágios da escolarização, o que destaca a importância da
aprendizagem da leitura para a eliminação das diferenças.
O fato de o alargamento do fosso, ou, como chama Magda Soares, da ampliação das diferenças,
diagnosticado pelo Efeito Mateus depender de vantagens ou desvantagens iniciais e não de diferenças
individuais, pode ser melhor compreendido se fizermos uma analogia com um fenômeno de engenharia de
trânsito conhecido como “bus-bunching”. Para que o sistema de transporte coletivo seja eficiente, existe um
intervalo temporal mais adequado entre a passagem de dois ônibus em cada parada. Quando essa distância
é respeitada, dois ônibus consecutivos que passarem em um mesma parada, vão embarcar números
semelhantes de passageiros e vão ficar parados nesse ponto intervalos de tempo parecidos, mantendo-se os
intervalos de tempo entre a passagem de dois ônibus consecutivos constantes por todo o percurso.
Imaginemos agora que, por alguma razão fortuita, um dos ônibus se adiante um pouco e chegue a uma
determinada parada um pouco antes da hora determinada, quando nem todos os passageiros que deveriam
embarcar chegaram até ela. Isso faz com que esse ônibus embarque menos passageiros, o que pode ser feito
em menos tempo e, conseqüentemente, esse ônibus se adiantará ainda mais, chegando à próxima parada
ainda mais cedo e assim por diante. Consideremos agora o ônibus que o segue. Ao chegar à parada, esse
ônibus encontrará um número de passageiros maior do que o esperado, pois deve embarcar, além daqueles
que lhe estavam originalmente destinados, os passageiros que não conseguiram embarcar no ônibus que o
antecedeu porque este se adiantou. Com isso, esse ônibus fica mais tempo parado em cada ponto de
embarque e desembarque e acaba por se atrasar ainda mais, o que, por sua vez, faz com que aumente o
número de passageiros que deve embarcar e assim por diante. O que é importante de ser observado aqui é
que um ônibus se adianta e outro se atrasa não por diferirem em qualidade. Os ônibus podem ser idênticos
no entanto o fenômeno se mantém, porque são os acontecimentos do percurso que determinam o
adiantamento ou o atraso iniciais e que, posteriormente, fazem com que essas diferenças se ampliem.
De forma semelhante, a criança inicialmente bem sucedida na leitura se adianta e encontra
dificuldades e obstáculos cada vez menores à sua frente, o que impacta positivamente em sua auto-estima,
tornando-a uma aluna mais dedicada e interessada. Para o que está atrasado, a carga a ser “embarcada” é
cada vez maior, o que aumenta o seu atraso, levando a uma queda na auto-estima e esta, por sua vez, ao
desinteresse. O fosso que separa esses dois tipos de alunos tende então a ampliar-se, chegando inclusive ao
ponto de influir decisivamente na distribuição de escolaridade entre adultos: os adultos que tiveram níveis
mais elevados de educação inicial tendem a se engajar em atividades intelectualmente mais exigentes, ao
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passo que aqueles com baixo nível de escolaridade inicial tendem a se engajar em atividades pouco
exigentes do ponto de vista intelectual.
Continuando com essa analogia, devemos observar que é na definição do currículo, no sentido de
conteúdo a ser aprendido na escola em cada período de tempo, e na escolha das atividades que serão
realizadas a cada momento, que se determina inicialmente a velocidade com que o processo de
aprendizagem deve se dar. Se, por um lado, o fato de um aluno se adiantar, por si só, não implica
diretamente no atraso dos outros, como ocorre com os ônibus no “bus-bunching”, devemos estar atentos
para não permitir que esses alunos passem a determinar o ritmo da aprendizagem, coisa que pode ocorrer
de forma sutil.
É muito comum o professor se concentrar naqueles alunos mais interessados, esquecendo-se
daqueles que demonstram pouco ou nenhum interesse no conteúdo, muitas vezes considerados “casos
perdidos”. Ocorre, como vimos, que o interesse é muitas vezes resultado do ciclo virtuoso destacado pelo
efeito Mateus: o aluno chega à escola com alguma formação, o que facilita a aprendizagem, o que gera
interessa que, por sua vez, facilita ainda mais a aprendizagem e assim por diante. No entanto, também o
desinteresse de alguns alunos pode ser entendido pelo efeito Mateus, através de seu ciclo perverso: o aluno
chega à escola sem nenhuma formação inicial, tem dificuldades de aprendizagem que não são trabalhadas
adequadamente e que então começam a gerar a frustração e o desinteresse, dificultando ainda mais a
aprendizagem. Quando o professor opta por ensinar de forma preferencial aos alunos mais interessados,
está permitindo que esses determinem o ritmo da aprendizagem e, como nos mostra a analogia do “busbunching”, contribuindo para agravar o problema e fazendo com que o fosso que separa “bons” e “maus”
alunos se alargue e se aprofunde rapidamente.
Nosso desafio, enquanto professores, é então planejar o processo de aprendizagem de forma a
proceder à eliminação dessas diferenças iniciais, se possível e fundamentalmente logo no começo da
aprendizagem, mas também a cada etapa do processo, sem no entanto retirar daqueles alunos mais
privilegiados a oportunidade de prosseguirem em seu desenvolvimento.
Para que possamos realizar esse tipo de planejamento, como observado, é preciso compreender
melhor por que processo uma pequena vantagem inicial pode crescer com a escolarização vindo a se
transformar em uma grande diferença após alguns anos e, a partir dessa compreensão, determinar as
condições para que essas diferenças iniciais sejam eliminadas e até as técnicas mais adequadas para fazê-lo.
Isso pode ser conseguido no contexto de uma teoria de aprendizagem desenvolvida por David Ausubel e
conhecida como teoria da aprendizagem significativa, que passamos agora a discutir.
1 A Teoria da Aprendizagem Significativa
A teoria da aprendizagem significativa aborda a forma com que novos conceitos são aprendidos. A
idéia central de D. Ausubel (1963) é a de que a aprendizagem de um novo conceito será significativa se
esse conceito se relacionar de forma não arbitrária com conceitos relevantes já existentes na estrutura
cognitiva do aprendiz. Sendo assim, o novo conceito passa a integrar a estrutura cognitiva do aprendiz
ocupando nela uma posição determinada por suas relações com os conceitos presentes anteriormente. Na
teoria, os conceitos preexistentes na estrutura cognitiva do aprendiz e que são relevantes para a
aprendizagem de um novo conceito são chamados de subsunçores e o processo através do qual um novo
conceito se relaciona com um subsunçor é chamado de ancoragem. Diz-se então que o novo conceito se
ancora em conceitos já existentes na estrutura cognitiva do aprendiz, de forma que a associação entre eles
seja não arbitrária. Quando a incorporação do novo conceito à estrutura cognitiva se dá de forma arbitrária,
através da simples memorização do novo conceito, sem associação com conceitos pré-existentes na
estrutura cognitiva do aprendiz, a aprendizagem é dita mecânica.
Essa simples idéia já nos permite compreender porque uma pequena vantagem inicial facilita a
aprendizagem e ao final do processo pode vir a se transformar em uma diferença importante. No contexto
da teoria, uma pequena vantagem inicial significa uma estrutura cognitiva que contém um número maior de
conceitos de alguma forma associados e organizados em algum tipo de hierarquia. Como o aprendiz possui
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um número maior de conceitos em sua estrutura cognitiva, é também maior a possibilidade de que, quando
da apresentação de um novo conceito a ser aprendido, o mesmo disponha dos subsunçores adequados ao
processo de ancoragem, fazendo com que o mesmo apresente uma maior possibilidade de aprender de
forma significativa. Além disso, o fato de aprender de forma significativa faz com que sua estrutura
cognitiva evolua positivamente, passando a contar com um número ainda maior de conceitos com relações
bem definidas entre eles e organizados de forma hierárquica. Sua capacidade de aprender
significativamente é então ainda mais potencializada, pois dispõe de ainda mais conceitos com os quais os
novos podem vir a estabelecer relações que também podem ser ainda mais complexas.
Por outro lado, ao aprendiz que não dispõe dos subsunçores adequados, a alternativa que lhe resta
quando o mesmo é apresentado a novos conceitos, é o da aprendizagem mecânica, fazendo com que o
mesmo incorpore esses novos conceitos à sua estrutura cognitiva de forma arbitrária, não significativa. É
como se o mesmo estivesse organizando um arquivo em que cada conceito é guardado em uma nova pasta,
sem organizar as pastas por conteúdos relacionados. Esse tipo de aprendizagem não apresenta um aumento
significativo em sua estrutura cognitiva pois, apesar da incorporação do novo conceito, faltam-lhe as
relações que o conectariam com outras partes de sua estrutura cognitiva que então permanece muito menos
complexa e não facilitará em nada a aprendizagem subseqüente. Com o tempo, esses novos conceitos serão
mais facilmente esquecidos, e sua estrutura cognitiva não evolui, ampliando o fosso que o separa de seus
pares.
Isto posto, fica evidente a importância representada pelos estágios iniciais no desenvolvimento da
habilidade de leitura e a correção de quaisquer deficiências e dificuldades o mais cedo possível. Serão estas
deficiências e dificuldades o ponto de partida para a criação e posterior alargamento do fosso descrito pelo
Efeito Mateus. Como observado por Oliveira e Silva (2006, p.1) “...o aprendizado da leitura e da escrita em
tempo hábil promove a igualdade de acesso ao capital cultural franqueado pela escolarização formal e
favorece o sucesso na vida escolar, especialmente às crianças oriundas de ambientes sociais adversos –
maioria da população escolar, predominantemente matriculadas nas redes públicas de ensino”.
Uma vez compreendida a forma como o aparecimento de diferenças de aprendizagem pode ser
explicado pela teoria, há uma real possibilidade de que o fosso entre estudantes bem e mal sucedidos pode
ser reduzido utilizando-se de mecanismos que identifiquem a ocorrência da aprendizagem significativa, que
a promovam e que estimulem todos a aprenderem de forma significativa.
O primeiro passo consiste em investigar quais são as condições para que a aprendizagem ocorra
de forma significativa. Nos parece evidente que, antes de mais nada, devemos descobrir se os alunos já
dispõem dos subsunçores adequados à aprendizagem de novos conceitos. Caso isso não ocorra, é preciso
que antes ele venha a incorporar esses conceitos à sua estrutura cognitiva, o que pode ser feito de diferentes
maneiras, destacadamente pela utilização de materiais que abordem o conteúdo a ser aprendido de forma
mais inclusiva, localizando-o em um contexto mais abrangente e que são conhecidos como organizadores
prévios (MOREIRA e MAZINI, 1982).
Ausubel (1978, p. iv) é bastante enfático ao afirmar que
Se tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um só princípio, diria o
seguinte: o fator isolado mais importante influenciando a aprendizagem é o que
o aprendiz já sabe. Determine isso e ensine-o de acordo.
É importante destacar que a identificação da presença ou não dos subsunçores adequados à
aprendizagem de um novo conceito, não é uma atividade que o professor deva realizar apenas quando de
seu primeiro contato com seus alunos, como essa colocação nos parece freqüentemente sugerir. É uma
atividade contínua, que o professor deve buscar realizar diariamente, em todos os contatos com seus alunos.
Uma ferramenta importante para a determinação da presença ou não de subsunçores na estrutura cognitiva
dos alunos e da forma como estão relacionados nada são os mapas conceituais, desenvolvidos por J. D.
Novak (NOVAK e GOWIN, 1984)
Implícita na afirmação de Ausubel, possivelmente por ser considerada satisfeita a priori, mas que
é condição sine qua non para a ocorrência da aprendizagem significativa, está o fato de o aluno querer
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aprender de forma significativa. Se não houver essa disposição por parte do aluno, a curto prazo é em geral
mais fácil e, eventualmente, também mais bem sucedida na obtenção de uma boa avaliação, a opção pela
aprendizagem mecânica. Ainda mais quando o professor, inconscientemente, prepara avaliações que
privilegiam aqueles que fizeram essa opção. Evidentemente a longo prazo essa opção é desastrosa e o
professor deve enfatizar esse fato estimulando constantemente seus alunos a aprenderem de forma
significativa e avaliando continuamente sua ocorrência ou não, como observamos anteriormente. A opção
pela aprendizagem significativa em contraposição à mecânica se tornará mais e mais recompensadora para
o aluno à medida que sua estrutura cognitiva for se ampliando, uma vez que a aprendizagem começa a ser
cada vez mais facilitada e estimulante.
O segundo ponto a ser observado para que a aprendizagem seja significativa, como observa
Ausubel, é que o aluno deve ser ensinado considerando-se o que ele já sabe. Isso implica em duas
condições: a primeira delas é que o material a ser utilizado deve ser potencialmente significativo, ou seja,
devem ser utilizados apenas materiais cuja aprendizagem necessite apenas de subsunçores já identificados
como estando presentes na estrutura cognitiva do aprendiz. A segunda condição é que esse material seja
apresentado de forma significativa, ou seja, deve ser apresentado de forma a que as relações entre os novos
conceitos a serem aprendidos e os subsunçores sejam destacadas pelo professor, facilitando com isso o
processo de ancoragem desses novos conceitos. Dessa forma, o planejamento das atividades a serem
realizadas, em sala de aula ou não, passa a assumir um papel ainda mais importante do que o que
costumamos lhe atribuir, pois é na determinação das atividades a serem realizadas e no planejamento da
forma como serão realizadas que se viabiliza a ocorrência da aprendizagem significativa.
No caso da leitura, como destacado por Oliveira e Silva (2006), existem habilidades
fundamentais para seu aprendizado, dentre as quais se incluem “o desenvolvimento da consciência
fonológica, o treino em consciência fonêmica, o desenvolvimento do princípio alfabético, o ensino
explícito e sistemático do código alfabético, e, como competências complementares, o desenvolvimento de
vocabulário e de estratégias de compreensão” de modo que o planejamento das atividades deve ter sempre
como um de seus objetivos o desenvolvimento dessas habilidades.
Dada então a importância do planejamento, ferramentas que facilitem sua realização também
passam a assumir grande importância, de modo que passamos a apresentar agora a ferramenta
especialmente desenvolvida para essa finalidade no contexto da aprendizagem significativa.
2 O Vê Heurístico de Gowin
O Vê Heurístico de Gowin, desenvolvido por D. B. Gowin na Universidade de Cornell, é um
diagrama que oferece uma oportunidade de se relacionar os aspectos conceituais e metodológicos de uma
determinada atividade, seja ela a leitura de um texto, o planejamento de um trabalho de pesquisa, a leitura
detalhada de um artigo científico ou outras (GOWIN, 1970; MOREIRA, 1990). Como observado por
Gowin e Alvarez ( 2005, p. xvi e xiv) ele foi desenvolvido como um dispositivo para auxiliar o
entendimento de relações significativas entre eventos, processos ou objetos e para “...oferecer aos
estudantes uma metodologia que lhes permita entender a estrutura do conhecimento (e. g. redes relacionais,
hierarquias e combinações) e para entender o processo de construção do conhecimento”. Como tal, serve
para “...planejar, executar e finalizar projetos de pesquisa, analisar documentos e auxiliar o professor no
planejamento de lições; serve também para os estudantes aprenderem e entenderem os objetivos de lições e
tarefas” .
Na figura a seguir é apresentado um Vê de Gowin esquemático. Como se pode observar, o Vê de
Gowin é composto de quatro partes principais: no centro da parte superior encontram-se as questões
principais que se pretende resolver quando se planeja uma atividade de pesquisa ou de ensino ou as
questões principais abordadas em um artigo científico. É aí que ficam registrados os objetivos que se
pretende alcançar com a atividade que se está planejando ou as questões que se pretende resolver com
determinada pesquisa. Em se tratando da leitura de um artigo, a questão foco deve identificar os objetivos
do artigo. Em oposição, na parte inferior do Vê, encontra-se a atividade ou evento que se pretende realizar,
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ou que foram realizadas, para responder às questões foco ou para atingir os objetivos propostos na parte
superior.
No lado esquerdo do Vê, chamado de conceitual ou teórico, devem ser listados a filosofia que
subjaz a ação que será (ou foi) realizada para responder às questões foco, as teorias envolvidas, os
princípios mais importantes utilizados e os principais conceitos abordados.
O lado direito, conhecido como lado metodológico e associado às ações realizadas ou a serem
realizadas, deve conter uma descrição dos registros efetuados e das transformações executadas (quando
houver) sobre esses registros. Por registros entende-se as anotações, observações, medidas, estatísticas e
dados obtidos com a ação; por transformações entende-se as médias, agrupamentos, classificações e outras
operações e análises porventura realizadas com os registros efetuados. Neste lado também devem estar
contidas as conclusões obtidas (ou que se espera obter), tanto conclusões de conhecimento, relativas ao
resultado da ação propriamente dita, quanto conclusões de valor que, necessariamente, devem conter uma
avaliação da efetividade da ação na resolução das questões foco.
Figura 1. Estrutura básica do Vê de Gowin.
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É claro que o lado esquerdo do Vê corresponde ao ato de pensar o problema que está sendo
considerado e os meios para resolvê-lo. Esse lado então determina a ação descrita no vértice do Vê e guia
as ações descritas no lado direito. No entanto, deve-se observar que as ações consideradas também podem
levar a modificações nos conceitos, princípios e teorias envolvidos, de forma que o lado direito do Vê
também influencia seu lado esquerdo. A interação entre esses dois lados é importante porque permite que a
solução do problema seja aproximada de forma mais ou menos iterativa, com modificações em um lado do
Vê levando a modificações no outro e vice-versa.
No que segue, como exemplo de construção de um Vê de Gowin, apresentamos um diagrama
possível de ser associado a este trabalho que, como se pode ver, resume seu conteúdo de forma muito
interessante. Note que não estão presentes as conclusões de valor, uma vez que não é adequado que os
próprios autores avaliem a qualidade e efetividade de seu próprio trabalho. Evidentemente outras pessoas
podem construir Vês diferentes, uma vez que a construção do Vê também depende da forma como o
trabalho analisado foi compreendido e dos objetivos do leitor ao efetuar a leitura.
Figura 2. Vê de Gowin relativo ao presente trabalho
Conclusão
Neste trabalho discutimos o chamado Efeito Mateus e sua importância na educação,
principalmente nos estágios iniciais do aprendizado da leitura, mostrando como esse efeito – sua origem e
sua evolução temporal - pode ser compreendido com base na teoria da aprendizagem significativa de D.
Ausubel, de modo a visualizar os mecanismos que podem ser usados para evitar seus aspectos mais
perversos. Ênfase especial é dedicada ao planejamento como um dos mecanismos mais importantes e
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apresentamos o Vê Heurístico de Gowin, que é uma ferramenta adequada ao planejamento do currículo e
de atividades a serem desenvolvidas no desenrolar de cada disciplina.
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