O normal e o patológico O ser humano, em toda sua existência, sempre buscou o conceito das coisas que o cercava e dessa forma, mas não somente através dela, foi construindo o conjunto de saberes e conhecimentos científicos ou não que temos na atualidade. Consta do dicionário a seguinte definição para o verbete conceito: “1 Aquilo que o entendimento concebe. 2 Idéia, juízo, opinião” (ROCHA, Ruth Minidicionário da Língua Portuguesa, 13ª Ed, pag. 184) e disso decorre o fato de que conceitos podem ser dotados da subjetividade daquele ser que o formula. Não foge a isso o conceito de normalidade e patologia que se construiu ao longo dos anos e até hoje suscita polêmicas e debates sobre sua real importância e imprecisa definição, coisas que podem ser bem verificadas se pesquisarmos a fundo exemplos na história de humanidade: pessoas que foram condenadas loucas, sem ter havido, para tanto, motivo aparente; não indo longe, vemos exemplos nítidos em nosso querido país, como bem mostrou o filme “Bicho de 7 Cabeças”, no qual um adolescente é internado em um hospital psiquiátrico sem ter qualquer tipo de problema psíquico evidente (e mesmo que o tivesse, a internação ainda seria uma ‘alternativa’ dúbia e um tanto falha, é só lembrar que na semana em que este trabalho está sendo produzido, comemora-se a semana de luta antimanicomial). O conceito de normal foi cunhado ao longo dos anos, dos séculos e em geral é usado para se referir a comportamentos que seguem a norma, o padrão, ou seja, aquilo que a sociedade elege como certo e correto; é um conceito claramente cultural e, de certa forma, quantitativo, pois seleciona aqueles comportamentos que são característicos da maioria e os elege certos, sendo, portanto, a minoria, o errado, o anormal. Essa definição se dá por oposição, uma vez que se estabelece aquilo que é (o conceito de normal) e, por contraposição, define-se aquilo que não é (conceito de normal), dessa forma, o patológico é visto como aquilo que se contraria ao normal; é esse conceito que a teoria psiquiátrica se propõe a defender e é colocado em xeque pelo Devereux, em seu livro: “Essais d'Ethnopsychiatrie Générale”. Evidentemente, um conceito bastante frágil e dotado de inconsistências. No entanto, há outras definições e entendimentos acerca do que é normal e do que é patológico; como já dito, o homem busca o tempo todo conceituar e buscar definições para as coisas do mundo, relacionadas à vida, etc. e desse modo é que as diversas linhas teóricas e pensamentos dentro da Psicologia se dispuseram ao longo de seu desenvolvimento a elaborar também seus conceitos acerca da dicotomia da qual o presente texto aborda. Sendo assim, iremos encontrar menções sobre o tema no Behaviorismo de Skinner, na Gestalt, na Psicanálise de Freud, no Estruturalismo, enfim, na Psicologia como um todo. Está claro, pois, que a questão da normalidade e patologia (ou anormalidade) é uma questão ainda delicada e confusa. É nesses termos que o filme “Bicho de 7 Cabeças” se desenvolve. A história é centrada na família de Neto, adolescente que vive em uma família de estrutura frágil e complicada, mas não é esse o foco da discussão, talvez não numa esfera de maior ou de primeira ordem, mas a relevância está no fato de que a questão do normal e patológico surge quando o pai do Neto descobre no casaco dele um cigarro de maconha. A partir daí, um ciclo de acontecimentos converge, ocasionando sua internação em um hospital psiquiátrico. Isso explica o nome do filme e suscita novamente o debate acerca do que é normal e do que é patológico e como esse conceito é concebido na sociedade geral e no âmbito profissional da psicologia. O pai de Neto, ao encontrar um cigarro de maconha no bolso do moletom de seu filho, toma uma decisão que se mostrou perigosa no decorrer do filme: internar o rapaz em um hospital psiquiátrico, decisão esta que tem apoio do resto da família (irmã, sobretudo ela, e a mãe, apesar de todo o sofrimento que ela demonstra ao compactuar com a internação do filho). Evidentemente, Neto estranha a internação e pede a todo momento que seja libertado daquele ambiente que para ele é estranho, inóspito, diferente. Não sendo atendido, tenta fugir na primeira oportunidade que lhe aparece, o que resulta em fracasso, dadas as condições físicas (dopado, cansado e frágil) em que se encontrava. Passado algum tempo no hospital psiquiátrico e, portanto, ter vivido experiências confusas e conturbadas ali, Neto é tirado de lá por seu pai. Contudo o rapaz passa a desenvolver comportamentos adversos: certo grau de melancolia, ansiedade, etc. O mais notável dá-se quando estava namorando uma garota e, de repente, quebra o espelho do local onde estavam. A partir daí, segue-se um conjunto de ações que culminam em uma nova internação do Neto. É notável, no entanto, que Neto não apresenta o mesmo comportamento que tinha quando fora internado pela primeira vez: ele volta mais esperto, hábil e desafiador. Não tem mais aquela vontade de sair dali; é um comportamento que quase beira ao conformismo. Por fim, esse comportamento quase-conformista diante da situação que lhe é imposta revela uma atitude surpreendente do Neto ao final do filme: o quase suicídio e o desenrolar do filme, culminando com o arrependimento do pai por ter sido tão ineficiente em relação à situação do filho. Essas são algumas cenas do filme que deixam bem evidente a discussão normal X patológico. Até que ponto, o comportamento de Neto poderia ser considerado patológico, anormal, sendo necessária uma internação em um hospital psiquiátrico? O comportamento de Neto era normal? Em quais condições a internação torna-se uma medida necessária? Internações são, de fato, necessárias nesses casos? De acordo com a linha teórica da Psicologia fundada por Skinner, a resposta para a maioria das indagações feitas acima seria não. É preciso, pois, entender o Behaviorismo, sobretudo o Radical (fundado por Skinner) para que se possa compreender o porquê do não às perguntas. Skinner, bem como diversos teóricos dentro da Psicologia, preocupou-se em estudar e entender o funcionamento dos indivíduos, buscando a resposta para a pergunta: “Por que os organismos agem como agem?” Usando o repertório teórico do Behaviorismo de Watson, Skinner chega à conclusão de que o comportamento dos indivíduos é multideterminado a partir da interação daqueles com o ambiente, mas não de uma forma mecânica. Essa multideterminação deve-se ao fato de que, diferentemente do Behaviorismo watsoniano que se baseia unicamente no esquema S-R, Skinner elege o esquema S-R-C para explicar sua teoria, ou seja, o comportamento, também, pode ser condicionado, ‘programado’ diante de um dado evento. Sendo assim, para o Behaviorismo Radical, a dicotomia que se estabelece entre o que é normal e o que é patológico perde seu sentido original, uma vez que para essa linha teórica o comportamento é multideterminado, transformando-se de acordo com as contingências do ambiente (tudo que interage com o organismo, segundo Skinner), ou seja, aquilo que aprendemos desde cedo chamar de anormal/patológico por ser diferente da norma, do padrão, para o Behaviorismo skinneriano não passa de um comportamento, também, normal, como qualquer outro que siga aqueles parâmetros de normalidade e aceitação impostos pela nossa cultura, que foi condicionado, adaptado a uma série de contingências resultantes de sua interação com o ambiente. Nesse aspecto, verifica-se que no filme “Bicho de 7 Cabeças”, sobretudo nas quatro cenas extraídas e citadas acima, o Neto não apresenta qualquer comportamento que evidencie anormalidade e ou patologia, a ponto de ser necessária uma internação (e, aliás, como já citado, mesmo que apresentasse um comportamento tão destoante ao padrão, a internação seria um método bastante questionável e dúbio). No entanto, o filme serve para aquecer o debate sobre essas questões e de como uma decisão tomada de maneira errada ou irresponsável pode afetar a vida de um indivíduo. Antes de tentarmos estabelecer os parâmetros que definem a normalidade ou a anormalidade de um indivíduo, é preciso observar que a questão maior é que se está lidando com pessoas, com seres que existem além dos rótulos que lhe são impostos, que são tão normais quanto nós mesmos, ditos normais.