Da Piedade Filial

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Da Piedade Filial. Um Estudo da Moral Confuciana
Leandro Pimenidis Amorim*
Resumo
Embora aquilo que chamamos “Filosofia Oriental” caia em uma polemica
sobre se esta forma de pensamento pode realmente ser considerada uma filosofia,
podemos encontrar por exemplo em Confúcio uma grande contribuição para o estudo da
moral e da ética. A moral confuciana é fundamentada principalmente na piedade filial,
assim, não só é importante respeitar a família, como ela nos dá o molde de como nos
portarmos em sociedade. Esta concepção em contraste com a nossa pode nos trazer um
ganho teórico considerável a despeito de ser ou não produto de uma filosofia.
Palavras-chave: Moral, Filosofia Oriental, Piedade.
Abstract
Although what we call "Oriental Philosophy" falls into a controversy about
whether this way of thinking can really be considered a philosophy, we can find for
example in Confucius a great contribution to the study of morality and ethics.
Confucian morality is based mainly on filial piety, so not only is important to respect
the family, as it gives us the impression of how we behave in society. This concept in
contrast to our can bring in a considerable theoretical gain in spite of whether or not the
product of a philosophy.
Keywords: Moral, Oriental Philosophy, Piety.
*estudante no curso de Graduação à Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de
Filosofia
5º
semestre.
http://lattes.cnpq.br/6401935306903915.
E-mail:
[email protected].
Um dos debates mais controversos dos quais encontramos nos dias de hoje
trata da autenticidade ou inautenticidade do pensamento oriental como filosofia, um dos
argumentos contrários nos diz que aquilo que chamamos “filosofia Oriental” não é uma
filosofia da forma como compreendemos a filosofia em si, pois está é uma forma de
pensamento diferente da forma de pensamento existente no oriente. O objetivo aqui não
é tomar partido nesta disputa, acredito o presente texto não pretende se adequar a esta
disputa apenas por abordar um dos mais importantes representantes do oriente, portanto,
quando me refiro aqui a “filosofia oriental”, estou me referindo a um sinônimo de
“pensamento oriental”, pois, pouco importa para nossa pesquisa se isso se enquadra ou
não na tradição filosófica. Entretanto, o pensamento de Confúcio deveria ser levado em
conta por qualquer estudante ou simpatizante de filosofia uma vez que este é carregado
de conceitos morais, políticos e até mesmo, podemos dizer, éticos apesar de não
apontarmos alguma distinção entre os termos moral e ética na china antiga. Iremos
abordar justamente este âmbito ético/moral do pensamento de Confúcio, e sua
característica mais marcante que seria talvez aquela que o filósofo mais daria
importância, que é a piedade filial. De fato a família seria para Confúcio o centro de
todas as nossas responsabilidades, e apenas da família derivariam as demais
responsabilidades, é claro que existem outras questões profundamente éticas como a
conduta do cavaleiro que seria para Confúcio uma meta a ser alcançada em termos de
posturas ética ou mesmo outras questões relacionadas à virtude como por exemplo seu
dizer “Ainda estou para conhecer o homem que tenha tanta afeição pela virtude quanto
pela beleza feminina” (Os Analectos IX, 18 e de novo em XV, 13) mas estas
preocupações acabam ficando em segundo plano em relação a piedade filial. Esta claro
que este é um assunto comum até mesmo entre seus sucessores, Mêncio diz por
exemplo que “aquele que possui uma grande piedade filial, ama seu pai e sua mãe até o
ultimo dia de sua vida”(Cap. III), Veremos mais adiante no entanto como isto influencia
na vida do cidadão em sua conduta.
Antes de falarmos mais sobre a moral, falaremos um pouco sobre O
“Filósofo”, Confúcio teria vivido entre os séculos IV e V A.C. no entanto pouco se sabe
concretamente a seu respeito uma vez que tornou-se uma figura lendária e isto tenha
transformado muitos dos relatos a seu respeito puro folclore, este processo se iniciou
por volta do período entre 206 a.c e 220 d.c nas chamadas dinastias dos Han aonde se
multiplicaram elementos sobrenaturais a cerca do confucionismo como o celebre
momento de sua morte que segundo a lenda ocorreu quando este viu um licórnio (o
mesmo que unicórnio). Leslie diz no entanto, que “os sinólogos estão de acordo que a
fonte mais fiel para o estudo do homem e sua obra é o livro Luen Yu, conhecido pelo
nome Anacleta ou de Diálogos de Confúcio”, de fato os analectos que teriam sido
escritos pelos discípulos de Confúcio são considerados bastante autênticos uma vez que
originalmente poderiam ser anotações feitas durante seus ensinamentos. Uma das
grandes causas da dificuldade em estudar este pensador está no fato de que existe no
ocidente uma dificuldade lingüística muito marcante em relação a traduções do chinês
antigo de qualidade. uma das primeiras traduções, segundo Giles, foi feita por Legge
que era um missionário tentando levar ao oriente o cristianismo, e por isso, a tradução
não é muito confiável uma vez que um monge tentando arrecadar fiéis em uma terra
estrangeira pouco conhecida teria uma grande dificuldade em compreender o
pensamento de um oriental tão pouco familiar ao modo de pensar europeu, como por
muitos anos apenas outros monges trouxeram algo novo a respeito assim o quadro
permaneceu o mesmo. De fato no ocidente o confucionismo é tido como uma religião,
embora a doutrina de Confúcio não tenha tal caráter em si. o filósofo acredita sim em
uma força maior a qual ele apenas se refere como ”o Céu” e tem respeito pelos ritos e
tradições, pois sempre orientava em suas lições a “aprender a maneira de viver dos
antepassados e imitá-la” (LESLIE, pág. 40), valorizando a tradição dos antigos, é assim
que surge o culto aos antepassados que já existia antes de Confúcio, mas, que ao ser
valorizado por este se tornou característica daquilo que foi chamado mais tarde uma
religião confuciana. É baseado no culto aos antepassados, que surge a importância que
Confúcio dá a família, uma vez que não só em morte deve-se respeitar os mais velhos e
entre os mais velhos, Pai e Mãe são as figuras a quem mais estamos em divida.
“O Mestre disse: ’Que bom filho é Min Tzu-ch’ien! Ninguém
encontra nada de ruim naquilo que seus pais e irmãos têm a
dizer sobre ele’”. (Os Analectos, XI, 5)
A piedade filial portanto surge da importância que o homem deve dar aos mais
velhos, pois, estes alem de lhe darem a vida possuem uma valiosa carga de
conhecimento adquirida durante anos, alem disso a figura paterna tem obrigação de
prover o lar enquanto a criança fica aos cuidados da mãe, mesmo os irmãos mais velhos
tem obrigação sobre os mais novos e por isso os mais novos devem respeitá-los.
formando uma cadeia hierárquica aonde o pai como chefe da família é posto ao topo,
isso se reflete na sociedade uma vez que “Confúcio incarna, sob o ponto de vista
político, a idéia de um governo paternalista”(Leslie, p. 67) e desta forma toda a estrutura
social gira em torno da família e funciona como uma família. De fato, se houver
necessidade de optar pelo príncipe ou pela família a família vem em primeiro lugar, o
mesmo se refere à lei.
“O governador de She disse a Confúcio: “Em nossa aldeia há
um homem que é chamado de ‘Retidão’. Quando o pai dele
roubou
uma
ovelha,
ele
o
denunciou”.
Confúcio
respondeu:”Em nossa aldeia, aqueles que são corretos são
muito diferentes. Os pais protegem os filhos, e os filhos
protegem os
pais.
Retidão
é
algo
encontrado
nesse
comportamento”.” (Os Analectos, XIII, 18)
A questão da sociedade baseada em um modelo paternalista aonde o
governante deve ser uma espécie de “pai do povo” é bastante problematizada em
filósofos posteriores, mas, que declaradamente seguiram os ensinamentos de Confúcio,
entre estes encontramos em Mêncio uma forma já bastante diferenciada de defender este
ponto de vista, o governante deveria não só tratar o povo como a um filho, como o povo
teria o direito de derrubá-lo caso este não agisse desta maneira. assim também
censurava reis que agissem de forma inadequada para com o povo, em certa ocasião por
exemplo, conversando com Huei, rei de Leang disse “As vossas cozinhas regurgitam de
carnes, os vossos estábulos estão cheios de cavalos gordos. Mas a cara descarnada do
povo mostra a palidez da fome e os campos estão juncados de cadáveres de pessoas
mortas de miséria. Agir assim é convidar os animais ferozes a devorarem os homens.
(...) Vós deveis governar como pai e mãe do povo. Se vós não deixardes de incitar os
animais ferozes a devorarem os homens, como podereis ser considerado como pai e
mãe do povo?” (I (1) 4). Essa condição do governador de alguém sempre sujeito a ser
derrubado do poder caso não cumpra com sua obrigação, em certo ponto já aparecia em
Confúcio, porém de forma muito mais discreta, uma, vez que este não chega a afirmar
que existe algum direito que possibilite ao povo se voltar contra o governante, mas,
apesar disso, uma má administração sempre conduzirá o reino a ruína, isso aparece na
descrição de uma de suas viagens, aonde “O grande numero de ladrões na região era
uma fonte de preocupação para Chi K’ang Tzu, que pediu conselho a Confúcio.
Confúcio respondeu:’Se você não fosse um homem ganancioso ninguém roubaria, nem
mesmo se oferecessem recompensas aos ladrões’”(Os Analectos, XII, 18). É importante
notar que a piedade filial continua como foco principal da filosofia de Mêncio, um
imperador cujo pai matasse um homem deveria fugir com este e abrir mão de seu reino
se necessário para salvar-lhe a vida, a sociedade continua moldada nos modelos da
família, mas, a diferença marcante entre a sociedade e a família, é que um oficial do
governo poderia pedir demissão caso não concordasse com as ordens do governante,
mas, o filho não poderia pedir demissão caso não concordasse com seu pai, sendo assim
obrigado a aceitar e respeitar sua decisão.
“O mestre disse: Observe o que um homem, enquanto seu pai está vivo,
planeja fazer e então observe o que ele faz quando seu pai falece. Se, durante
três anos, ele não se desviar do caminho do pai, ele pode ser chamado de um
bom filho.” (Os Analectos, I, 11)
Vimos durante esta investigação que na obra de Confúcio é possível encontrar
uma contribuição significativa para o estudo ético/moral que é tão buscado no ocidente,
sendo o principio moral mais importante a piedade filial, já que está além de ser a
principal responsabilidade de todo o bom filho ainda serve de modelo para a conduta de
um governante em relação a seus súditos, uma vez que este deve ser como o “pai do
povo”, muito embora o povo possa abandoná-lo (ou segundo Mêncio até voltar-se
contra ele), coisa que jamais pode ocorrer na relação entre um pai e um filho. O
governante que não tratar o povo como um pai trata seu filho, deve esperar maus tempos
para seu reino. Mas um caráter muito importante da piedade filial é a própria forma de
conduta em relação aos mais velhos, uma vez que devemos sempre respeitá-los e seguir
o caminho de nossos pais irmãos e familiares, e isso inclui os antepassados que devem
ser respeitados e honrados em todas as cerimônias religiosas. Assim, podemos tirar da
“filosofia oriental” uma oportunidade de analisar nossa própria postura ética, no caso de
Confúcio, podemos nos perguntar como tratamos os mais velhos e especialmente nossa
família, seria interessante portanto pensar na validade dessas concepções e se são
relevantes a nossas vidas, o que acredito seja bastante relevante em nossa sociedade
aonde os mais velhos são diariamente desrespeitados a despeito dos saberes que estes
adquiriram com o passar do tempo.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
-GILES; L. The Sayings of Confucius. E. P. Dutton and Company, New York,
1910.
-LESLIE; D. Filósofos de todos os Tempos- Confúcio.. Simões. Editorial
Estúdios Cor, Lisboa 1973.
-RAPOSO;I. Philosophia de Confusio. Companhia Brasil, Rio de Janeiro
1939.
-CONFÚCIO. Os Analectos. L&PM editora, Porto Alegre 2007.
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