o poder de polícia dos tribunais de contas

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
ESCOLA SUPERIOR DE GESTÃO E CONTROLE FRANCISCO JURUENA
Credenciamento MEC – Portaria nº 1965/06
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA E
CONTROLE EXTERNO
O PODER DE POLÍCIA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
LUCIANE FLECK FERREIRA
PORTO ALEGRE
2008
RESUMO
Busca-se com o estudo efetuado demonstrar a importância do controle externo da Administração Pública realizado pelo Tribunal de Contas, bem como o poder
de polícia exercido por esse Tribunal. A Corte de Contas é um órgão autônomo e
independente, constitucionalmente constituído, não possui relação de subordinação
como os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A relação do Tribunal de Contas com o Poder Legislativo é de cooperação, prestando auxílio de natureza técnica
e especializada. Sua função é jurisdicional especial. As decisões do Tribunal de
Contas não são dotadas de função judicante, são decisões proferidas com fundamento técnico-jurídico que não se submetem a revisão no seu mérito pelo Poder Judiciário, salvo quando houver manifesta ilegalidade ou afrontar princípios constitucionais. O poder de polícia administrativo se caracteriza por impor limitação a determinados direitos individuais em benefício do interesse público. Os atos praticados
pelo Tribunal de Contas são dotados de poder de polícia para que possa executar
suas atribuições fiscalizatórias conferidas pela Constituição da República, pois sem
a força desse poder, as competências das Cortes de Contas restariam inócuas e
esvaziadas.
Palavras-chave: Tribunal de Contas. Controle externo. Órgão auxiliar. Administração Pública. Fiscalização. Poder de Polícia.
ABSTRACT
This study aims to demonstrate the importance of external control in Public
Administration conducted by the Auditors’ Court, as well as the power exercised by
these Court. The Court of Auditors is an autonomous and independent body, constitutionally constituted; it has no subordination relationship to the executive, legislative
and judicial powers but a cooperation partnership with legislative power through
technical and expertise support. Its function is special court and its decisions has no
judging function; its decisions are made with technical and legal grounds which are
not subject to review on its merits by the judiciary, except when there are obvious
illegality or face constitutional principles. The administration police power is characterized by imposing restrictions on certain individual rights in favor of the public interest. The actions taken by the Auditors Court are endowed with power to police so
that it can perform its regulatory duties conferred by the Constitution of the Republic,
because without the force of that power, the attributions of Auditors Courts remain
useless and emptied.
Keywords: Auditors Court. External control. Auxiliary sector. Public Management
Control. Police Power.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10
2 PODER DE POLÍCIA .............................................................................................12
2.1 CONCEITOS .......................................................................................................12
2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTADORES .................................................................17
2.2.1 Legalidade........................................................................................................17
2.2.2 Proporcionalidade.............................................................................................19
2.3 CARACTERÍSTICAS...........................................................................................22
2.3.1 Auto-executoriedade ........................................................................................23
2.3.2 Discricionariedade ............................................................................................25
2.3.3 Coercibilidade...................................................................................................27
2.3 LIMITES DO PODER DE POLÍCIA .....................................................................28
3 PODER DE POLÍCIA E OS TRIBUNAIS DE CONTAS .........................................30
3.1 TRIBUNAIS DE CONTAS ...................................................................................31
3.1.1 Histórico ...........................................................................................................31
3.1.2 Atribuição .........................................................................................................33
3.1.3 Competência ....................................................................................................35
3.2 DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS .......................................................38
3.2.1 Natureza jurídica ..............................................................................................38
3.2.2 Classificação ....................................................................................................41
3.3 EFEITOS DO PODER DE POLÍCIA E A ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE
CONTAS ...................................................................................................................45
4 CONCLUSÃO ........................................................................................................49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................51
10
1 INTRODUÇÃO
Desde que o Estado foi criado, o Poder Público interfere no agir dos
indivíduos, com autoritarismo, para controlá-lo e dirigi-lo. No período absolutista, o
Direito era usado para controlar a sociedade, enquanto que o Estado-polícia era
ilimitado. Os indivíduos eram coagidos a respeitar um Direito ao qual o Estado não
se sujeitava.
Com o Princípio do Estado Democrático de Direito, acolhido no preâmbulo e
no art. 1º da Constituição da República, liberdade e propriedade se tornaram direitos
subjetivos públicos. Houve a consagração constitucional dos direitos dos indivíduos
e das liberdades, o que restringiu a interferência estatal. Para compatibilizar o
exercício dos direitos de liberdade e de propriedade, pelo fato de serem direitos,
houve a necessidade de serem regulamentados por lei. A atuação do poder estatal
para limitar o direito à liberdade e à propriedade se então dá por meio do poder de
polícia. Porém, o poder de polícia só pode ser praticado por quem detenha a
competência para a sua realização. O ato de polícia, pelo qual é concretizado o seu
poder, tem seus limites na lei e na Constituição.
Os controles da Administração Pública, no Estado Democrático de Direito, são
instituídos para defender o interesse da coletividade. Já o controle externo da
Administração Pública é exercido pelo Tribunal de Contas em auxílio ao Poder
Legislativo. Embora a Corte de Contas tenha sido criada há mais de um século no
Brasil, a função do Tribunal de Contas é até hoje pouco compreendida.
Apesar de muito se escrever sobre as Cortes de Contas na atualidade,
persistem divergências entre os estudiosos acerca da sua natureza jurídica, bem
como da natureza jurídica de suas decisões. Assim, objetiva o presente trabalho o
estudo do poder de polícia dos Tribunais de Contas.
Primeiramente, o estudo versará sobre o poder de polícia, analisando seu
conceito, atributos, limites e princípios, salientando que a polícia administrativa é o
foco
desse
trabalho.
Cumpre
ressaltar
desde
já
que
os
princípios
da
proporcionalidade e da razoabilidade têm fundamental importância na aplicação do
poder de polícia.
11
Posteriormente, o estudo abordará o Tribunal de Contas, histórico, funções e
competências e tipos de decisões. O Tribunal de Contas é um defensor dos
interesses da sociedade, pois controla os gestores de dinheiros, bens e valores
públicos de forma independente e técnica, objetivando salvaguardar o Estado
Democrático de Direito. Cumpre salientar que a competência, organização e
composição prevista pela Constituição da República para o Tribunal de Contas da
União aplicam-se aos Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, como dispõe o
artigo 75 da Carta Maior. Conforme o que se apresenta nos próximos capítulos desta
pesquisa, esse órgão é dotado de poder de polícia em todas as suas formas de
atuação. Importante alertar que este trabalho não aspira inovar e tampouco esgotar
a matéria, mas apenas fornecer um estudo sistemático e colaborar para um melhor
entendimento sobre o poder de polícia constitucionalmente conferido à Corte de
Contas.
12
2 PODER DE POLÍCIA
Pelo fato do termo “polícia” se prestar a mais de um a interpretação, faz-se
necessário delimitar o que é abordado no presente trabalho. Costuma-se afirmar que
se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária com base no caráter
preventivo da primeira e no repressivo da segunda 1 . Para efeito deste estudo, a
expressão “poder de polícia” é empregada no sentido das restrições advindas da
administração pública em relação aos particulares.
Quanto à origem, Batista Júnior 2 narra, por meio de uma descrição da
evolução histórica, que o termo polícia vem da palavra grega politeia, e do termo
latino politia, utilizado para designar todas as atividades das polis, ou seja,
significava a constituição da cidade, constituição do Estado. No entanto, para Tácito 3
a expressão “poder de polícia”, de origem jurisprudencial, teve nascimento no direto
norte-americano, criada por eminentes Ministros da Corte Suprema daquele país,
em votos profundos, cuja repercussão s e estendeu até nossos dias. Da
jurisprudência norte-americana, a denominação police power passa para os
trabalhos doutrinários, americanos e ingleses, tendo sido aceita, em breve, pelos
juristas de todos os países em que se cultiva o direito público.
2.1 CONCEITOS
“Uma das mais árduas tarefas em Direito Público é a de conceituar, em seus
exatos contornos, o poder de polícia” 4 . Não há como defini-lo de maneira rígida,
como o reconhecem os autores que mais proficientemente estudaram o assunto 5 .
1
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 720.
2
BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O poder de polícia fiscal. Belo Horizonte: Mandamentos. 2001.
p.37.
3
TÁCITO, Caio. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 1975. p. 138.
4
Idem. O poder de polícia e seus limites. Revista de Direito Administrativo, nº 27. Rio de Janeiro.
1952. p. 1.
5
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. 4. ed. Rio de Janeiro:
Livraria Freitas Bastos, 1956, v.III. p. 5.
13
Importante referir desde já que no poder de polícia a idéia predominante é a vedação
de um comportamento 6 .
O designativo poder de polícia é criticado por alguns autores, pois além de
representar um retrocesso ao Estado de Polícia que antecedeu ao Estado de Direito,
engloba situações distintas, como leis e atos administrativos, gerando confusões e
reconhecendo à Administração poderes incompatíveis com o Estado de Direito.
Nesse sentido, Sunfeld 7 não poupa críticas à expressão:
Não convém falar em poder de polícia porque ele: a) remete a um poder – o
de regular autonomamente as atividades privadas – de que a Administração
dispunha antes do Estado de Direito e que, com sua implantação, foi
transferido para o legislador; b) está ligada ao modelo do Estado liberal
clássico, que só devia interferir na vida privada para regulá-la
negativamente, impondo deveres de abstenção, e, atualmente, a
Constituição e as leis autorizam outros gêneros de imposição; c) faz supor a
existência de um poder discricionário implícito para interferir na vida privada
que, se pode existir em matéria de ordem pública – campo para o qual o
conceito foi originalmente cunhado – não existe em outras, para as quais a
doutrina transportou-o acriticamente, pela comodidade de seguir usando
velhas teorias.
O mesmo autor propõe a substituição do problemático termo “poder de
polícia” pela expressão “administração ordenadora”, por ele definida como a parcela
da função administrativa, desenvolvida com o uso do poder de autoridade, para
disciplinar, nos termos e para os fins da lei, os comportamentos dos particulares no
campo de atividade que lhe é próprio 8 . Isso fortalece o princípio da legalidade
aplicado à Administração Pública. Cretella Júnior 9 , porém, observa que, embora
venha sendo entendida de diversas maneiras desde que surgiu na primeira metade
do século XIX, pois os elementos que constituem a denominação são suscetíveis de
significados diferentes, a expressão poder de polícia foi universalmente aceita e é
empregada em todas as obras que versam sobre o tema.
6
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 720.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. 1. ed. 2. tiragem. São Paulo: Malheiros.
1997. p. 17.
8
Ibidem. p. 19-20.
9
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo do Brasil. v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1961. p. 45.
7
14
Para Grau 10 , o exercício do poder de polícia é expressão de um dever-poder,
o qual, contudo, o quanto expressa de poder, especialmente, está conformado com
a legalidade. No mesmo sentido vai o pensamento de Freitas 11 :
Destarte, imperioso é repensar o poder de polícia administrativa ou a
limitação administrativa como o exercício de um poder-dever subordinado
aos princípios superiores regentes da Administração Pública, que consiste
em restringir ou limitar, de modo gratuito e, sobretudo, preventivo, a
liberdade e a propriedade, de maneira a obter, mais positiva do que
negativamente, uma ordem pública capaz de viabilizar e de universalizar a
coexistência das liberdades.
Beznos 12 também faz uma análise da crise da noção de polícia administrativa,
mas a defende e, ao final, a conceitua da seguinte forma:
Polícia administrativa é a atividade administrativa, exercitada sob previsão
legal, com fundamento numa supremacia geral da Administração, e que tem
por objeto ou reconhecer os confins dos direitos, através de um processo,
meramente interpretativo, quando é derivada de uma competência
vinculada, ou delinear os contornos dos direitos, assegurados no sistema
normativo, quando resultante de uma competência discricionária, a fim de
adequá-los aos demais valores albergados no mesmo sistema, impondo
aos administrados uma obrigação de não fazer.
No entanto, Lima 13 ensina que:
A nosso ver, a melhor conceituação consistirá simplesmente em significarse que a polícia é a contraparte da justiça. A justiça opera, no campo das
relações sociais, a realização concreta da regra jurídica, aplicando-a,
cogente e terminativamente, a cada caso sujeito. À polícia, ao revés,
incumbe criar as condições gerais indispensáveis, para que os indivíduos,
em ordem e harmonia, logrem conduzir, através do convívio quotidiano o
desenvolvimento de suas relações sociais, independente de coação em
cada caso concreto.
Caetano 14 define Polícia como “modo de atuar da autoridade administrativa
que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer
perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem ou
generalizem os danos sociais que a lei procura intervir”. Essa definição difere da que
10
GRAU, Eros Roberto. Poder de polícia: função administrativa e princípio da legalidade: o chamado
“direito alternativo”. Revista Trimestral de Direito Público. n. 1. São Paulo. 1993. p. 90.
11
FREITAS, Juarez. Estudos de direito administrativo. 1. ed. São Paulo: Malheiros. 1997. p. 56
12
BEZNOS, Clóvis. Poder de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1979. p.76.
13
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. Porto Alegre. 1964. p. 106.
14
CAETANO, Marcelo. Princípios fundamentais do direito administrativo. 1. ed. Rio de Janeiro.
Forense. 1977. p.339.
15
no Brasil o art. 78 do Código Tributário Nacional, com a redação dada pelo Ato
Complementar n.º 31, apresenta do “Poder de Polícia” 15 . É importante referir que o
Código Tributário Nacional traz o conceito legal de polícia administrativa no seu art.
78, que assim dispõe:
Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,
limitando ou disciplinado direito, interesse, ou liberdade, regula a prática de
ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à
segurança, à higiene, à ordem, ao costumes, à disciplina da produção e do
mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao
respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. 16
Para o Código Tributário Nacional, o poder de polícia representa fato gerador
da taxa de polícia. Mas a diferença não é essencial. E não se pode perder de vista
que o Código Tributário não tem de se preocupar com uma definição científica da
Polícia, cumprindo-lhe apenas exprimir, em termos práticos, de forma mais acessível
possível, o que deva entender-se por “Poder de Polícia” como fato gerador de
taxas 17 .
Cumpre salientar que Cretella Júnior 18 observa que a expressão poder “de”
polícia não se confunde com poder “da” polícia, porque a polícia pode agir, no caso
concreto com todo o aparelhamento que dispõe devido a potestas que lhe outorga o
poder “de” polícia. O poder “de” polícia é que fundamenta o poder “da” polícia. Com
base nisso, ensina que o poder “da” polícia sem o poder “de” polícia seria arbitrário,
verdadeira ação policial divorciada do Estado de Direito. Por fim, ensina que poder
de polícia é a faculdade discricionária do Estado de limitar a liberdade individual, ou
coletiva, em prol do interesse público. A polícia é um sistema de restrições que limita
a liberdade individual. A polícia não é inimiga da liberdade: é uma garantia das
liberdades individuais 19 .
Lima 20 ensina que:
15
CAETANO, Marcelo. Op. cit., p.339.
BRASIL. Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em: 16 set. 2008.
17
CAETANO, Marcelo. Op. cit., p.339-340.
18
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense.
1999. p. 547-549.
19
CAETANO, Marcelo. Op. cit., p.336.
20
LIMA, Ruy Cirne. Op. cit., p. 106.
16
16
[...] as limitações que pode o poder público impor ao exercício dos direitos
individuais [...] São as que resultam da intervenção reguladora da
administração pública, reclamada pelas próprias contingências do tempo,
do espaço e do convívio em sociedade, para tornar possível o exercício dos
direitos individuais concorrentemente assegurados a todos os nacionais e a
todos os estrangeiros residentes no país. A essa intervenção reguladora da
administração pública chama-se polícia.
E acrescenta:
Tem a polícia administrativa por objeto a preservação daquelas demais
condições que, juntamente com a ordem pública, são essenciais à vida do
indivíduo e do agregado social, e ainda à existência mesma do Estado. 21
No mesmo sentido, afirma Freitas 22 :
O poder de polícia é apenas o meio ou instrumento de que dispõe o Poder
Público de tornar possível o exercício simultâneo dos direitos individuais
daqueles que, nacionais ou estrangeiros, encontram-se sob a sua
jurisdição.
Enquanto que de acordo com Mello:
Através da Constituição e das leis os cidadãos recebem uma série de
direitos. Cumpre, todavia, que o seu exercício seja compatível com o bemestar social. Em suma, é necessário que o uso da liberdade e da
propriedade esteja entrosado com a utilidade coletiva, de tal modo que não
implique uma barreira capaz de obstar à realização dos objetivos
23
públicos.
Em face de todo o exposto, pode-se definir a polícia administrativa como a
atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de
condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a
liberdade e a propriedade dos indivíduos. Isso se dá mediante ação ora
fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos
particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conforma-lhes os
comportamentos aos interesses sociais no sistema normativo 24 .
Para Freitas, a definição de poder de polícia consiste em considerá-la como
qualquer restrição ou limitação coercitiva e privativamente imposta pelo Estado à
21
Ibidem. p. 114.
FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 55.
23
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 705.
24
Ibidem. p. 724.
22
17
esfera de atuação privada, colimando viabilizar, ordenadamente, o convívio de
múltiplos exercícios de iniciativas particulares, não raro antagônicas entre si 25 .
Afirma-se, ainda, que ela “promove, destarte, a polícia o bem individual e o bem
social e, ainda, a própria utilidade pública, porque, sob esse aspecto, a proteção ao
indivíduo e ao agregado é essencial à existência da sociedade, bem em si
mesma” 26 . Importante destacar que o ato emanado do poder de polícia é um ato
administrativo, com algumas peculiaridades.
Por fim, cumpre diferenciar o exercício do poder de polícia e o serviço público.
A principal diferença é que o poder de polícia tem um caráter limitador que o serviço
público não tem. Assim, em caso de conflito, é a atividade estatal que deve regular o
equilíbrio entre o interesse individual e o bem comum, visto que o convívio pacífico
da sociedade é o que justifica o poder de polícia administrativo.
2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTADORES
A atuação administrativa está condicionada à observância dos princípios
constitucionais, dos princípios de direito público e dos princípios administrativos. Ao
poder de polícia, portanto, são aplicados também todos os princípios aplicáveis à
função administrativa. Considerando, no entanto, no âmbito desta monografia, faz-se
a análise dos princípios considerados de maior relevância em um Estado
Democrático de Direito.
2.2.1 Legalidade
O Princípio da Legalidade é condição para a existência de um Estado de
Direito, que é o estado politicamente organizado, onde nenhum sacrifício ou
restrição pode ser imposto ao cidadão sem previsão em lei. Sendo o ato de polícia
25
26
FREITAS, Juarez. Op. cit., p. 55.
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. Porto Alegre. 1964. p. 107.
18
um ato administrativo, ele se subordina às normas que regem a Administração
Pública, inclusive quanto à observância ao princípio da legalidade.
Na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza; o
administrador público somente pode fazer o que está expressamente autorizado em
lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade
subjetiva 27 . Sundfeld 28 ensina que inexiste poder para a Administração Pública que
não seja concedido por lei, o que ela não concede expressamente, veda
implicitamente. E acrescenta:
De outro lado, não pode a lei conceder ao administrador “poderes
inespecíficos, indeterminados, totais”, sob pena de pôr em xeque a
globalidade do sistema jurídico, destruir a separação de funções e
comprometer os direitos constitucionais dos indivíduos.
Para Meirelles 29 , a “eficácia de toda a atividade administrativa está
condicionada ao atendimento da lei”, e acrescenta: “na Administração Pública não
há liberdade nem vontade pessoal”. Já para Lima 30 , a Lei é um dos limites do poder
de polícia:
[...] na idéia de garantia de um direito, vai implícita a possibilidade de
limitação desse direito ou do respectivo exercício. São, realmente, os
direitos individuais suscetíveis de limitação em seu exercício. Consistirá a
limitação em restrição consentida pelo indivíduo, ou provirá, talvez, de
norma ou ato do poder público. Umas e outras, contudo, hão de conservarse dentro da medida, que a ordem jurídica prefixa. A lei garante, nessa
medida, os direitos individuais contra o próprio indivíduo; a Constituição
garante-os contra o poder público.
Porém, é impossível o legislador prever e normatizar todas as situações
criadas no caso concreto. O Administrador, no entanto, não pode se desincumbir de
solucionar os problemas vivenciados pelos administrados sem previsão legal. Por
isso, caberá à Administração o dever de apreciar discricionariamente inúmeras
situações para implementar a finalidade legal.
A atividade da polícia administrativa é multiforme, imprevisível, não pode ser
delimitada em todos os setores em que atua, por isso certa flexibilidade ou a livre
27
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas. 2001. p. 300.
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 29.
29
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. 2. tiragem. São Paulo: Revista
dos Tribunais. 1991. p.78.
30
LIMA, Ruy Cirne. Op. cit., p. 105.
28
19
escolha dos meios é inseparável da polícia 31 . Importante grifar que não se pode
confundir ato discricionário com ato arbitrário. Aquele é o ato praticado nos limites da
lei e este ato praticado contra a lei. No mesmo sentido, está o ensinamento de
Cavalcanti 32 :
Por isso mesmo que revestidas de caráter discricionário, as medidas de
polícia não precisam estar predeterminadas péla lei. Elas se compreendem
perfeitamente dentro de uma certa maneira de agir, limitada apenas pelos
direitos e garantias asseguradas expressamente pela legislação.
Figueiredo 33 , apesar de reconhecer o princípio da legalidade como conquista
do Estado de Direito, a fim de que os cidadãos não se submetam ao abuso de
poder, pondera não ser possível, diante do ordenamento jurídico, e não apenas de
simples leis, omitir-se o administrador solver a questão que lhe for posta por
entender faltar norma expressa, desde que – como já acentuado – tal integração não
leve à imposição de sanções. O ato de polícia deve observar o princípio da
legalidade, pois este é uma garantia de respeito aos direitos individuais que o
cidadão tem. Isso ocorre porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, limita a
atuação administrativa em benefício da sociedade.
2.2.2 Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade atua no âmbito do direito administrativo
como princípio geral do direito de polícia 34 . Ele deriva, de certo modo, do poder de
coerção que dispõe a Administração Pública ao praticar atos de polícia 35 . Importante
salientar que esse princípio não está previsto de forma explícita na Constituição da
República de 1988; além de inserir-se na Carta Maior junto aos demais princípios
norteadores de interpretação de suas normas, decorre, de forma implícita, do
princípio do devido processo legal em sua dimensão material ou substantiva,
31
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., 1999. p. 556.
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Op. cit., p.10.
33
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p.40.
34
CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina. 1991. p.386.
32
20
previsto no artigo 5º, LV, da Carta Federal. Tem-se, assim, que o princípio da
proporcionalidade é imprescindível à concepção de um Estado Democrático de
Direito.
Também a nossa Corte Suprema vem reconhecendo reiteradamente a
existência desse princípio, de forma expressa, desde o julgamento do primeiro
acórdão proferido em sede de controle de constitucionalidade, em 1993. Nesse
acórdão, o Iminente Ministro Relator decidiu que a lei, obrigando a pesagem de
botijões de gás à vista do consumidor no ato da compra e venda, constituía violação
ao princípio de proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos 36 .
Não é suficiente o ato do poder de polícia estar previsto em lei, é necessário
que ele cumpra a finalidade legal para a qual foi instituído, sendo esse limite
delineado pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Schmitt 37 refere
que proporcionalidade significa verificar se o fim é legítimo, se os meios utilizados
para atingir os fins propostos são adequados e necessários e se, efetivamente, foi
proporcional o tratamento desigual de direitos em relação aos fins obtidos.
Importante destacar que, embora os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade representem limites à discricionariedade da administração. Há
diferença entre eles, não se podendo considerar sinônimos. Isso porque a
razoabilidade é princípio material, substantivo, ao passo que a proporcionalidade
tem
conotação
adjetiva,
operacional,
podendo-se
defini-la
como
princípio
instrumental ao princípio da razoabilidade. Esta distinção está muito clara na Lei
Federal nº 9784/99, cujo artigo 2º os enumera de forma individualizada.
Para a validade do ato do poder de polícia, mister é a observância dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além, é claro, da previsão legal,
tendo-se presente que a adequação a estes princípios é requisito de validade de
qualquer ato da Administração Pública.
Bonavides 38 , ao comentar o princípio da proporcionalidade, refere que:
35
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 6. ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Juris. 2000. p. 62.
36
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC 855/PR. Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence Julgamento: 01/07/1993. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 01
out. 2008.
37
SCHMITT, Rosane Heineck. Direito à informação-liberdade de imprensa x direito à privacidade. In:
A Constituição concretizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000. p. 216-217.
21
Em verdade, trata-se daquilo que há de mais novo, abrangente e relevante
em toda a teoria do constitucionalismo contemporâneo; princípio cuja
vocação se move sobretudo no sentido de compatibilizar a consideração
das realidades não captados pelo formalismo jurídico, ou por este
marginalizadas, com as necessidades atualizadores de um Direito
Constitucional projetado sobre a vida concreta e dotado da mais larga
esfera possível de incidência – fora portanto, das regiões teóricas
puramente formais e abstratas.
E infere que o princípio da proporcionalidade é utilizado com crescente
assiduidade para aferição da constitucionalidade dos atos do Estado, como
instrumento de proteção dos direitos fundamentais.
Sunfeld 39 considera inconstitucional lei que imponha limites a direito sem a
observância do princípio da proporcionalidade, in verbis:
É inconstitucional a restrição imposta pela lei aos direitos dos indivíduos
quando, às perguntas: “por que ela foi instituída?” ou “porque tem essa
intensidade?”, a resposta não for senão: “porque o legislador assim quis”. O
interesse público e o proveito social – identificáveis a partir de padrões de
razoabilidade – são a única justificativa possível para os atos do Estado. A
vontade do legislador não tem valor por si, mas apenas na medida em que,
observados os limites da ordem jurídica, vem pautada nos padrões
conhecidos de racionalidade.
Faria 40 assevera que os atos decorrentes do poder de polícia, por serem atos
jurídicos da especialidade atos administrativos, estão sujeitos às mesmas condições
de validade dos atos administrativos em geral. Por isso, além dos cinco elementos
do administrativo, deve-se observar também a proporcionalidade entre a restrição
imposta ao particular e o benefício social pretendido e também a proporcionalidade
entre o dano causado pelo infrator da norma administrativa e a sanção imposta ao
agente, sob pena de nulidade do ato.
Para Meirelles 41 , a proporcionalidade entre e restrição imposta pela
Administração Pública e o benefício social almejado constitui requisito de validade
do ato de polícia, in verbis:
Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a
coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela
desproporcionalidade da medida. Desproporcional é também o ato de
38
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. 2.tiragem. São Paulo: Malheiros.
2003. p. 434.
39
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 70.
40
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo positivo. 2. ed. Belo Horizonte: Del
Rey. 1999. p. 204.
41
MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p.119.
22
polícia que aniquila a propriedade ou atividade, a pretexto de condicionar o
uso do bem ou de regular profissão.
Para o ato de polícia ser legítimo, deve-se observar a adequação entre os
meios e os fins atingidos, banindo-se medidas que ultrapassem o estritamente
necessário. Portanto, não basta que a imposição de limites a direitos esteja prevista
em lei, imprescindível é a observância da legitimidade da norma, mediante a
apuração da finalidade almejada.
O princípio da proporcionalidade, por conseguinte, é um mecanismo capaz de
controlar o os atos do Poder Executivo, a fim de evitar o abuso de poder, razão de
sua necessária observância quando do exercício do poder de polícia pela
administração pública.
Feitas essas considerações acerca dos princípios, passo ao exame das
características do denominado Poder de Polícia.
2.3 CARACTERÍSTICAS
Em relação às características do poder de polícia, a doutrina diverge quanto à
sua terminologia, alguns preferindo chamá-las de características e, outros, de
atributos, como se demonstra a seguir. As primeiras são características, o que se
adota nesta monografia, destacando-se que há também divergência quanto à
enumeração dos atributos.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello 42 são características do poder de
polícia a discricionariedade e a executoriedade. Posição diversa tem Maria Sylvia
Zanella Di Pietro 43 e Hely Lopes Meireles 44 , que defendem que são atributos a
discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade. Adoto esta última
posição.
Importante referir o ensinamento de Freitas sobre as características nucleares
do poder de polícia administrativa:
42
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p.723-729.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19.ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 130132.
43
23
A limitação dos direitos individuais, sob pena e se converter em condenável
abuso de poder, precisa cingir-se à legalidade, jamais ultrapassando os
limites razoáveis de uma intervenção que se quer proporcional. Esta é a
razão para que se deva controlar (interna e externamente) tais restrições,
que se impõem aos particulares, não apenas sob o ângulo da legalidade,
senão que também sob o da moralidade, o da economicidade e dos demais
45
princípios que ocupam o ápice da hierarquia constitucional.
2.3.1 Auto-executoriedade
Normalmente, os indivíduos têm que se utilizar da tutela jurisdicional para a
solução de conflitos, por não ser possível, em geral, a execução forçada, salvo
quando a lei expressamente autorizar. Os atos de polícia, na maioria das vezes, são
dotados de auto-executoriedade, isto é, a Administração Pública promove a
execução por si só, sem precisar se socorrer do Poder Judiciário.
Faria 46 ensina que os atos administrativos em geral podem ser executados
sem a interferência do Poder Judiciário. Os atos decorrentes do poder de polícia se
inserem entre os atos auto-executáveis. A regra é a de que a Administração impõe
os atos de polícia e os executa diretamente, sem a colaboração do Judiciário.
Meirelles 47 tem um posicionamento bastante abrangente em favor da autoexecutoriedade dos atos da Administração. Para ele, só em casos excepcionais a
Administração deve se valer da tutela jurisdicional, in verbis:
Com efeito, no uso desse poder, a Administração impõe diretamente as
medidas ou sanções de polícia administrativa, necessárias à contenção da
atividade anti-social que ela visa obstar. Nem seria possível condicionar os
atos de polícia à aprovação prévia de qualquer outro órgão ou poder
estranho à Administração. Se o particular se sentir agravado em seus
direitos, sim, poderá reclamar, pela via adequada, ao Judiciário, que
intervirá oportunamente para a correção de eventual ilegalidade
administrativa ou fixação da indenização que for cabível.
Mello 48 , no entanto, tem uma visão mais ponderada. Entende esse autor que
a auto-executoriedade do ato de polícia pode se dar em três diferentes hipóteses,
quais sejam:
44
MEIRELLES, Hely Lopes Op. cit., p.114-117.
FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 1. ed. São Paulo: Malheiros. 1997. p. 5455.
46
FARIA, Edimur Ferreira de. Op. cit., p. 202.
45
24
a) quando a lei expressamente autorizar;
b) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse
público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento judicial
sem sacrifício ou risco par a coletividade;
c) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do
interesse público que a Administração está obrigada a defender em
cumprimento à medida de polícia.
Porém, adverte Sunfeld 49 que a executoriedade não se confunde com a
exigibilidade.
A
exigibilidade
é
a
faculdade
de
impor
a
obediência,
independentemente da concordância do particular, enquanto que a executoriedade
do ato é admitir o uso da coação para fazê-lo cumprir. Entretanto, alguns autores,
como, por exemplo, Di Pietro 50 , desdobram a auto-executoriedade em exigibilidade e
executoriedade. A exigibilidade configura-se pela possibilidade que tem a
administração de tomar decisões executórias, independentemente da análise
preliminar do Poder Judiciário, sendo essas impostas ao particular ainda que
contrárias a sua vontade. São denominados, meios indiretos de coerção. Já a
executoriedade, no entanto, é a possibilidade que tem a Administração de realizar
diretamente execução forçada que independe do poder judiciário, denominado meio
direto de coerção, autorizada, se necessário, a força pública obrigar o particular
cumprir a decisão.
Os doutrinadores que fazem essa divisão entendem que a exigibilidade é a
regra na atuação do poder de polícia. Todavia, a executoriedade exige algumas
peculiaridades, como a expressa autorização legal ou o caráter urgente da medida,
sob pena de ocasionar prejuízo ao interesse público se tivesse que se submeter à
demora natural da prestação jurisdicional. Carvalho Filho afirma que a autoexecutoriedade não é inerente a todos os atos administrativos:
A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem
dependência à manifestação judicial, é que representa a autoexecutoriedade. Tanto é auto-executória a restrição imposta em caráter
geral, como a que se dirige diretamente ao indivíduo, quando, por exemplo,
comete transgressões administrativas. É o caso da apreensão de bens,
interdição de estabelecimentos e destruição de alimentos nocivos ao
consumo público. Verificada a presença dos pressupostos legais do ato, a
Administração pratica-o imediatamente e o executa de forma integral. Esse
o sentido da auto-executoriedade. Impõe-se, ainda, duas observações. A
primeira consiste no fato de que há atos que não autorizam a imediata
47
MEIRELLES, Hely Lopes Op. cit., p.115-116.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit.,p.729.
49
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 82-83.
50
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p.132.
48
25
execução pela Administração, como é o caso das multas, cuja cobrança só
é efetivamente concretizada pela ação própria na via judicial. A outra é que
a auto-executoriedade não deve constituir objeto de abuso de poder, de
modo que deverá a prerrogativa compatibilizar-se com o princípio do devido
processo legal para o fim de ser a Administração obrigada a respeitar as
51
normas legais.
2.3.2 Discricionariedade
Outra característica que se costuma atribuir à polícia administrativa é a de
que a mesma consiste numa faculdade discricionária da Administração 52 . A
Administração Pública goza de diversos poderes e prerrogativas para garantir a
busca do interesse público. Esses poderes estão limitados pela previsão legal, pelo
princípio da legalidade, que serve para impedir abusos de poder por parte dos
administradores públicos.
Ato discricionário é aquele em que o administrador público pode optar por
mais de um comportamento previsto em lei. Há margem de liberdade para que ele
possa atuar, porém, dentro do limite legal, ou seja, o ato de polícia tem de estar de
acordo com a lei. Nem sempre a lei conferirá ao administrador margem para atuar,
mas quando tiver, terá que optar entre as possíveis soluções valendo-se de
conveniência e oportunidade.
Ensina Cretella Júnior 53 :
O poder de polícia informa todo o sistema de proteção que funciona, em
nossos dias, nos Estados de direito. Devendo satisfazer a tríplice objetivo,
qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança, a salubridade
públicas, é a competência para impor medidas que visem tal desideratum. É
a faculdade discricionária da Administração de limitar as liberdades
individuais em prol do interesse coletivo.
E aduz ainda: “o poder de polícia é uma das faculdades discricionárias do
Estado, visando à proteção da ordem, da paz e do bem-estar sociais.”
Meirelles 54 sustenta que:
51
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., 2000. p. 61.
BEZNOS, Clovis. Op. cit., p.25.
53
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., 1961. p. 52-54.
54
MEIRELLES, Hely Lopes Op. cit.,p.115.
52
26
A discricionariedade, como já vimos, se traduz na livre escolha, pela
Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de
polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes
a tingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Neste
particular e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos
limites legais, e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é
atribuída, a discricionariedade é legítima.
Porém, ressalva: “observa-se que o ato de polícia é, em princípio,
discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer
o modo e forma de sua realização” 55 .
Silva 56 ensina que
a doutrina, é certo, firmou já a orientação de que a discricionariedade é
sempre relativa e parcial, porque quanto à competência, à forma e à
finalidade do ato, a autoridade está sempre subordinada ao que a lei
dispõe; são eles, pois, aspectos vinculados ao ato discricionário, pelo que
só se verifica quanto ao motivo e ao objeto do ato.
Para Figueiredo 57 , o que diferencia os atos discricionários dos vinculados é
que este é praticado quando o administrador está diante de conceitos
unissignificativos, isto é, conceitos que admitem solução única. De outra parte,
discricionários são os atos em que o administrador tem opções diferentes, e
independentemente da qual for escolhida, haverá o cumprimento da norma legal.
Embora a discricionariedade esteja presente na maior parte das medidas de
polícias, nem sempre ela ocorre. Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade
para o administrador quanto à apreciação de determinados elementos, como o
motivo ou o objeto do ato, ou até mesmo porque ao legislador não é dado prever
todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia. Porém, em outras
hipóteses, a lei estabelece que diante de determinadas condições, a Administração
terá que adotar solução prevista em lei, sem qualquer possibilidade de escolha 58 .
Tácito 59 leciona que:
55
Ibidem. p.115.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros.
2005. p.428.
57
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2000.
p.190.
58
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 130-131.
59
TÁCITO, Caio. O poder de polícia e seus limites. Revista de Direito Administrativo nº 27. Rio de
Janeiro. 1952. p. 9.
56
27
O exercício do poder de polícia pressupõe, inicialmente, uma autorização
legal explícita ou implícita atribuindo a um determinado órgão ou agente
administrativo a faculdade de agir. [...] Na escolha dos meios de ação
administrativa, ou seja, no tocante ao objeto, está igualmente limitado o
poder de polícia. Embora decididas discricionariamente da oportunidade ou
conivência das medidas administrativas ou mesmo da forma de sua
materialização, deve a autoridade se utilizar de meios compatíveis com a
lei.
Importante salientar, como dito anteriormente, que o ato discricionário deve
ser praticado nos limites da lei, e, preenchidos todos os seus requisitos, não ser
confundido com ato arbitrário, que é contrário à lei e, no entanto, um ato inválido.
2.3.3 Coercibilidade
Também é característica da restrição ou limitação policial o de ser imposta
pela administração coercitivamente, quer dizer, podendo a administração usar da
força para executá-la 60 . Essa característica estampa o grau de imperatividade de
que se revestem os atos de polícia. Se a atividade do Poder Público corresponder a
um poder decorrente do ius imperii, há de ser desempenhada de forma a obrigar
todos a observarem os seus comandos 61 .
A coercibilidade é a característica do ato de polícia de ser obrigatório
independentemente da vontade do administrado. É o aspecto indissociável da autoexecutoriedade, sendo, para alguns autores, confundíveis. Di Pietro 62 ensina que “o
ato de polícia só é auto-executório porque dotado de força coercitiva.”
Meirelles 63 define como a coercibilidade como imposição coativa das medidas
adotadas pela Administração, e acrescenta:
Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a
coerção estatal para torná-lo efetivo, e essa coerção também independe de
autorização judicial. É a própria Administração que determina e faz executar
as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato
ou aplicação da penalidade administrativa resultante do poder de polícia.
Porém, adverte:
60
LIMA, Ruy Cirne. Op. cit., p. 108.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 61.
62
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p.132.
61
28
O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego de força
física quando houver oposição do infrator, mas não legaliza a violência
desnecessária ou desproporcional à resistência, que em tal caso pode
caracteriza o excesso de poder e o abuso de autoridade nulificadores do ato
praticado e ensejadores das ações civis e criminais para reparação do dano
e punição dos culpados.
Portanto, os atos oriundos do poder de polícia são cogentes, isto é, obrigam
todos que a ele se subordinem, ainda que contrarie interesses privados, porquanto
autorizado pelo atendimento do interesse coletivo.
2.3 LIMITES DO PODER DE POLÍCIA
Os limites do poder de polícia são demarcados pelo interesse social em
consonância com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição
da República 64 . O poder de polícia só é legítimo quando observar a garantia dos
direitos fundamentais do indivíduo. Em nenhuma hipótese, pode o ato de poder de
polícia ser incompatível com a proteção constitucional dos direitos fundamentais
assegurados no art. 5º da Carta Maior. Para Tácito 65 ,
a coexistência da liberdade individual e do poder público repousa na
conciliação entre a necessidade de respeitar essa liberdade e a de
assegurar a ordem social. O requisito de conveniência ou de interesse
público é, assim, pressuposto necessário à limitação dos direitos do
indivíduo.
É na conciliação da necessidade de limitar ou restringir a liberdade individual
e da propriedade particular com os direitos fundamentais que se encontram os
limites do poder de polícia. Assim, mesmo que a pretexto do exercício dessa
atribuição, não se pode aniquilar os mencionados direitos 66 . Vale referir que tanto o
exercício do poder de polícia quanto os direitos fundamentais dos cidadãos são
63
MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p.117.
MEIRELLES, Hely Lopes Op. cit., p.113.
65
TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 10.
66
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 125.
64
29
limitados pelos princípios estabelecidos pela Constituição da República. Sunfeld
coloca:
Todo condicionamento é constrangimento sobre a liberdade. Esta, sendo
valor protegido pelo Direito, só pode ser comprimida quando inevitável para
a realização de interesses públicos. Daí a enunciação do princípio da
mínima intervenção estatal na vida privada. Por força dele todo o
constrangimento imposto aos indivíduos pelo Estado deve justificar-se pela
necessidade de realização do interesse público. o legislador não pode
cultivar o prazer do poder pelo poder, isto é, constranger os indivíduos sem
que tal constrangimento seja teleologicamente orientado. 67
Cretella Júnior 68 ensina que “se os limites assinalados para o campo do poder
de polícia são ultrapassados temos o desvio, o abuso ou o excesso de poder”. Como
todo ato administrativo, o ato de polícia encontra limites, pois só pode ser exercido
para atender o interesse público. Sunfeld 69 afirma que o interesse público, que tem
prioridade em relação ao particular é apenas o que a lei assim tenha definido.
O poder de polícia constitui uma limitação à liberdade individual, mas tem por
fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais ao homem 70 . É
fundamento do poder de polícia o interesse social, porém não exclui a proteção ao
direito individual; pelo contrário, objetiva a convivência harmônica entre o interesse
público e o individual. É da necessidade da convivência harmônica dos direitos
individuais dos cidadãos que a Administração Pública, em nome supremacia do
interesse público, é dotada de prerrogativas que a possibilitam que se adentre na
esfera dos interesses privados.
Isso posto, examina-se a seguir o poder de polícia e os Tribunais de Contas.
67
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 31.
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 551.
69
SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 31.
70
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Op. cit., p.7.
68
30
3 PODER DE POLÍCIA E OS TRIBUNAIS DE CONTAS
No Estado de Direito, a Administração Pública sujeita-se a múltiplos controles
a fim de impedir que se desgarre de seus objetivos, que desatenda às balizas legais
e ofenda interesses públicos ou dos particulares 71 . A Constituição da República
prevê duas espécies de controles da Administração Pública, o controle interno,
previsto no artigo 74 e o controle externo, previsto nos artigos 70 e 71. Este controle
é exercido pelos Tribunais de Contas e pelo Congresso Nacional. Meirelles 72 ensina
que:
O controle externo visa comprovar a probidade da Administração e a
regularidade da guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros
públicos, assim como a fiel execução do orçamento. É, por excelência, um
controle político e de legalidade contábil e financeira, o primeiro aspecto a
cargo do Legislativo; o segundo, do Tribunal de Contas.
Para o âmbito desta monografia, é analisado o controle externo exercido
pelos Tribunais de Contas. O Tribunal de Contas é um órgão colegiado existente em
diversos países para a fiscalização das contas públicas, destacando-se que há
outros modelos de fiscalização, como o de auditoria-geral, freqüente em países de
origem anglo-saxônica. O Brasil, contudo, adotou o modelo de Cortes colegiadas,
cabendo frisar que o modelo constitucional traçado ao Tribunal de Contas da União
deve ser observado pelos tribunais de contas dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios, que terão funções idênticas no âmbito de suas esferas, conforme dispõe
art. 75 da Constituição da República, in verbis:
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à
organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos
Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de
Contas dos Municípios.
Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de
Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros. 73
71
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., 2003. p. 801.
MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p.599.
73
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
72
31
3.1 TRIBUNAIS DE CONTAS
O controle externo é desempenhado por órgão alheio à estrutura de ente
controlado, buscando efetivar mecanismos com vistas a garantir a plena eficácia das
ações de gestão governamental. A administração pública deve ser fiscalizada na
gestão dos interesses da sociedade, assegurando a atuação em consonância com
os princípios impostos pelo ordenamento jurídico 74 .
O controle externo da administração pública é efetuado pelo Poder Legislativo
com auxílio do Tribunal de Contas. Os dois são órgãos autônomos, com
competências distintas e definidas na Constituição da República.
3.1.1 Histórico
A Constituição do Império de 1824, a primeira do Brasil, não previu as Cortes
de Contas. Bueno, no entanto, ao comentar o artigo 172 da Constituição do Império,
qual seja:
Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros
Ministros os orçamentos relativos ás despezas das suas Repartições,
apresentará na Camara dos Deputados annualmente, logo que esta estiver
reunida, um Balanço geral da receita e despeza do Thesouro Nacional do
anno antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despezas
publicas do anno futuro, e da importancia de todas as contribuições, e
rendas publicas. 75
Ensina que já era necessária a criação de uma Corte de Contas, in verbis:
É de suma necessidade a criação de um tribunal de contas, devidamente
organizado, que examine e compare a fidelidade das despesas com os
créditos votados, as receitas com as leis do impôsto, que prescrute e siga
pelo testemunho de documentos autênticos em todos os seus movimentos
a aplicação e emprêgo dos valores do Estado, e que enfim possa assegurar
74
GUERRA, Evandro Martins. Os controles externo e interno da Administração Pública e os
Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 29.
75
BRASIL. Constituição do Império de 1824.
32
a realidade e legalidade das contas. Sem esse poderoso auxiliar nada
conseguirão as câmaras. 76
O Tribunal de Contas no Brasil foi instituído por Rui Barbosa, Ministro da
Fazenda do Governo Provisório, pelo Decreto nº 966-A, de 7 de setembro de 1890,
precedido de notável exposição de motivos, in verbis:
O primeiro dos requisitos para a estabilidade de qualquer fôrma de governo
constitucional está em que o orçamento deixe de ser uma simples
combinação formal, como mais ou menos tem sido sempre, entre nós, e
revista o caracter de uma realidade segura, solene, inacessível a
transgressões impunes. [...] É, entre nós, o sistema de contabilidade
orçamentária defeituoso no seu mecanismo e fraco na sua execução. O
Governo Provisório reconheceu a urgência inadiável de reorganizá-lo; e a
medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de
magistratura intermediária à administração e à legislatura, que, colocado em
posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de
garantias - contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais
no organismo constitucional, sem riscos de converte-se em instituição de
77
ornato aparatoso e inútil.
No entanto, o Tribunal de Contas do Brasil, que seguia o sistema belga,
embora criado pelo citado decreto, não pode se instalar, visto que a Comissão
incumbida de elaborar o projeto do respectivo Regulamento foi extinta em 1891, pelo
Ministro da Fazenda sucessor de Rui Barbosa 78 . Porém, a Constituição Republicana
de 1891 criou o Tribunal de Contas, no seu artigo 89, que assim estabelecia:
Art 89 - É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita
e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao
Congresso.
Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República
com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por
sentença. 79
Depois dessa previsão, o Tribunal de Contas passou a compor o texto de
todas as Constituições brasileiras. O artigo 71 da Constituição de República ora
vigente estabelece: “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será
exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, [...]”.
76
BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império.
Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores 1958. p.89.
77
BARBOSA, Rui. Exposição de motivos sobre a criação do TCU. In: Revista do Tribunal de Contas da União. v.30. n.82. out./dez. 1999. p.253-254.
78
CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 200.
79
BRASIL. Constituição da República de 1891.
33
3.1.2 Atribuição
Embora o artigo 71 da Carta Magna dê a entender que o Tribunal de Contas é
um órgão auxiliar do Congresso Nacional, a Corte de Contas é uma instituição
independente. Fernandes 80 entende que:
A função dos tribunais de contas é até hoje pouco compreendida. Está a
Constituição Federal que auxilia o Congresso Nacional; não é órgão
auxiliar, porque julga as contas dos agentes dos três poderes. Julga, sim, e
com todas as letras; não o faz porque houve equívoco na redação da
Constituição Federal, mas porque essa, em respeito à tradição histórica do
Brasil, como de vários outros países, garantiu a possibilidade das contas
serem julgadas por um corpo técnico.
Meirelles 81 ensina que “no controle externo da administração financeira e
orçamentária é que se inserem as principais atribuições dos nossos Tribunais de
Contas, como órgãos independentes, mas auxiliares dos Legislativos e colaborados
dos Executivos”. Nesse sentido, afirma Castro 82 :
De todo o modo, reverente ao regime constitucional deferido à Corte de
Constas por força dos arts. 70 a 75 da Lei Maior, tenho para mim que não
mais condiz com a altitude de suas competências e solenes predicamentos
a noção, um tanto simplista e ultrapassada, de que se trata de um órgão de
mero assessoramento ao Poder Legislativo. Penso que o Tribunal de
Constas deve ser concebido, assim como o Ministério Público com relação
ao Poder Judiciário, como uma Função Essencial do Legislativo.
É na mesma linha de pensamento o entendimento de Medauar 83 :
Daí ser impossível considera-lo subordinado ou inserido na estrutura do
Legislativo. Se a sua função é de atuar em auxílio ao Legislativo, sua
natureza, em razão das próprias normas constitucionais, é a de órgão
independente, desvinculado da estrutura dos três poderes.
80
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Auditorias independentes ou Tribunais de Contas? Fórum
Administrativo. v.2, n.3. Belo Horizonte: Fórum, 2002. p.295.
81
MEIRELLES, Hely Lopes Op. cit., p.599.
82
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A atuação do tribunal de contas em face da separação de poderes do Estado. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
nº38. out./dez. 1997. p.53.
83
MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 473.
34
Britto 84 , também com o mesmo entendimento, afirma que o perfil do Tribunal
de Contas está inserido todo na Constituição, sendo que o recorte de sua silhueta
nasce das pranchetas da Constituição. O Tribunal de Contas não é órgão do poder
legislativo e quem diz isso é a própria Constituição, com todas as letras, quando, no
art. 44, dispõe que o poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se
compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O Poder Legislativo é
formado exclusivamente por essas duas casas legislativas e o Tribunal de Contas
não integra a estrutura formal, orgânica do Congresso Nacional. No mesmo sentido,
já se pronunciou a Suprema Corte:
Não são, entretanto, as Cortes de Contas órgãos subordinados ou
dependentes do Poder Legislativo, tendo em vista que dispõem de
autonomia administrativa e financeira nos termos do art. 73, caput, da
Constituição Federal, que lhes confere as atribuições previstas em seu art.
96, relativas ao Poder Judiciário. 85
As cortes de contas constitucionalmente constituídas são autônomas e
independentes, desvinculadas de qualquer subordinação com os poderes. A relação
existente entre os Tribunais de Contas e o Poder Legislativo é operacional em
situações específicas, não existindo, portanto, qualquer espécie de subordinação.
Assevera Mileski 86 :
Embora organicamente participe do Poder Legislativo, pela sua autonomia e
independência fixada constitucionalmente, tendo em conta competências
específicas que são exercidas sobre os três Poderes do Estado, pode-se
dizer que o Tribunal de Contas sem ser Pode ficou com o poder de fiscalizar
o Poder, agindo em nome do Estado e em favor da sociedade, no sentido
de preservar a regularidade da aplicação dos dinheiros públicos, com
atendimento do interesse público.
A palavra “auxílio” do artigo 71 da Carta Maior deve ser entendida como uma
colaboração, contribuição técnica dos tribunais de contas ao Poder Legislativo. Se
84
BRITO, Carlos Ayres. A real interpretação da instituição Tribunal de Contas. Encontro Nacional
de Conselheiros de Tribunais de Contas. 2001. Anais. Brasília: ATRICON. 2001. p. 31-32.
85
In: JAYME, Fernando G. Tribunal de Contas: jurisdição especial e a prova no procedimento de
julgamento de contas. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Belo Horizonte. v.32. n.3.
p.135-150. jul./set. 1999. p. 136.
86
MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2003.p.205.
35
fosse entendida ao contrário, como órgão subalterno, a instituição não atingiria a sua
finalidade precípua: resguardar a aplicação dos dinheiros públicos.
3.1.3 Competência
O texto constitucional vigente ampliou os aspectos quantitativos e
qualificativos das atribuições do Tribunal de Contas. O artigo 70 da Constituição da
República dispõe:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta,
quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,
mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública
ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros,
bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome
desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. 87
Verifica-se pelo texto do artigo citado que controle é bastante abrangente,
abarcando a administração direta e indireta.
Observa-se que o artigo 37 da Carta Constitucional prevê expressamente que
a Administração Pública é composta pela administração direta e indireta. Reza o
citado artigo: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”.
Nos termos do parágrafo único do artigo 70, “Prestará contas qualquer
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos”, extrai-se o entendimento de que o
controle das Cortes de Contas incide não apenas contas públicas, mas sim sobre
qualquer pessoa ou órgão que tenha gerência sobre dinheiro público. Os Tribunais
de Contas podem realizar inspeções e auditorias de qualquer natureza em órgão e
entidades administrativas da Administração Pública direta e indireta dos três
Poderes.
87
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
36
Figueiredo 88 ensina que “as normas dos arts. 37 e 70 estão em nítida
correlação como todo o corpo da Constituição. Todo o patrimônio da União, todo,
deverá se submeter à fiscalização interna e externa”. E conclui: “destarte, cremos
que não há como deixar de entender estarem as empresas estatais obrigadas dentro
da regra geral do art. 70 do Diploma básico” (grifos no original).
O controle externo efetuado pelas Cortes de Contas, mediante fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional é desenvolvido com
base na legalidade, legitimidade e economicidade. Com se vê, é ampla a
competência dessas Cortes. Figueiredo 89 , ainda, ensina que:
O controle externo deve ser feito não mais visando apenas ao que
chamamos de legalidade formal, mas também no que respeita à
legitimidade, economicidade e razoabilidade; de conseguinte, ao controle
apenas formal sucede o material. Sobretudo agora, que foi acrescentado o
princípio da eficiência aos princípios da Administração Pública.
O controle dos Tribunais de Contas, como dito anteriormente, foi ampliado na
Carta Constitucional de 1988, muito bem expresso no dizer de Meirelles: “não é,
pois, a natureza do órgão ou da pessoa que a obriga a prestar contas; é a origem
pública do bem administrado ou do dinheiro gerido que acarreta para o gestor o
dever de comprovar o seu zelo e bem emprego”.
Mileski 90 classifica as competências dos Tribunais de Contas em:
Próprias porque são peculiares aos procedimentos de controle. Trata-se de
competências que envolvem atividades autênticas de controle, com a
finalidade de vigiar, acompanhar e julgar a regularidade dos atos de
atividade financeira controlados.
Exclusivas porque são competências constitucionais destinadas tãosomente para o Tribunal de Contas e não podem ser exercidas por nenhum
outro órgão ou Poder, mesmo o Poder Legislativo. Embora o controle
externo esteja a cargo do Legislativo, a Constituição estabeleceu o Tribunal
de Contas como órgão executor desse controle, dando-lhe exclusividade de
atuação para o exercício dessa função.
Indelegáveis porque são competências que envolvem atividade de controle
da atividade financeira do Estado, sendo por isso exercício privativo do
Poder Público, cuja execução também é privativa do Tribunal de Contas,
não podendo ser delegadas a qualquer dos Poderes ou a outra
organização, pública ou privada. São competências que só podem e devem
ser exercidas direitamente pelo Tribunal de Contas, sem possibilidade de
delegação a terceiros.
88
89
FIGUEIREDO, Lucia Valle. Op. cit., p.337.
Ibidem. p.337.
37
Destaca-se que o Tribunal de Contas está autorizado, pela Súmula 347 do
Supremo Tribunal Federal, a apreciar a constitucionalidade de lei ou atos
normativos, in verbis: “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode
apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”. Importante frisar
que a Súmula, ao se referir sobre a apreciação de constitucionalidade, autoriza esta
análise apenas no âmbito da eficácia da norma, no sentido de não aplicação de leis
inconstitucionais que embasem aplicação financeira e patrimonial dos entes
fiscalizados, exame que não se confunde com o plano da validade da norma, este de
exclusiva apreciação pelo Poder Judiciário.
Cavalcanti ensina que:
Exerce o Tribunal de Contas o controle de constitucionalidade usando
apenas da técnica de interpretação que conduz a valoração da Lei Maior.
Neste ponto tem aplicado o princípio da supremacia da Constituição. Não
pode, entretanto, anular o ato, nem anular a lei, mas apenas deixar de
aplicá-la por inconstitucional. 91
No mesmo sentido é o ensinamento Fernandes:
Aos Tribunais de Contas não compete a declaração de
inconstitucionalidade de lei, competência essa restrita aos órgãos do poder
judiciário. O que lhes assegura a ordem jurídica, na efetivação do primado
da Constituição Federal no controle das contas públicas, é a inaplicabilidade
da lei que afronta a Magna Carta, pois há que se distinguir entre declaração
de inconstitucionalidade e não aplicação e não aplicação de leis
inconstitucionais, pois esta é a obrigação de qualquer tribunal ou órgão
qualquer dos poderes do Estado. 92
Importante também salientar que a Lei Complementar nº 101, de 5 de maio de
2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, ampliou em muito o campo de atuação das
Corte de Contas. Nas palavras de Medauar:
Nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000, cabe ainda
aos Tribunais de Contas: I – fiscalizar o cumprimento das normas desta Lei;
II – alertar os poderes e órgãos quanto a uma série de deveres aí impostos,
inclusive se o montante de gasto com o pessoal ultrapassar limites fixados,
se houver fatos comprometedores de custos ou resultados de programas e
se existirem indícios de irregularidades na gestão orçamentária; III –
verificar os cálculos dos limites de despesa com pessoal de cada Poder e
órgão; VI – processar e julgar os agentes estatais previstas no art. 5º da Lei
90
MILESKI, Helio Saul. Op. cit., p.255.
CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Op. cit.,p.8.
92
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Op. cit.,p.296.
91
38
10.028, de 19.10.2000, que são as seguintes: deixar de divulgar ou enviar
ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas o relatório de gestão fiscal;
propor lei de diretrizes orçamentárias anual sem as metas fiscais, na forma
da lei; deixar de determinar limitação de empenho e movimentação
financeira, nos casos fixados em lei; deixar de ordenar ou promover medida
para redução da despesa com pessoal, na forma da lei. 93
A Lei de Responsabilidade Fiscal tem o objetivo de controlar os gastos do
Poder Público, buscando evitar o desperdício do dinheiro público, obrigando o
administrador a se planejar nas despesas para zelar pelas finanças públicas.
Portanto, com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Tribunal de Contas,
dentro do âmbito de sua competência conferida pela Constituição da República,
também fará o controle do orçamento do ente fiscalizado, de acordo com
planejamento anteriormente assumido pelo mesmo.
3.2 DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
O Tribunal de Contas, conforme já referido neste estudo, exerce função
fiscalizadora. Porém, ainda, quanto à natureza jurídica de suas decisões doutrina,
não se encontra uníssona.
3.2.1 Natureza jurídica
O Tribunal de Contas possui uma natureza jurídica de difícil definição, como
explanado
anteriormente.
São
autônomos
e
independentes,
não
estando
subordinados a nenhum dos Poderes. Guerra 94 questiona: “onde melhor se
enquadra órgão tribunal de contas, no que tange ao arcabouço constitucional
brasileiro, diante do rol de competências disposto no artigo 71 da Carta de 1988?” e
responde: “entendemos, com arrimo nas mais avançadas doutrinas, que há tempos
93
MEDAUAR, Odete. Op. cit., 2002. p.475.
GUERRA, Evandro Martins. Os controles externos e internos da Administração Pública e os
Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Fórum. 2003. p.61.
94
39
a clássica tripartição elaborada por Montesquieu não resolve as novas questões que
se apresentam, clamando, as mudanças sociais, por novos avanços teóricos”.
Merece destacar que a função desempenhada pelos Tribunais de Contas é
técnica, administrativa. As Cortes de Contas não são dotadas de função judicante.
Não exercem função jurisdicional. Suas decisões não são equiparadas a sentenças.
Suas decisões são proferidas com fundamento técnico-jurídico. Barbosa 95 , ao
comentar o artigo 55 da Constituição de 1891, se manifestou no sentido: “Tribunal é,
mas Tribunal sui generis”.
O Tribunal de Contas exerce uma função jurisdicional especial quando julga
as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores
públicos. Isso porque essas decisões não são passíveis de serem revisadas no seu
mérito pelo Poder Judiciário, salvo quando houver manifesta ilegalidade ou afronta
ao princípio do devido processo legal.
No mesmo sentido é o ensinamento Fernandes 96 :
Ao Judiciário cabe apenas o ‘patrulhamento das fronteiras da legalidade’,
vedado o exame quanto à conveniência e oportunidade. Não pode o juiz
pretender examinar uma questão se não ficar evidenciada cristalina lesão à
ordem jurídica. Em nome da harmonia – não dos Poderes, mas do Direito –
não se admite o exercício da aplicação concreta da Lei com o afastamento
da competência da autoridade administrativa.
O supracitado autor afirma que julgar é apreciar o mérito, portanto, mesmo
que a Constituição não utilizasse expressamente o termo julgar, ainda assim uma
decisão do tribunal de contas seria impenetrável para o Judiciário. O juiz também
deve conter sua atuação nos limites da lei, e foi a Lei Maior que deu a competência
para julgar as contas a uma Corte, devidamente instrumentalista e tecnicamente
especializada. Portanto, mesmo que o julgamento das Cortes de Contas não fosse
um ato jurisdicional típico, mas apenas um ato administrativo, seu mérito jamais
poderia ser revisto pelo Poder Judiciário. Gualazzi 97 ressalta que:
95
BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição de 1891. São Paulo: Livraria Acadêmica. 1934. p.
451.
96
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Limites à revisibilidade judicial das decisões dos Tribunais de
Contas. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte. v.27. n.2,
1998. p. 69-71.
97
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 200.
40
As decisões do Tribunal de Contas – por não serem cientificamente
emanadas de “jurisdição constitucional de contas”, mas serem apenas
verificação administrativa de execução financeiro-orçamentária – não
admitem revisão exclusivamente no tocante às competências
constitucionais e legais, privativas, do Tribunal de Contas, ou seja, em
matérias de fato e/ou jurígenas cuja apuração objetiva remanesça
reservada ao Tribunal de Contas, pelo ordenamento jurídico: a apuração
objetiva, ex facto, efetivamente não pode ser revista pelo Poder Judiciário,
mas a imputação subjetiva, de jure, pode ser sempre revista pelo Poder
Judiciário, porque pode, efetiva ou potencialmente, acarretar lesão a direito
subjetivo, público ou privado, matéria de cognição judiciária, privativa, no
Brasil, consoante a atual Constituição da República, de 1988.
A Suprema Corte já se manifestou no sentido de que, salvo nulidade
decorrente de irregularidade formal grave ou de manifesta ilegalidade, é do tribunal
de contas a competência exclusiva para julgamento das contas dos responsáveis
por haveres públicos 98 . Ainda sobre a competência do julgamento de contas pelo
Tribunal de Contas, Miranda 99 , comentando a Constituição de 1946, mas com
aplicação ainda sobre hoje, refere que “a função de julgar as contas está claríssima
no texto constitucional. Não havemos de interpretar que o Tribunal de Contas julgue
e outro juiz as re-julgue depois. Tratar-se-ia de absurdo bis in idem. Ou o Tribunal de
Contas julga, ou não julga”.
No entanto, Medauar 100 pondera no sentido de que, segundo o inciso XXXV
do artigo 5º da Constituição da República, nenhuma lesão de direito poderá ficar
excluída da apreciação do Poder Judiciário. Por isso, qualquer decisão do Tribunal
de Contas, mesmo no tocante à apreciação de contas dos administradores, pode ser
submetida ao reexame do Poder Judiciário se o interessado considerar que seu
direito sofreu lesão. Ausente se encontra, nas decisões do Tribunal de Contas, o
caráter de definitividade ou imutabilidade dos efeitos inerentes aos atos
jurisdicionais.
Portanto, o Poder Judiciário pode rever os atos praticados pelos Tribunais de
Contas, conforme o art. 5º, inciso XXXV da Carta Maior. No entanto, só poderá
desconstituir os atos que violarem os princípios constitucionais do devido processo
legal e da legalidade. Cumpre destacar que as decisões do Tribunal em relação às
98
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 55.821/PR. Relator: Min. Victor Nunes. Julgamento: 18/09/1967. Órgão Julgador: Primeira Turma. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em: 01 out.
2008.
99
MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1946. v.II. Rio de Janeiro: Henrique Cahen,
1947. p. 95.
100
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p.142.
41
contas, a que ser refere o inciso II do art. 71 da Carta Maior tem eficácia de título
executivo, conforme parágrafo 3º do mesmo artigo, que tem o seguinte teor:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa
terão eficácia de título executivo. [...] 101
A cobrança de multa ou a restituição de valores usado de forma indevida pelo
administrador, ao ser cobrado no judiciário, dispensa o processo de cognitivo, isto é,
inicia-se diretamente pelo processo de execução de título extrajudicial, limitado as
defesas que esse procedimento admite.
3.2.2 Classificação
Meirelles 102 classifica as funções do Tribunal de Contas em opinativas,
verificadoras, assessoradas e jurisdicionais administrativas. Guazalli 103 , analisando o
teor do artigo 71, classifica as funções do Tribunal de Contas em: “a) consultivas
(incs. I e III); b) verificadoras (inc. II); c) inspetivas (inc. IV); d) fiscalizatórias (incs. V
e VI); e) informativas (incs. VII); f) coercitivas (inc. VIII); g) reformatórias (inc. IX); h)
suspensivas (inc. X); i) declaratórias (XI)”.
No entanto, a presente pesquisa optou pela classificação de Guerra 104 . Para
esse autor, são quatro as funções precípuas dos Tribunais de Contas, quais sejam:
– Função opinativa, informadora ou consultiva (art. 71, I, CF): quando os
tribunais de contas apreciam as contas do chefe do poder executivo, emitindo
parecer prévio, estão laborando em prol do legislativo, posto ser este o titular do
julgamento político das contas anuais.
– Função jurisdicional ou contenciosa (art. 71, II, CF): quando os tribunais de
contas julgam e liquidam as contas dos administradores públicos e demais
responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, além das contas daqueles que
101
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
MEIRELLES, Hely Lopes Op. cit., p.600.
103
GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Op. cit., p.193.
104
GUERRA, Evandro Martins. Op. cit., p.35-42.
102
42
derem causa a perda extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao
erário.
– Função corretiva ou sancionadora (art. 71, VIII, CF): possibilidade de
aplicação pelo tribunal de contas, quando constatada ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, das sanções previstas em lei, podendo fixar multa
proporcional ao dano causado, além de outras cominações, visando a recomposição
do erário.
– Função fiscalizadora ( art. 71, IV, V e VI, CF): possibilidade de ampla
atuação das cortes de contas, seja na área contábil, financeira, orçamentária,
operacional ou patrimonial, quando serão verificados os aspectos da legalidade,
legitimidade e economicidade dos atos administrativos.
O constituinte de 1988 elencou as atribuições e competências dos tribunais de
contas no artigo 71 da Constituição da República, in verbis:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República,
mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a
contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por
dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta,
incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder
Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou
outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de
pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as
nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das
concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as
melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato
concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de
natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas
unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e
demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo
capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do
tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União
mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a
Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por
qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre
a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e
sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;
43
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá,
entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a
decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos
apurados. 105
Da análise do caput do supracitado artigo, se extrai o entendimento que o
legislativo não tem margem de discricionariedade em optar se aceita ou não o auxílio
do tribunal de contas no controle externo, pelo contrário, este é obrigatório. A relação
entre o Tribunal de Contas e o Poder Legislativo não é de subordinação, e sim de
cooperação.
Das atribuições previstas no artigo citado, a presente pesquisa analisa
pontualmente algumas competências, base nos apontamentos de Moreira Neto 106 ,
quais sejam:
Quanto ao inciso I, observa-se uma competência autônoma do Tribunal de
Contas para apreciar não apenas a legalidade e a economicidade das contas do
Chefe do Poder Executivo, também a sua legitimidade, abrindo-lhe uma extensa
margem discricionária para emitir um parecer, um ato fundamentado que não poderá
ser modificado pelo Poder Legislativo, mas apenas considerado ou não por ocasião
do julgamento parlamentar dessas contas, tratando-se, portanto, de uma
cooperação de natureza mista: parte técnica, parte política. Essa competência é
denominada consultiva ou opinativa.
Quanto ao inciso II, está novamente caracterizada uma atuação combinada,
técnica e política, esta, não apenas pela atribuição de examinar a legitimidade das
contas, como pela previsão de atuar autonomamente, decidindo apenas por si e não
mais em cooperação com o Poder Legislativo. Essa atribuição permite a imposição
de sanção aos administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Essa competência é chamada de judicante.
Porém, ao comentar o inciso II do art. 71, Silva 107 ensina que não se trata de
função jurisdicional, o Tribunal de Contas não julga pessoas nem dirime conflitos de
105
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O Parlamento e a sociedade como destinatários do
trabalho dos tribunais de contas. Disponível em meio digital dos arquivos do TC:
X:DA\SSA\Sdm\Seb\pub\Publicações\Moreira Neto O parlamento e a sociedade.doc. p. 21-23.
106
44
interesses, mas apenas exerce julgamento técnico de contas. Quanto ao inciso III,
verifica-se uma atribuição registrária, das mais atribuídas às Cortes de Contas,
nitidamente de natureza técnica.
Quanto ao inciso IV, a expressão iniciativa própria já diz tudo, até porque as
inspeções e auditorias podem ser realizadas no próprio Poder Legislativo, o que não
poderia ocorrer se partisse de um órgão subordinado. Este inciso é, por isso,
relevante para definir-lhe uma função política e, a partir dela, fixar-se ao modo de
agir dos Tribunais de Contas. Quanto ao inciso V, percebe-se outra atividade técnica
que é a verificação das contas nacionais das empresas supranacionais de cujo
capital social participe a União, de forma direta ou indireta.
Em relação ao inciso VI, o Tribunal de Conta tem a incumbência de fiscalizar
a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convenio,
acordo, ajuste ou outros instrumentos, a Estado, Distrito Federal ou a Municípios. Do
mesmo modo que estes entes se sujeitam a apresentar a comprovação do modo
como foram aplicados esses recursos.
No que tange ao inciso VIII, novamente se vislumbra uma atuação autônoma
do Tribunal de Contas, ao decidir apenas por si. Porém aqui, não mais em
cooperação
com
o
Poder
Legislativo.
Essa
competência
é
denominada
sancionadora. Permite aplicação de sanções previstas em lei nos casos de cotas ou
despesas ilegais. Essa disposição possibilita ao Tribunal de Contas a imposição
direta de sanções aos responsáveis pela irregularidade, tais como, imputação de
débito, a aplicação de multas, entre outras.
Quanto ao inciso IX, observa-se uma atuação vinculada por motivo de
ilegalidade. O Tribunal poderá assinar prazo para que o órgão adote as providências
necessárias ao exato cumprimento de lei. Em relação ao inciso X, verifica-se que o
ato de sustação, embora não seja definitivo, é uma decisão de natureza política
exercida pelo Tribunal de Contas, em que se manifesta a soberania do Estado ao
incidir sobre as atividades financeiras públicas de qualquer outro órgão ou entidade.
De acordo os parágrafos 1º e 2º do artigo 71, se a impugnação for de
contrato, uma vez que a sustação fica reservada ao Poder Legislativo, se ocorrer
omissão desse Poder ou do Poder Executivo, devolve-se o poder decisório ao
107
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros.
2005. p.755.
45
Tribunal de Contas, que será reinvestido constitucionalmente no exercício de uma
atividade de natureza política, tipicamente de exercício de poderes da soberania em
face dos demais Poderes referidos.
3.3 EFEITOS DO PODER DE POLÍCIA E A ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
As medidas resultantes do poder de polícia exigem observância por parte dos
sujeitos a que impõe restrições em seus direitos. Estas podem implicar obrigações
de fazer ou de se abster, o descumprimento de tais prescrições enseja, para o
agente, a possibilidade de impor sanções 108 .
O Tribunal de Contas é o responsável pela fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da administração pública direta e indireta.
Para o exercício das prerrogativas citadas, a Constituição Federal no seu artigo 71,
atribuiu às Cortes de Contas atribuições dotadas de poder de polícia.
O poder de polícia não é uma faculdade ou poder propriamente dito, mas sim
uma atribuição conferida pela Constituição ou por lei a certos órgãos da
administração Pública. No caso do Tribunal de Contas, foi a própria Constituição da
República, no seu referido artigo 71, que lhe atribuiu o poder de polícia.
Importante salientar que os atos oriundos da atividade da polícia
administrativa, para serem legítimos, precisam estar revertidos de todos os
requisitos de validade, como qualquer ato administrativo. Deverão os atos de polícia
ser praticados por agentes no exercício regular de sua competência. É também
indispensável que o ato seja produzido com a forma imposta pela lei. Assim como
deve observar a finalidade, o motivo e o objeto. Pois, como ato administrativo que é,
o ato de polícia será legal ou ilegal, conforme compatível ou não com os requisitos
exigidos
para
a
sua
validade 109 .
Acrescenta-se
a
esses
requisitos
proporcionalidade e a legalidade dos meios empregados pela Administração.
108
109
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 411.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p.62.
a
46
O poder de polícia é um privilégio que tem a Administração Pública para,
mediante lei autorizativa, restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em
nome do interesse da coletividade. É o mecanismo de frenagem de que dispõe a
Administração Pública, para conter os abusos do direito individual 110 .
A Corte de Contas ao exercer sua competência constitucional de órgão
técnico de controle externo, pratica atos de poder de polícia. As atribuições do
Tribunal de Contas, contidas nos verbos do artigo 71 da Constituição da República,
quais sejam: inspecionar, fiscalizar, aplicar sanção, assinar prazo, sustar, todas
expressam o poder de polícia.
A sanção aplicável pelo Tribunal de Contas ao gestor que cometeu infração é
exercício do poder de polícia. Cumpre destacar que, a Corte de Contas, ao aplicar
sanção deve observar o princípio da legalidade e do contraditório e ampla defesa.
Cumpre transcrever as pertinentes observações de Scliar sobre o poder de
polícia da Corte de Contas:
[...] Sem ele, a Corte estaria esvaziada na execução de suas atribuições
fiscalizatórias, inerte ante fatos que, apurados, recairiam no compulsório
esquecimento, banidos da atividade pública.
O poder de polícia, inerente ao órgão fiscalizador (o próprio termo fiscalizar
já denota poder de polícia, assim como aplicar, multar e sustar) permite a
rápida ação que o controle externo exige no resguardo permanente da
despesa e da receita pública.
Certo que, sob determinado ângulo, o poder de polícia, ou a polícia
administrativa, é negativo, como impeditivo da perturbação de valores
albergados ou acolhidos no sistema normativo vigente.
Negativo ou positivo será o poder de polícia sob o ângulo em que se situe o
analista, posicionando-se ora como atividade da Administração que evita o
dano, mas também, de outro lado, como utilidade pública.
Nessa linha de dupla visão Rivero, prelecionando que polícia e serviço
aproximam-se sob dois aspectos, já que pelo segundo pode ser levado a
prestar serviços enquanto que, pelo primeiro, a manutenção da ordem se
enquadra na ampla “missão do serviço público”.
Em realidade, era esta a visão segundo o qual o poder de polícia tenha
preponderância como exercício de abstenção dos particulares, um “non
facere”.
Limite à liberdade individual, o poder de polícia não é apenas atividade
estatal negativa, impondo também obrigações positivas aos administrados,
cujo exemplo rotineiro é de saúde pública (vacinação), recordando-se, no
caso presente, outras obrigações impostas aos administradores,
sobrelevando-se a de prestar contas e informações, cumprir determinados
regramentos impositivos de procedimentos administrativos, destacando-se,
por fim, que o administrado enquanto administrador público somente pratica
os atos determinados em lei.
No exercício de sua competência constitucional de órgão técnico do
controle externo, agrega-se as exemplificações do poder de polícia atribuído
110
MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p.110.
47
ao Tribunal de Contas, enumerados nos incisos do artigo 71 da Carta
Federal, cujos termos (inspecionar, fiscalizar, sustar, aplicar e assinar
prazo) por si só expressam sobremaneira o próprio poder de polícia.
É caso do inciso IV – inspeções e auditorias de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; assim como dos incisos
V e VI – em ambos, expressam-se o poder de fiscalizar. Aplicar as sanções
previstas em lei, dentre outras, multa, é a decorrência direta do poder de
polícia, assim como assinar prazo para adoção de providências, ou ainda,
sustar execução de atos impugnados (incisos VIII, IX e X, todos do artigo 71
da Carta Federal).
Embora não seja o poder de polícia sua única competência constitucional,
ao lado de apreciar contas do Chefe do Executivo, julgar contas dos
administradores e demais responsáveis, bem como apreciar, para fins de
registro, a legalidade de determinados atos (incisos I, II e III), não resta
dúvida de que a Constituição Federal deferiu poder de polícia ao Tribunal
de Contas em razão da especificidade do controle externo, visto que este
sem aquele seria inócuo e destituído da supremacia estatal ínsita ao ato de
policiar.
Seria também inócuo que a Constituição deferisse ao Tribunal de Contas
poder de polícia desacompanhado do poder de sancionar.
Ainda que espécie de sanção, a multa pecuniária, ao lado das demais
tipificações sancionadoras (advertência, suspensão, demissão, prisão,
perda de direitos políticos), guarda identidade com as demais: decorrem da
infração à lei.
A pena de multa, categoria jurídica específica da sanção, é, portanto,
decorrente do poder de polícia exercido pelo Estado em relação ao
administrados. 111
Dos ensinamentos de Scliar, se extrai que as Corte de Contas possuem
competências constitucionais dotadas de poder de polícia. Ainda dos ensinamentos
de Scliar e com observância do artigo 71 da Carta da República, observa-se que o
poder de polícia atribuído a Corte de Contas tem a finalidade de: aplicar as sanções
previstas em lei, exigir providências para o exato cumprimento da lei e sustar, se não
atendida, a execução do ato impugnado.
Importa referir que o controle do Tribunal de Contas sem o poder de polícia e
a respectiva sanção não teria força coativa. O poder de polícia está ligado à fiscalização e ao controle. Nesse sentido é o ensinamento do Carvalho Filho 112 :
Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se
não dispusesse dos mecanismos necessários à fiscalização da conduta
destes. Assim, o poder de polícia reclama do Poder Público a atuação de
agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos.
111
SCLIAR, Wremyr. Controle externo do Estado - Competência exclusiva do Tribunal de Contas. In:
Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. v.11. nº 19. 2º semestre 1993.
Porto Alegre. p.141.
112
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p.59.
48
O poder de polícia da Corte de Contas pode ser positivo, quando determina
ao gestor um fazer algo ou negativo, quando determina uma abstenção por parte do
administrador. Ele também pode ser preventivo, quando se antecipa à prática de
evento danoso, quando se procura impedir um dano social, como ocorre na
advertência do gestor ou repressivo, que em face da transgressão da norma de
polícia, redunda numa sanção, isto é, quando o tribunal impõe multa e glosa.
Portanto, o Tribunal de Contas pratica atos de poder de polícia, se não fosse assim,
se esvaziaria por completo as atribuições constitucionais expressamente conferidas
a essa Corte. Sem a força do poder de polícia suas decisões não passariam de
meras recomendações sem vinculação por parte do órgão fiscalizado.
49
4 CONCLUSÃO
O Tribunal de Contas, criado por iniciativa de Rui Barbosa, em 1890, é um
órgão independente e autônomo. Sua função é auxiliar o Legislativo, não estando
subordinado ou inserido na estrutura desse Poder, pois em razão de suas
competências constitucionais, é uma instituição desvinculada de qualquer dos três
poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).
O Tribunal de Contas exerce controle sobre os três poderes, não pertencendo
a nenhum desses. Se assim o fosse, estaria maculada a idoneidade do controle
externo. Portanto, sua classificação é sui generis, não se enquadra na clássica
divisão de poderes de Montesquieu. É um órgão autônomo com sua competência
estabelecida e delimitada na Constituição da República.
A Corte de Contas é uma ferramenta técnica altamente qualificada colocada à
disposição do Poder Legislativo e da sociedade, indispensável para o controle das
contas públicas. Pelo fato do poder de polícia tratar-se de atividade administrativa
exercida pelo Estado, pode atingir a liberdade e a propriedade do particular.
O poder de polícia é uma atividade estatal que impõe limitação a
determinados direitos individuais em benefício do interesse público. Pode-se dizer
que o poder de polícia tem como fundamento o princípio da supremacia do interesse
público. Isto é, limita interesses individuais de uns, em prol do interesse do coletivo,
atingindo todos de forma indistinta, pois não há destinatário determinado.
Pelo fato do poder de polícia ser legitimado a restringir um direito individual, o
seu exercício deverá observar as liberdades individuais constitucionalmente
asseguradas, não as extrapolando sob pena de configurar tais atos em
arbitrariedades. Para que o ato de poder de polícia possa restringir direitos, tanto
individuais como coletivos, há de ser observado o princípio da proporcionalidade.
O poder de polícia é uma prerrogativa decorrente das funções precípuas da
Corte de Contas. Sendo o Tribunal de Contas responsável pela fiscalização contábil,
financeira, orçamentária e patrimonial, possui poder de polícia sobre os atos desta
natureza praticados pelos administradores públicos. Sem o poder de polícia, estaria
esvaziada a competência da Corte de Contas, pois de nada adiantaria as atribuições
conferidas a essas cortes, sem a força do poder de polícia.
50
A Corte de Contas, no exercício de sua competência constitucional de órgão
técnico de controle externo, tem como prerrogativa, a possibilidade de restringir
direitos individuais, em prol do interesse coletivo, ao cuidar da regularidade da
guarda e do emprego dos bens, valores e dinheiros públicos está resguardando o
interesse da coletividade.
Poder de polícia é um condicionamento do exercício dos direitos individuas ao
bem-estar coletivo. O seu fundamento é o princípio da predominância do interesse
público sobre o particular.
O Tribunal de Contas, ao zelar pela correta administração de bens e valores
públicos, exerce um papel de suma importância no Estado Democrático de Direito, o
de garantidor dos interesses sociais. As competências conferidas ao Tribunal de
Contas pelo texto Constitucional são dotadas de poder de polícia para viabilizar e
efetivar sua função constitucional de controle da Administração pública.
Portanto, nos termos do artigo 71 da Constituição Federal de 1988, o controle
externo é exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio dos Tribunais de Contas.
Às Cortes de Contas, como órgãos técnicos do controle externo, foram conferidas
atribuições específicas, e para bem exercê-las, o correspondente poder de polícia e
sanção.
51
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