UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ - UTP Lucina Reitenbach Viana MÚSICA NA CIBERCULTURA: RECONFIGURAÇÃO DA ESTRUTURA DO MERCADO A PARTIR DA DESINTERMEDIAÇÃO DO FUNK BRASILEIRO E SUA PRODUÇÃO EM REDE Curitiba 2009 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ - UTP Lucina Reitenbach Viana MÚSICA NA CIBERCULTURA: RECONFIGURAÇÃO DA ESTRUTURA DO MERCADO A PARTIR DA DESINTERMEDIAÇÃO DO FUNK BRASILEIRO E SUA PRODUÇÃO EM REDE Dissertação apresentada, ao Programa de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito para a obtenção do título de mestre, sob a orientação da Professora Doutora. Adriana Amaral. Curitiba 2009 1 TERMO DE APROVAÇÃO Lucina Reitenbach Viana MÚSICA NA CIBERCULTURA: RECONFIGURAÇÃO DA ESTRUTURA DO MERCADO A PARTIR DA DESINTERMEDIAÇÃO DO FUNK BRASILEIRO E SUA PRODUÇÃO EM REDE Essa dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de mestre em Comunicação e Linguagens, no Programa de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba, 28 de setembro de 2009 ______________________________________________ Programa de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Pró-Reitoria de PósGraduação, Pesquisa e Extensão da Universidade Tuiuti do Paraná Orientadora: Professora Doutora. Adriana Amaral. 2 AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente àqueles que colaboraram para tornar essa pesquisa possível, mas agradeço ainda mais àqueles que dificultaram seu desenvolvimento por tornarem sua realização ainda mais vitoriosa. Agradeço à Universidade Tuiuti do Paraná pelo investimento em minha educação e pelo apoio à minha família, e ao CNPq pela Bolsa de Pesquisa. Especiais considerações à professora convidada da banca de qualificação, Professora Doutora Sueli Fragoso, num trabalho honrado que por muitas vezes não tem seu valor reconhecido, mas cujas contribuições foram de fundamental importância para meu processo de descobertas. Agradecimentos aos integrantes da banca final: Professor Doutor Francisco Eduardo Menezes Martins e Professor Doutor João Freire Filho pela leitura do produto final e por suas considerações importantíssimas no momento de conclusão deste trabalho. À minha orientadora, Professora Doutora Adriana Amaral, pelas horas dedicadas a realização desse trabalho e por todas as válidas opiniões que passaram a fazer parte do dia a dia durante todo o tempo de orientação, entre encontros, textos, artigos, telefonemas e emails. Por todas as revisões ortográficas, broncas e puxões de orelha, durante esses dois anos e meio e antes disso pela vida inteira, agradeço à minha mãe. Pelas músicas e repertório que mantiveram o outro lado profissional funcionando durante todo o tempo do mestrado agradeço imensamente ao Pedro, DJ Gúy Pinheiro cujos CDs de mp3 e pen-drives foram importantíssimos. Pela disposição dos entrevistados em ceder seu tempo para o refinamento desse texto pela integração de suas falas, agradeço: Dj Marlboro, Pedro D´Eyrot, Rodrigo Gorky e Fredi Chernobil Endres. E finalmente, possivelmente o mais importante de todos os agradecimentos, a minha colega de curso Georgia Natal, cuja companhia foi fundamental para todos os aspectos dessa dissertação. Obrigada por ouvir todas as idéias, argumentos, lamúrias e lamentações durante esses ricos anos em que vivenciei o contato direto com aspectos da vida que me fizeram aprender mais do que qualquer pesquisa poderia ter feito. 3 A VOZ DO DONO E O DONO DA VOZ Até quem sabe a voz do dono Gostava do dono da voz Casa igual a nós, de entrega e de abandono De guerra e paz, contras e prós Fizeram bodas de acetato- de fato Assim como nossos avós O dono prensa a voz, a voz resulta num prato Que gira para todos nós O dono andava com outras doses A voz era de um dono só Deus deus ao dono os dentes, Deus deu ao dono as nozes Às vozes Deus deu seu dó Porém a voz ficou cansada após Cem anos fazendo a santa Sonhou se desatar de tantos nós Nas cordas de outra garganta A louca escorregava nos lençóis Chegou a sonhar amantes E, rouca, regalar os seus bemóis Em troca de alguns brilhantes Enfim, a voz firmou contrato E foi morar com novo algoz Queria se prensar, queria ser um prato Girar e se esquecer veloz Foi revelada na assembléia – atéia Aquela situação atroz A voz foi infiel trocando de traquéia E o dono foi perdendo a voz E o dono foi perdendo a linha – que tinha E foi perdendo a luz e além E disse: Minha voz, se vós não sereis minha Vós não sereis de mais ninguém Chico Buarque de Holanda 4 SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................................... 8 PALAVRAS CHAVE ................................................................................................... 8 ABSTRACT................................................................................................................. 9 KEY-WORDS .............................................................................................................. 9 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10 1 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS .......................................................... 18 1.1 PROTO-OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE OFF-LINE ........................................ 19 1.2 INCURSAO NETNOGRÁFICA PRELIMINAR .................................................... 20 1.3 REVISÃO BIBLIOGRAFICA ............................................................................... 23 1.4 ENTREVISTAS .................................................................................................. 26 1.4.1 MOMENTO DAS ENTREVISTAS .................................................................... 31 1.4.2 PROCEDIMENTOS DE REGISTRO E DOCUMENTAÇÃO ............................. 32 1.4.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS ........................................................................ 33 2 CENÁRIOS: INDÚSTRIA CULTURAL E FONOGRÁFICA, TECNOLOGIA E CIBERCULTURA ...................................................................................................... 36 2.1 INDÚSTRIA CULTURAL, INDÚSTRIA DA CULTURA E BENS CULTURAIS.... 36 2.2 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA............................................................................. 45 2.3 ORGANIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA....................................................... 50 2.4 CENÁRIO ATUAL: INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA CIBERCULTURA ........... 51 3 A MÚSICA NA CIBERCULTURA ...................................................................... 55 3.1 A MÚSICA MEDIADA......................................................................................... 58 3.2 PROCESSOS HÍBRIDOS DE REMIXAGEM CULTURAL.................................. 59 3.2.1 O SAMPLE ..................................................................................................... 62 3.2.2 PROCESSOS DE REMIXAGEM ...................................................................... 64 4 O FUNK ............................................................................................................. 69 4.1 ORIGENS........................................................................................................... 70 4.1.1 A HISTÓRIA DO FUNK ENTRE OS ANOS 1990 E 2000 ................................ 74 4.1.2 O ARRASTÃO DO FUNK E A VIOLÊNCIA ...................................................... 76 4.1.3 ESTIGMA E PRECONCEITO ASSOCIADO PELA MÍDIA: .............................. 79 4.1.4 O PRECONCEITO COMO BARREIRA DE DEFESA: O CALDO BRASILEIRO DO FUNK ..................................................................................................... 81 4.2 A HISTÓRIA RECENTE DO FUNK: 2000 E BONDES ...................................... 83 4.3 O “BONDE DO ROLÊ” E FREDY ENDRES ....................................................... 88 4.4 FUNK DE APARTAMENTO E O GRAU DAS RELAÇÕES NAS PLATAFORMAS DE REDES SOCIAIS. ............................................................................................ 94 4.5 NOMENCLATURA E DERIVAÇÕES ................................................................. 97 4.6 HIBRIDAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO ................................................................... 102 4.7 QUEM SÃO ESSAS PESSOAS? ..................................................................... 104 4.7.5 CIBER-REPRESENTAÇÃO ........................................................................... 111 5 4.7.6 REPUTAÇÃO ONLINE ................................................................................... 114 5 CONSUMO E O MERCADO DO FUNK: PARTICIPAÇÃO E DESINTERMEDIAÇÃO ........................................................................................... 118 5.1 A MUDANÇA DOS MERCADOS ..................................................................... 122 5.2 A INTELIGÊNCIA COLETIVA A FAVOR DO INDIVÍDUO E O CONSUMO PARTICIPATIVO ................................................................................................. 128 5.3 A CONDIÇÃO DO Fà COMO PRODUTOR DE CONTEÚDO.......................... 132 5.4 O VIÉS ECONÔMICO DO FUNK ..................................................................... 136 5.5 MUDANÇAS NA CADEIA PRODUTIVA........................................................... 138 5.5.7 O IMPACTO DA TECNOLOGIA NA CADEIA DE PRODUÇÃO MUSICAL DESINTERMEDIAÇÃO .................................................................................... 146 5.5.8 MUDANÇAS NO PAPEL DO PRODUTOR MUSICAL ................................... 149 5.6 O NEOFUNK E A INDÚSTRIA CULTURAL ..................................................... 150 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 156 APÊNDICES ........................................................................................................... 166 LEVANTAMENTO NETNOGRÁFICO DO “BONDE DO ROLÊ” .............................. 166 ANEXOS ................................................................................................................. 175 ROTEIRO DAS ENTREVISTAS .............................................................................. 175 GRAVAÇÃO DAS ENTEVISTAS ............................................................................ 177 REPORTAGEM SOBRE PESQUISA DO IBOPE .................................................... 178 REPORTAGEM MANYMAIS ................................................................................... 179 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 183 6 LISTA DE FIGURAS 1-1 Modelo Genérico de Roteiro de Pesquisa Qualitativa ......................................... 30 2-2 Estudos sobre Indústria Fonográfica ................................................................... 46 2-3 Fases de desenvolvimento da indústria Fonográfica .......................................... 47 2-4 Proposição: Quinta fase - em rede...................................................................... 54 4-1 Momentos da Trajetória do funk.......................................................................... 86 4-2 Trajetória do Funk no Brasil ................................................................................ 87 4-3 Nomenclaturas do funk ..................................................................................... 100 4-4 Gráfico de Classificação dos adotantes com base no tempo de adoção de inovações ................................................................................................................ 105 4-4-5 Proporção de pessoas que acessaram a internet 2005-2008 ........................ 107 4-6 Proporção de pessoas que acessaram a internet 2005 – 2008 ........................ 108 4-7 Atividades desenvolvidas na internet ................................................................ 109 4-8 Habilidades relacionadas ao uso da internet..................................................... 110 5-1 Produção do baile: modo tradicional ................................................................. 140 5-2 Produção do Baile: modo das equipes .............................................................. 141 5-3 Produção do baile: tendência ............................................................................ 142 7 RESUMO: Esta pesquisa se propõe a analisar de que forma a utilização do computador como mediador dos processos comunicacionais e a participação do consumidor nas redes sociais interferem na reconfiguração da música na Cibercultura. Parte-se do levantamento netnográfico da presença online da banda curitibana “Bonde do Rolê”, transformada em sucesso mundial a partir das interações sociais em torno de seu perfil no site MySpace para chegar à sociabilidade entre ciber-representações como objeto. Investiga-se a inserção do artista e seu trabalho nas redes sociais, analisando a dobra onde os papéis de produtores e consumidores se sobrepõem em decorrência da amplitude de participação desencadeada pela adoção da tecnologia nos processos de criação de bens de consumo e pelo processo de desintermediação que transformou a configuração do mercado musical. Propõe-se a revisão das fases de desenvolvimento da indústria fonográfica com base em sua relação com a tecnologia, incluindo uma nova etapa intitulada quinta fase, onde a produção acontece em rede, a partir de processos mediados e de hibridações tecnológicas de gêneros musicais. As ferramentas de análise englobam a observação participativa off-line, revisão bibliográfica, observação preliminar baseada na Netnografia e finalmente, entrevistas qualitativas em profundidade. PALAVRAS CHAVE Comunicação, cibercultura, música eletrônica, funk, consumo; 8 ABSTRACT This research aims to analyze in which way the use of computers as mediators of communicational processes and the consumer participation in social networks interfere in the music reconfiguration within cyberculture. The starting point is a netnographic survey on the online presence of the Curitiba-based band “Bonde do Rolê”, which became an international success as a result of the social interactions on the band’s profile webpage on MySpace, reaching sociability between cyberrepresentations as object. This dissertation intends to investigate how influent the insertion of the artist and its work in social networks is, analyzing the merging point where the role of producers and consumers overlap, an outcome of the extensive participation unleashed by the adoption of technology in the consumer goods creative process and through the disintermediation process that transformed the music trade configuration. This study also proposes a revision of the phonographic industry development stages based on its relation with technology, including a new stage, named the fifth stage, in which production occurs over a network, via mediated processes and technological hybridizations of musical genres. The tools of analysis comprise offline participant observation, bibliographic review, preliminary observation based on the netnographic data and, finally, comprehensive qualitative interviews. KEY-WORDS Communication, cyberculture, electronic music, funk, consumption 9 INTRODUÇÃO Um cientista completo é aquele que abarca ao mesmo tempo a teoria e a prática experimental. Claude Bernard A partir das facilidades crescentes da composição musical derivadas da adoção das novas tecnologias hoje disponíveis, temos a reconfiguração de diversos conceitos tradicionais no universo da música. Enquanto alguns deles continuam a versar sobre o segmento musical inserido nas trocas de sentido e nas trocas comerciais, outros perdem o significado e tornam-se obsoletos. A fragmentação do mercado e a desintegração de papéis outrora primordiais na indústria fonográfica trazem à tona uma nova organização que prima o tratamento do segmento da música como negócio desintermediado, e conseqüentemente a transformação desta em uma mercadoria cada vez mais acessível O desenvolvimento da produção musical segue a velocidade da inovação tecnológica, encontrando-se hoje com as possibilidades de distribuição nas redes digitais, disseminando da produção artística e eliminando os intermediários do caminho entre os produtores e os consumidores, a partir de sua facilidade em interagir com todos os tipos de suportes. Pela mão do consumidor final os processos online e off-line se sobrepõem e pouco é planejado com eficiência. O estudo desse campo nos permite conhecendo melhor este percurso, e ao refinar o olhar tornarmonos mais conscientes para então, podermos tomar as rédeas de nossas escolhas. Ao tratar a música como mercadoria inserida dentro de um mercado, estudar seu processo de produção e distribuição faz sentido para a comunicação tanto quanto qualquer outro produto cultural. 10 A pesquisa no campo da comunicação é em si uma prática desafiadora. Quando lidamos com objetos ou recortes online como no caso dessa dissertação, o desafio é ainda maior, ora por conta das dificuldades acerca da adaptação ou transposição dos métodos de pesquisa, ora pela inabilidade do pesquisador na sua inserção. Pesquisar música dentro desse contexto engloba os mesmos desafios, e ainda acumula a necessidade do conhecimento específico por parte do pesquisador, para entender as peculiaridades técnicas do assunto tratado. A chegada da Internet colocou um desafio significante para a compreensão dos métodos de pesquisa. Através das ciências sociais e humanidades as pessoas se encontraram querendo explorar as novas formações sociais que surgem quando as pessoas se comunicam e se organizam via email, websites, telefones móveis e o resto das cada vez mais mediadas formas de comunicação. Interações mediadas chegaram à dianteira como chave, na qual as práticas sociais são definidas e 1 experimentadas. (HINE, 2005, p. 1) Vencidas essas dificuldades, as possibilidades da pesquisa online principalmente em relação à interação e práticas sociais são imensas. Quando a música como recorte de estudo se encontra inserida em plataformas de redes sociais online, os processos comunicacionais relacionados a ela encontram-se mediados pelo computador. Por isso, estudar música online significa também estudar sociabilidade online, já que a interação e o relacionamento entre os indivíduos e suas representações são partes integrantes do conjunto denominado de rede social. Assim, a música se configura como uma lente através da qual podemos observar o comportamento humano a respeito da transição de suportes promovida pelas inovações tecnológicas sem nos deixar guiar pelo 1 Tradução livre da autora: “The coming of the Internet has posed a significant challenge for our understanding of research methods. Across the social sciences and humanities people have found themselves wanting to explore the new social formations that arise when people communicate and organize themselves via email, web sites, mobile phones and the rest of the increasingly commonplace mediated forms of communication. Mediated interactions have come to the fore as key ways in which social practices are defined and experienced.” 11 determinismo tecnológico. É a música dentro do recorte de pesquisa escolhido, que vai nos permitir manter o foco nas relações humanas. Quando lidamos com as representações online do homem2 e não com ele diretamente, estamos tratando de processos em contínua transformação, processos provisórios, que merecem atenção da pesquisa em Comunicação, principalmente quando podem ser recortados em grupos com características peculiares. É por isso que os grupos formados em torno de plataformas de redes sociais3 focados na música compõem campo fértil para pesquisas no campo da Comunicação. Na análise dos dados levantados nas diversas abordagens metodológicas, pretende-se a compreensão do processo de desintermediação nas interações sóciomusicais, bem como suas conseqüências para o mercado da música, considerando que a partir da inserção dos artistas e de sua produção dentro das comunidades online formadas em torno das plataformas de redes sociais temos a reconfiguração da música na Cibercultura. A hipótese aqui apresentada não pretende uma transposição do processo offline para o online, nem um comparativo entre eles. Apresenta-se o artista produtor da música na Cibercultura equiparado ao consumidor participativo online, assumindo que ambos estão na mesma plataforma, sem diferença de gênero, sendo diferentes apenas no grau de envolvimento e na quantidade em que desenvolvem sua participação. Assim, a motivação para a colaboração do consumidor participativo seria a mesma que move o produtor musical a publicar seu trabalho online. Buscando 2 Neste caso as representações do homem são seus perfis dentro das plataformas de redes sociais online, que compõem sua ciber-representação, assunto que será abordado posteriormente com maior detalhamento. 3 Adotou-se aqui a utilização do termo “plataformas de redes sociais” para designar espaços online em torno dos quais as pessoas se organizam de forma a constituir laços relacionais, favorecidos pela estrutura desses locais. 12 formas de construir a si mesmo através da participação, ambos experimentam a notoriedade de suas representações online como resultado dessa busca. A sociabilidade entre suas ciber-representações é o fator chave na promoção de si próprios, que ocasiona visibilidade e notoriedade para eles e para sua produção. Assim, seria a identificação para com a ciber-representação - considerando a distinção entre sujeitos e objetos inscritos na rede como superada - que desencadearia a desintermediação da cadeia de produção e distribuição, bem como processo de consumo dos produtos culturais associados a eles. A descoberta do recorte de pesquisa dessa dissertação tomou um caminho longo, derivado dos primeiros contatos com a ainda prematura “cena musical eletrônica” que se formava no final do século passado, quando nasceu a vontade de tomar parte do processo de forma participativa. Entre a troca de papéis, passando de consumidora de música eletrônica a integrante da cena musical, foi um curto período de tempo. Essa etapa foi iniciada em Curitiba, quando conjuntamente ao inicio do trabalho como DJ, passei alguns anos depois, como porta voz do Red Bull Music Academy4, a viajar por todo o Brasil, conhecendo outras pessoas envolvidas com a música eletrônica e percebendo diferenças e similaridades da cena de cada local. A partir daí, ficou claro que o futuro objeto de pesquisa estaria no segmento musical, apesar de não ser possível ainda determinar qual seria o recorte. Neste tempo, diversos amigos consumidores da inicial cena eletrônica curitibana passaram a desenvolver projetos de produção musical, alguns com sucesso e outros apenas experimentais. A mudança para São Paulo desencadeou a 4 Encontro anual patrocinado pela empresa Red Bull, a fim de promover uma plataforma mundial itinerante de discussão e produção de música eletrônica. Para maiores informações sobre essa iniciativa ver: http://www.redbullmusicacademy.com 13 concentração de esforços em trabalhar com a profissionalização da cena eletrônica, desta vez nacionalmente, distanciando o contato com as produções curitibanas e aproximando os estudos ao campo da Administração, durante o curso de pósgraduação em Marketing e Comunicação Integrada, o que resultou no interesse nos estudos no campo da Comunicação, vinculado à música, mas com enfoque mercadológico. Foi em 2005, no último ano como porta voz do Red Bull Music Academy que tomei conhecimento do que viria a se tornar o recorte desta pesquisa: um desdobramento musical de funk carioca, do qual fazem parte o Bonde do Rolê e seus produtores. Aquilo que para muitos parecia uma brincadeira chamava a atenção pela composição híbrida, diferente daquilo que eram as minhas referências musicais. Foi o estranhamento inicial a respeito da forma colaborativa como aquele trabalho estava sendo feito, e seu reconhecimento quase que instantâneo que ocasionou a vontade de entendê-lo. Naquele momento, o “Bonde do Rolê” já era conhecido internacionalmente pelo seu primeiro disco, mas aqui no Brasil era tratado com desdém pelos jornalistas especializados e também pelo público, principalmente em Curitiba, onde não faziam parte do circuito cultural local. Querendo entender como isso tinha acontecido, e vislumbrando a possibilidade de aplicar o mesmo método em minha própria carreira, tomei parte na produção do segundo disco, como observadora. Durante as duas semanas de produção do disco, passei a freqüentar o local de gravações da banda em Curitiba e vivenciar grande parte da interação entre os integrantes. Foi com uma observação participativa que começava a ser desenhado o processo de estudo que seria detalhado posteriormente. 14 Nesse período estavam sendo produzidas além do segundo disco da banda, músicas para uma compilação que seria laçada no Japão. Foi observando a produção, gravação e remixagem de alguns outros artistas em paralelo ao desenvolvimento do disco, que houve o reconhecimento de que não se tratava apenas de funk carioca feito no sul do país. Ali, estavam presentes outros elementos que mereciam maior atenção. Eram questões identitárias, de sociabilidade, de representação, experimentação e afirmação, desenvolvidas online e off-line e intrinsecamente relacionadas à tecnologia, que precisavam ser colocadas em perspectiva para uma melhor compreensão do fenômeno embrionário que em pouco tempo invadiria o cotidiano das práticas mediadas por computador. Foi a partir desses questionamentos que este trabalho de pesquisa tomou forma. Essa dissertação é dividida em cinco capítulos, sendo todos eles compostos por revisão bibliográfica e permeados pelo objeto e sua análise, além das considerações finais, apêndices e anexos. Também fazem parte de todos os capítulos, as falas levantadas em entrevistas e suas análises. O primeiro capítulo apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento da pesquisa, bem como a metodologia escolhida para a etapa das entrevistas aqui incluídas. São tensionados os pontos pertinentes à utilização da abordagem qualitativa das entrevistas e seus resultados, como forma de aprimorar os pontos de vista da pesquisa. No segundo capítulo intitulado “Cenários”, será apresentado o referencial teórico acerca da indústria cultural e da indústria fonográfica levando em consideração o aporte tecnológico de cada época, paralelamente ao seu histórico de desenvolvimento. Dentro disso, será apresentado o papel do homem em cada uma das etapas vividas até agora no segmento, terminando com o cenário atual da 15 indústria fonográfica na Cibercultura. Nesse capitulo é feita uma proposição a respeito do desdobramento da teoria existente de forma a incluir o momento atual numa nova fase de desenvolvimento. O terceiro capítulo é dedicado à Música na Cibercultura, apresentando a música mediada como ponto de partida para esse estudo e suas três possibilidades de mediação, bem como os processos de remixagem cultural, partindo da utilização do sample como base para o surgimento da cultura da reciclagem. No quarto capítulo adentramos ao assunto do funk, partindo de seu histórico, apresentando a sua nacionalização e chegando aos desdobramentos quanto à sua produção realizada fora da periferia carioca. São consideradas as nomenclaturas e derivações, apresentando o funk de apartamento e o neofunk como possibilidades atuais, para finalmente trazer as características das pessoas envolvidas na produção dos mesmos. O quinto capítulo trata do consumo e dos mercados, e é composto pelas mudanças de cenário a partir da inserção do consumidor no processo de criação de bens de consumo e seu engajamento na produção ou remixagem de conteúdo e da mídia social gerada pela presença dos produtores/consumidores nas redes sociais, tendo a atual configuração da internet como cenário propício para essas mudanças. Apresentam-se os conceitos mercadológicos para determinar a revolução colaborativa como fonte de toda a reestruturação do mercado. Na apresentação das considerações finais, amarram-se os pontos de análise apresentados até então, e é colocada uma proposta de continuidade. Ao final, compondo o apêndice, está incluída uma das etapas preliminares à realização dessa dissertação, que apesar de não figurar diretamente no corpo do texto, serviu de base para a descoberta da sociabilidade entre ciber-representações como objeto desta 16 pesquisa. Esta etapa é intitulada de levantamento netnográfico preliminar da presença da banda “Bonde do Rolê” na internet. No anexo estão presentes o roteiro utilizado para as entrevistas, além da captação em vídeo das próprias entrevistas na íntegra, disponibilizadas em dois DVDs. São apresentadas também duas reportagens que são citadas durante o desenvolver do texto. As falas que foram levantadas nas entrevistas realizadas para essa dissertação tomarão parte do corpo do texto, permeando todo o trabalho e amarrando as abordagens metodológicas de incursão etnográfica e netnográfica, além da revisão bibliográfica 17 ...sem dúvida, os cânones metodológicos são muitas vezes expedientes técnicos e, ao mesmo tempo, obrigações morais. (Merton, 1970, p. 652) 18 1 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS As ferramentas metodológicas utilizadas englobam trabalho de pesquisa e dados provenientes do online e do off-line, constituindo um modelo híbrido de abordagem. Parte-se da observação participativa off-line do processo embrionário, passa-se pela incursão netnográfica preliminar para mapeamento da presença do objeto online, inclui-se a revisão bibliográfica, e por fim, permite-se que os atores sociais envolvidos tenham voz a partir de entrevistas qualitativas de profundidade. 1.1 PROTO-OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE OFF-LINE Uma intuição não se prova, se vivencia. Gaston Bachelard Os dados coletados no momento anterior ao início desta pesquisa foram vivenciados de forma não sistemática, sem a preocupação metodológica de documentação dos dados coletados. Como forma de incluir aqui as considerações levantadas durante esse período, foi adotada a nomenclatura de “proto-observação participativa off-line”, indicando a forma como os dados vivenciais da pesquisadora são considerados. A proto-observação participativa off-line foi incluída na metodologia desta pesquisa como ponto de partida, justificando os dados de observação empírica da pesquisadora em suas vivências em relação ao objeto de estudo, quando esta “consiste na inserção do pesquisador no ambiente natural da ocorrência do fenômeno e de sua interação com a situação investigada.” (PERUZZO, [2005] 2009, 19 p. 125). O papel do pesquisador no caso de uma pesquisa com observação participativa é delimitado quando: O pesquisador se insere no grupo pesquisado, participando de todas as suas atividades, ou seja, ele acompanha e vive (com maior ou menor intensidade)a situação concreta que abriga o objeto de sua investigação. Porém, o investigador não “se confunde”, ou não se deixa passar por membro do grupo. Seu papel é de observador. (PERUZZO, [2005] 2009, p. 134) Essa observação foi utilizada como parâmetro guia para o desenvolvimento de todas as outras etapas metodológicas da pesquisa, a fim de entrelaçar os resultados com as experiências que deram início à investigação como um todo. Becker & Geer (1957) afirmam que a observação participante é “a forma mais completa de informação sociológica”. Como tal ela fornece um marco referencial diante do qual se pode julgar outros métodos ou como eles colocam, “conhecer que tipo de informações nos escapa quando empregamos outros métodos. (GASKEL, [2002] 2008, p. 72) O processo de proto-observação foi realizado durante as duas semana em que o primeiro disco da banda Bonde do Rolê foi produzido por seus integrantes e por Fredi Chernobyl Endres na sala de um apartamento em Curitiba, no ano de 2005. Todo o período vivencial foi desenvolvido observando os acontecimentos de forma a não interferir diretamente na produção, apenas estando presente e limitando a interação aos assuntos que não estavam diretamente relacionados à produção do disco em si ou às escolhas e decisões tomadas no decorrer desse processo. 1.2 INCURSAO NETNOGRÁFICA PRELIMINAR A metodologia de pesquisa online da Netnografia foi um dos primeiros assuntos tratados durante o Mestrado. O resultado da aplicação desta metodologia no recorte de estudo resultou no levantamento netnográfico preliminar da presença do objeto online, disponível no primeiro apêndice desta dissertação. 20 O termo Netnografia é baseado na transposição dos estudos etnográficos para o ciberespaço, considerando suas peculiaridades e também limitações. O neologismo “netnografia” (nethnography = net + ethnography) foi originalmente cunhado por um grupo de pesquisadores/as norte americanos/as, Bishop, Star, Neumann, Ignacio, Sandusky & Schatz, em 1995, para descrever um desafio metodológico: preservar os detalhes ricos da observação em campo etnográfico usando o meio eletrônico para “seguir os atores”. (BRAGA, 2007, p. 5) Porém, o significado do termo não está limitado à transposição metodológica para o ciberespaço, compreendendo a análise de praticas e interações, num conjunto entre atores e ambiente social cujas características não correspondem apenas a uma versão online de uma metodologia off-line. O método possui características e acepções distintas, e emerge da necessidade de qualificar as observações feitas no ambiente mediado por computador. Não só a disponibilidade de informações a respeito de objetos de pesquisa na internet é fator determinante para o emergir de uma metodologia de pesquisas online, mas também a localização dos objetos no ciberespaço, além do posicionamento da internet como próprio objeto de estudo em sua intrínseca relação com diversas culturas. (AMARAL, NATAL, & VIANA, 2009, p. 5) A Netnografia vem sendo utilizada em associação a diversas outras propostas metodológicas, como forma de complementar as abordagens de pesquisas de maneira híbrida, aproveitando as suas vantagens e sua eficiência em atuar em conjunto com outros métodos. As vantagens de sua utilização, principalmente no caso de levantamentos iniciais de pesquisa são muitas: A netnografia, como transposição virtual das formas de pesquisa face a face e similares, apresenta vantagens explicitas tais como consumir menos tempo, ser menos dispendiosa e menos subjetiva, além de menos invasiva já que pode se comportar como uma janela ao olhar do pesquisador sobre comportamentos naturais de uma comunidade durante seu funcionamento, fora de um espaço fabricado para pesquisa, sem que este interfira diretamente no processo como participante fisicamente presente. Por outro lado, ela perde em termos de gestual e de contato presencial off-line que podem revelar nuances obnubiladas pelo texto escrito, emoticons, etc. Contudo, outros materiais como áudio e vídeo podem ser utilizados de forma complementar. (AMARAL, NATAL, & VIANA, 2009, p. 6) 21 Portanto, a Netnografia foi escolhida como estratégia metodologia inicial, e na medida em que se caminhou, outras metodologias foram sendo incorporadas para suprimir as perdas derivadas da mediação do método. A primeira descoberta importante decorrente da incursão netnográfica preliminar foi de que a banda em si não era o objeto de estudo, mas sim os processos de sociabilidade entre as representações de seus integrantes e produtores no espaço online, além da produção e distribuição de conteúdo com base nesses perfis. Toda a documentação da incursão netnográfica presente no primeiro apêndice desta dissertação seguiu os procedimentos metodológicos da teoria referente. Nenhum tipo de autorização para essa etapa foi pedida ou concedida, pois tratam-se de informações públicas a respeito de pessoas públicas, considerando que “uma pessoa conhecida publicamente não pode estar apta a esperar que sua privacidade seja considerada da mesma forma que a de uma pessoa comum”5. (ELM, 2009, p. 86), da mesma forma que “coletar material de pesquisa sem consentimento pode algumas vezes ser aceitável quando (a) o ambiente for público e (b) o material não for delicado” (ELM, 2009, p. 73)6. Como o material dessa etapa tem bases quantitativas e não qualitativas, e que se encontra em mecanismos de busca ou páginas públicas dentro de plataformas de redes sociais onde o conteúdo – particular ou não – não é analisado, as informações foram consideradas como sendo de acesso público. 5 Tradução livre da autora: “A publicly know person may not be able to expect the same consideration of privacy as an average ordinary person”. 6 Tradução livre da Autora: “Collecting research data without informed consent could sometimes be acceptable if (a) the environment was public and (b) the material was not sensitive” 22 Os integrantes da banda analisada foram comunicados da pesquisa em seu momento inicial, mas não foram requisitados até o momento final, onde foram entrevistados no ambiente off-line. Os informantes nessa etapa netnográfica foram considerados como sendo os próprios mecanismos de busca utilizados para o levantamento, já que ninguém foi abordado para o levantamento dos dados. Todos os levantamentos foram feitos a partir do perfil da pesquisadora dentro das plataformas de redes sociais onde os integrantes da banda possuíam também seu perfil. Obviamente, a proximidade e a relação de “amizade virtual”7 entre pesquisadora e pesquisados permitiu o acesso total aos perfis, porém somente os dados considerados públicos dentro de cada um deles foi analisado. Vale ressaltar que nesse momento, as ferramentas de proteção de conteúdo dentro das plataformas de redes sociais eram pouco desenvolvidas ou inexistentes, como n o caso do Orkut, onde não existia ainda conteúdo restrito. 1.3 REVISÃO BIBLIOGRAFICA Se uma verdade não é sólida o bastante para suportar que a desnaturemos e a maltratemos, não é de uma espécie bem robusta Samuel Butler A revisão bibliográfica foi desenvolvida durante todo o mestrado, partindo das necessidades de cada disciplina cursada e da produção de artigos específicos para essas disciplinas que sempre envolvessem o tema da dissertação, que permaneceu o mesmo desde o pré-projeto de pesquisa. 7 Amizade virtual é aqui considerada como sendo a afiliação de perfis dentro de plataformas de redes sociais onde um integrante aceita o outro como sendo seu amigo. Não consideramos nesse momento a existência de sociabilidade online entre perfis, apenas a declaração de amizade, já que esta permite o acesso irrestrito ao conteúdo disponibilizado dentro dos perfis. 23 Pesquisa bibliográfica, num sentido amplo é o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento dos autores acrescidos de suas próprias idéias e opiniões. Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado. (STUMPF, [2005] 2009, p. 51) Inicialmente, foi adotado o procedimento de tratar os assuntos genericamente, sem envolver o objeto ou o recorte do assunto em questão, tentando desenvolver as leituras e sua transformação em revisão bibliográfica de forma a serem utilizadas duplamente, na construção de artigos e posteriormente na produção da dissertação. Assim, boa parte do resultado final dessa dissertação – pelo menos ao que se refere à parte teórica – se encontra publicada em anais de eventos, congressos, revisas científicas e capítulos de livros, cujas discussões foram fundamentais para o desenvolvimento das idéias individuais neles apresentadas. A primeira fase de leitura e produção bibliográfica teve como base a parte econômica e as transformações gerais provenientes da transposição do segmento da música para o espaço online, a fim de entender o funcionamento desse mercado. A partir daí, foi feito o resgate histórico do segmento musical através da leitura da produção bibliográfica nacional sobre indústria cultural e indústria fonográfica. Nesse momento foi detectada a lacuna de produção bibliográfica que deu origem ao ponto principal resultante desse trabalho: a revisão da teoria para incluir a fase em que se encontra a música no momento atual, considerando sua mediação pelo computador e sua produção e distribuição em rede. A partir dessa proposta, foi possível partir para a leitura do material especifico sobre o recorte desta dissertação: os processos mediados de construção do funk. Foi desenvolvida a leitura de toda a produção bibliográfica sobre o assunto para a 24 construção do histórico do segmento, desde seu surgimento internacional, passando pela sua entrada no Brasil, seguindo pela sua nacionalização até chegar ao momento atual onde se encontram os entrevistados cujas idéias e falas estão aqui presentes. As leituras sobre metodologia permearam todo o desenvolvimento desta dissertação, sendo retomadas a cada etapa distinta de utilização da metodologia híbrida proposta. O embasamento teórico sobre indústria cultual envolve ADORNO & HORKHEIMER (2000), apoiados nos autores nacionais que versam sobre o segmento: RUDIGER ([1999] 2002), DURÃO, ZUIM, & VAZ (2008), DIAS (2000) e DURÃO (2008). Para as especificidades da indústria fonográfica inserida nos na indústria cultural, foras utilizados todos os autores nacionais importantes, como TINHORÃO, (1981); MORELLI, (1991); PAIANO, (1994); VICENTE, (1996); DIAS, (2000); SÁ, (2002) e CASTRO (2003), sempre em relação ao processo de industrialização tratado por ORTIZ (1994)e com alguma colocação sobre a atualidade baseada em ANDERSON (2006).Para tratar da música no contexto da Cibercultura foram utilizados KURZWEIL ([1999] 2007) e LESSIG (2004). Abordando o funk, foi feita a revisão de todos os autores que citam o movimento dentro do escopo da comunicação, tais como: SÁ, (2007 e 2009), FILHO & HERSCHMANN (2003), FILHO, HERSCHMANN, & PAIVA (2004), FILHO, HERSCHMAN (2000). Foram considerados os produtos da antropologia do pesquisador mais importante sobre o assunto nos trabalhos de VIANNA (1987, 1988, 1990, 1997 e 2006), bem como todos os trabalhos com enfoque jornalístico, 25 como: MACEDO (2003), ESSINGER (2005), FACINA (2009 ), MEDEIROS (2006) e SOUTO (1997). Para tratar do consumo e suas configurações atuais de desintermediação, TAPSCOTT & WILLIAMS (2007), ANDERSON (2006), LI & BERNOFF (2008), apoiados em (LÉVY, [1994] 2003) e JENKINS (2006 e 2006a), que dão subsídios para incluir o homem nessa equação 1.4 ENTREVISTAS A abordagem qualitativa foi escolhida a partir das necessidades de levantamento específicas do problema de pesquisa, para entender questões para as quais a pesquisa quantitativa não delimita respostas capazes de satisfazer questões mais amplas, e tendo como intenção principal realizar investigação exploratória a respeito dos assuntos abordados. A pesquisa qualitativa é um estudo não estatístico que identifica e analisa profundamente dados não-mensuráveis – sentimentos, sensações, percepções, pensamentos, intenções, comportamentos passados, entendimentos de razões, significados e motivações – de um determinado grupo de indivíduos em relação a um problema específico. (PINHEIRO, CASTRO, SILVA, & NUNES, 2004) Para o detalhamento dos fatos e aprofundamento das opiniões dos atores envolvidos com as delimitações do funk produzido no Brasil, o método exploratório escolhido foi o das entrevistas individuais em profundidade. Essa escolha se deu em parte pela necessidade de trabalhar os dados obtidos com outras formas de análise, vinculando as opiniões e vivências pessoais ao trabalho de revisão bibliográfica e observação presencial realizado anteriormente. O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos mais 26 conceptuais e abstratos, muitas vezes em relação a outras observações. (GASKEL, [2002] 2008, p. 65) Dentre os parâmetros metodológicos pesquisados para a escolha da quantidade de entrevistas a serem realizadas, foi observado que não existe um método único dentre a bibliografia sobre o assunto que mostre claramente quais os princípios para quantificar as abordagens qualitativas e obter respostas significativas. No entanto, fica claro que obedecer qualquer critério aleatório para a tomada dessa decisão não seria uma escolha justificada. Na busca pela solução desta questão encontrou-se a resposta chamada de “construção de um corpus”, que significa a “escolha sistemática de algum racional alternativo” (BAUER & AARTS, [2002] 2008, p. 40), a fim de justificar a escolha das pessoas a serem entrevistadas de uma forma diferente do que seria feito numa abordagem estatística aleatória. Considerou-se também a limitação do tempo de pesquisa e a necessidade da análise profunda do que fosse levantado conforme descreve o método (BAUER & AARTS, [2002] 2008, p. 60). Desta forma, optou-se por realizar entrevistas individuais com todos os atores citados diretamente dentro do que foi analisado, que foram restringidos aos representantes principais da categoria analisada e o representante mais importante do que seria o contraponto da categoria oposta, considerando que “nos estudos qualitativos são preferíveis poucas fontes, mas de qualidade, a muitas fontes, sem relevo. (...) uma pessoa só deve ser entrevistada se realmente pode contribuir para ajudar a responder à questão de pesquisa.” (DUARTE, [2005] 2009, p. 68). Foram entrevistados os dois integrantes originais da banda Bonde do Rolê – Pedro D´Eyrot e Rodrigo Gorky – e o produtor Fredi Chernobyl Endres responsável pelas primeiras experiências de funk fora da periferia do Rio de Janeiro, que se 27 mantém trabalhando com esse gênero até hoje. Como forma de complementar o levantamento histórico sobre o funk carioca e das bases para análise do funk desenvolvido fora do Rio de Janeiro, foi escolhido como entrevistado o DJ Marlboro, peça fundamental no desenvolvimento da nacionalização do funk e figura chave do segmento. A entrevista com Marlboro também foi escolhida como forma de contrabalancear as opiniões e informações levantadas nas três primeiras entrevistas. A entrevista individual em profundidade foi escolhida em detrimento de outros tipos de levantamentos qualitativos, por se tratar de abordagens diretas, onde o foco das entrevistas foi o levantamento histórico de fatos e acontecimentos, bem como as opiniões dos elementos chave de ambos os lados abordados no desenvolvimento da pesquisa como um todo. Sua importância está na abertura para comparação das idéias do pesquisador com as idéias dos envolvidos na pesquisa, como disse Gaskel ao citar Robert Farr: Nas ciências sociais empíricas, a entrevista qualitativa é uma metodologia de coleta de dados amplamente empregada. Ela é, como escreveu Robert Farr (1982), “essencialmente uma técnica, ou método, para estabelecer ou descobrir que existem perspectivas, ou pontos de vista sobre os fatos, além daqueles da pessoa que inicia a entrevista”. (GASKEL, [2002] 2008, p. 65) Para as quatro entrevistas foi utilizado o mesmo roteiro de pesquisa, apresentado no primeiro anexo deste trabalho, baseado na necessidade de manter parâmetros para comparação na posterior análise dos resultados. A estruturação do roteiro seguiu os princípios descritos por Pinheiro, Castro, Silva & Nunes, que apontam que “o roteiro de pesquisa nada se parece com um questionário de pesquisa, que é o instrumento clássico da coleta de dados utilizado em pesquisas quantitativas” (PINHEIRO, CASTRO, SILVA, & NUNES, 2004). Desta forma, o 28 roteiro utilizado para as entrevistas8 pode ser considerado como semi estruturado, por possuir pontos que permitem ao entrevistador inserir perguntas que possam aprofundar a questão, e está estruturado por temas agrupados por assuntos além de incluir testes de projeção: Basicamente, o objetivo de qualquer teste de projeção é investigar além da superfície das respostas para obter sensações, significados e motivações reais. A lógica por detrás dos testes de projeção advém do conhecimento de que as pessoas muitas vezes relutam ou não podem revelar seus sentimentos mais profundos. Em outros casos ela não está ciente desses sentimentos devido aos mecanismos de defesa psicológica. Os testes de projeção constituem técnicas para penetrar no mecanismo de defesa das pessoas e permitir que surjam sentimentos e atitudes reais. (McDANIEL & GATES, [2003] 2008) Com as técnicas de projeção, indiretamente os entrevistados são incentivados a analisar o comportamento de outras pessoas, a fim de entender suas próprias motivações: Indiretamente, quando falam de outros, os entrevistados acabam projetando as suas próprias motivações, crenças, ou sensações, fazendo com que suas atitudes sejam reveladas. (PINHEIRO, CASTRO, SILVA, & NUNES, 2004) O roteiro das entrevistas foi estruturado em cinco etapas, seguindo o modelo genérico de roteiro de pesquisa apresentado na figura 1-1. A etapa de aquecimento e contexto foi feita previamente, deixando todos os entrevistados cientes dos procedimentos e dos assuntos que seriam tratados, a fim de proporcionar um esclarecimento a respeito da pesquisa e provocar um maior conforto por se tratarem de entrevistas mais longas do que aquelas que os envolvidos estão acostumados a conceder à imprensa. No momento da entrevista, essa etapa foi feita com uma pergunta ampla para cada entrevistado a respeito de quem eram eles, para que falassem mais abertamente de sua própria pessoa. 8 O roteiro completo está no anexo 1. 29 1-1 Modelo Genérico de Roteiro de Pesquisa Qualitativa Fonte: (PINHEIRO, CASTRO et all, 2004) Para a etapa de aquecimento, foram abordados temas relacionados à rotina de atividades cotidianas e aos detalhes das atividades artísticas de cada um dos entrevistados. A etapa de aquecimento introduz a discussão num contexto genérico, tomando por base a realidade de vida, o cotidiano dos entrevistados. A utilização de uma abordagem ampla no início da entrevista visa facilitar a discussão das questões de maior interesse previstas mais a frente no roteiro. (PINHEIRO, CASTRO, SILVA, & NUNES, 2004) Considerando que “a terceira etapa começa a direcionar a discussão para o segmento relevante ao assunto” (PINHEIRO, CASTRO, SILVA, & NUNES, 2004), 30 foram abordados os assuntos relacionados ao funk carioca em si e suas especificidades, pela visão das duas categorias de entrevistados. Seguindo esse critério, as perguntas da quarta etapa foram focadas na relação dos entrevistados com a indústria fonográfica. Finalmente, na última etapa do roteiro foram abordadas as questões a respeito do que foi chamado previamente de neofunk, para identificar a produção de funk fora da periferia carioca, sem nenhuma intenção de estabelecer um segmento derivado ou subcategoria de estilo, guardando essa discussão para a análise feita a partir das respostas dos entrevistados. Na aplicação do roteiro de pesquisa durante as entrevistas foram consideradas também as respostas dos entrevistados, guiando o encerramento ou a troca de assuntos, bem como a formulação de perguntas intermediárias que permitissem o aprofundamento de pontos levantados que não estivessem previstas, considerando a prática definida por Malhorta (2001) como sondagem, onde as respostas dadas são utilizadas como parâmetro para novas perguntas. A direção de uma entrevista em profundidade é orientada pelas respostas do entrevistado. À medida que a entrevista se desenvolve, o entrevistador investiga as respostas e as usa como base para fazer perguntas adicionais. (McDANIEL & GATES, [2003] 2008) Desta forma foi possível aprofundar pontos diferentes em cada uma das entrevistas a partir do mesmo roteiro, mas seguindo a linha de respostas distintas de cada entrevistado. 1.4.1 MOMENTO DAS ENTREVISTAS O momento escolhido para a realização das entrevistas foi logo após a qualificação, quando todas as leituras teóricas estavam finalizadas, bem como a 31 revisão bibliográfica. Como etapa de preparação para a realização das entrevistas, foi desenvolvida a leitura de todo o material específico sobre funk (artigos, dissertações, teses e livros), que gerou a parte histórica do segmento presente no decorrer do texto. Além disso, foi desenvolvida a leitura e produção textual do que faz parte da história de cada artista, como forma de conhecer melhor cada um dos entrevistados. Assim, durante cada entrevista foi possível explorar detalhes provenientes da história de cada um e conseguir um resultado mais eficiente em termos de análise, já que o conhecimento prévio proporcionou a abordagem das mesmas questões por pontos de entrada distintos. Procurou-se realizar todas as entrevistas num curto espaço de tempo, a fim de manter o conteúdo de cada uma delas fresco, podendo então utilizar respostas de um entrevistado nas abordagens de outros. 1.4.2 PROCEDIMENTOS DE REGISTRO E DOCUMENTAÇÃO As entrevistas foram gravadas em vídeo, a fim de documentar os procedimentos com maior autenticidade do que gravações apenas de áudio. Portanto, foi possível em muitos momentos durante a análise, considerar as expressões e a forma como cada resposta era entendida e enfim respondida. Há uma perda de informações no relatório escrito, e o entrevistador deve ser capaz de trazer à memória o tom emocional do entrevistado e lembrar porque eles fizeram uma pergunta específica. (GASKEL, [2002] 2008, p. 71) 32 Optou-se por não realizar a transcrição total das entrevistas e sim por anexar os vídeos9 de forma que possam ser assistido pelos leitores que poderão perceber os detalhes que seriam perdidos com a apresentação da transcrição. Todas as falas utilizadas no decorrer do texto provenientes das entrevistas foram transcritas literalmente, num processo de transcrição parcial que foi feito após todas as visualizações do material bruto das entrevistas em vídeo. 1.4.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS Além de servirem como fonte para as falas que permeiam a dissertação e corroboram com os argumentos teóricos explorados na revisão bibliográfica, o resultado das entrevistas serviu para a descoberta de detalhes e para o aprofundamento das considerações de análise. Grande parte das opiniões expressas pelos entrevistados foi transformada em análise de dados pela comparação entre elas, seja quando feita entre os produtores e integrantes da banda analisada, seja quando feita em comparação com a opinião expressa pelo DJ Marlboro, integrante do funk carioca que está ciente das derivações do funk produzido fora da periferia do Rio de Janeiro, mas que não faz parte desse movimento. Foram feitas um total de cinco visualizações do material bruto. Após a realização de cada entrevista, os insights e pontos a serem utilizados foram anotados previamente. Na primeira visualização essas anotações foram conferidas e encorpadas, acrescentando indicações mais precisas a respeito das falas que seriam transcritas. Após nova estruturação, foi feita a segunda visualização do 9 As gravações das entrevistas encontram-se no anexo 2 dessa dissertação, em DVD que inclui um player ser instalado para a visualização das mesmas. 33 material bruto, para conferência. Na terceira visualização, foi produzida a parte textual derivada das informações dos vídeos, englobando a parte histórica do segmento e descritiva dos métodos. Na quarta visualização foi feita uma conferência de todo o material produzido, e na quinta visualização foram transcritas as falas que foram selecionadas para utilização permeando o texto. Quando “falas ou comentários que numa primeira escuta pareciam sem sentido podem, repentinamente, entrar em cena à medida que as contribuições de diferentes entrevistados são comparadas e contrastadas (GASKEL, [2002] 2008, p. 71), todas as visualizações se mostraram importantes na construção do produto final, tanto nas argumentações quanto nas falas dos entrevistados posicionadas como citações pertinentes aos assuntos teóricos tratados. 34 Sempre achei que cada geração deveria enterrar-se completamente na areia, com suas obras, sua filosofia e mesmo suas manias (...) Assim pelo menos, os jovens realmente recomeçariam do zero. Joseph Delteil 35 2 CENÁRIOS: INDÚSTRIA CULTURAL E FONOGRÁFICA, TECNOLOGIA E CIBERCULTURA Neste capítulo serão apresentados os cenários pertinentes à construção do da análise disposta nesta dissertação, partindo da definição de indústria cultural e considerando o histórico de industrialização como fator fundamental de seu desenvolvimento. A indústria fonográfica será apresentada como parte integrante desse cenário e seu histórico servirá como ponto de partida para a discussão da inclusão de uma nova etapa de desenvolvimento ocorrente no momento atual de desenvolvimento tecnológico da produção musical. 2.1 INDÚSTRIA CULTURAL, INDÚSTRIA DA CULTURA E BENS CULTURAIS O verbo não vale se não se encarna. Joseph Deiteil Grandes mudanças no desenvolvimento tecnológico colocaram a indústria da cultura no centro de questões econômicas, colocando bens culturais no cerne de discussões sobre consumo. Segmentos de produção que antes eram vistos como secundários passam cada dia mais a fazer parte do que se considera o centro da economia mundial ao lado de bens duráveis e commodities. Pequenas e grandes empresas atuam lado a lado com produtores independentes sem considerar fronteiras, distribuindo seus produtos por todo o globo e atingindo locais cada vez mais distantes, fundindo-se numa forma infinita de mixagem e remixagem. É nesse contexto que se pretende discutir a validade do termo “indústria cultural”, conforme proposto originalmente, em contraponto com a abordagem de 36 sua aplicação nos estudos culturais, onde este é apresentado com características que definiriam muito mais “indústrias de cultura”, ou ainda “indústrias culturais”. O autor David Hesmondhalgh afirma que a importância das indústrias de cultura nos dias de hoje estaria conectada ao fator ligado ao seu papel fundamental de produção e circulação de produtos, os quais seriam capazes de influenciar a forma como entendemos o mundo (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 3). O autor define os produtos culturais transformados em mercadorias que circulam através da cadeia estabelecida pelas indústrias da cultura como “textos” que nos influenciam: Nós somos influenciados por textos informacionais, como jornais programas noticia de televisão aberta documentários e livros analíticos, mas também pelo entretenimento. Filmes, séries de televisão, gibis, musica, vídeo games e outros, nos proporcionam representações recorrentes do mundo, e elas funcionam como uma forma de reportar. Tão crucial, eles baseiam e ajudam a constituir nossa vida privada e intrínseca, e nossa manifestação pública: nossas fantasias, emoções e identidades. Eles contribuem fortemente para com o senso de quem somos, e o que significa ser um homem ou uma mulher, um africano ou um árabe, um canadense ou um novaiorquino, heterossexual ou homossexual. Somente por essas razões, os produtos das indústrias de cultura são mais do que uma forma de passar o tempo. 10 (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 3) O estudo da indústria cultural e da circulação de bens culturais como a música, nos traria, portanto, uma forma de entender mais sobre esse papel central, e sobre os desdobramentos do consumo do entretenimento na vida de cada pessoa, seja ela produtor ou consumidor. Em seu famoso texto “Dialética do Esclarecimento” ([1984] 1985), Adorno e Horkheimer cunham o termo “indústria cultural”, que não trata da cultura produzida 10 Tradução livre da autora:” We are influenced by informational texts, such as newspapers, broadcast news programmes, documentaries and analytical books, but also by entertainment. Films, TV series comics, music, video games, and so on provide us with recurring representation of the world and thus act as a kind of reporting. Just as crucially , they draw on and help to constitute our inner, private lives and our public selves: our fantasies emotions and identities. They contribute strongly to our sense of who we are, of what it means to be a woman or a man, an African or Arab, A Canadian or a New Yorker, straight or gay. For these reasons alone, the products of the cultural industries are more than just a way of passing time” 37 pela massa, e sim de uma organização industrial, econômica, com a determinação de produzir bens de consumo, organizada de forma capitalista a gerar lucro. Tal denominação evoca a idéia, intencionalmente polêmica de que a cultura deixou de ser uma decorrência espontânea da condição humana, na qual se expressam tradicionalmente, em termos estéticos, seus anseios e projeções mais recônditos para se tornar mais um campo de exploração econômica administrado de cima para baixo e voltado apenas para os objetivos supramencionados de produzir lucros e garantir adesão ao sistema capitalista por parte do público. (DUARTE R. , [2003] 2007, p. 9) A transformação da produção cultural em mercadoria e a organização de uma indústria em torno seria uma forma de estimular o consumo através de estratégias de massificação, que não seriam de forma alguma regidas pelas necessidades dos indivíduos, e sim pela lógica de maximização dos lucros: A transformação de bens culturais em produtos passíveis de comercialização estimula a utilização do termo “indústria” para designar uma complexa cadeia de criação de valores que tem por finalidade induzir o consumo através de estratégias de massificação, a despeito da consciência de cada indivíduo. (VIANA, 2009, p. 102) Partindo da definição inicial de indústria cultural como o oposto do que deveria ser o resultado de uma cultura de massa (ADORNO, 1987, p. 287), apresentando-a como algo que deveria soar como depreciativo, como “um conceito destinado a chocar” (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 16), define-se o ponto de observação da mesma como sendo a partir do conflito entre a massificação e o surgimento espontâneo de manifestações culturais. Cultura e indústria, na visão dos autores, deveriam ser coisas opostas, que acabaram por se encontrar numa dinâmica capitalista comoditizada, que opera a despeito do homem e suas necessidades fundamentais individuais. A principal forma de manipulação da indústria cultural para produzir a massificação apontada por Adorno e Horkheimer seria o esquematismo, quando: 38 Uma instancia exterior ao sujeito, industrialmente organizada no sentido de proporcionar rentabilidade ao capital investido, usurpa dele a capacidade de interpretar os dados fornecidos pelos sentidos segundo padrões que originalmente lhe eram internos (DUARTE R. , [2003] 2007, p. 54) Quando a indústria cultural provê de antemão aquilo que deveria ser executado instintivamente pelo sujeito, se apropria da qualidade que o define como ser autônomo e pensante, gerando a previsibilidade que faz parte do próprio esquema de organização que virá a reforçar a aceitação por parte dos sujeitos quando estes vierem a se identificar com aquilo que foi programado para sei aceito. Atualmente discute-se amplamente se a utilização do termo “indústria cultural” ainda é válida, frente às inovações tecnológicas que possibilitaram ao sujeito se desprender da massificação outrora impostos pela indústria cultural, utilizada como sinônimo de cultura de massa. O estudo atual a respeito desta questão, conforme apontado por Andrew Beck (2002), englobam certas características: atualmente, a pesquisa sobre indústria cultural tende a focar nas condições de consumo e recepção ou nas mudanças de características das estruturas da indústria cultural e nas mudanças nacionais, transnacionais e estruturas globais onde estas 11 funcionam . (BECK, 2002, p. 1) Conforme o autor, a partir do que vem sendo feito até então nas pesquisas sobre indústria cultural, estaríamos num ponto propício para uma retomada, levando em consideração as mudanças nas características da produção cultural na atualidade, incluindo entre elas o desenvolvimento de novas tecnologias de produção e distribuição. Assim, o termo tem aplicações técnicas de todo um segmento, tendo por intenção designar a indústria da cultura, quando “assume um caráter 11 Tradução livre da autora: “In recent times research into the cultural industries has tended to focus on either conditions of consumption and reception or on the changing character of both structures of the cultural industries and the changing character of the national, transnational and global structures in with they function.” 39 ultracontemporâneo, desprovido de qualquer impulso crítico” (DURÃO, ZUIM, & VAZ, 2008, p. 11). A afirmação de que a indústria cultural “impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente” (ADORNO, 1987, p. 295) faz parte do discurso crítico acerca da influência à qual estamos todos submetidos. A lógica de produção da indústria cultural que inclui a participação dos segmentos da comunicação e do entretenimento, num envolvimento harmônico entre todos os atores da sociedade com a finalidade de promover o consumo, defendida por Adorno e Horkheimer (2000), aponta para o consumidor um papel pouco participativo, que vem sendo alterado na atual configuração do mercado de bens de consumo, alterando as lógicas do mercado, apresentando um novo modelo econômico, cujas características principais apresentam um desafio às indústrias envolvidas, principalmente de mídia e entretenimento. Além da possibilidade de liberação do sujeito frente à influência da massificação imposta pela indústria cultural, outra condição que desafia a validade trazida pelas inovações tecnológicas é a participação do consumidor no processo de criação de bens de consumo. Se a massificação deixa de ser imposta, apresentado pelos grandes como única opção e ainda passa a ser desenvolvido pelo próprio sujeito, então vai ficando cada vez mais difícil manter o sentido original do termo. Assim, indústria cultural passa cada vez mais a significar apenas indústria de cultura, perdendo seu aspecto original de algo depreciativo, e conseqüentemente, “as críticas à indústria cultural tornaram-se em boa parte fórmulas ocas para contestar um ou outro emprego das comunicações” (RUDIGER, [1999] 2002). 40 Outros autores como Miège (1989) apontam que a massificação e comoditização, ocasionadas pela “introdução da industrialização e novas tecnologias na produção cultural”12 (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 17) também ocasionaram um processo de novo direcionamento e inovações fundamental para o desenvolvimento do que hoje conhecemos como a industria da cultura mundial. Além disso, longe de ser um processo solidificado como costuma ser entendido, a indústria cultural pode ser mais facilmente entendida como um campo de batalhas onde lutas constantes a transformam diariamente, “considerando que existe uma sensação constante em Adorno e Horkheimer de que a batalha já foi perdida, que a cultura já foi absorvida pelo capital. 13 (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 17) Quanto à validade do termo dentro dos estudos sobre indústria fonográfica, Dias aponta que é comum que encontremos a recusa ao conjunto de idéias de Adorno, principalmente nas questões da sociologia da música, porém afirma que esse fato não compromete “o núcleo de argumentação sobre a indústria cultural, não debilitam seu poder explicativo e, conseqüentemente, não conseguem negar sua atualidade” (DIAS, 2000, p. 19). Os estudos culturais são uma disciplina que compreende vários aspectos, que ganha cada dia mais importância pela “crescente importância das praticas culturais e instituições culturais em nossa vida social” (GAY, HALL, & all, [1997] 2003, p. 1) O crescimento dos meios de comunicação de massa, novo sistema de informação global e fluxos, e novas formas de comunicação visual teve - e continua a ter - um profundo impacto sobre a maneira como nossas vidas são organizadas e sobre a 12 Tradução livre da autora: “introduction of industrialization and new technologies into cultural production” 13 Tradução livre da autora: “whereas there is a constant sense in Adorno and Horkheimer that the battle has already been lost, that the culture has been already subsumed by capital” 41 14 maneira pelas quais podemos compreender um ao outro e a nós mesmos " HALL, & all, [1997] 2003, p. 1) (GAY, Considerando a dinâmica dos estudos culturais, a definição de indústria da cultura deveria partir da definição de seus termos, de cultura e de indústria. A dificuldade em definir ou adotar uma definição do termo deriva da dificuldade de se escolher um sentido único do termo cultural, que em seu pluralismo de significados dificulta o entendimento primário do termo indústria cultural. Da mesma forma, quando falamos em indústria e envolvemos bens culturais, temos dificuldades específicas que serão tratadas aqui para uma melhor contemplação do que se entende a respeito da união dos dois termos. A linguagem que utilizamos para definir os dois campos são também distintas: a linguagem da ‘economia’ é idealizada para fornecer-nos a possibilidade de conhecimento ‘duro’ e ‘objetivo’ do mundo, porque se trata aparentemente de um processo ‘material’, ‘factual’. Em contrapartida, a linguagem da cultura parece lidar com os elementos ‘leves’, aparentemente menos tangíveis da vida - significados, representações e valores, por exemplo - e estes são considerados incapazes de 15 gerar claro, inequívoca e, portanto, ‘verdadeiro’ conhecimento (GAY, [1997] 2006) Assim, considerando cultura primariamente como “o sistema de significação através do qual necessariamente a ordem social é comunicada, reproduzida, experimentada e explorada”16 (WILLIAMS, 1981), o autor David Hesmondhalgh 14 Tradução livre da autora: “The growth of the mass media, new global information system and flows, and new visual forms of communication have had – and continued to have – a profound impact on the ways our lives are organized and on the ways in which we comprehend an relate to one another and ourselves” 15 Tradução livre da autora: “the language of the ‘economy’ is held to provide us with the possibility of ‘hard’, ‘objective’, knowledge of the world because it deals with seemingly ‘transparent’, ‘factual’, material process. In contrast, the language of ‘culture’ is seem to deal with the ‘soft’, seemingly less tangible elements of life – meanings, representations and values, for example – and these are assumed to be incapable of generating clear, unambiguous and hence ‘true’ knowledge.” 16 Tradução livre da autora: “the signifying system through which necessarily a social order is communicated, reproduced, experienced and explored” 42 apresenta as industrias de cultura como sendo “instituições que são na maior parte envolvidas na produção de sentido social”17 ([2007] 2008, p. 12). Desta forma, quase todas as definições das indústrias culturais podem incluir televisão (cabo e satélite também), rádio, cinema, jornais, revistas e livros, a gravação de música e indústria editorial, publicidade e artes cênicas. Estas são todas as atividades cujo 18 principal objetivo é o de comunicar para uma audiência, criar textos. (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 12) Tratando de detalhes econômicos nos quais a indústria cultural está envolvida, temos algumas particularidades a serem abordadas, pois diferentemente do caso de produção e distribuição de outros bens de consumo ou comodities, estamos tratando quase sempre da comercialização de algum tipo de trabalho artístico, o que envolve pessoas com características diferentes daquelas contratadas para trabalhar nas linhas de produção. Artistas que trabalham com criatividade precisam de uma forma de organização, e principalmente de uma noção de independência de seu trabalho, que deve ser garantida por uma organização hierárquica que compreenda essa necessidade. David Hesmondhalgh ([2007] 2008) aponta que existe uma mistificação em torno do fato de o trabalho de artistas, tratados por ele como “criadores simbólicos”, não seria compatível com o comercio ou atividades que gerem lucro. definir a criatividade fortemente contra o comércio - como uma grande parte do pensamento romântico e modernista fez sobre a arte - é bobagem. Os criadores precisam ser pagos e alguns dos mais belos, mais engraçados, a maioria dos 17 Tradução livre da autora: “institutions that are most directly involved in the production of social meaning” 18 Tradução livre da autora: “nearly all the definitions of the cultural industries would include television (cable and satellite too), radio, the cinema, newspaper, magazine and book publishing, the music recording, and publishing industries, advertising and performing arts. These are all activities the primary aim of which is to communicate to an audience, to create texts” 43 trabalhos de pensamento mais provocativos foram produzidos como parte de um 19 sistema comercial (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 20) É importante também ressaltar que a economia cultural não é um processo estanque que trata do comercio de bens culturais e das relações entre produtores e indústria. Atualmente as tensões da economia cultural estão relacionadas principalmente à forma como atuam os consumidores. Embora, como o próprio nome sugere, a abordagem das indústrias culturais se concentre no lado da oferta - na produção cultural e sua prática e seus contextos 20 sociais e políticos - não ignora a atividade de audiências (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 36) Tanto as questões dos criadores e da audiência suscitam questões de poder em relação aos produtos culturais e sua circulação. A abordagem dos estudos culturais é um campo fragmentado, mas “em sua essência, está a tentativa de analisar e repensar a cultura, considerando sua relação com o poder social 21 (HESMONDHALDGH, [2007] 2008, p. 41). 19 Tradução livre da autora: “to set creativity too strongly against commerce - as a great deal of romantic and modernist thought about art did – is silly. Creators need to be paid and some of the loveliest, funniest, most thought-provoking works have been produced as part of a commercial system” 20 Tradução livre da autora: “Although, as its name suggests, the cultural industries approach focuses on the supply side – on cultural production an circulation and their social and political contexts – it does not ignore the activity of audiences” 21 Tradução livre da autora: “at its core, is the attempt to examine and rethink culture by considering its relationship to social power” 44 2.2 INDÚSTRIA FONOGRÁFICA O que eu trabalho me trabalha ao mesmo tempo. Antoine de Compagnon O quadro de estudos acerca da indústria fonográfica do Brasil não representa uma linha contínua. Fora trabalhos importantes (TINHORÃO, 1981; MORELLI, 1991; PAIANO, 1994; VICENTE, 1996; DIAS, 2000; SÁ, 2002, CASTRO, 2003), a maioria dos relatos está espalhada em pequenos pedaços ao longo de uma vasta bibliografia composta por artigos ou livros organizados a partir destes. Apesar dos inúmeros artigos acadêmicos publicados sobre o assunto, grande parte trata de dados regionais ou enfoca o assunto com o recorte de movimentos específicos. Mais precária é a história das gravadoras independentes, chamadas indies, bem menos pesquisadas quando comparadas ao estudo e detalhamento do histórico das grandes gravadoras, chamadas de majors. A industrialização, como critério básico para se discutir a indústria cultural, até bem pouco tempo se apresentou defasada no Brasil em relação ao resto do mundo. É só em meados da década de 40 é que podemos considerar a existência no Brasil de uma “sociedade urbano-industrial.” (ORTIZ, 1994, p. 38). O conceito de indústria cultural conforme defendido por Adorno e Horkheimer ([1984] 1985) só pode ser aplicado para estudos no Brasil a partir do final da década de 60 e início da década de 70, com a “consolidação de um mercado de bens culturais” (ORTIZ, 1994, p. 113), a partir do advento da televisão e seu processo de industrialização. Não é possível discutir a indústria cultural mundial sem antes relacioná-la ao desenvolvimento econômico. Assim, a influência da atuação dos aglomerados das 45 corporações transnacionais para a formação dos mercados da indústria cultural e por conseqüência da indústria fonográfica no Brasil, é inegável. 2-1 Estudos sobre Indústria Fonográfica Fonte: da autora A indústria fonográfica como parte integrante da indústria cultural, apresenta histórico paralelo de evolução e uma íntima conexão com o desenvolvimento da tecnologia. Pode-se apontar o surgimento da indústria fonográfica a partir da possibilidade de gravação dos sons, anteriormente apresentados somente ao vivo. É este também o marco da “primeira grande onda de cultura popular” (ANDERSON, 2006, p. 26). Assim, a evolução dos sistemas de gravação como resultado da própria evolução tecnológica de cada época é ponto de partida para estudos acerca da indústria fonográfica. 46 Vicente (1996) apresenta o desenvolvimento da indústria fonográfica dividido em quatro fases, de acordo com a disponibilidade tecnológica de cada uma delas: a mecânica, datada do final do século XX, da qual o centro foram os aparelhos reprodutores de cilindros; a elétrica, a partir do ano de 1925, marcada pelo desenvolvimento da estereofonia e do microssulco22; a eletrônica, onde vigoravam os transistores e as gravações high fidelity, estúdios multi-canais e equipamentos portáteis23; e a digital, a partir do surgimento do CD24, e da incorporação de hardwares e softwares que interferiram no processo de produção musical, terminando por transformá-lo em virtual (VICENTE, 1996, pp. 2,3). 2-2 Fases de desenvolvimento da indústria Fonográfica Fonte: da autora 22 Tecnologia de gravação que permitiu o surgimento dos LPs 23 Neste momento, o walkman 24 Compact disc 47 O início do comércio musical no Brasil foi através da venda de fonógrafos fabricados por Thomas Edson e de fonogramas importados. As primeiras gravações brasileiras aconteceram nos primeiros anos do século XX. As grandes gravadoras internacionais do ramo fonográfico chegaram ao Brasil no final da década de 1920, no mesmo momento em que se desenvolvem as primeiras iniciativas de rádios comerciais (SÁ, 2002). Conjuntamente, este era o momento em que começava uma tentativa de padronização dos mecanismos de gravação. Depois do desaparecimento do fonógrafo e dos cilindros e da passagem pelo gramofone, “a década de 20 traz o advento das gravações elétricas, que substituíram os aparelhos mecânicos.” (DIAS, 2000, p. 35). Uma série de fusões e disputas entre empresas produtoras de mídias e de reprodutores tomou lugar nas décadas seguintes, tendo como resultado a formação de um mercado internacional relativamente bem definido, a partir da constatação de que “os rumos da produção fonográfica vão estar sempre em estreita sintonia com suas necessidades de reprodução técnica.” (DIAS, 2000, p. 37). Mas é somente “na década de 50 estão lançadas as bases objetivas para a padronização da produção da indústria fonográfica mundial” (DIAS, 2000, p. 37). O long play foi o padrão de suporte adotado nos anos 50, que permaneceu até os anos 80, com o lançamento do CD. Esse longo período baseado num único suporte, numa única tecnologia, permitiu uma ampla organização do setor, proporcionando sua implementação no mundo inteiro. Entre as décadas de 1950 e 1960 a massificação atingiu seu ponto máximo e mais homogêneo, onde “era seguro supor que quase todo mundo no escritório tinha visto a mesma coisa no dia anterior” (ANDERSON, 2006, p. 26) A influência da televisão como ferramenta de massificação perdurou pelas décadas de 1970, 1980 e 48 1990, mas o fator preponderante da mudança de comportamento certamente permeou o campo da música e de seu consumo. A comercialização do CD, como resultado do avanço tecnológico e da crise do setor na década de 1980 ocasionou a decisão de descontinuar a produção de outras mídias, o que juntamente com a estabilidade econômica vigente na época ampliaram o poder de consumo e deram força para o crescimento do setor. No período compreendido entre as décadas de 1980 e 1990, a inovação tecnológica foi responsável principalmente pelo barateamento o processo de produção. Foi nesse momento que multiplicaram-se as gravadoras e os artistas independentes, responsáveis por uma reestruturação do mercado. O ápice da indústria da música foi na virada do século, onde esta carimbou seus últimos hits com a receita de sucesso super experimentada outras tantas vezes: “as gravadoras finalmente haviam aperfeiçoado o processo de fabricação de arrasa-quarteirões e agora seus departamentos de marketing podiam prever e, mais que isso, criar demanda com precisão científica.” (ANDERSON, 2006, p. 29). A partir daí, com a produção do mercado fonográfico totalmente digitalizada e a disponibilidade tecnológica, cresceu também o mercado da pirataria. Nesse contexto, surgiram também diversas gravadoras independentes mais estruturadas que no período anterior, dentre elas a Trama Records, que abraçaram renegados e pequenos artistas. Ao mesmo tempo, surgiram diversos estúdios especializados na gravação independente a partir da redução dos custos de produção e do aparato técnico necessário para sua realização. 49 2.3 ORGANIZAÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA A estrutura da cadeia de produção da indústria fonográfica passou muito tempo sob o domínio de um oligopólio formado pelas chamadas majors, que eram as grandes empresas transnacionais do segmento. A dominação do mercado começou nos anos 50, quando a organização e padronização nas formas de produção e suporte permitiram a organização do segmento. As principais gravadoras naquela época trabalhavam de forma consolidada, integrando todas as suas funções e dominando todas as etapas do processo de produção musical, desde a criação, passando pela produção e distribuição, e fechando sua atuação com a divulgação. Convivendo com esse oligopólio, sempre existiram as chamadas indies, atuando paralelamente à dominação imposta pelas majors e congregando os pequenos produtores independentes, em esquemas de produção paralelos. A forma de produção das majors e sua estruturação de cadeia produtiva se manteve estável até bem pouco tempo, enquanto durou seu domínio. Essa cadeia é composta de quatro grandes etapas: criação, produção, distribuição e divulgação. A etapa de criação compreende tudo o que envolve a descoberta de artistas, de composição musical, e é a etapa que precede todas as outras. Na seqüência, entra a etapa de produção, onde é feito o registro de direitos e entram em foco os processos de pós-produção e masterização. Na etapa de distribuição a música é colocada no mercado, e chega ao consumidor final. Esta etapa coincide com a fase de divulgação, onde a música é trabalhada de forma a garantir sua vendagem, incluindo divulgação em canais de rádio e TV, apresentações ao vivo e aparições dos artistas em programas específicos ou turnês. 50 Já a produção dos discos ocorria dentro de um processo de fabricação muito parecido com os sistemas de linha de montagem. As etapas incluídas nesse eram, em ordem: concepção e planejamento do produto; preparação do artista, do repertório e da gravação; gravação em estúdio; mixagem, preparação da fita máster; confecção da matriz, prensagem/fabricação; controle de qualidade; capa/embalagem; distribuição; marketing;divulgação e difusão. (DIAS, 2000, p. 65) Dessa forma, a produção musical era sempre uma produção coletiva, que envolvia setores de produção material e produção artística, englobando o trabalho em diversas funções, tais como: “músicos, compositores, intérpretes, técnicos e engenheiros de som, artistas gráficos, advogados, publicitários, divulgadores, contabilistas, funcionários administrativos, diretores, gerentes, operários, vendedores.” (DIAS, 2000, p. 65). Portanto, como o resultado final produzido dentro desse tipo de organização operada pelas majors é sempre um trabalho coletivo, ele é também fruto de negociação ininterrupta entre todas as instâncias de produção e profissionais engajados nesse processo. 2.4 CENÁRIO ATUAL: INDÚSTRIA FONOGRÁFICA NA CIBERCULTURA A configuração do que se pode chamar de uma indústria fonográfica da atualidade, inserida na Cibercultura, teve início em meados da década de 1990, quando podemos considerar um novo ciclo de evoluções tecnológicas a partir do desenvolvimento da internet. As transformações advindas da rede alteram diversos aspectos do mercado musical, com mudanças não só dentro da indústria fonográfica, como principalmente por parte dos consumidores inseridos no processo de produção e distribuição de conteúdo. Hoje, percebemos que a evolução 51 tecnológica e a já apontada mudança do papel do consumidor, proporcionaram uma mudança na lógica do mercado, invertendo ou anulando papéis dentro do cenário onde jogavam aqueles que estavam envolvidos na indústria fonográfica. Os artistas, agentes da criação artística, aproximam-se do processo de produção, antes intermediado e realizado pela grande indústria que, na atual conjuntura, passa a ocupar-se especialmente das etapas de gerenciamento de produto, marketing e difusão. O mercado começa a oferecer uma profusão de estilos, subgêneros e mesclas de toda sorte. (DIAS, 2000, p. 41) Diversos fatores atuaram de forma concomitante neste momento, ocasionando a dispersão dos ouvintes e desencadeando na transformação do que hoje entendemos por consumo da música. Dentre eles podemos elencar desde a quebra das pontocom, evoluções tecnológicas e a esmagadora adoção da internet, e obviamente, a pirataria, que encontrou aqui ambiente propício para se desenvolver. Entretanto, esses fatores em si não ocasionaram nem juntos nem sozinhos a destruição de um mercado fortemente estabelecido. Opta-se aqui por tratá-los como fatores que alteraram o comportamento de consumo do setor, que por sua vez sim, estraçalharam a indústria fonográfica. O ponto determinante é que, embora a tecnologia tenha de fato desencadeado a fuga de clientes, ela não se limita a criar condições para que os aficionados contornem a caixa registradora. Também oferece enorme variedade de escolhas em termos de o que podem ouvir. [...] os ouvintes não só pararam de comprar tantos CDs quanto antes, mas também estão perdendo o gosto pelos grandes sucessos. (ANDERSON, 2006, p. 31). As recentes transformações tecnológicas, principalmente no ramo da microinformática são responsáveis por uma mudança sem precedentes no modelo de produção e consumo, que culminam numa redistribuição de papéis dentro da indústria cultural, onde o consumidor passa a ocupar papel chave na mudança de 52 uma economia movida a hits para uma economia de nichos (ANDERSON, 2006, p. 17). Quando no século passado a indústria do entretenimento encontrou uma receita de sucesso aplicável repetidas vezes, baseada em ingredientes sobre os quais exercia um poder intransponível, não imaginou que a revolução tecnológica exponencial iniciada na virada do século devolveria a possibilidade de controle aos consumidores. Como “produto de uma era onde não havia espaço suficiente para oferecer tudo a todos” (ANDERSON, 2006, p. 17), a economia baseada na criação de hits perde seu sentido primordial a partir da digitalização dos produtos, que se tornaram não mais que bytes no ciberespaço, deixando de ocupar espaço físico no mundo das prateleiras. O consumo participativo como quadro atual da indústria fonográfica integrante da indústria cultural e é de extrema importância para o presente estudo, pois ocasiona interferência na criação, que por sua vez altera as características do que se produz sobre o signo da indústria cultural, em detrimento da alienação produzida nas massas receptoras, da perspectiva do determinismo cultural. Essas transformações alteram o cenário atual e confundem aspectos e papéis do mercado em que se insere a música. Propõe-se então, a revisão da teoria de separação da indústria fonográfica proposta por Vicente (1996), baseada na relação entre o desenvolvimento tecnológico e as possibilidades fonográficas de cada época, adicionando às já citadas quatro fases, uma quinta, referente ao momento atual de desenvolvimento tecnológico, com base na inserção do consumidor na produção e distribuição musical através da mediação por computador. 53 Considerando as fases anteriores – mecânica, elétrica, eletrônica e digital – acrescenta-se a fase intitulada “em rede”, iniciada em meados dos anos 1990, a partir do surgimento e desenvolvimento da internet. As características principais dessa nova fase estão ligadas diretamente ao consumidor, que passa a co-habitar a mesma plataforma dos produtores, nesse caso a internet. Como desdobramento, temos uma nova hierarquia de produção e de distribuição, já que a aproximação entre eles é inevitável. Ainda como resultado dessa aproximação, temos a formação de uma nova lógica de mercado, onde surgem novas funções, enquanto outras desaparecem, invertendo ou anulando papéis no cenário da música. 2-3 Proposição: Quinta fase - em rede Fonte: organização da autora 54 E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó maquinas! Fernando Pessoa 55 3 A MÚSICA NA CIBERCULTURA A evolução da tecnologia acaba confundindo o limite entre criador e criatura, principalmente num tempo como este em que vivemos em que a utilização da computação e de sistemas informatizados é inevitável. Quando a máquina vence o homem em sistemas fechados como os jogos de xadrez25 e é capaz de gerar obras de arte originais e criativas,26 descrever o homem como “fabricante de ferramentas” parece pertinente. O desenvolvimento de capacidades computacionais extraordinárias e o refinamento das tarefas em que as máquinas se mostram destras não pode ser considerado somente um avanço tecnológico. Precisamos considerar o criador e tratar o avanço tecnológico como obra do homem, ainda que seja possível que essa equação se inverta em um futuro próximo (KURZWEIL, [1999] 2007). Definindo a tecnologia a partir de sua origem grega27 como “o estudo da técnica ou da arte de fazer algo”, podemos colocá-la num ponto intermediário entre o pensamento humano e a produção artística de cada época. A magia que emerge do objeto resultante da aplicação da técnica por conta da vontade do homem como algo maior que a soma de suas partes pode ser considerada como “o fenômeno da transcendência na arte”, numa segunda revolução: quando madeira, vernizes e cordas são reunidos de maneira correta, o resultado é maravilhoso: um violino, um piano. Quando um dispositivo desses é manipulado de maneira correta, existe uma magia de outra espécie: música. A música vai além do velho som. Ela evoca uma resposta – cognitiva, emocional, talvez espiritual – no ouvinte, outra forma de transcendência. Todas as artes compartilham o mesmo objetivo: comunicação entre o artista e o público. (...) O significado grego de tekhné logia inclui arte como uma manifestação-chave da tecnologia. (KURZWEIL, [1999] 2007, p. 37) 25 Informações adicionais sobre o software Deep Blue em http://pt.wikipedia.org/wiki/Deep_Blue 26 Informações adicionais sobre o software AARON em http://en.wikipedia.org/wiki/AARON 27 Tekhné = oficio ou arte, e logia = estudo 56 A relação fundamental da tecnologia com a música está na essência da comunicação entre o artista e o público, ocupando lugar fundamental em qualquer estudo que se proponha a abordar este assunto. A música neste contexto passa de produção artística a evento comunicacional, como descrito por Diana Domingues: novas espécies de imagens, de sons, de formas geradas por tecnologias interativas e seus dispositivos de acesso permitem um contato direto com a obra, modificando a maneira de fruir imagens e sons. As interfaces possibilitam a circulação das informações que podem ser trocadas, negociadas, fazendo com que a arte deixe de ser um produto de mera expressão do artista para constituir um evento comunicacional. (DOMINGUES, 1997, p. 20) Em cada giro de inovação tecnológica a música se apropria de novos elementos para afinar essa relação, que parece estar num diálogo tão constante quanto a própria busca pelo conhecimento: A música sempre utilizou as mais avançadas tecnologias que existiram; os artesãos criadores de gabinetes do século XVIII; as indústrias metalúrgicas do século XIX; e a eletrônica analógica dos anos 1960. Hoje, praticamente toda música comercial – gravações, trilhas sonoras de cinema e televisão – é criada em estações de trabalho de música de computador, que sintetizam e processam os sons, gravam e manipulam as seqüências de notas, geram notações e até mesmo produzem automaticamente padrões rítmicos, linhas de baixo e progressões e variações melódicas. (KURZWEIL, [1999] 2007, p. 219) Sem a necessidade do domínio da técnica de tocar instrumentos para a produção musical, o que se exige agora do compositor é um domínio da tecnologia e dos procedimentos técnicos em que esta se desenvolve. O artista deixa de simplesmente fazer uso do aparato para produzir música, e passa agora interagir com ele numa espécie de sistema aberto e colaborativo. Partindo do uso das tecnologias digitais, temos o rompimento da unificação de gostos e costumes outrora impostos pela indústria fonográfica, permitindo novas formas de trabalho acerca da música que conseqüentemente geram outras formas de organização, armazenagem, distribuição e consumo, diminuindo o abismo existente entre artista e público. Dessa forma, a utilização do computador como 57 mediador dos processos comunicacionais relacionados à música e a adoção de mídias digitais interfere na formação do espectro considerado como música no contexto da Cibercultura. 3.1 A MÚSICA MEDIADA O plágio é uma idéia maravilhosa e o que faço é uma pilhagem original. Malcom Mclaren A entrada do computador como mediador de diversas etapas dentro da indústria fonográfica alterou significativamente o que se poderia chamar de “cadeia produtiva” do setor, da mesma forma com que embaralhou os papéis dos atores dentro dessa cadeia. Não se pretende fazer uma transposição nem apontar graficamente agrupamentos e novas distribuições dentro desse cenário. O intuito aqui não é estabelecer uma classificação nova, e sim separar os processos musicais em grupos, de acordo com a forma de mediação e relação com o computador, a rede e os dados digitalizados que nela navegam, mantendo o ponto de vista a partir das atividades dos produtores e consumidores participativos. Desta forma, os processos musicais mediados por computador se encontram em três grupos distintos de atividades. Num primeiro momento, a mediação por computador se estabelece nas atividades de garimpo e reutilização da matéria-prima da composição musical digital: o sample. A partir da digitalização do som e da disponibilidade do mesmo na rede em sua versão composta por zeros e uns, passa a existir a possibilidade de que qualquer pessoa conectada à internet tenha acesso a uma gama inimaginável anteriormente de matéria-prima passível de utilização na composição musical. Esta disponibilidade é favorecida pelos sistemas de indexação 58 e busca da Web, gerando novas formas de garimpo da informação, que passam a ser utilizadas pelos artistas de diversas áreas, incluindo a música. Numa segunda etapa, a mediação por computador toma parte no processo de produção musical propriamente dito, quando a matéria-prima garimpada é reorganizada dentro seqüenciadores digitais e de softwares de produção. Estes softwares permitem o uso do computador como instrumento de notação direta, liberando o produtor da necessidade de saber manejar instrumentos para produzir música. Essa disponibilidade pode transformar qualquer usuário mais dedicado num produtor musical, além de permitir novas formas de colaboração entre homem e máquina. A terceira etapa onde a mediação por computador aparece é no momento da distribuição e consumo da música. A mediação nesse caso promove a reconfiguração do consumo, pois tendo disponível uma gama maior de possibilidades sonoras e sem interferência direta das estratégias de indução do mercado fonográfico, os consumidores têm mais liberdade de buscar e ouvir novas possibilidades, reconfigurando o que se ouve e reorganizando os processos econômicos acerca do mercado da música. 3.2 PROCESSOS HÍBRIDOS DE REMIXAGEM CULTURAL Repita duas vezes o mesmo fragmento sonoro: não se tem mais um evento, tem-se música. Pierre Shaeffer Aquilo que conhecemos como cultura é algo estabelecido através do tempo e a partir de trocas diversas, que fundamentam as possibilidades de negociação onde indivíduos se identificam e replicam conteúdos através de praticas diversas de 59 transmissão. Quando falamos desta transmissão dentro dos contornos da Cibercultura, estas práticas adquirem possibilidades advindas da adoção das facilidades tecnológicas que acabam promovendo uma prática de hibridação mais intensa do que quando as mesmas eram fruto de transmissão oral e pouco registro, características de momentos não tão distantes do atual. Na cibercultura, novos critérios de criação, criatividade e obra emergem consolidando, a partir das últimas décadas do século XX, essa cultura remix. Por remix compreendemos as possibilidades de apropriação, desvios e criação livre (que começam com a música, com os DJ’s no hip hop e os Sound Systems) a partir de outros formatos, modalidades ou tecnologias, potencializados pelas características das ferramentas digitais e pela dinâmica da sociedade contemporânea. (LEMOS, 2005) Podemos admitir que os processos de remixagem cultural não sejam novos nas dinâmicas de existência e proliferação de informação adotados pelos indivíduos, mas sim que eles foram extremamente favorecido pelos avanços tecnológicos atuais. Dessa forma, técnicas de apropriação são utilizadas para resgatar matériaprima dentre o grande fluxo de informação existente, e a partir dela trabalhar numa dinâmica de reorganização ou reciclagem, criando novas possibilidades musicais. A apropriação tem sempre uma dimensão técnica (o treinamento técnico, a destreza na utilização do objeto) e uma outra simbólica (uma descarga subjetiva, o imaginário). A apropriação é, assim, ao mesmo tempo forma de utilização, aprendizagem e domínio técnico, mas também forma de desvio (deviance) em relação às instruções de uso, um espaço completado pelo usuário na lacuna não programada pelo produtor/inventor, ou mesmo pelas finalidades previstas inicialmente pelas instituições. (LEMOS, 2006, p. 49) A apropriação para Thompson (1995), é um aspecto da comunicação em que os grupos sociais recebem mensagens associando a elas significados e interagindo e integrando as mesmas no seu cotidiano, num processo chamado de “apropriação cotidiana dos produtos de comunicação de massa” (THOMPSOM, 1995). 60 A partir da apropriação é que interagimos com a cultura, promovendo-a de acordo com nosso ponto de vista e retrabalhando as informações que recebemos de modo a conferir novos significados às praticas cotidianas de transmissão cultural. Como base dessas atividades, temos o sample, resultado da prática de sampling onde os sons originais são transformados em seqüências e dados, e depois reorganizados para a criação de novos produtos. Porém, mais do que uma prática associada à música, todo recorte cultural pode ser considerado como um sample, a partir do qual o conteúdo original será reordenado em práticas de remixagem cultural. 61 3.2.1 O SAMPLE Eu não sei tocar nenhum instrumento, então toco todos. Holger Czukay Em termos técnicos, o sample é o resultado da utilização de um equipamento chamado sampler para a obtenção de amostras de músicas. O sampling digital é uma espécie de síntese computacional onde o som é transformado em dados, dados que são como instruções comprimidas para reconstruir aquele som. O sampling é visto caracteristicamente como um tipo de citação musical, usualmente de uma música pop em outra, mas ele engloba a 28 incorporação digital de qualquer som previamente gravado num novo som gravado. (KATZ, 2005, p. 138) O sampler é um equipamento que descende dos sintetizadores digitais, que são equipamentos que foram criados para produzir sons eletronicamente: Herdeiro dos sintetizadores, instrumentos musicais criados para produzir sons eletronicamente, o sampler permite a conversão de trechos de música em sinal digital. Cada amostra sonora (sample) pode ser alterada, dando origem a novos sons. A diferença entre o sintetizador e o sampler é que o primeiro produz sons inexistentes e o segundo grava e manipula fontes sonoras pré-existentes. (BASTOS, 2003, p. 2) O resultado da utilização do sample como matéria-prima para a criação de novas composições musicais é uma música reorganizada a partir de trechos de outras músicas, desde os menores pedaços irreconhecíveis em comparação com o original até mesmo trechos inteiros como bases de bateria ou reefs de outros instrumentos. Se o sample é uma amostra, então o termo não se aplica somente a música. Ele pode ser usado quando falamos de várias possibilidades eletrônicas, e até mesmo quando falamos de composições textuais onde trabalhamos com referências 28 Tradução livre da autora: digital sampling is a type of computer synthesis in which sound is rendered into data, data that in turn comprise instructions for reconstructing that sound. Sampling is typically regarded as a type of musical quotation, usually of one pop song by another, but encompasses the digital incorporation of any prerecorded sound into a new recorded work. 62 bibliográficas. A reciclagem do sample é característica corrente da produção cultural em geral. O lado positivo da cultura de reciclagem é a possibilidade de re-contextualizar os produtos da mídia, equilibrando a ecologia cognitiva contemporânea. O lado negativo é a voracidade que estabelece, suscitando uma reflexão mais cuidadosa sobre parâmetros para as práticas de apropriação e re-utilização de textos, imagens e sons, diante das possibilidades abertas pelas mídias digitais que oferecem tecnologias sofisticadas de digitalização e compartilhamento de arquivos. (BASTOS, 2003, p. 5) Como partimos da reapropriação e da re-significação, as questões de autoria e direitos são suscitados sempre que o termo sample é utilizado. Deixando de lado a legalidade, a propriedade e direitos autorais ficam em segundo plano quando estamos falando de composição musical na Cibercultura pela dificuldade de se estabelecer referências dentro dos processos de apropriação provenientes das práticas decorrentes da utilização de samples, e também pela forma como as trocas acontecem dentro da rede. Diferentemente da já citada composição textual que se utiliza de referências para construção de material original onde as apropriações são evidentes e são apontadas como fontes de pesquisa, as marcas sonoras são dissimuladas pelas alterações feitas no material de origem. Mesmo quando não são feitas alterações, a identificação de material sampleado depende do prévio conhecimento do mesmo por parte dos ouvintes. As marcas não são evidentes, mas além disso outro fator que corrobora para que as referências ao material sejam deixados de lado é que quando falamos de comunicação mediada pelo computador, estamos tratando de pessoas se relacionando entre elas através da troca, a qual é tratada pelas partes como sendo mais importante que o conteúdo em si. 63 3.2.2 PROCESSOS DE REMIXAGEM Não é tempo dos lapidadores de diamante; há tempestade no ar e é preciso fazer tudo bem e rápido. Luciano Berio A técnica de reorganização de samples é chamada de remix ou remixagem. Mas a reorganização de matéria-prima obtida por meio da utilização do sampler não é feita de uma única maneira. Existem diversas formas, algumas mais e outras menos abrasivas, de organizar conteúdo sampleado. Dentre elas, as principais são apontadas como sendo a apropriação, a reutilização ou mashup e o que é comumente chamado de remix: Os principais tipos de reciclagem são três: a re-utilização (que inclui a colagem, a fotomontagem e o assemblage), a apropriação e o remix. São lógicas distintas, por trás do mesmo procedimento. Na re-utilização, o trabalho é atribuído a quem o “criou”, mas os materiais re-utilizados questionam os limites dessa autoridade. Na apropriação, o objeto anônimo se transforma em obra, mas o novo contexto implica em outro sentido, resultado do gesto (anti-) autoral proposto. No remix, o trabalho é recriado, compartilhando marcas do autor original e marcas do autor do remix (BASTOS, 2003, p. 6). A apropriação como forma de reorganização de conteúdo é baseada no conceito de proferir outro significado a objetos quaisquer, retirados de seu uso ou concepção original. É das formas de remixagem a menos utilizada na música, onde o comum é a mescla entre apropriação, mashup e remix. Quando falamos de música construída a partir de pedaços de outras composições, podemos tratar como sendo apropriação toda a utilização de estilos diferentes na composição de músicas que não fazem parte desse universo, como no caso do funk, ao utilizar samples de rock ou de outros estilos. A reutilização, chamada hoje em dia de mashup, consiste em fazer articulações entre conteúdo distinto onde os originais permanecem marcados, quase 64 que na íntegra, dentro do resultado final. Atualmente este estilo de remixagem vem tomando força frente às últimas possibilidades de interferências tecnológicas na música. As inovações técnicas que permitem a manipulação de sons são o parâmetro através do qual as novas construções tomam proporção. O que chamamos de remix, é o resultado da reorganização de elementos próprios de uma mesma música, preservando ou não suas características originais. É importante observar que nenhuma destas técnicas é estanque, e que muitas vezes elas são recombinadas da mesma forma que as músicas, produzindo híbridos, tanto em questões técnicas como em questões de conteúdo. O importante que deve ser destacado no caso da utilização de qualquer técnica de remixagem, seja ela de música, de texto, de vídeo ou de qualquer outro produto cultural, é que mesmo não sendo práticas novas dentro da condição humana de transmissão cultural, elas são potencializadas pela disponibilidade tecnológica dos dias de hoje, e que além disso, as trocas nas quais elas se baseiam são da mesma forma potencializadas. Outro ponto que não pode deixar de ser abordado é que a utilização de objetos culturais existentes para a criação de novos objetos culturais provoca uma re-significação do objeto original, que pode ser positiva ou negativa, de acordo com a colocação do objeto final e do reconhecimento do objeto original: Mas reciclar produtos culturais não é exatamente como reciclar detritos sólidos ou programas de computador. Na reciclagem de lixo, o produto resultante será utilizado novamente, com poucos e declarados prejuízos em relação ao material não reciclado. Na reciclagem de produtos culturais, há o risco de efeito inverso. Como o procedimento é amplo, podendo ser utilizado nos mais diversos contextos, serão consideradas pertinentes à cultura da reciclagem apenas as práticas criativas que exploram a materialidade das linguagens, manipulando com postura crítica e/ou irônica o material tratado, especialmente nos casos em que isso acontece em ambiente digital. (BASTOS, 2004) 65 Os resultados, portanto, não são somente referentes ao objeto final. Temos toda uma gama de significados atribuídos posteriormente ao produto inicial que foi utilizado como fonte primária para a obtenção de samples. As plataformas sociais são a ponta do iceberg onde todos podem ver o resultado do processo de remixagem cultural no qual estamos imersos. Esse processo de remixagem foi extremamente favorecido pelos avanços tecnológicos atuais, conforme previsto por Lessig: Nos próximos dez anos veremos uma enxurrada de tecnologia digitais. Tais tecnologias irão permitir a quase qualquer um capturar e compartilhar conteúdo. Capturar e compartilhar conteúdo, claro, é o que os seres humanos fazem desde que surgiram na terra. É como nós aprendemos e é o motivo para nos comunicarmos.(...) Esse “capturar e compartilhar” digital é em parte uma extensão do capturar e compartilhar que tem sido parte integral da nossa Cultura, mas também tem sua parte inovadora. (...) A tecnologia de “capturar e compartilhar” digitalmente conteúdo nos dá a esperança de vermos um mundo de ampla diversidade criativa que poderá ser compartilhada de maneira ampla e fácil. E se a criatividade for aplicada à democracia, ela irá permitir a uma gama ampla de cidadãos usarem a tecnologia para se expressarem e criticarem e contribuírem para a cultura que nos cerca. (LESSIG, 2004, p. 166) A música é o processo artístico criativo onde a remixagem aparece com maior clareza e a apropriação de conteúdo é transformada em novas criações que superam a soma de suas partes através do uso do aparato tecnológico disponível. Porém, conforme os padrões legais internacionais atuais essa apropriação é indevida e é considerada pirataria, mesmo quando resultando num objeto completamente diferente do original ou beneficiando indiretamente o objeto original. Além disso, “muitas formas de ‘pirataria’ são úteis e produtivas, seja para produzirem conteúdo novo ou para criarem novas formas de negócios.” (LESSIG, 2004, p. 60). Assim como a matéria-prima sonora, ações e providências técnicoburocráticas que eram tomadas somente por gravadoras ou grandes indústrias de música e entretenimento se encontram à disposição dos artistas. A possibilidade de utilização dessas ferramentas faz com que o artista passe a poder ter 66 responsabilidade completa pela sua arte, desde a origem até o encontro com o público: Você não precisa de uma distribuidora, porque sua distribuidora é a Internet. Você não precisa de uma gravadora, porque ela está em seu quarto, e você não precisa de um estúdio de gravação, porque esse é seu computador. Você faz tudo isso 29 sozinho . (FRERE-JONES, 2005) Por conta disto, trabalhos diferenciados de artistas de renome ou de desconhecidos passam a fazer parte do mesmo conjunto, dividindo espaço com todo o restante do universo considerado pop na lista do que é ouvido e consumido. A mudança do mercado de consumo e a fragmentação do mercado em nichos cada vez menores é possibilitado pela da adoção da tecnologia e das mídias eletrônicas que criam condições para essa mudança, e é um fenômeno que abrange diversos segmentos, servindo de apoio para o estudo em diversos campos. Grande parte deste estilhaçamento diz respeito à remixes e mashups, que acabam por reconfigurar o que se escuta, implementando novas versões, ou até mesmo melhorando o que não era tão bom assim: Artistas criadores de mashup como Vidler, Kerr e Brown acharam uma forma de trazer a música pop à uma grandeza que ela raramente atinge. Considere os Mashups como pirataria se insistir, mas é mais correto observá-las através das lentes do mercado, para vê-las como uma expressão da insatisfação dos consumidores. Armados de tempo livre e do software certo, pessoas estão atirando através da pop music inferior e frustradas, escolhem fazer de algumas delas tão boas quanto as 30 melhores . (FRERE-JONES, 2005) Mashups e remixes englobam tudo o que diz respeito à reconfiguração da música na Cibercultura, incluindo mudanças na indústria, adoção da tecnologia, e 29 Tradução livre da autora: “You don’t need a distributor, because your distribution is the Internet. You don’t need a record label, because it’s your bedroom, and you don’t need a recording studio, because that’s your computer. You do it all yourself.” 30 Tradução livre da autora: “Mashup artists like Vidler, Kerr, and Brown have found a way of bringing pop music to a formal richness that it only rarely reaches. See mashups as piracy if you insist, but it is more useful, viewing them through the lens of the market, to see them as an expression of consumer dissatisfaction. Armed with free time and the right software, people are rifling through the lesser songs of pop music and, in frustration, choosing to make some of them as good as the great ones” 67 principalmente a participação indiscriminada de artistas de gêneros e categorias distintas no mesmo processo. 68 Eu só quero é ser feliz Andar tranqüilamente na favela onde eu nasci E poder me orgulhar E ter a consciência que o pobre tem seu lugar. Cidinho e Doca, Rap da Felicidade 69 4 O FUNK O presente capítulo tem por objetivo apresentar o histórico de desenvolvimento do funk desde sua origem até o presente momento, considerando o preconceito vivenciado pelo estilo no Brasil como elemento aglutinador, de proteção e de crescimento do próprio gênero dentro de seu espaço de origem, permitindo que o mesmo se fortalecesse como manifestação cultural e tomasse corpo antes de se apresentar internacionalmente como a verdadeira música eletrônica brasileira. Parte-se de uma revisão bibliográfica de livros e artigos sobre o funk e a violência a ele associada, passa-se por entrevistas concedidas por figuras envolvidas na dinâmica constituindo relato histórico, para chegar ao ponto em que o funk ressurge fortalecido 4.1 ORIGENS O certo é seguir os mandamentos black, que são Dançar como dança um black Amar como ama um black Falar como fala um black Andar como anda um black Usar sempre o cumprimento black Viver sempre na onda black Ter orgulho de ser black Curtir o amor de outro black Gerson King Combo, Mandamentos Black A raiz de todo o movimento funk que hoje se apresenta como tradução cultural da periferia do Brasil não é brasileira. Sua origem está ligada aos Estados Unidos, como derivado da soul music, que é o resultado da mistura do rhythm & blues e da música gospel: Descendente direto do soul, do rhythm & blues e do jazz, o funk nasce oficialmente nos anos 1960 por meio de uma intervenção genial de James Brown (...) apontado como godfather of soul (padrinho do soul), Brown é apontado como invento do funk graças a sua mudança rítmica tradicional de 2:4 para 1:3. (MEDEIROS, 2006, p. 14) 70 A origem do termo está fortemente associada ao sexo: “tratava-se de uma gíria dos negros americanos para designar o odor do corpo durante as relações sexuais” (MEDEIROS, 2006, p. 13). Foi por volta de 1968 que a gíria “funky” perdeu seu significado pejorativo e passou a remeter seu sentido a algo como orgulho negro. Assim, conforme apresenta Hermano Vianna, “tudo pode ser funky: uma roupa, um bairro da cidade, o jeito de andar e uma forma de tocar música que ficou conhecida como funk” (VIANNA, 1988, p. 20). O lastro do funk no Brasil é originário do final dos anos 1970, quando ele invade a periferia carioca, porém os primeiros bailes foram realizados na Zona Sul. Foi somente com o crescimento da MPB e a tomada do Canecão31 para shows desse gênero que os bailes chamados de “Bailes da Pesada”, produzidos por Big Boy e Ademir Lemos foram transferidos para o subúrbio, e passaram a acontecer a “cada fim de semana num bairro diferente” (VIANNA, 1988, p. 24). Os bailes eram promovidos pelos seguidores do filão aberto pelos precursores desses bailes que “tiveram de investir na compra de equipamentos, boa parte deles importados” (HERSCHMANN, 2000, p. 23), transformando-se em equipes: As pessoas que freqüentavam os Baile da Pesada foram pro subúrbio e começaram a fazer bailes... como se fossem o Baile da Pesada... E eles começaram a criar nomes pras festas: festa Soul Grand Prix, festa Som 2000, Uma Mente Numa Boa, Tropabagunça, Cash Box... Essas festas eram semanalmente... mas em clubes diferentes, nunca no mesmo clube... Essa semana era no Renascença, na outra semana era no Grajaú, na outra semana em Caxias... a mesma festa, com o mesmo equipamento... (DJ MARLBORO in MACEDO, 2003, p. 43) Em meados de 1976 a imprensa brasileira descobre o funk e seus bailes, e nos anos seguintes eles se espalham pelo país em movimentos locais. É em decorrência dessa expansão que a indústria fonográfica representada pelas grandes gravadoras descobre o funk no Brasil, que até então era totalmente independente de 31 Local onde originalmente os bailes aconteciam 71 intermediários. Era um movimento da massa para a massa, produzido na periferia para consumo direto e desintermediado da própria periferia. A abordagem das gravadoras para dominar o mercado do funk desencadeou grandes investimentos na produção de coletâneas e na produção de artistas nacionais de soul. A tentativa foi fracassada, pois “a sonoridade dos arranjos nacionais, com exceção dos de Tim Maia, não agradou aos dançarinos cariocas” (VIANNA, 1988, p. 31). Depois disso, tanto as gravadoras quanto a imprensa deixaram de lado os bailes e as equipes de som que passaram todo o período da febre da disco music no Brasil em ostracismo. A temática funk que dominou os anos 1980 teve origem no final dos anos 1970, quando se estabeleceram as equipes de som que “dominariam a cena funk dos anos 80” (MEDEIROS, 2006, p. 15). Apresentando as produções de miami bass com vocais em inglês, as equipes de som comandavam o movimento das “melôs”: um jeitinho brasileiro de se cantar essas músicas. Os freqüentadores faziam as suas próprias versões em português, utilizando palavras que soassem como a letra original. Aí surgiram as “melôs”. E essa febre dos anos 1980 não perdoava ninguém, do pop ao rock. Exemplos são a Melô da verdade (Girl You Know it´s True, de Milli Vanilli) e a Melô do neném (Back on The Chain Gang, da banda Pretenders). (MEDEIROS, 2006, p. 16) Teríamos então o que seria a primeira incursão brasileira no funk, como “uma primeira forma de apropriação criativa, que resulta num produto obviamente híbrido: músicas americanas tocadas em versões instrumentais com refrões gritados pelo público dos bailes em português” (SÁ, 2009, p. 6). Porém, o cenário de dominação das produções americanas só vai mudar na virada da década, quando entra em cena Fernando Luís Mattos da Matta - o DJ Marlboro – que ganha um concurso nacional de DJs e recebe como premio uma viagem à Londres, de onde traz 72 novidades e a vontade de iniciar um desdobramento de funk genuinamente brasileiro. DJ Marlboro se apresentava como DJ nos bailes desde 1977, e suas primeiras experiência como produtor são de meados de 1985, quando ganhou uma bateria eletrônica do pesquisador Hermano Vianna, que naquele momento trabalhava nas pesquisas para a sua dissertação de mestrado32. A bateria que eu ganhei do Hermano em 1985, era o que eu precisava... eu podia fazer música dentro do baile, eu podia revolucionar, fazer minhas próprias músicas. Com a bateria você pode fazer o tipo de batida que você quiser... A batida é a coisa principal do baile... Eu tendo uma bateria pra programar, fazer minha própria batida, eu achava aquilo muito bom, porque era a maneira de eu me expressar... e em cima daquela batida eu juntava outras coisas, outros sons (...) quando ele me deu a bateria, eu fui e comprei um tecladinho. (DJ MARLBORO in MACEDO, 2003, p. 62) Das experimentações com a bateria eletrônica nos bailes surgiram as primeiras produções totalmente nacionais. O primeiro disco de Marlboro foi lançado com o nome Funk Brasil, em 1989, e “o sucesso alcançado por essa coletânea redimensionou o mercado fonográfico nacional” (HERSCHMANN, 2000, p. 28). Quando eu fiz lá o funk em português, e fiz o funk nacional e lutei por aquilo que quase ninguém acreditava, nem os próprios DJs do próprio meio; falavam que eu não ia achegar em lugar nenhum (...) eu sabia que ia chegar (...)eu não sabia que eu ia estar na ativa vendo aquilo acontecer, isso eu não sabia (...) sabia até que ia ter um reconhecimento internacional como movimento cultural, que ia estar na boca de todo mundo, que ia ser um movimento popular mas eu achava que fosse quando eu estivesse bem velhinho ou não estivesse mais nesse mundo, que isso ia acontecer. Mas eu vi isso acontecer, na ativa, tocando, assistindo na atividade o que está acontecendo com o funk no mundo inteiro. (MATTA, 2009) Nesse disco estavam diversas produções de Marlboro, com versões de músicas americanas, vasta utilização de samples e “até músicas que já apontavam uma produção de funk carioca original” (MEDEIROS, 2006, p. 17). Por volta de 32 A dissertação de Hermano Vianna é material seminal para as pesquisas sobre o funk no Brasil, e deu origem ao livro “O mundo funk Carioca”. Foi desenvolvida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, dentro do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, intitulada “O Baile Funk Carioca: Festas e Estilos de Vida Metropolitanos”, no ano de 1987. 73 1994, “as equipes só tocam músicas com letras cem por cento nacionais” (SÁ, 2007, p. 11), adentrando a fase de consolidação do funk nacional. A despeito de todas as questões atuais sobre a pirataria, Marlboro e “seu projeto Funk Brasil continua fazendo sucesso à prova do tempo, lançando novos nomes do cenário funk carioca. Em 2006, com o hit “Ela só pensa em beijar” de MC Leozinho, entre outras 25 faixas, o sétimo volume conseguiu conquistar disco de platina. Isso em plena era da pirataria.” (MEDEIROS, 2006, p. 18). 4.1.1 A HISTÓRIA DO FUNK ENTRE OS ANOS 1990 E 2000 Se tu não curte o funk Pode crer, tá de bobeira Bote uma beca esperta e se junte à massa funkeira MC Marcinho,Glamourosa Após o período de consolidação nacional, o funk encontrou espaços nunca antes imaginados, adentrando a televisão brasileira pela emissora de maior influência no país, e pela mão da então mais importante apresentadora: O sonho dourado dos funkeiros se tornou realidade em junho de 1994, quando a apresentadora infantil Xuxa inaugurou em seu programa de todo sábado, o Xuxa Park, o quadro Xuxa Park Hits – uma espécie de parada de sucessos, com a participação, em caráter experimental, do DJ Marlboro. Era mais ou menos como se o funk entrasse pela porta da frente da TV, com tapete vermelho. (...) Marlboro tanto fez, porém, que acabou virando atração fixa do Xuxa Park Hits, permanecendo no ar durante três anos. (ESSINGER, 2005, pp. 135, 136) Foi na fase de consolidação da produção nacional entre os anos de 1994 e 1995 que o funk produzido na periferia do Rio de Janeiro enfrentou seu momento de maior desafio: lidar com o preconceito e a difamação por parte dos meios de comunicação, quando “o funk sofreu a maior perseguição e estigma da mídia, da polícia e dos “formadores de opinião”, que acenaram reiteradamente com os argumentos do pânico moral para analisar o fenômeno” (SÁ, 2009, p. 9). Neste 74 mesmo momento, temos a máxima aproximação entre os jovens consumidores de funk e seus produtores: O fato é que, nos primeiros meses de 1995, a aproximação da juventude do asfalto com o mundo funk já era uma realidade - e das mais vistosas, difícil de negar. A onda da garotada em busca de emoções – ao menos aquelas que as boates da moda não podiam oferecer. (ESSINGER, 2005, p. 134) Em meio a essa aproximação, o funk continua a enfrentar ondas de associação criminal, porém a indústria cultural se encanta novamente pelo gênero. Mesmo com toda a repercussão e barulho dos funkeiros e com todos os recordes de vendas de suas produções, o gênero não emplaca como sendo de primeira linha e permanece estigmatizado como subproduto cultural, no sentido de ser classificado como produção menor dentro das gravadoras que ainda apostavam no funk: Tão rapidamente quanto chegou, a onda do funk em 1995 quebrou na arrebentação. Por um lado, o movimento deixou de ser um estranho na indústria fonográfica – mesmo que isso implicasse em ser tratado como um gênero de segunda ou terceira classe. Por outro lado, uma vez passado o “armistício cultural” (...) o signo da violência voltou a marcar a cena dos bailes – que é onde o funk nasce, cresce e morre. (ESSINGER, 2005, p. 183) A prova cabal de que o funk havia tomado corpo, e de que a despeito de toda a discriminação ele era o gênero escolhido pela massa como representativo de seus integrantes aconteceu em 1997, quando foi incorporada a “paradinha funk” dentro de uma apresentação no desfile de escolas de samba do carnaval daquele ano, demonstrando que o encantamento conquistado anteriormente continuava: O ano de 1997 começou com uma demonstração da irreversibilidade cultural do funk. Em pleno desfile de carnaval da Marquês de Sapucaí, a bateria da Viradouro, sob o comando do mestre Jorjão, fez uma intervenção miami bass no meio do samba, cujo enredo era “Luz, trevas, a explosão do universo”. Foi uma das raras vezes naquele ano em que a música dos bailes despertaria uma discussão puramente cultural – na maior parte das vezes as páginas policiais é que acolhiam o assunto. (ESSINGER, 2005, p. 185) 75 Foi somente no ano de 2000 que os bailes foram regulamentados, quando a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, através da Lei Estadual 3.410, de 29 de maio de 2000 aprovou o funcionamento dos bailes, num período onde a indústria fonográfica se encontrava “totalmente fechada para o gênero” (ESSINGER, 2005, p. 196). Foi ainda nesse mesmo ano de 2000, que pela primeira vez “um político seria eleito para defender os interesses do funk (...) Verônica Costa. Candidata a vereadora pelo Partido Liberal (PL), ela teve 37 mil votos – foi o quarto vereador mais votado daquela eleição.” (ESSINGER, 2005, pp. 196, 197). 4.1.2 O ARRASTÃO DO FUNK E A VIOLÊNCIA O funk não é modismo É uma necessidade É pra calar os gemidos que existem nessa cidade Bob Rum, Rap do Silva A associação entre o funk e a violência não é assunto novo, e figura em praticamente todos os trabalhos de pesquisa que pretendam abordar o tema de maneira completa. A referência clássica a respeito da violência nos bailes é de Hermano Vianna, que descreve a origem do refrão “é o bicho, é o bicho” (VIANNA, 1988, p. 83). Segundo o pesquisador, o refrão surgiu durante um acerto de contas entre gangues de traficantes, que invadiram o baile encapuzados, e assassinaram um dos dançarinos. Desde os episódios acontecidos no início da década de 1990, que desencadearam a associação entre o funk e as facções criminosas, até o momento do lendário “arrastão” em outubro de 1992 na praia do Arpoador, que o estigma da violência é relacionado ao funk. Hermano Vianna vê esse episódio como uma 76 tentativa das galeras de diferentes favelas cariocas (veja bem, eu não falo de galeras de funkeiros) de encenar na areia da praia o “teatro da violência”que inventaram nas pistas de dança de centenas de bailes funk realizados semanalmente em quase todos os bairros da cidade. (VIANNA, 2006, p. 2) O autor ainda aponta esse episódio como sendo a porta de entrada do funk no inconsciente coletivo da população, num “processo, quase diria violento, de familiarização com sons e imagens provenientes do mundo funk” (VIANNA, 2006, p. 3). Essa entrada do funk na mídia pelos cadernos policiais marcou para sempre o momento criminal que acontecia no inicio da década de 1990, quando “num início de década tristemente identificado com as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, foram os arrastões ocorridos no Arpoador que deram visibilidade aos funkeiros” (FACINA, 2009 ). A violência desses eventos, associados ao cenário político da época, desencadearam um sentimento de medo em relação aos “funkeiros” por parte da elite da população carioca (MEDEIROS, 2006, p. 22), mas também é necessário ressaltar que: toda a campanha de estigmatização e a criação de uma onda de pânico moral em torno do funk carioca – nos noticiários de TV e nas páginas da grande imprensa – acabou, de certa forma, contribuindo para que o estilo de vida e a produção cultural dos jovens funkeiros tenham exercido enorme fascínio entre grupos sociais situados muito além dos morros e domínios da cidade do Rio de Janeiro. (FILHO & HERSCHMANN, 2003, p. 62) A discussão em torno do funk e sua associação com o crime, sobre a violência dos bailes e a respeito da cobertura da mídia frente aos eventos marcantes, perdurou durante os anos 1990: Seguiu-se um enorme debate e a associação entre os bailes funk e a violência atravessou a década de 90, presente no imaginário da mídia, das autoridades policiais e da classe média, com medidas de repressão, cartas nos jornais e ondas de demonização do fenômeno na mídia. O que em nada diminuiu a força do funk na periferia do Rio de Janeiro. (SÁ, 2007, p. 12) 77 Os anos 1990 passaram com a visibilidade midiática relacionada ao funk, ganhos de todas as partes com a criminalidade e iniciativas internas para sua descriminalização, fundamentando toda a nacionalização do gênero na luta entre manter sua essência e não se perder em meio à criminalidade que transborda: Enquanto os bailes de corredor organizados por algumas equipes oficializavam os confrontos entre galeras, dividindo os bailes em lado A e lado B, fazendo da violência uma mercadoria lucrativa, fruto de uma sociedade profundamente desigual e opressora com os de baixo, um outro movimento surgia no meio do funk. Em meados dos anos 1990, donos de equipes e DJs começaram a organizar festivais de galeras, buscando canalizar em outras direções não violentas as rivalidades territoriais. Entre suas várias etapas que se assemelhavam às gincanas, os festivais passaram a incluir a etapa dos raps, músicas que deveriam falar sobre as comunidades de origem das galeras e também pedir paz nos bailes. O que surgiu daí foi mais um passo no processo de nacionalização do funk, que agora passava a contar com a poesia da favela, feita por aqueles que curtiam o ritmo e se identificavam com seus estilos de vida. (FACINA, 2009 ) O reconhecimento que o funk obteve pela aproximação entre os jovens da classe média e alta carioca e os jovens da periferia através do consumo exacerbado das produções do gênero em meados de 1994 e 1995 não durou muito. Foi barrado por uma nova onda de violência associada, após a chacina com o resultado de 10 mortos no Morro do Turano, na mesma época em que o traficante Elias Maluco assumiu patrocinar bailes funk na favela de Vigário Geral: Ele admitiu que patrocinava bailes em Vigário Geral, mas ressaltava que aquilo não tinha nenhuma relação com seus negócios. “Não tem nada a ver. O funkeiro é duro, não tem dinheiro para pagar uma cerveja. O pessoal financia os bailes porque é um lazer para a comunidade. (ESSINGER, 2005, p. 183) Toda a movimentação da mídia em publicar e especular sobre fatos relacionados ou não com o funk e seus bailes acabaram por desencadear uma dinâmica de estigmatização para com o gênero, seus artistas e seu público. 78 4.1.3 ESTIGMA E PRECONCEITO ASSOCIADO PELA MÍDIA: O natural do Rio é o batidão A playboyzada e os manos do morrão MC Sapão, Diretoria Compreendendo que a mídia ocupa papel fundamental na formação dos conceitos que entendemos como estando associados a universos dos quais não fazemos parte ao atuar como fonte de informação, que é “através dela, de modo geral, que se adquire visibilidade e que se constroem os sentidos de grande parte das práticas culturais” (HERSCHMANN, 2000, p. 90), e adotando a definição de estigma de Goffman, podemos fazer um paralelo com a associação da violência ao funk e os funkeiros a partir do arrastão de 1992, quando um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. (GOFFMAN, [1963] 1982, p. 14) Considerando que “um estigma é, então, na realidade, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo” (GOFFMAN, [1963] 1982, p. 13), no caso dos funkeiros, o estigma é “uma linguagem de relações, e não de atributos” (GOFFMAN, [1963] 1982, p. 13). Neste caso, o que se espera de um estereótipo construído pela mídia. No caso dos arrastões de 1992, eles não eram um fenômeno “propriamente novo ou inusitado, mas aqueles, particularmente, foram fundamentais para a retificação de uma certa imagem estigmatizada dos jovens de segmentos populares do Rio.” (HERSCHMANN, 2000, p. 16). Como resultado do estigma imposto pela mídia, nos anos 1990 “o termo “funkeiro” substitui o termo “pivete” passando a ser utilizado emblematicamente na enunciação jornalística como forma de designar a juventude “perigosa” das favelas e periferias da cidade.” (HERSCHMANN, 2000, p. 69). 79 As conseqüências desse processo de estigmatização caminham em duas direções. Por um lado, provocou uma histeria em torno do assunto, a demonização, como tratam os autores, e por outro, despertou o interesse geral pela produção cultural associada ao funk. Herschmann afirma que a imagem do funk, apesar do constante processo de estigmatização, “exerce um enorme fascínio sobre um grande número de jovens que parecem ter encontrado nesses grupos sociais, na sociabilidade e nos estilos que promovem formas fundamentais de expressão e comunicação.” (HERSCHMANN, 2000, p. 20). A lógica que rege o movimento da aparição do funk na mídia é controversa, pois “a mesma mídia que demoniza é aquela que abre espaço nos jornais e programas de televisão” (HERSCHMANN, 2000, p. 90). Alguns autores chegam a defender que existem interesses ocultos nessa alternância entre promoção e ostracismo, e no trânsito entre os cadernos policiais e de cultura em que as matérias e reportagens sobre o funk aparecem. Marlboro afirma que “não dá pra saber exatamente quem são os interessados diretos nessa dinâmica de desgastar e denegrir a imagem do funk. Mas existe isso, não há como negar.” (SALLES & MARLBORO, 1996, p. 42), observando que talvez seja interessante para aqueles que trabalham com as tendências musicais provocar uma alternância de gêneros em moda na música. O que precisa ser considerado no caso do funk é o ponto oposto, onde este promove formas alternativas de existência dentro dos limites impostos pela violência real vivida dentro da periferia. Vários jovens dos segmentos populares continuam identificando nesta atividade uma opção, uma via de ascensão social neste país marcado por um modelo sociopolítico e econômico excludente e autoritário. É possível afirmar que o funk, ao lado do futebol e do mundo do crime, apresenta-se como alternativa de vida mais atraente a esses jovens do que se submeter a um estreito mercado de trabalho que lhes impõe 80 empregos ´sem futuro´, com tarefas massacrantes e monótonas. Este tipo de ´carreira´ parece promover, em um contexto marcado pela experiência cotidiana árdua, uma difícil sintonia entre as expectativas das famílias e as aspirações juvenis. (HERSCHMANN, 2000, p. 256) Considerando as possibilidades que o funk e sua produção oferecem, a associação de um estigma, de características impostas àqueles que estão de alguma forma envolvidos nesse segmento pode ser considerada como uma forma de impor limites dentro de um universo considerado por muitos como sendo periférico. Se a falta de alternativa de crescimento que enfrentam os jovens da periferia é igualada pela mídia ao processo que de certa forma permite possibilidades de desenvolvimento, então estamos realmente tratando de uma dinâmica discriminatória e estigmatizante como um todo. 4.1.4 O PRECONCEITO COMO BARREIRA DE DEFESA: O CALDO BRASILEIRO DO FUNK É som de preto De favelado Mas quando toca ninguém fica parado Amilckar e Chocolate, Som de Preto Obviamente todo o preconceito pelo qual o funk passou acabou fazendo com que ele lidasse com uma barreira de contensão, que o impediu de romper as fronteiras brasileiras rapidamente. A violência associada aos bailes tem papel fundamental na motivação para a formação dessa barreira, quando “o baile, depois do arrastão, passou a ser visto como fenômeno, antes de qualquer coisa, violento. A violência, e não a diversão, se transformou na sua principal marca” (VIANNA, 2006, p. 4), e “tudo se passa como se o baile não fosse também um espaço de confraternização e de festa, de produção de identificação individuais e grupais, de encontro e de troca.” (HERSCHMANN, 2000, p. 149). 81 O funk, na medida em que alcançou destaque inusitado no cenário midiático, foi imediatamente identificado como uma atividade criminosa, uma atividade de gangue, que teve nos arrastões e na “biografia suspeita” dos seus integrantes a “contraprova” que comprovaria esse tipo de acusação. (HERSCHMANN, 2000, p. 51) A facilidade em se apontar a violência, denuncias sexuais e exploratórias como estando associadas ao funk promove a instalação do preconceito como filtro através do qual se analisa qualquer manifestação cultural proveniente desse gênero. Porém, é preciso estar mais atento para a multivascularidade da indústria cultural, como, também, para a complexidade da interação das audiências com os meios de comunicação e as possibilidades de reapropriação das representações hegemônicas. (FILHO, HERSCHMANN, & PAIVA, 2004, p. 8) É a multivascularidade aqui apresentada e o papel de proteção do preconceito frente à maturação do funk enquanto enclausurado pela mídia e estereótipos, que impediram de certa forma o acesso e julgamento inoportuno de uma cultura enquanto essa tomava fôlego para se reinventar e romper as barreiras construídas pela sua representação associada à criminalidade. Assim, o funk brasileiro ficou restrito ao consumo interno, sem chegar ao internacional: Aqui no Brasil o funk passava por um preconceito do próprio Brasil, porque aquilo estava crescendo, se desenvolvendo, e eu achei muito bom esse preconceito (...) vamos supor que você coloca um peixe para cozinhar, e esse peixe começa a cheirar muito bem, e todo mundo vai lá e come desse peixe. Daqui a pouquinho o peixe não cozinhou direito e você comeu o peixe antes dele estar no ponto. O preconceito fez como se essa panela com esse peixe e esse molho lá dentro estivesse tampado por muito tempo, e cozinhasse por mais tempo e entranhasse os temperos naquele peixe, e quando a s pessoas abriram o caldeirão, - caramba, tem um peixe aqui muito maravilhoso, muito gostoso que nós não tínhamos conhecimento, mas que está lá cozinhando faz um tempão. – E o preconceito fez essa barreira, e faz as pessoas se cegarem e não influenciarem no movimento para que não deixasse esse tempero encruar. (MATTA, 2009) Além do período de maturação que o preconceito proporcionou ao funk brasileiro, também os períodos de alternância entre visibilidade e ostracismo foram 82 fundamentais para fortalecer o segmento e proporcionar uma união interna, mesmo entre grupos rivais, quando se trata de defender a bandeira do funk: É engraçado... mas cada baixo desses que dá... é um fortalecimento maior quando volta... O funk é tão “preconceituado” que acaba a gente tendo que se unir, pra fortalecer, pra poder passar por isso, entendeu? De repente essa coesão, essa união do movimento funk também é em virtude do preconceito... Na verdade o funk acabou sendo bode expiatório – ah, o brasileiro não é preconceituoso. É, só que ele não demonstra e assume como os outros povos. Quando pegam o funk, que podem descarregar todo o preconceito contra negros, pobres, favelados, eles descarregam. (DJ MARLBORO in MACEDO, 2003, p. 109) Assim surgiu a verdadeira música eletrônica brasileira, defendida das influências estrangeiras pela tampa do preconceito que permitiu que o peixe do funk cozinhasse com tempero totalmente brasileiro. 4.2 A HISTÓRIA RECENTE DO FUNK: 2000 E BONDES O funk do meu Rio se espalhou pelo Brasil Até quem não gostava quando viu não resistiu MC Marcinho, Glamourosa Na virada do século, o funk ressurge, “agora em espaços distintos de seus bailes de origem. Casas noturnas de classe média, academias, novelas da Rede Globo começam a tocar esse tipo de música” (SÁ, 2007, p. 12), numa vertente mais feminina, com direito a presença de mulheres comandando as pistas, com a temática do cotidiano vivido nas favelas em voga. Em meados de 2004, o funk volta então “a chamar a atenção dos formadores de opinião (...) num outro ciclo do gênero musical, mais marcado pela legitimação crítica e sucesso comercial que pela condenação.” (FILHO & HERSCHMANN, 2003, p. 67). Porém, foi na virada do ano de 2001 que foi percebida a nova onda do funk, quando os “bondes” passaram a figurar no cenário das mais tocadas em todos os cantos do país. A formação desses novos grupos de funk tinha uma característica 83 especial: eram formados por uma geração que cresceu nos bailes, podendo ser considerados uma nova geração na produção do funk: Esses grupos assumiam coletivamente a denominação de bonde. Não o bonde que a classe média conhecia dos noticiários – o do comboio dos traficantes - mas o de grupos de funk formados por um ou mais MC´s e um punhado de dançarinos. (ESSINGER, 2005, pp. 199,200) A forte conotação sexual que envolvia as letras apresentadas pelos bondes era manifestada como sendo resultado de um senso de grupo muito grande, onde certas expressões poderiam ser entendidas de uma forma por quem não participava do universo das favelas, e de outra por aqueles que consumiam o funk. O resultado positivo dessa categoria temática do funk foi tanto, que transformou o gênero em sucesso de vendas novamente. Nesse momento, soluções paralelas foram utilizadas para bater de frente com as gravadoras e seus contratos restritivos, tal como a comercialização de CDs encartados em revistas, vendidos diretamente nas bancas de jornal. A onda dos bondes despertou interesse inusitados em diversos artistas da MPB. Entre eles, encontra-se Caetano Veloso, que percebeu a forte associação das batidas utilizadas como base nos bondes com a sonoridade da Umbanda. O jornalista Silvio Essinger aponta que o movimento dos bondes e seu sucesso poderia ser previsto ao observar manifestações paralelas provenientes de outros cenários, tal como o rock alternativo brasileiro. A legitimação do funk em outros segmentos advém dos anos 1990, quando fagulhas do funk adentraram o cenário do rock alternativo, permitindo que fosse notado fora de seu contexto e colaborando para sua validação como gênero musical genuinamente brasileiro. 84 Em meados de 1995 despontava em Porto Alegre o que seria a fagulha dessa legitimação, quando surgia no mercado paralelo de rock a primeira fita demo33 da banda Comunidade Ninjitsu, composta por uma mescla de batida de funk, guitarra de hard rock e vocais de rap. Era a música “Detetive”, que obteve sucesso no circuito nacional, sendo até mesmo premiada pela MTV em seu VMB, em meados de 1997. A banda optava por inserir uma base pré gravada no lugar do baterista, como forma de manter a base funk em suas apresentações. Também por volta de 1997 o rapper BNegão34 e sua banda The Funk Fuckers apontavam com o disco “Bailão Classe A”, onde a batida do funk era a marca principal. A influência do funk permaneceu constante dentro do trabalho da banda Comunidade Ninjitsu, e acabou transbordando para os trabalhos de outros conterrâneos: o grupo De Falla, que lançou seu álbum “Miami Rock 2000”, que continha a clássica música “Popozuda rock´n´roll”. Filho, Herschmann e Paiva descrevem três momentos na trajetória do funk no Brasil, conforme a figura 4.1, a partir de sua nacionalização: a) um primeiro, entre 1992 e 1998, em que o funk esteve fortemente associado à violência e a criminalidade urbana da cidade; b) um segundo, de 1998 a 2002, em que essa manifestação cultural foi acusada de promover um erotismo exacerbado ou pornografia nos bailes; c) e, finalmente, o momento atual, em que as narrativas midiáticas, em geral, condenam a falta de um conteúdo social ou político nas letras das músicas e/ou a suposta falta de qualidade deste tipo de produto cultural. (FILHO, HERSCHMANN, & PAIVA, 2004, p. 12) Fita demo é uma forma de divulgação utilizada pelas bandas iniciantes, que gravam seu trabalho como forma de demonstração ( demo = demonstração). 33 34 BNegão foi rapper da banda Planet Hemp, quando dividia o palco com o cantor Marcelo D2, além de atuar como letrista. Sua principal banda foi a “The Funk Fuckers”. 85 4-1 Momentos da Trajetória do funk Fonte: Filho, Herschmann e Paiva (2004), esquematizado pela autora É possível acrescentar um novo momento a essa trajetória, que engloba o interesse da imprensa internacional pela música proveniente do Brasil, e o crescimento da visibilidade da produção contemporânea de funk. É nesse novo momento que se desenvolve a produção de funk dentro das características enumeradas como sendo pertencentes à quinta fase de desenvolvimento da indústria fonográfica, exposta anteriormente. Esse momento pode ser observado a partir de 2005, quando as redes de contatos online estavam estabelecidas dentro das plataformas de redes sociais e foi possível desenvolver trocas relacionadas à produção musical dentro delas. Não é somente a partir da disponibilidade tecnológica que essas trocas passam a existir. Elas precisam além disso, de um componente social onde possam fecundar, cujos 86 laços sociais estejam fortalecidos a ponto de permitir a colaboração na produção de bens culturais. Como principal característica, temos um certo abandono as questões anteriores referentes à violência, criminalidade, erotismo e sexualidade, além das questões de qualidade, quando o foco é transferido para as questões de possibilidades sociais provenientes da produção do funk dentro das periferias. Obviamente as questões anteriores não são esquecidas, sendo comum observar que estas aparecem ainda vinculadas ao funk, ainda que esporadicamente. 4-2 Trajetória do Funk no Brasil Fonte: organização da autora O funk produzido dentro da quinta fase de desenvolvimento da indústria fonográfica é considerada por Sá como uma “possível linhagem de música eletrônica popular brasileira.” (SÁ, 2007, p. 3). Uma das bases para esta afirmação é a 87 incorporação do “tamborzão”, batidas com forte influência africana, que deram característica única ao funk desenvolvido no Brasil, tanto pela mão dos cariocas quanto pela mão dos novos produtores, que passaram a construir suas músicas dentro de seus home estúdios baseados em seus computadores. Outro ponto importante para o desenvolvimento dessa linhagem brasileira foi o tratamento tosco e rudimentar dado às composições do estilo, primeiramente como decorrência da falta de experiência e materiais primitivos utilizados na produção, e após como forma de manter o discurso do funk presente nas composições feitas pelos produtores mais cuidadosos. De um lado, era a rudeza com que os produtores tratavam o material sonoro, em seus programas de computador pouco atualizados, o que resultava em faixas com edições frenéticas e criativas na medida das suas impossibilidades. De outro lado, foi a adoção, quase que por todo o funk carioca, de passagens rítmicas feitas com atabaques, muito similares aos dos pontos de macumba, que se adequaram perfeitamente às batidas do Miami. (ESSINGER, 2005, p. 260) O resultado dessa mistura de influências e influenciadores, do trânsito entre underground e mainstream e da persistência dos atores desse segmento, é hoje entendido como parte do movimento funk, um estilo que perpassa as estruturas tradicionais de classificação taxonômica musical e transpassa as linhas entre produtores e consumidores, num emaranhado tecnológico de interações. Foi essa mescla que deu ao funk produzido no Brasil a qualidade de uma variação única, que mesmo quando feita em localidades ou segmentos sociais distintos, chegou ao ponto em que apresenta características culturais realmente brasileiras. 4.3 O “BONDE DO ROLÊ” E FREDY ENDRES 88 O Bonde do Rolê é um trio Curitibano que mistura música eletrônica, samplers de rock e de bandas conhecidas com as batidas do funk carioca, que passou do anonimato ao estrelato em pouco tempo através da rede social formada em torno do site Myspace35. A história da banda começou em 2005, quando os amigos Rodrigo Gorky, Pedro D’Eyrot e Marina Vello Ribatski se reuniram para experimentar suas recém adquiridas habilidades de produtores musicais. Foi a partir dessas primeiras experiências disponibilizadas no site Myspace nos seus perfis pessoais que o produtor Fredi Chernobyl Endres conheceu o trabalho do Bonde do Rolê. Pioneiro no segmento de produção musical despretensiosa e de cunho sarcástico, guitarrista e produtor da banda Comunidade NinJitsu, Fredi Chernobyl Endres é um dos responsáveis pela produção de diversos sucessos do segmento trash36 desde 1995. Passando por diversas possibilidades tecnológicas, a base do seu trabalho como produtor sempre foi a mesma: mistura de gêneros, samples inusitados e a utilização da linguagem do funk como base de suas produções. A historia musical de Fredi Chernobyl Endres começou na escola, quando cantava no coral. Por influência de seu irmão mais velho, passou a tocar guitarra, e já com 11 anos arriscava seus acordes numa banda escolar, com forte influência de Metal Rock. Por volta de 1995 começa sua história recente, com a primeira fita demo da Banda Comunidade Ninjitsu, intitulada “Detetive”. A música estourou, ganhou prêmios, e desde então a trajetória da banda foi cercada de sucessos. Já no ano 2000, Fredi Chernobyl Endres começa a trabalhar com produção, ainda timidamente, ao desenvolver uma coletânea do trabalho de sua banda em 35 http://www.myspace.com “Trash” aqui, tem o sentido de abarcar um estilo musical, fazendo referência aos produtos culturais que não atendem padrões correntes, tais como moral, e qualidade técnica e artística. 36 89 versões de funk revisitado, chamado “Comunidade no Baile”. A batida funk e a influência direta desse estilo está presente nas produções de Fredi Endres desde a primeira fita demo feita para a sua banda Comunidade Ninjitsu em 1995: O funk na época do “rap da felicidade” era o tipo de funk que eu gostava porque me linkava com os anos 80, com o “2 Live Crew”, que eu gostava muito, e o “Run D.M.C”. E ai eu pensei: essa música é só batida e voz, o funk carioca na época era os caras cantando em cima da batida Miami dos anos 80. Eu já simpatizei na hora, achei muito bom. E ai, porque não, em vez de botar um baterista, botar uma batida tipo isso? (ENDRES, 2009) Influenciado tanto pelo momento em que se encontrava o funk carioca – “Rap do Silva” e “Rap da Felicidade” - quanto pelo funk internacional da Flórida com suas letras repletas de bobagens e samples de rock como Van Halen e Guns´n´Roses, Fredi Endres utilizou sua linguagem própria e regional para desenvolver as letras, produzindo paralelamente ao funk carioca, um segmento de funk produzido no Brasil, contemporâneo ao que estava sendo desenvolvido no Rio de Janeiro, mas com linguagem e temática própria de Porto Alegre. Falando do seu cotidiano com as mesmas influências com que o Rio de Janeiro desenvolvia suas produções, com a mesma essência de diversão e irreverência, surgia a vertente mais non-sense do funk produzido no Brasil. As produções musicais da banda Comunidade Ninjitsu sempre flertaram com o inusitado e atravessaram correntes, movimentos e influências, invariavelmente marcadas pelo rock. Foi em 1999, no período de produção e lançamento de seu primeiro CD, que se pode perceber o que viria a ser a base das criações iniciais do Bonde do Rolê: utilização de bases internacionais de bandas de grande sucesso, marcante influência do movimento funk carioca, bases eletrônicas, e obviamente, o rock. 90 Esse primeiro disco da banda Comunidade Ninjitsu teve a produção de Edu K, na época vocalista e produtor do Grupo De Falla. Por isso, torna-se indecifrável o círculo de influências desse segmento recém formado, sendo difícil determinar quem é responsável pela inserção de seus elementos característicos. Nesse momento, o grupo De Falla já havia flertado com produções que mesclavam funk, heavy metal, bases eletrônicas e diversos outros estilos, além de ter passado por diversas formações e até mesmo ficado inativo por diversos anos. Já havia mudado de sonoridade, trabalhado ao vivo com o que na época era considerado como versões cover de bandas famosas, e também de um projeto paralelo de Edu K, constituído puramente de versões eletrônicas de clássicos do rock. Foi posteriormente à produção do primeiro disco da banda Comunidade Ninjitsu, que Edu K assumiu o miami bass como influência, ocasionando o que viria a ser a primeira faísca de todo o processo aqui estudado: a mistura da já esquizofrênica mescla de suas influências com um leve resgate de electro rock e muito miami bass. O resultado foi o lançamento em 2005 da polêmica música “Popozuda Rock´n´roll”, que invadiu o cenário do já bem estabelecido funk carioca, além de toda a cena mainstream das rádios e emissoras de TV. Foi logo depois desse período que ocorreu o encontro entre Fredi Endres e os integrantes do Bonde do Rolê no Myspace. Movido pela familiaridade nas influências e pela curiosidade de saber quem eram aquelas pessoas fora do círculo de seus conhecidos, Fredi Endres entrou em contato com os integrantes do Bonde do Rolê via Myspace. Em pouco tempo eles estavam trabalhando juntos, criando novas produções, remixando e remasterizando o que havia sido feito até então de forma experimental pelos integrantes do Bonde do Rolê. O trabalho de produtor tomou 91 proporção, e do encontro na internet com Rodrigo Gorky, surgiu o primeiro disco do Bonde do Rolê, trabalho produzido em parceria com a banda, feito dentro da sala do de um apartamento em Curitiba, em poucos dias. A partir dali, Fredi começou a produzir também o trabalho da sua própria banda, que parou de chamar produtores externos para essa atividade. Além disso, ele é responsável pelos remixes de diversos trabalhos de outros companheiros de segmento. Numa segunda rodada de interações, foram as visualizações do perfil de Fredi Endres que promoveram o recém criado trabalho em parceria dentro do cenário internacional. A banda adentrava o circuito de produtores do que vinha sendo chamado de “favela chic”, “baile funk”, ou simplesmente “brazilian funk”, pelas mãos do então ascendente produtor Diplo, este responsável pelas produções da cantora M.I.A, que dominavam as paradas internacionais. “Eu acho que a primeira música que eu fiz que usa o funk brasileiro foi “bucky done gun”, e M.I.A naquela época estava muito perto de mim. Nós estavamos tentando qualquer coisa que pudéssemos fazer para criar alguma coisa púnica, então peguei alguns elementos do funk que eu achava realmente interessantes, como as cornetas e os loops das batidas. Eu estava tentando algo que fosse pesado e louco, e aquilo 37 estava à frente do tempo, era uma um tipo de música underground” (DJ Diplo in NA BATIDA DO FUNK) Em 2007, após duas turnês internacionais e amplo reconhecimento, o Bonde do Rolê anuncia a saída de sua vocalista, Marina Vello Ribatski. Esse foi o ponto de virada da banda, que cruzou a linha midiática da internet e invadiu outras mídias de massa. A música da banda intitulada “Solta o frango” entrou como trilha sonora do “FIFA SOCCER 08”, um dos mais populares jogos do segmento desenvolvido pela Eletronic Arts, que lançou o jogo para os principais consoles de vídeo game e 37 Tradução livre da autora: “I think the first song I´ve done that use brasilian funk was “bucky done gun”, and M.I.A at the time was very close to me. We´re just trying whatever we can do to make something unique, and I toke some of the elements of funk that I thought were really exciting, like the horns and drum loops. I was trying something that was heavy and crazy, and it was ahead of the time, it was kind of an underground song” 92 também para telefones celulares, expandindo o sucesso da banda para todos os cantos do mundo. Aproveitando o sucesso, a banda se associou à MTV Brasileira, para a gravação de um reality show onde seria escolhida a sua nova vocalista. Um dos fatores apontados por Pedro D´Eyrot como fundamentais para a “partida” do Bonde do Role para o mercado internacional foi o valor dos cachês pagos no começo da carreira da banda. Ele aponta que se o mercado tivesse sido mais favorável no início, talvez a banda não tivesse focado no mercado internacional e isso tivesse abafado o sucesso em outros países. Sem o compromisso financeiro com o país de origem, a banda pode manter o foco sem arrependimentos. Algo parecido aconteceu com Fredi Endres e Edu K, que em 2007 e 2008 fizeram parte do projeto “Produtores Toddy”, que os colocou como mentores online de bandas iniciantes de todo o país, dentro de uma comunidade virtual criada especialmente para o projeto38. Para fechar o círculo, em 2008 Marina Vello Ribatski voltou a gravar em carreira solo, tendo como produtor Edu K, que também teve suas produções utilizadas em campanhas publicitárias tanto no Brasil, quanto no mundo. O clipe de sua faixa “Gatas, gatas, gatas” apareceu na propaganda da Sony Erickson, e a música “Popozuda Rock´n´Roll” foi ouvida em propagandas internacionais da CocaCola e da Nike. O ponto de partida para a formação do Bonde do Rolê foi a primeira vinda de Diplo ao Brasil. Ao constatar que já faziam como forma de brincadeira o mesmo tipo de intervenção musical que resultou no sucesso de Diplo no Brasil, Rodrigo Gorky e Pedro D´Eyrot resolveram desafiar a lógica da produção nacional e apresentar o que 38 Mesmo finalizado, o site da comunidade formada pelo projeto continua no ar. Para maiores informações e para conhecer a comunidade acesse: http://www.produtorestoddy.com.br. 93 seria a sua versão da mistura do estilo então chamado de “baile funk” misturado com Daft Punk. Assim surgiu a primeira demo da banda, no meio da madrugada e movida por uma crise de ciúmes, intitulada “Melô do RoboRock”, baseada no que eles imaginavam que teria sido a apresentação de Diplo, à qual eles não compareceram. De acordo com Pedro D´Eyrot, o sucesso do Bonde do Rolê está no fato de que o modelo deles não é novo, e que é composto de uma idéia muito simples, que estava dormente e foi resgatada no momento certo. “uma idéia feliz e aplicada no tempo certo (...) A idéia é basicamente: vamos pegar tudo o que a gente gosta, jogar no liquidificador e cantar em cima e se divertir. Não tem segredo.” (D´EYROT, 2009): Eu acredito que quem gosta do bonde, gosta porque gosta de se divertir. A premissa que eu tenho quanto a show (...) a nossa idéia é ser tão absurdo que a pessoa se sinta a vontade com ela mesma. (...) você tem toda aquela coisa do modelo, a pessoa que está no palco é seu modelo.(...) se meu modelo pode fazer isso, eu posso fazer o que eu quiser. (D´EYROT, 2009) A identificação como critério básico para a validade de uma música dentro do universo reconhecido dos ouvintes é apoiada no caso do Bonde do Rolê pela aspiração de seus integrantes em transmitir aspectos psicológicos passíveis de identificação em suas apresentações e na concepção de suas músicas, criando assim mais uma camada de sentido e permitindo aspectos mais profundos de apreciação ou desgosto por parte dos ouvintes. 4.4 FUNK DE APARTAMENTO E O GRAU DAS RELAÇÕES NAS PLATAFORMAS DE REDES SOCIAIS. As facilidades de produção derivadas da adoção da tecnologia por parte dos engajados em novidades na internet acabou por desenvolver toda uma classe de 94 produtores dedicados a fabricar híbridos da cultura popular, entre eles o funk. Trabalhando o que já era uma característica pertinente ao movimento funk desde seu início, misturas cada vez mais inusitadas transformaram a produção de um grupo de amadores naquilo que vem sendo chamado de “funk de apartamento”, fazendo uma referência direta à forma como este é construído, nas salas e quartos da classe média brasileira que possui acesso à internet e tempo livre para empenhar na produção musical. O grande sucesso decorrente dessa modalidade é a já citada banda Bonde do Rolê: Funk de apartamento eu quero dizer aquela coisa que não é feita na periferia do Rio, e nem como a Comunidade Ninjitsu que é uma banda de rock com influência de funk carioca, tocado com instrumento no show, e com o beat ali junto. (ENDRES, 2009) Influenciados pelo sucesso adquirido por bandas como o Bonde do Rolê que foram descobertas quando ainda eram não muito mais que uma produção proveniente da sala de um apartamento, muitos produtores sentiram-se compelidos a tentar a mesma façanha: Acabei influenciando essa galera que quer fazer funk em casa misturado com outras coisas. (...) Com os softwares de áudio todo mundo acha que pode fazer música em casa, e não é bem assim. Rolou uma febrezinha de funk de apartamento há um tempo atrás que parou, porque viram que não é bem assim. O melhor funk de apartamento de todos é o Bonde do Rolê. (ENDRES, 2009) A frustração do não desenvolvimento por completo de todos esses projetos parece não fazer parte dos sentimentos desses produtores amadores em relação à sua produção. Isso se dá pelo fato de não ser sua principal motivação o sucesso, sendo este apenas uma delas. A troca, a experiência no decorrer da produção, de estar em contato com pares que demonstram os mesmos interesses musicais tende a ser a principal razão da dedicação em disponibilizar conteúdo: 95 De quatro anos para cá a gente tem a internet acessível e alta velocidade e Myspace. O que aconteceu é que eu tenho mais gente pra andar junto nessa (...) o que mudou é que tem um bando de produtor que simpatiza com o funk, gente que produz música eletrônica, que simpatiza e que gosta. O que aconteceu é que eu tenho mais gente pra trocar informação hoje em dia desse meio “não funk”. (ENDRES, 2009) Dessa forma, dinâmicas mediadas de construção de sentido fazem parte dos processos mediados de construção de funk, sejam eles vivenciados entre conhecidos ou desconhecidos, entre pessoas famosas ou anônimas dentro da cena do funk, pois uma das características mais marcantes dessas atividades é que elas são desenvolvidas dentro de plataformas de redes sociais onde todos se encontram em iguais condições de exposição, podendo as relações serem estabelecidas entre pessoas de diferentes níveis de capital social ou representatividade, seja dentro da rede ou fora dela. Esta característica de igual capacidade de pertencimento para com as redes sociais é uma das mais marcantes da quinta fase de desenvolvimento proposta nesta dissertação para a música em relação à tecnologia disponível. Aqui, as trocas entre artistas e seu público acontecem sem interferência da indústria fonográfica, mesmo que os artistas estejam ainda extremamente conectados a ela. Estas trocas deixam de ser especificamente musicais, pois ambos estão expostos ao contato a partir das preferências e características descritas em seus perfis públicos. A partir do contato estabelecido em decorrência da apreciação mútua de perfis em plataformas de redes sociais, a condição de fã e ídolo se esvai, restando apenas a conexão entre pessoas com interesses em comum. Esta mudança é significativa principalmente em relação ao componente das trocas. Quando antes o artista estava distante do seu público pela diferença de plataformas – mediado por canais de mão única – esta conexão mais pessoal não era possível, nem fazia parte daquilo que era almejado por ambas as partes. 96 Percebe-se que dentro das conexões estabelecidas entre artistas e fãs tendo como suporte as plataformas de redes sociais onde ambos vivenciam o mesmo grau de participação, a interação versa a respeito de temas variados, tendo sempre a música como pano de fundo, mas permitindo também outras formas de relação. 4.5 NOMENCLATURA E DERIVAÇÕES Um indivíduo adquire um verdadeiro nome próprio ao cabo do mais severo exercício de despersonalização, quando se abre às multiplicidades que o atravessam de ponta a ponta, às intensidades que o percorrem. Gilles Deleuze A abertura da produção de funk para outras localidades do Brasil gerou uma dificuldade em estabelecer classificações de gênero e distinções entre o que era legitimado como funk e o que era derivações, gerando muita confusão cercada de várias piadas, que quando contadas com seriedade acabaram por confundir toda a categorização do gênero. A maior relação entre a produção do Rio de Janeiro e do restante do país é realmente a língua portuguesa, utilizada por ambos como base para toda a produção, diferentemente de outros estilos desenvolvidos no Brasil em idiomas estrangeiros. Obviamente os regionalismos estão presentes em ambos, acentuando o caráter identitário de cada um deles. É tudo funk, na verdade as classificações musicais deveriam existir para você não se perder, e normalmente as pessoas acabam usando essas derivações para separar, e isso é muito ruim, então prefiro não ficar apegado às denominações. (...) As pessoas acabam descarregando preconceito em cima das derivações. (MATTA, 2009) A primeira distinção de nomenclatura que precisa ser feita para decorrer toda a análise dessa dissertação é entre funk carioca e o restante da produção de funk no 97 Brasil. Em suma, não existem diferenças gritantes em termos de concepção ou construção musical, sobrando somente diferenciações simbólicas em termos regionais e de temáticas. O funk quando nasceu lá há muito tempo atrás, a gente era os desclassificados. Ninguém classificava a gente como nada. Fiquei muito feliz em estar viajando e as revistas de música falando de mim, e uma revista de música eletrônica lá fora falando do funk como se fosse música eletrônica, bootleg, músicas que têm pedaços de outras músicas, sampler. E as revistas de hip hop também falam do funk como se fosse o novo hip-hop, o hip-hop latente, feito no Brasil, que fala do dia a dia, do cotidiano, da proposta que é o hip hop verdadeiro. Então nós éramos os desclassificados, hoje estamos em várias classificações pelo mundo inteiro. (MATTA, 2009) Quando falamos em “funk carioca”, geralmente pretendemos falar em funk brasileiro. É obvio que nem todo funk feito no Brasil é produzido no Rio de Janeiro ou em sua periferia, mas ele ficou assim conhecido por conta de suas origens marcadas nessa região e pela pouca repercussão do funk originário do restante do país. Atualmente, duas tendências se sobrepõem em termos de nomenclatura: chamar toda a produção brasileira de “funk” simplesmente, ou adotar o termo “funk carioca” como denominação de uma vertente temática do funk, caracterizado pelos assuntos recorrentes da periferia carioca, independentemente de onde seja produzido. O que sobra no caso da segunda vertente, é nomeado a partir de sua localidade de origem, comumente chamado de “funk do sul”, ou a partir de sua forma de produção simplificada, tratado como “funk de apartamento”. Outra possibilidade ainda é tratá-lo como uma atualização mais abrangente do funk ao incluir novas temáticas, chamando-o de “neofunk”. Adotamos todas as nomenclaturas no decorrer desta dissertação, utilizando cada uma delas de acordo com o enfoque que se pretende evidenciar em cada abordagem. Ao tratar do histórico, fala-se em funk carioca e tende-se a utilizar em algumas partes a nomenclatura de funk produzido no Brasil quando a intenção é 98 evidenciar algum processo que seja comum a todas as vertentes e temáticas. Quando fala-se do funk do sul, normalmente a finalidade é restringir o assunto ao foco do recorte dessa dissertação. Por fim, ao falar em neofunk, a tendência é considerar aquilo que abrange temáticas diversas, mas que em comum tem o fato de ser produzido em esquemas simplificados de distribuição, normalmente de forma a estabelecer uma conexão direta entre produtores e consumidores. O neofunk nos termos dessa dissertação é, portanto, o funk produzido dentro da quinta fase de desenvolvimento proposta nessa dissertação: a fase em rede. Dessa forma, o neofunk compreende o funk carioca quando desenvolvido nessa concepção e o funk produzido no sul, bem como as temáticas diferentes presentes em ambos. Trata-se então de uma nomenclatura a respeito da forma como o funk é produzido, e não de sua origem regional ou sua temática de letras. A brincadeira de chamar o gênero produzido pela banda Bonde do Rolê de “pós-funk”, surgiu a partir da utilização de samples diferentes dos que eram usualmente utilizados pelos produtores de funk carioca, que já havia passado por algumas ondas de transformações, mas que mantinha as bases e os samples quase que inalterados. 99 4-3 Nomenclaturas do funk Fonte: organização da autora Isso ocorre por causa da organização diferenciada dos dois tipos de funk. A produção do funk carioca está centralizada na figura do DJ Marlboro como representante da categoria e como porta de entrada para o sucesso dos pequenos produtores, a tendência de produção é manter a utilização dos mesmos samples e manter também as mesmas características de reorganização desses samples, com a finalidade de agradar à referencia, facilitando o reconhecimento dos pequenos produtores por parte de quem rege o mercado. Já a produção do neofunk, do funk de apartamento e de todas as manifestações da fase atual fundamentadas nas trocas entre muitos, dentro das plataformas de redes sociais, o que dissimula as influências e resulta num processo bem mais fragmentado de derivações. 100 Podemos considerar que hoje esse quadro também não é mais a única corrente no funk carioca produzido dentro da quinta fase de desenvolvimento, que passou a trabalhar com influências diferentes após a virada do século e também se reinventa constantemente acrescentando samples novos a cada dia. Observando a parte instrumental, o background de repertório dos produtores cariocas e o dos produtores do sul do Brasil são muito parecidos no que diz respeito ao funk, porém muito distintos em relação às outras influências. Enquanto no funk ambos cresceram escutando James Brown, George Clinton & Parliament Funkadelic e todas as vertentes originais relacionadas ao funk e Black Music americanos dos anos 1970, podemos dizer que suas influências gerais são outras: enquanto no sul a tendência é que estas estejam associadas ao metal rock e a música eletrônica, no Rio de Janeiro elas estão associadas ao disco funk e também aos gêneros brasileiros, principalmente ao samba e MPB além de toda a base de soul americano. É importante considerar que no neofunk, o funk carioca é considerado como uma influência também, estando lado a lado com outras influências nos termos de hierarquia. Embora a sonoridade final do neofunk hoje seja praticamente a mesma do funk carioca, eles são resultados de formas de organização diferentes. Outra diferença fundamental entre a produção do Rio de Janeiro e do Sul do país, é a utilização de instrumentos tocados, derivada da formação musical que os produtores do sul possuem e os do Rio de Janeiro em geral não têm. Esse fator é também derivado da posição social distinta em que ambos se encontram. Enquanto no Rio o funk deriva das classes mais desfavorecidas da população, no sul estamos falando de classes média e alta. 101 A utilização de instrumentos tocados desencadeia uma diferença fundamental na parte de composição do funk produzido no Rio de Janeiro e do funk do Sul do país. Enquanto no funk carioca a reutilização de samples e a duplicidade de batidas em músicas diferentes são constantes, o funk do Sul se caracteriza por uma produção mais voltada a utilização de sons originais. Obviamente esta é uma tendência que não inviabiliza que o oposto aconteça, principalmente quando analisamos produções mais recentes, permeadas pelo que chamamos aqui de o quinto momento dentro das fases de produção musical, intitulada de “Fase em rede”, onde a circulação do material que serve de matéria-prima, bem como o material final das produções circula no espaço da internet. Finalmente, as músicas produzidas sob o signo do neofunk são mais longas que as produções originais do funk carioca. Isso é decorrente da forma como estas são apresentadas quando são mixadas por DJs em performances ao vivo. Como o neofunk é apresentado por DJs que descendem da linhagem da música eletrônica, as necessidades que estes têm de utilizar as músicas mais longas para promover mixagens também mais longas são consideradas na hora da produção, além de entradas e saídas mais longas para facilitar a mixagem entre as músicas. O funk carioca que é tocado nos bailes não necessita destes detalhes de produção, pois a forma como são mixadas é mais curta, mais baseada nas habilidades de corte e passagem dos DJs desse estilo. 4.6 HIBRIDAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO É da diversidade do funk e de sua multiculturalidade que advém o encantamento daqueles que se identificam com ele. E a identificação múltipla que o funk permite vem da experimentação e das diversas possibilidades que temos em 102 seu processo criativo, onde tudo pode ser aproveitado e reestruturado em algo novo, onde o resultado é maior do que a soma das partes, mas mesmo assim ainda podemos identificá-las na equação. O funk não poderia ter sido criado em outro lugar a não ser no Brasil. O funk é multicultural. Você pega um funk com vários tipos de musicalidade dentro dele. Pode ser uma guitarra de rock, pode ser uma melodia de axé, de forró. Pode ser politizado, pode ser romântico, pode ser irreverente, pode ser erótico, pode ter melodia de samba enredo num funk, ao mesmo tempo pode ter um sampler de uma música eletrônica mais moderna do lado de fora, então ele aglutina e se alimenta de tudo. Isso pra mim mostra que ele é cada vez mais brasileiro porque ele é a mistura de cultura como o brasileiro é. (MATTA, 2009) A melhor interpretação do que seria o funk para Marlboro veio de seus contatos em viagens, quando procurou saber como era ouvido pelo público estrangeiro. Ao perguntar a um DJ alemão amigo, Marlboro descobriu que o Brasil sempre foi muito respeitado no exterior pela sua musicalidade. Quando houve a febre da música eletrônica mundial, adeptos do mundo inteiro esperaram a reação brasileira e a incorporação do tempero brasileiro ao estilo, mas mesmo com alguns sucessos, não se reconheceu a musicalidade visceral brasileira, até que veio o funk e apresentou características culturais brasileiras dentro de sua forma peculiar de composição, como a multiculturalidade e a forma de acabamento onde o que mais importa é a idéia e não sua execução. A hibridação característica do funk ao acolher diversas formas de conteúdo de varios segmentos musicais permite que a identificação aconteça também em diferentes níveis. De alguma forma, em algum momento, quem se identifica com o funk percebe nele elementos culturais com os quais tem contato dentro de suas preferências: quando o cara ouve funk ele se identifica porque tem um pouco da cultura dele ali, mesmo que fracionada, e ele identifica. E isso faz com que o funk tenha essa popularidade mundial. (MATTA, 2009) 103 Dentro disso, a multiculturalidade brasileira aparece marcante dentro das composições do funk, mas é principalmente a característica de permissividade dessas composições que fazem com que elas admitam outras influências, muitas delas ligadas às influencias pessoais de cada produtor. Percebemos claramente que o funk é a base para a montagem e desenvolvimento de criações muito pessoais, mesmo que utilizando bases e influências repetidas ou parecidas. A utilização de samples de forma pessoal faz com que cada música se torne produto único. 4.7 QUEM SÃO ESSAS PESSOAS? Pela exposição do histórico individual e de interações, fica claro que o recorte estudado não trata de pessoas ordinárias, comuns, e nem tão pouco de casualidades ou focos isolados que tomam notoriedade do dia para a noite. Mas também não estamos tratando da totalidade das pessoas. É preciso considerar que mesmo que muitas vezes pareça que todos estão sob influência direta dos fenômenos estudados nos recortes Ciberculturais, estamos falando de uma parcela ainda reduzida de pessoas com acesso direto ao ciberespaço, e dentro dessas, uma parcela menor ainda de ativistas ou pessoas envolvidas em produção e disponibilização de conteúdo, seja esse original ou remixado. Eles dominam as ferramentas de produção e distribuição, que mesmo estando disponíveis para todos exigem habilidades específicas para sua utilização. Estamos falando de early adopters, pessoas cujos dados de acesso e de freqüência online não podem ser usados como parâmetro da totalidade dos internautas, muito menos da totalidade da população. São os primeiros a testar as novidades nas redes sociais, exprimem sua opinião a respeito daquilo que testam, como consumidores ávidos sedentos por novidades. Eles colaboram dentro das 104 comunidades das quais participam para o crescimento das mesmas, e entendem o a colaboração como parte da prerrogativa de estar online, portanto de ser quem eles são. O termo early adopter foi inicialmente cunhado por Everett M. Rogers, no seu livro “Diffusion of Innovations”, de 1962. O livro descreve a teoria mercadológica de uma curva de adoção de novas idéias e tecnologias, onde o autor afirma que “a difusão é o processo pelo qual uma inovação é comunicada através de certos canais, através do tempo, pelos membros de um sistema social”. Ele afirma que as novidades se proliferam dentro de uma comunidade em um gráfico em formato de “S”, onde o inicio da curva de adoção é referente aos inovadores e aos adotantes iniciais, os early adopters. 4-4 Gráfico de Classificação dos adotantes com base no tempo de adoção de inovações Fonte: ROGERS, Everett M. Diffusion of innovations. New York: Free Press, 1962. p.162 105 Pela primeira vez estão disponíveis dados de pesquisa dessa parcela da população no Brasil. Em levantamento realizado durante o Campus Party39, em janeiro de 2009, o “IBOPE Inteligência” entrevistou seiscentos participantes para detectar as práticas de acesso e utilização da internet por parte dos heavy users de tecnologias digitais do país. Dentre os dados obtidos40, verificou-se que mais de noventa por cento dos entrevistados estão envolvidos com tecnologias colaborativas, principalmente ligadas à produção de conteúdo, como também as pessoas que compõem o objeto de estudo desta dissertação. Da mesma forma, assim como 87% dos entrevistados do IBOPE, os entrevistados desta dissertação também possuem perfis em uma ou mais plataformas de redes sociais, e os atualizam com a mesma ou maior freqüência41. Todos os entrevistados dessa dissertação possuem blogs ou atualizam blogs coletivos, como os 31% dos entrevistados do IBOPE que se declaram possuidores de blogs. Dado esse, que complementa o interesse de 91% dos entrevistados em blogs, e o índice de leitura diária de 38% deles. Diversos outros dados são coerentes com o recorte aqui apresentado: 84% usam a internet várias vezes ao dia, e mais da metade costuma acessá-la em casa. Dentro do critério econômico, 80% deles fazem parte das classes A e B. 39 Evento realizado em São Paulo, entre 19 e 25 de janeiro de 2009, o Campus Party é um encontro anual realizado desde 1997 na Espanha, e é considerado o maio evento de inovação tecnológica e entretenimento eletrônico em rede do mundo. A edição brasileira é a primeira etapa da internacionalização do projeto. Para mais informações, ver site oficial do evento brasileiro: http://www.campus-party.com.br. 40 Os dados aqui apresentados foram obtidos em reportagens sobre a pesquisa realizada, apresentada no site do próprio IBOPE, disponíveis no anexo número dois e também em: http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE&pub=T& db=caldb&comp=Not%EDcias&docid=17FFBC82352731D38325754A005F0EB9 E também em reportagem adicional veiculada no Jornal O Estado de São Paulo, disponível em: http://www.ibope.com.br/clip_inteligencia/09_01_26_oesp_campusparty.pdf 41 17% dos entrevistados do IBOPE afirmam atualizar seus perfis com freqüência diária. 106 Como dito anteriormente, os exemplos aqui citados fazem parte de uma categoria de pessoas que se sobressaem à média. Os dados apresentados em março de 2009 pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil42 (CGI.br) sobre o uso da internet nos domicílios brasileiros permitem uma visão global do usuário brasileiro . A pesquisa chamada de “TIC Domicílios”43 de 2008 é a quarta edição da pesquisa, e apresenta dados sobre o desenvolvimento da internet no Brasil. 4-4-5 Proporção de pessoas que acessaram a internet 2005-2008 Fonte: TIC Domicílios 2008 (CETIC.br, 2009) 42 O Comitê Gestor da Internet no Brasil, CGI.br, foi criado para tornar efetiva a participação da Sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da Internet, o Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia o constituíram, de forma conjunta, em maio de 1995, pela Portaria Interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995 e alterada pelo Decreto Presidencial nº 4.829, de 3 de setembro de 2003, para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços de Internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados. Fonte: http://www.cgi.br/sobre-cg/index.htm. 43 Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias da Informação e Comunicação no Brasil. 107 De acordo com essa pesquisa, um quarto dos domicílios brasileiros possui computador, dos quais 71% possuem acesso à internet. Os usuários de computador44 constituem 41%, enquanto os usuários de internet somam 38%, número que demonstra crescimento nos últimos anos. Porém, os dados de uso e acesso não podem considerar somente computadores domiciliares, haja vista que a pesquisa identificou os “centros públicos de acesso pago”45 como principal local de uso da internet no Brasil, que têm 48% de menções, superando o uso domiciliar. 4-6 Proporção de pessoas que acessaram a internet 2005 – 2008 Fonte: TIC Domicílios 2008 (CETIC.br, 2009) 4-4 Local de acesso individual à internet Fonte: TIC Domicílios 2008 (CETIC.br, 2009) Outro dado importante é a evolução da disponibilidade da banda larga entre os usuários da internet. Até 2006 era predominante o uso de acesso discado, que veio a ser equiparado em 2007 ao acesso por meio de banda larga. Em 2008 o uso de banda larga ficou quase duas vezes maior que o anterior, apresentando 58% de uso, contra os 31% de conexão discada. 44 Definidos como pessoas que utilizaram o computador nos últimos três meses. 45 Denominação utilizada na pesquisa para designar as lan houses. 108 Não é só o crescimento que conta ao considerarmos a real colaboração e participação dentro das comunidades online. É preciso considerar que a qualidade do acesso é em diversos momentos responsável pela profundidade da participação do usuário. Nesse sentido, os brasileiros sempre se destacaram dos demais usuários, e os dados de evolução da utilização da banda larga constituem argumento para essa afirmação. Dentre as atividades realizadas na internet, o perfil do brasileiro apresentado na TIC Domicílios 2008 é coerente com o crescimento do acesso e da banda larga, apresentando crescimento nas atividades de lazer, treinamento, educação e comunicação, enquanto as atividades de e-banking permaneceram sem alteração. 4-7 Atividades desenvolvidas na internet Fonte: TIC Domicílios 2008 (CETIC.br, 2009) Dentre as atividades de lazer desenvolvidas na internet, foram incluídas na pesquisa as atividades de “fazer ou atualizar blog ou fotoblog”, que atingiu 14% das menções, e “divulgar filmes ou vídeos na Internet”, que obteve 15% das menções. O fato de serem incluídas atividades colaborativas dentro das já existentes possibilidades de lazer demonstra claramente uma mudança na forma como se 109 comporta o usuário brasileiro enquanto navega. Embora tenham uma menor porcentagem de menções, configuram parcela considerável das atividades desenvolvidas pelos internautas, já que atingiram esse percentual em sua primeira aparição na pesquisa. Outro fator que apresenta forte tendência de crescimento é o de habilidades relacionadas ao uso da internet. A habilidade com maior percentual declarado é a de “usar um mecanismo de busca de informações” com 37%, mas o ponto importante aqui é o crescimento das práticas colaborativas, onde a habilidade de “criar uma página na Web” teve um crescimento de 5 pontos, passando dos estáveis 6% em 2007 para 11% em 2008. 4-8 Habilidades relacionadas ao uso da internet Fonte: TIC Domicílios 2008 (CETIC.br, 2009) Conforme análise dos dados apresentados, podemos considerar o crescimento das práticas colaborativas dentro da também crescente parcela dos brasileiros que possuem acesso à internet, seja este em casa ou nas lan houses. O que não se pode deixar de perceber, é que mesmo diante desse crescimento, esta 110 ainda é uma parcela que não representa a totalidade dos brasileiros. Da mesma forma, faz-se necessário ressaltar a distância entre as pessoas por trás dos dados aqui apresentados e sua parcela complementar: os brasileiros que não possuem computadores, nem tão pouco acesso à internet. Tenhamos em mente que estamos falando de uma nova elite global, “a qual, sempre que viaja (e ela viaja muito, seja por avião ou na rede mundial de computadores), encontra outros membros da mesma elite global que falam a mesma língua e se preocupam com as mesmas coisas.” (BAUMAN, [2004] 2005, p. 103). A atitude em relação às coisas pertinente aos que fazem parte dessa elite é o que se procura evidenciar no processo dessa dissertação, mostrando um extremo que não faz parte da realidade da grande maioria da população mundial, e que mesmo que fosse desejado por ela, não seria uma atitude fácil de adotar para a grande maioria dos habitantes do planeta que permanece presa ao local de nascimento e, se desejasse ir para outros lugares em busca de uma vida melhor ou simplesmente diferente, seria detido na fronteira mais próxima, confinada em campos para “imigrantes ilegais” ou “enviada de volta para casa”. Essa maioria é excluída do banquete mundial. Para ela não existe “bazar multicultural”. (BAUMAN, [2004] 2005, p. 103) Não estamos tratando da maioria, nem mesmo de conceitos que possam ser replicados em grande escala. Se assim o fossem, certamente seriam reconfigurados pela amplitude de suas implicações. 4.7.5 CIBER-REPRESENTAÇÃO A imagem pública dissociada do entendimento sobre sua própria individualidade não é mais exclusividade de poucos famosos que lidam com a dualidade de uma imagem pública distinta de sua imagem privada. Esse desequilíbrio é vivenciado quando “brincamos com diferentes aspectos do nosso eu” 111 (TURKLE, 2006, p. 291) nas nossas ciber-representações em diversas plataformas de redes sociais. Se até hoje o reconhecimento estava relacionado à associação de um rosto a um nome, na Cibercultura este aspecto é transferido ao perfil de usuário. Não importando se este perfil é de uma pessoa real, se esta vive ou já morreu ou se quer ser reconhecida, a carga de identidade de um indivíduo outrora carregada nele mesmo é agora descarregada no ciberespaço. Estes perfis criados por nós mesmos nas plataformas que permitem interação social são denominados ciber-representações. (VIANA, Música Digital e Ciber-representação: as redes sociais na web 2.0, 2009b, p. 9) Com a circulação das nossas informações pessoais no espaço da internet como “condição de existência e de participação numa comunidade virtual (MOSCOVICI, 2006, p. 78), necessitamos das ciber-representações para concentrar as informações a nosso respeito. Mas a nossa existência nessa realidade não está restrita à participação dos usuários com um único perfil. Muitos deles utilizam ciberrepresentações distintas para cada uma de suas ditas personalidades. No caso das plataformas musicais, muitos se conectam ao sistema com ciber-representações diferentes dependendo do que vão ouvir naquele momento. O que seria considerado como patologia nos laços sociais da vida off-line é considerado como corriqueiro e sem importância dentro do ciberespaço quando: editamos e transferimos tudo o que diz respeito a nós mesmos ao ciberespaço ao criar nossas ciber-representações, e sociabilizamos através delas. Transferimos nossas questões de lugar. Descarregamos mais do que nossa identidade. (VIANA, Música Digital e Ciber-representação: as redes sociais na web 2.0, 2009b, p. 9) A falta de coerência entre as diversas representações dentro de uma plataforma é fato, tal qual a existência de diferenças entre as ciber-representações de um mesmo indivíduo em plataformas sociais diferentes. Da mesma forma como exercemos papéis sociais distintos de acordo com o ambiente em que nos 112 encontramos e com os indivíduos com quem nos relacionamos, temos diferentes representações em diferentes plataformas online. O sentimento de pertencimento vivido em relação às comunidades substitui a relação face a face, e a ciber-representação define o espaço público e o lugar (ciberespaço) compartilhado por um grupo (MOSCOVICI, 2006, p. 79). A nãotransitoriedade como fator fundamental da existência das comunidades virtuais (TURKLE, 2006, p. 287) é vencida dentro do ciberespaço pelos laços de interesses, neste caso musicais, quando “brincamos com diferentes aspectos do nosso eu” (TURKLE, 2006, p. 291)nas ciber-representações criadas por nós mesmos. A ciber-representação nesse contexto passa a ser a representação do eu desenvolvida por ele mesmo dentro das plataformas de redes sociais, com as ferramentas disponibilizadas por estas. É a partir da ciber-representação – e não da pessoa em si – que se dá toda a troca desenvolvida entre as pessoas no ciberespaço. Isso acarreta dizer que nem tudo o que as pessoas são está envolvido nessas trocas. Quando o contato é através de perfis em plataformas sociais e não através de pessoas, ficamos reduzidos àquilo que a plataforma permite que seja mostrado ou revelado. É claro que hoje em dia, devido à profusão de plataformas de redes sociais, tendemos a revelar diferentes coisas em diferentes plataformas, e também a nos relacionar através de várias delas. Mas mesmo assim, estamos restritos a comunicação mediada, em todos os atos de ligação feitos através do ciberespaço. A ciber-representação como forma de participação no ciberespaço acarreta outra consideração: a de que produtores e consumidores precisam da mesma ferramenta para fazer parte do conjunto. Assim, aquilo que na vida off-line 113 representa a distinção entre produtores e consumidores, precisa ser transposto para o online para fazer sentido, o que nem sempre acontece. Assim sendo, ambos figuram da mesma forma no ciberespaço, necessitando outras formas de distinção. Essas formas de distinção são difíceis de serem representadas, facilitando o contato entre ambos despidos de suas características de diferenciação. É a padronização das ciber-representações que promove a ligação entre produtores e consumidores, fazendo com que os papeis de ambos se misturem no ciberespaço. 4.7.6 REPUTAÇÃO ONLINE Ao apresentar a aquisição de reputação como principal força motora para a colaboração, discutem-se as formas de se adquirir credibilidade online e as possibilidades de influência acerca da utilização dessa qualidade para referenciar as recomendações pessoais online, no caminho da autonomia que se espera num sistema econômico onde cada um de nós é a mensagem (McCONNELL & HUBA, 2008). Nos dias de hoje, com as possibilidades de participação disponíveis como nunca antes, as pessoas identificadas com a colaboração sentem-se livres para utilizar seu tempo disponível em prol de algo que acreditam ou se identificam, com diversas intenções e finalidades. Ao apontar a colaboração como uma cultura não comercial, mas envolvida num contexto comercial, Lessig (2004) dá subsídios para o que é definido por McConnell e Huba (2008) como uma experiência na “microeconomia da mão-deobra”, onde o talento não funciona de graça, mas nem por isso pressupõe a falta de remuneração. Os mesmos autores apresentam quatro razões para o motivo do 114 envolvimento das pessoas em atividades colaborativas: “altruísmo, relevância pessoal, bem comum e status” (McCONNELL & HUBA, 2008, p. 84). Em outro pólo, os demais autores pesquisados apresentam razões de cunho similar às de McConnell e Huba, porém as relacionam com a posterior conversão destas em outros valores que têm significado dentro da economia tradicional. Resumidamente, “o objetivo é experimentar uma nova maneira de ganhar visibilidade” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 50), principalmente empregada entre criadores de todas as áreas quando “oferecer gratuitamente conteúdo e construir uma relação leal fazem cada vez mais parte do arsenal dos criadores na batalha pela atenção das pessoas” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 51). A relação estabelecida entre quem colabora e quem recebe os frutos dessa colaboração gera características de envolvimento, transformando-a em “uma atividade de lazer com dimensão social.” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 51). Aquilo que não começa com propósitos comerciais, é impulsionado por “expressão, diversão, experimentação”, conta com “a existência de uma moeda no reino capaz de ser tão motivadora quanto o dinheiro: reputação” para transformar todo o fenômeno em economia, convertendo a reputação “em outras coisas de valor: trabalho, estabilidade, público e ofertas lucrativas de todos os tipos.” (ANDERSON, 2006, p. 71). De acordo com Tapscott e Williams, o fato da remuneração pela participação não ser direta e não resultar em valor monetário, “não significa que elas não se beneficiem de sua participação de outra maneira” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 90). Os autores afirmam que “as motivações para participar são, em última instância, muito mais complexas que divertimento e altruísmo” (TAPSCOTT & 115 WILLIAMS, 2007, p. 92), e estão muito mais relacionadas à experiência, conexões e status, que por sua vez “pode ser algo de grande valor em suas carreiras”. Embora o reconhecimento social possa ser considerado como o grande motivador da participação e por conseqüência, da criação de valor por parte de cada indivíduo, é necessário considerar que em contrapartida, a possibilidade de participar é democrática o suficiente para possibilitar voz àqueles que antes não a tinham. A reputação online pode ser conseguida de diferentes formas. Jenkins aponta que as formas legítimas de ser reconhecido com credibilidade dentro de uma comunidade virtual, transitam entre a quantidade de trabalho e de tempo dedicado ao grupo, bem como a qualidade e a confiabilidade desse trabalho colaborativo (JENKINS H. , 2006, p. 34). Bowman e Willis (2003) apontam outras qualidades dentre os participantes de comunidades que podem remeter à confiança e credibilidade são: igualdade, intimidade, paixão, velocidade nas comunicações, e a facilidade de acesso aos mecanismos de participação. Como parte dos problemas acerca da reputação, os mesmos autores apontam a falta de portabilidade das identidades online: um problema com a reputação online é a falta de portabilidade das identidades virtuais (e reputações) entre os sistemas. Por exemplo, se você constrói uma reputação positiva como vendedor no eBay ou Slashdot, isso não pode ser transferido para outros ambientes virtuais (BOWMAN & WILLIS, 2003, p. 44) Entretanto, a falta de portabilidade não corresponde a um impeditivo ao desenvolvimento da ciber-reputação, pois esta, mesmo que exclusivamente pertencente a uma única plataforma, é válida. Assim, impelidos a colaborar, toda uma geração de consumidores participativos disponibiliza suas idéias e troca influências com seus artistas 116 preferidos dentro das plataformas de redes sociais, quando num grau mínimo de engajamento. Os mais arrojados fazem o movimento inverso, e se voltam também para a produção, quando o contato com produtores mais desenvolvidos faz com que eles desenvolvam suas habilidades, como no caso do que resulta em todo o “funk de apartamento” existente hoje na rede de computadores. 117 Há um mundo inteiro que pode ser extraído de um simples som. Brian Eno 118 5 CONSUMO E O MERCADO DO FUNK: PARTICIPAÇÃO E DESINTERMEDIAÇÃO A Web em sua segunda geração, a dita Web 2.0, tem por característica principal potencializar a coletividade dos processos de trabalho de fronteiras não demarcadas. Hoje o termo Web 2.0 está consolidado, mas há ainda quem acredite ser um termo estratégico de marketing, termo da moda e sem sentido. Por outro lado há os que a consideram um novo paradigma. Segundo Tim O´Reilly, criador do termo: Web 2.0 é a mudança para uma internet como plataforma, e um entendimento das regras para obter sucesso nesta nova plataforma. Entre outras, a regra mais importante é desenvolver aplicativos que aproveitem os efeitos de rede para se tornarem melhores quanto mais são usados pelas pessoas, aproveitando a inteligência coletiva (O´REILLY, 2005) Contrapondo o pensamento mercadológico, temos a definição de Alex Primo, oriunda de sua vasta pesquisa na área da comunicação: A segunda geração de serviços online e caracteriza-se por potencializar as formas de publicação, compartilhamento e organização de informações, além de ampliar os espaços para a interação entre os participantes do processo. A Web 2.0 refere-se não apenas a uma combinação de técnicas informáticas (serviços Web, linguagem Ajax, Web syndication etc.), mas também a um determinado período tecnológico, a um conjunto de novas estratégias mercadológicas e a processos de comunicação mediados pelo computador. (PRIMO, 2007, p. 1) O aspecto importante a ser ressaltado das definições de Web 2.0, sejam elas acadêmicas ou mercadológicas, é seu caráter social, pois “a troca, a base afetiva do sentimento de pertencimento inerente às comunidades virtuais e à interação online como um todo é o que fundamenta a denominação de Web Colaborativa” (VIANA, Música Digital e Ciber-representação: as redes sociais na web 2.0, 2009b, p. 4). É a partir do caráter de plataforma definido por O’Reilly e defendido por Primo que a colaboração e a participação são reafirmadas. 119 Conforme esse entendimento, não se pode lutar contra a internet e sim pensar como ela funciona e trabalhar em aplicativos que aproveitem melhor o que ela tem a oferecer, livre das restrições da era onde era necessário instalar programas para se conseguir as funcionalidades que hoje são possíveis pelo seu caráter de plataforma. O desenho padrão para Web 2.0 em aplicativos que a qualificam como colaborativa segue determinados pressupostos e regras anteriores e é a solução arquitetural para construção de um efetivo e funcional aplicativo colaborativo. Formada por aplicações com base no trabalho colaborativo e nas redes sociais, a principal mudança da Web 2.0 está na forma como os usuários encaram as informações e em conseqüência a própria Web, que passa a ser vista como um espaço comum, visão esta que confere o sentimento de pertencimento desenvolvido pelos integrantes de comunidades virtuais e redes sociais. Enquanto na Web 1.0 as organizações de dados eram feitas através da taxonomia, um mecanismo baseado na biologia que surgiu para determinar categorias de seres vivos, na Web 2.0 esse trabalho de categorização é desenvolvido pelos próprios usuários, num sistema de folksonomia46, uma forma de organização e categorização da informação feita pelas pessoas, dentro dos aplicativos da rede. Poderíamos dizer que a folksonomia é uma espécie de vocabulário descontrolado. Isso não quer dizer que o esquema seja uma desordem total, (...) Na verdade, tratase de um mecanismo de representação, organização e recuperação de informações que não é feito por especialistas anônimos, o que muitas vezes pode limitar a busca por não trazer determinadas palavras-chave, mas sim um modo onde os próprios indivíduos que buscam informação na rede ficam livres para representá-la, organizála e recuperá-la, realizando estas ações com base no senso comum e tendo assim 46 Expressão cunhada por Thomas Vander Wall. Numa analogia ao termo “taxonomia”, a folksonomia é uma maneira de se organizar a informação de forma participativa e do linguajar natural da comunidade que a utiliza. 120 um novo leque de opções ao efetuar uma pesquisa para encontrar algum dado. (AQUINO, 2007, p. 10) O princípio da folksonomia é de não hierarquia, feito através de um etiquetamento das informações, classificadas colaborativa e coletivamente. Essas etiquetas, as chamadas “tags” podem ser definidas como metadados ou metainformação, informações anexadas às próprias informações. Este processo de folksonomia é semântico, onde computadores e pessoas trabalham em cooperação, numa Web que interliga significados de palavras promovendo um sentido aos conteúdos publicados na rede, aumentando a qualidade do resultado das ferramentas de busca através da contextualização da informação e da resolução do que possa parecer ou ter duplo sentido em uma informação. Dentro desse novo contexto da Web emerge uma nova forma de representação, organização e recuperação de informações que funciona com base no hipertexto, subverte antigas formas de taxonomia e converge com os ideais de cooperação derivados da noção de Web 2.0. (AQUINO, 2007, p. 3) Desta maneira podemos apontar como vantagens deste novo mecanismo o uso da coletividade na categorização das informações, os computadores reconhecerem palavras pelo seu significado e a informação ser criada sem nenhum tipo de determinação ou interferência, apenas direcionada pelos próprios usuários. A colaboração é uma das características inerentes a quinta fase de desenvolvimento tecnológico da indústria fonográfica aqui proposta. A inserção do consumidor nas etapas de produção e de distribuição da música através da mediação do computador coloca, como já apontado, consumidores e produtores dentro das mesmas plataformas de participação. A participação no caso dos consumidores se dá em diversos níveis. Alguns deles como já citado acabam se transformando em produtores amadores, ou até 121 mesmo conseguindo reconhecimento para deixarem a condição de consumidores permanentemente. Outros, simplesmente pelo fato de terem as mesmas possibilidades de visualização que seus ídolos, acabam chamando a atenção destes e se tornando colaboradores no sentido de prover opiniões, idéias ou matéria-prima para os produtores em conversas informais ou até mesmo dentro de sistemas planejados para essa finalidade. Em última instância, os consumidores colaboram com suas opiniões particulares publicadas dentro de plataformas de redes sociais, quando essas são observadas pelos produtores mesmo estando estes sem contato direto como material de pesquisa de opinião. Quando o consumidor passa a coabitar a mesma plataforma que o produtor, temos como desdobramento, uma nova hierarquia de produção e de distribuição, já que a aproximação entre eles é inevitável. Ainda como resultado dessa aproximação, temos a formação de uma nova lógica de mercado, onde surgem novas funções, enquanto outras desaparecem, invertendo ou anulando papéis no cenário da música. 5.1 A MUDANÇA DOS MERCADOS O que é que alguns estão dispostos a comprar, e outros a vender, que não é forçosamente a mesma coisa? Gilles Deleuze Os modelos de participação adotados pelas organizações como forma de produzir um diferencial apresentam outras vantagens, principalmente no que tange à redução de custos e agilidade nas inovações. Conforme apontado por Tapscott e 122 Williams, os principais benefícios do que é por eles chamado de peering47 para as empresas são: “utilizar talento externo; não ficar atrás dos usuários; aumentar a demanda por ofertas complementares; reduzir custos; mudar o lócus da competição; eliminar o atrito da colaboração e desenvolver capital social.” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, pp. 120,121). A disponibilidade tecnológica propicia a colaboração, definindo um “novo modelo de inovação e criação de valor” onde “grupos de pessoas e empresas colaboram de forma aberta para impulsionar a inovação e o crescimento de seus ramos.” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007) Esse é o caso das plataformas de interação social como o MySpace48 ou o Last.FM49, locais no ciberespaço através dos quais a prática do peering cria uma espécie de “rebelião” impulsionando inovações que podem configurar “ameaças terríveis aos modelos de negócios existentes”, principalmente nos segmentos de música e entretenimento (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007) Todas estas vantagens juntas acabam por alterar os modelos de negócios resultantes desta nova relação. Partindo do uso das tecnologias digitais, temos o rompimento da unificação de gostos e costumes outrora impostos pela indústria cultural, permitindo novas formas de trabalho que conseqüentemente geram outras formas de organização, armazenagem, distribuição e consumo, diminuindo o abismo existente entre as organizações e seus respectivos consumidores. (NATAL & VIANA, 2008b, p. 10) 47 Peering poderia ser definido como sendo a colaboração em massa feita através de conexões diretas entre usuários dentro do ciberespaço. Provém do termo peer-to-peer, que significa estritamente a conexão de um usuário com outro através da rede de computadores. 48 http://www.myspace.com 49 http://www.last.fm 123 Como apontado pelos autores, “a partir de uma perspectiva estratégica, essa abordagem do peering é uma forma de terceirização colaborativa.” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 106). O remanejo do consumo em diversos segmentos a partir da redução ou eliminação do custo de distribuição, logística e comercialização dos produtos industrializados quando estes adentram o ciberespaço e passam a ser tratados como informação provoca uma reestruturação da economia mundial que em determinados segmentos pode até inviabilizar sua continuidade lucrativa. (NATAL & VIANA, 2008b, p. 11) Os processos de apropriação e remixagem cultural exigem uma categoria de pessoas adaptadas para que se produzam resultados condizentes com o que se espera da colaboração como sistema de trabalho. Isso é necessário porque “não existem regras pré-estabelecidas dentro desse ambiente colaborativo, pois ele está em constante desenvolvimento. As regras estão sendo criadas enquanto se cria o próprio ambiente, e isso exige certo desprendimento daqueles que se dispõem a participar.” (VIANA, 2009b, p. 13). Esta categoria de pessoas caracterizada por ser uma amálgama dos consumidores que também são produtores é definida como “prosumers”. 50. A conversão do mercado de massa em um mercado de nichos não é espontânea. Ela está intimamente ligada aos conceitos de peering e prosumers na medida em que é resultado da participação. O modelo econômico decorrente, como apontado anteriormente, é novo para as indústrias, as quais se encontram pressionadas pelas dúvidas entre mudar ou não suas restrições e esforços outrora necessários para estimular o consumo dos grandes sucessos. 50 Prosumer seria o consumidor que de alguma forma está relacionado com o processo de produção. Não necessariamente este participa diretamente do processo de produção, dando opiniões aos executivos ou de outras formas. Podem ser considerados prosumers todos os consumidores que opinem indiretamente cujas opiniões sirvam de referencia para outros consumidores ou até mesmo como fonte de dados de pesquisa para as próprias empresas. 124 A força motriz de todos esses consumidores não é o retorno financeiro. Muito do que se produz no contexto da Cibercultura atualmente não tem propósito comercial. Estamos tratando de reputação. Os resultados compreendem obviamente a democratização do consumo. Mas além de borrar os limites dos papéis de produtor e consumidor no contexto da produção cibercultural, a grande importância da colaboração é que depois de ter sido dominado por toda a sua existência, o mercado de bens de consumo é agora “um mercado de duas mãos.” (ANDERSON, 2006, p. 82). No paradigma que coloca o prosumer no centro, os clientes querem um papel verdadeiro no desenvolvimento dos produtos do futuro. Mas eles simplesmente farão isso de acordo com suas próprias regras, em suas próprias redes e para suas próprias finalidades. Na verdade, farão isso cada vez mais sem você nem saber (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 185) O remanejo do consumo em diversos segmentos a partir da redução ou eliminação do custo de distribuição, logística e comercialização dos produtos industrializados quando estes adentram o ciberespaço e passam a ser tratados como informação provoca uma reestruturação da economia mundial que em determinados segmentos pode até inviabilizar sua continuidade lucrativa. A comunicação de massa está voltada para os grandes sucessos. A indústria do entretenimento procura por produtos que possam abarcar uma incrível gama de expectadores, e grandes sucessos que podem ser considerados como “lentes através das quais observamos nossa própria cultura” (ANDERSON, 2006, p. 1). Esse foi o ponto marcante até agora no que ao tange nosso cotidiano, mas conforme o conceito da “cauda longa”51 descrito por Anderson, este quadro “está desbotando nas pontas”, com a fragmentação dos mercados em nichos cada vez menores, que 51 O artigo “The Long Tail” foi originalmente publicado na revista Wired em 2004, antes de ser publicado como livro em 2006. 125 somados podem se tornar tão grandiosos quanto os sucessos. Ainda procuramos o grande sucesso, mas este não é mais tão proeminente quanto costumava ser. As plataformas sociais são a ponta do iceberg onde todos podem ver o resultado do processo de apropriação e remixagem cultural no qual estamos imersos. Diversos exemplos iniciais dentro da indústria do entretenimento dão conta de mostrar como “a colaboração em massa está virando a economia de cabeça para baixo” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 21), mas faz-se necessário aceitar que “os interesses de produtores e consumidores não são os mesmos. Em alguns momentos eles se sobrepõem. Em outros momentos são conflitantes” 52 (JENKINS H. , 2006, p. 58). Embora indústria e consumidores ainda não estejam de acordo com o que entendem como participação, e até que ponto esta deve ir, existem desafios que escapam a esta questão, como por exemplo, o fato de que “nem todos os consumidores têm acesso às habilidades e aos recursos necessários para participarem integralmente nas práticas culturais.”53 (JENKINS H. , 2006, p. 23). Segundo McConnell e Huba (2008), é uma porcentagem mínima de visitantes que produz conteúdo, cerca de apenas um por cento do público que acessa fóruns de discussões, blogs e afins, contribui com informações, e cerca de dez por cento destes visitantes contribuirá com comentários, isto é, irá interagir com aquele um por cento. Mesmo considerando esse um por cento como sendo um número baixo, este público é formado na sua maioria por pessoas jovens, de alto grau de instrução e interessados em novas descobertas, sociáveis e curiosos, acreditam na informação livre e tem intenção de prover informações precisas. Os autores afirmam que “um 52 Tradução livre da autora: “the interests of producers and consumers are not the same. Sometimes they overlap. Sometimes they conflict.” 53 Tradução livre da autora: “not all consumers have access to the skills and resources needed to be full participants in the cultural practices” 126 público não precisa ser grande para ser influente” (McCONNELL & HUBA, 2008, p. 22), os produtores colaboradores são o núcleo sólido, e são os que ajudam a dirigir os outros para a ação. O trabalho árduo, constante e não remunerado de colaboração é o que proporciona e estimula credibilidade online, para pessoas, marcas, produtos, serviços ou empresas. A mesma pesquisa do IBOPE citada anteriormente54 apresenta dados sobre a motivação para a utilização de tecnologias colaborativas. Em primeiro lugar, 29% dos entrevistados afirmaram ser movidos pela diversão, enquanto 25% são motivados pelo desenvolvimento profissional e vantagens financeiras. Outros 15% declaram a aprendizagem e a educação como sendo sua motivação principal, e por fim, 15% dos entrevstados são movidos por motivos como ajudar os outros ou ajudar a comunidade. Nessa configuração onde o “boca a boca” é amplificado pelas interações online dos consumidores, abre-se a possibilidade de “explorar o sentimento dos consumidores para ligar oferta e demanda” (ANDERSON, 2006, p. 105), criando assim um relacionamento entre produtor e consumidor que proporciona a detecção intrínseca das necessidades destes. Hoje, o consumo assume muito mais uma dimensão pública – não mais uma questão de escolhas e preferências pessoais, o consumo se tornou tema de discussões públicas e deliberações coletivas; o compartilhamento de interesses comumente leva 55 a conhecimento compartilhado, visões compartilhadas e ações compartilhadas (JENKINS H. , 2006, p. 222) A colaboração neste contexto é feita por identificação, constituindo um hobby de colecionador para aquele que reúne as informações a respeito de uma marca ou 54 Pesquisa realizada pelo IBOPE nos dias 20 e 21 de janeiro de 2009 no evento Campus Party. 55 Tradução livre da autora: “Today, consumption assumes a more public and collective dimension – no longer a matter of individual choices and preferences, consumption becomes a topic of public discussion and collective deliberation; shared interests often lead to shared knowledge, shared vision, and shared action” 127 produto, no que pode ser chamado de “microeconomia da mão de obra” (McCONNELL & HUBA, 2008). Paralelamente, discute-se a finalidade da colaboração online, que segundo Anderson não tem finalidades primarias monetárias, e sim reputação. Desta maneira surgem pessoas cujas opiniões importam, sejam elas formadoras de opinião tradicionais, como críticos especializados e editores, ou celebridades, dentro de suas diversas categorias. (ANDERSON, 2006). 5.2 A INTELIGÊNCIA COLETIVA A FAVOR DO INDIVÍDUO E O CONSUMO PARTICIPATIVO O baixo custo e efetividade da mídia em tempo real nesse ambiente proporcionam um declínio da mídia tradicional em detrimento do ciberespaço, acolhedor das inteligências coletivas. Assim a alternativa é usar a dinâmica das redes sociais e interações no ciberespaço para desenvolver ações e estratégias midiáticas, baseadas no poder da coletividade e da reputação, levando em consideração um ambiente em que a mensagem pode ser alterada em seus ínfimos fragmentos, a mixagem e a reorganização são partes do processo e os signos são reordenados. Para isso, as novas mídias terão que trabalhar com a sensibilidade das redes formadas por ligações emotivas, autênticas e genuínas, construídas por laços de confiança calcados na reputação de seus participantes, pois nesta cultura cada bit de informação colabora para o incremento do coletivo: Esse projeto convoca um novo humanismo que inclui e amplia o “conhece-te a ti mesmo” para um “aprendamos a nos conhecer para pensar juntos”, e que generaliza o “penso logo existo” em um “formamos uma inteligência coletiva, logo existimos eminentemente como comunidade. (LÉVY, [1994] 2003, pp. 31-32) 128 Audiências participativas e produtoras de conteúdo são mais um conceito de marketing e menos uma “democracia semiótica” (JENKINS H. , 2006a, p. 136), assim os grupos auto-organizados e focados na colaboração e na produção coletiva, nos debates, circulação de significados e interpretações da cultura contemporânea, são o que mais nos aproxima da utópica inteligência coletiva de Lévy (JENKINS H. , 2006a, p. 137). Pierre Lévy define inteligência coletiva como "uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências" ([1994] 2003, p. 28), que nas redes sociais é sustentada por conexões entre pessoas promovidas pela tecnologia. Baseia-se na ampliação do conhecimento e na sua distinção, principalmente promovendo singularidades quando “sua base e objetivo são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas.” (LÉVY, [1994] 2003, p. 29) O que mantém a inteligência coletiva coesa não é a possessão do conhecimento – que é relativamente estático, mas o processo social de adquirir conhecimento - que é dinâmico e participativo, continuamente testando e reafirmando os nós sociais do 56 grupo. (JENKINS H. , 2006, p. 54) O ciberespaço torna-se então, um ambiente ideal para disseminação de conhecimento e interação entre conhecedores no ciberespaço como local desterritorializado (LÉVY, [1994] 2003). É a valorização da condição humana, de sua técnica, sua economia, seu sistema jurídico, entre outros, que fazem da inteligência coletiva um ideal e é pela distribuição democrática do conhecimento em “tempo real” 56 Tradução livre da autora: “what holds a collective intelligence together is not the possession of knowledge – which is relatively static, but the social process of acquiring knowledge – which is dynamic and participatory, continually testing and reaffirming the group´s social ties.” 129 que a mobilização das competências se efetiva, proporcionando uma dinâmica de reconhecimento positiva pelas partes envolvidas. Quando “nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e nós podemos juntar as peças se juntarmos nossos recursos e combinarmos nossas habilidades [...] a inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático”57 (JENKINS H. , 2006, p. 4), quando tratamos o conceito de inteligência coletiva como algo que se refere à “habilidade das comunidades virtuais de alavancar a competência combinada de seus membros”58 (JENKINS H. , 2006, p. 27), temos que reconhecer que a balança entre os produtores e os receptores pode ser alterada pela força coletiva das comunidades através da utilização de um certo poder de barganha coletivo frente às grandes indústrias. Esta aplicação do conceito reforça e democratiza as singularidades onde cada indivíduo é igualmente importante no contexto geral, sua opinião e seu conhecimento só fazem incrementar o coletivo, proporcionando que outros indivíduos ali se identifiquem e acrescentem informações. Lévy chama esta aplicação de “engenharia do laço social” que é “a arte de suscitar coletivos inteligentes e valorizar ao máximo a diversidade das qualidades humanas” (LÉVY, [1994] 2003, p. 32). Neste contexto, os saberes e o conhecimento de todos estariam em constante devir, mixando-se e fundindo-se no coletivo. No núcleo da engenharia do laço social está a “economia das qualidades humanas”, uma economia subjetiva cujo princípio é 57 Tradução livre da autora: “none of us can know everything; each of us knows something; and we can put the pieces together if we pool our resources and combine our skills (…) collective Intelligence can be seen as an alternative source of media power” 58 Tradução livre da autora: “ability of virtual communities to leverage the combined expertise of their members” 130 que o valor está nas identidades e não nos bens, diferentemente do contexto atual onde essas têm o valor do que possuem, fazendo com que: as forças das mensagens, das máquinas e das variedades naturais sejam por sua vez avaliadas, exploradas e contabilizadas segundo essa economia subjetiva, que o valor das coisas se exprima segundo os mesmo signos que as identidades das pessoas (e não ao contrário!), que todo o nosso ambiente volte a ser “humano”, tal é a utopia na utopia que esboça nas entrelinhas a engenharia do laço social (LÉVY p. , 2003, p. 32) O poder da inteligência coletiva se dá justamente na abertura e no aumento de produtividade que o ciberespaço dá ao trabalho coletivo, proporcionando instrumentos de valorizações individuais, qualidade por qualidade, sem desperdício de inteligência e conteúdo, reafirmando “reconhecimento mútuo e a sinergização das qualidades antrópicas” (LÉVY p. , 2003, p. 57). A fonte do poder midiático que o ciberespaço evoca, está na interação e comunicação transversal dos membros deste coletivo, comunicação esta, desprovida de hierarquia e recíproca, formando um tecido informacional e comunicacional fundamentado no laço de cada um com todos. (NATAL & VIANA, 2008c, p. 3) Este respeito ao subjetivo e ao humano é o que, para Lévy, transforma as diversidades em sociabilidade: a inteligência coletiva não é um conceito exclusivamente cognitivo. Inteligência deve ser compreendida aqui como na expressão ‘trabalhar em comum acordo’ (...) Trata-se de uma abordagem de caráter bem geral da vida em sociedade e de seu possível futuro. (...) Essa visão de futuro organiza-se em torno de dois eixos complementares: o da renovação do laço social por intermédio do conhecimento e o da inteligência coletiva propriamente dita. (LÉVY p. , 2003, p. 26) Jenkins (2006b) define cultura participativa como a que não possui barreiras para livre expressão artística ou engajamento cívico, um ambiente onde se é encorajado e não se tem receio de compartilhar suas criações ou as de outros com terceiros. Os “mentores” informais passam o que é de conhecimento de todos aos novatos. Todos os membros acreditam que sua participação é relevante, sentindo certo grau de conexão social uns com os outros e se importando com o que outros 131 membros pensam a respeito de cada contribuição criada. Não são todos os membros que contribuem, mas todos devem acreditar que são livres para contribuir quando quiserem e que esta contribuição será válida para todos. Para Jenkins as comunidades desta cultura por elas mesmas são incentivo à criatividade e a participação ativa. 5.3 A CONDIÇÃO DO Fà COMO PRODUTOR DE CONTEÚDO Considerando a cultura como ato coletivo de cultivar, tratamos o ser hipermediado (BOLTER & GRUSIN, 2000) como aquele que colhe a informação na Cibercultura e a partir de quem se estabelecem as relações da rede associadas a interesses em comum. Sua importância se dá com a nova estruturação dos mercados onde as interações realizadas no ciberespaço tomam grandes proporções e os locais onde estas acontecem, passam de pontos de encontro a praças férteis para a busca de informações e conteúdo. (NATAL & VIANA, 2008, p. 1) A visão dotada de múltiplos e simultâneos pontos de vista do ser hipermediado o define justamente pela “tensão entre pontos de vista competitivos” (BOLTER & GRUSIN, 2000, p. 257), fazendo dele um colecionador destes pontos de vista. É esse ser hiper-mediado que ocupa a condição de fã no ciberespaço ao produzir e colecionar conteúdo, quando emprega seu tempo livre reunindo informações online a respeito de seus hobbies, ou remixando conteúdo original na condição de amador: A Web representa um espaço de experimentação e inovação, onde os amadores testam o terreno, desenvolvem novas práticas, temas, e geram material que pode vir a atrair seguidores nos seus próprios termos. (...) Em tal mundo, o trabalho dos fãs 132 não pode mais ser entendido como um simples derivado do material das mídias de massa, mas devem ser entendidos eles mesmos como aberturas para a apropriação 59 e remixagem pela indústria da mídia (JENKINS H. , 2006, p. 148) Ao colecionar conteúdo, o fã proporciona maior relevância ao que seleciona, e cria pontos focais no ciberespaço, como praças de idéias, as chamadas “ideágoras” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007). A notoriedade dessas praças de conteúdo e das próprias pessoas envolvidas nas dinâmicas, bem como a rede formada entre elas através do engajamento participativo, passa a influenciar ou até mesmo transformar todo o cenário de atuação da propaganda e do marketing. Neste contexto, “as pessoas são o antídoto à realidade injetada na cultura do dia-a-dia” (McCONNELL & HUBA, 2008, p. 20), transformando-se na mensagem e multiplicando o seu poder individual, dando a cada participante do processo o status de formador de opinião, que este acumula ao seu papel de cidadão, pois “esses novos formadores de preferência não são uma super-elite, cujos componentes são melhores do que nós. Eles são nós. (...) Os novos formadores de preferências são simplesmente as pessoas cujas opiniões são respeitadas.” (ANDERSON, 2006, p. 105). Ao definir o fã no contexto da Cibercultura a partir dos pressupostos de interação característicos do ser hiper-mediado, precisamos considerar que nem sempre os estudos a respeito da cultura de fãs, principalmente de grupos específicos deles, foram tratados com credibilidade. Em outros momentos, “os fãs operavam de forma marginal na nossa cultura, ridicularizados na mídia, estigmatizados socialmente, relegados ao underground por ameaças legais, e 59 Tradução livre da autora: “the web represents a site of experimentation and innovation where amateurs test the waters, develop new practices, themes, and generating materials that may well attract cult followings on their own terms. (…) In such a world, fan works can no longer be understood as simply derivate of mainstream material, but must be understood as themselves open to appropriation and reworking by the media industries.” 133 freqüentemente classificados como limitados e não articulados”60 (JENKINS H. , 2006a, p. 1). Henry Jenkins (2006) descreve o momento atual colocando o fã num ponto central na dinâmica da cultura. Para o autor, as novas tecnologias propiciam ao fã formas inusitadas de apropriação da informação, fazendo com que este participe, organize e produza conteúdo. Ao contrário de participante de uma cultura marginal, atuar na Cibercultura faz do fã um indivíduo engajado, pró- ativo e criativo, além de assunto central em disciplinas e pesquisas acadêmicas, pois “durante a última década, a Web trouxe esses consumidores das margens da indústria da mídia para o ponto focal; a pesquisa da cultura dos fãs foi abraçada por importantes pensadores dentro das áreas legais e nas comunidades de negócios”61 (JENKINS, 2006, p. 246). As características do fã como produtor de conteúdo são as mesmas dos consumidores participativos, haja vista que a motivação para a colaboração de ambos tem as mesmas bases: “eles fogem à média e são levados pela paixão, criatividade e por uma noção de dever” (McCONNELL & HUBA, 2008, p. 3). A cultura do fã nos ajuda e ensina a colaborar e conviver dentro de uma comunidade. Na Web esta cultura ganha notoriedade e visibilidade por proporcionar trocas intelectuais, distribuição de informação a partir do engajamento. A rapidez na troca destas informações e sua freqüência colaboram no estreitamento de laços entre os membros, fortificando a comunidade. O compartilhamento de informações é Tradução livre da autora: “fans where marginal to operations of our culture, ridiculed in the media, shrouded with social stigma, pushed underground by legal threats, and often depicted as brainless and inarticulate” 60 61 Tradução livre da autora: “across the past decade, the Web has brought these consumers from the margins of the media industry into the spotlight; research into fandom has been embraced by important thinkers in the legal and business communities” 134 umas das condições de ser fã neste contexto, pois um só fã não consegue obter todas as informações necessárias para a completa apreciação de seu objeto (JENKINS H. , 2006a). O fã no contexto da Cibercultura é um usuário precoce das tecnologias e as usa diariamente, atualizando suas contribuições de forma intensa. São indivíduos receptivos e preocupados com o monitoramento e reputação de sua rede, capazes de desenvolver uma ética e lógica internas, para manter a integridade e relevância de sua comunidade. Têm a característica de disponibilizar e compartilhar conteúdos, o que socialmente cria algo muito maior que a simples soma das partes. Outra característica importante é o potencial de consumo do fã, na proporção em que sua comunidade ganha relevância e as trocas de informação aceleram, o poder da mobilização para o consumo aumenta. (NATAL & VIANA, 2008, p. 7) Com o aumento das comunidades de fãs, esta atividade passa da obscuridade para o ponto focal, fazendo com que corporações se preocupem em proporcionar plataformas para o encontro dos fãs e consumidores, abrindo assim espaços de diálogo. A fidelidade e paixão que envolve a condição deste fã é material rico e ajuda na longevidade das linhas de produtos. Numa mistura entre lazer e produção, a participação do fã que tem seu hobby de colecionador de conteúdo como ferramenta para validar sua participação em estâncias tanto da vida profissional, quanto da vida pessoal, funciona paralelamente como forma de reafirmar sua identidade. Além de motivos referentes à criação como estímulo para a vida diária, as razões que impelem o fã a colecionar conteúdo para afirmar seu hobby, passam por questões referentes à produção em massa, que “democratizou o ato de colecionar criando objetos que por serem muito comuns asseguravam que se tornariam escassos porque geralmente eram feitos para serem jogados fora. Os 135 colecionadores resgataram objetos do lixo e criaram valor, inventando conjuntos onde podiam encaixá-los” (GELBER, apud McCONNELL & HUBA, 2008, p. 82). O hobby de colecionar na Cibercultura apresenta a mesma característica, pois os fãs além de reunir objetos ou conteúdo, criam espaços para a apreciação dos mesmo onde estes passam a ter sentido. É a través desses espaços criados para apresentação do resultado sempre em curso de seu trabalho que o ato de colecionar faz sentido. 5.4 O VIÉS ECONÔMICO DO FUNK Considerando o funk como sendo um fenômeno de massa e da massa, precisamos considerar seus desdobramentos como produto de massa. Depois de todo o seu processo de nacionalização, iniciou-se o processo de formação de uma cadeia produtiva derivada da formação de um novo mercado de consumo. Como manifestação cultural, o funk se torna objeto de consumo quando adentra o campo da indústria fonográfica, seja ela tradicional ou desintermediada, quando “integrado ao mercado, o funk não deixa de estar também integrado a um intenso circuito de trocas simbólicas, a uma rede de reciprocidade.” (SOUTO, 1997, p. 32). Como mercado híbrido, a informalidade percorre todas as instâncias do segmento, o que ocasiona um certo descaso para com a movimentação econômica desencadeada pela produção, circulação e consumo do funk, ao considerar que este não seria importante a ponto de movimentar parcela significativa de atenção por parte de instituições de pesquisa e departamentos governamentais preocupados em fazer levantamentos a respeito: Pouca ou nenhuma importância tem sido dada à economia do funk. Assim, se desconhece o montante de ocupação por ela gerado, as diferentes fontes de 136 captação de recursos e o quantum arrecadado em cada uma, a distribuição destes recursos entre os diferentes agentes, suas formas de capitalização. (SOUTO, 1997, p. 62) Este quadro vem mudando nos últimos anos, principalmente entre os institutos de pesquisa. Recentemente, a Fundação Getúlio Vargas publicou pesquisa sobre o mercado do funk, realizada pelo seu “FGV Opinião”, núcleo de pesquisa social aplicada do CPDOC/FGV62, com a proposta de diminuir o descompasso entre a academia e o mercado privado na pesquisa social63. A pesquisa intitulada “Configurações do Mercado do Funk no Rio de Janeiro” buscou: Mapear e compreender as relações sociais que dão sustentação à produção Funk na Região Metropolitana do Rio de Janeiro; Levantar dados socioeconômicos sobre os agentes e segmentos que compõem esta rede produtiva; Observar os impactos socioeconômicos e culturais sobre os agentes envolvidos na produção da música Funk, bem como a própria atuação destes agentes enquanto produtores deste gênero musical. (CPDOC/FGV, 2008, p. 6) Como resultado principal, a pesquisa levantou o montante movimentado pelos negócios relacionados diretamente ao funk, dentro da região metropolitana do Rio de Janeiro, apontando um faturamento mensal de dez milhões de reais, entre renda das bilheterias dos bailes, salários e cachês de DJs e MCs e comércio informal dos camelôs. É o trânsito entre o morro e o asfalto que serve como base para o desenvolvimento do funk como mercado de consumo. Quando o funk deixa de estar 62 Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea e do Brasil 63 De acordo com o que consta no site da FGV Opinião, “Na academia há um desenvolvimento dinâmico de tecnologia de pesquisa social, contudo, ele é mais voltado para o conhecimento em si do que para a aplicação. No setor privado, há uma grande preocupação com a aplicação e a utilidade dos resultados, mas, o horizonte de curto prazo de suas pesquisas não permite a incorporação de tecnologias mais sofisticadas.” Texto completo disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/fgvopiniao/htm/apresentacao.htm 137 concentrado num mercado restrito, sua notoriedade passa a ser diretamente conectada ao seu consumo, desencadeando trocas simbólicas: Tal passagem só se tornou possível porque os grupos ligados ao funk deixaram de ser apenas produtores e consumidores de bailes para se transformarem em produtores e consumidores de uma nova e mais ampla rede de produção e comercialização, configurando o que apropriadamente se poderia chamar de uma invenção de mercado. (SOUTO, 1997, p. 60) As oportunidades derivadas da transformação do funk em mercado beneficiam principalmente o centro do movimento, considerando que essa organização se deu de dentro para fora, “à margem dos interstícios do sistema, ou seja, que não foi impulsionada nem pela lógica empresarial nem sob a tutela do Estado.” (SOUTO, 1997, p. 62). Tendo como ponto de partida a periferia e as camadas pobres da sociedade, “a produção e a disseminação de seus produtos permanecem, em grande medida, nas mãos de produtores ligados historicamente à tradição dos bailes do subúrbio” (SOUTO, 1997, p. 64): Assim, se a escala do mercado se amplia, projetando nomes impulsionando carreiras e multiplicando as oportunidades econômicas abertas pelo mundo funk, a manutenção dos bailes naqueles locais faz com que o recrutamento dos quadros profissionais se dê basicamente junto às próprias camadas de baixa renda (SOUTO, 1997, p. 64) Portanto, quanto mais o funk é reconhecido como sendo de certa origem, mais ele tende a ser notado dessa forma pela hierarquia de transmissão de informações e formação de novos artistas, seja dentro da periferia carioca, seja nas salas da classe média intermediada por computador. 5.5 MUDANÇAS NA CADEIA PRODUTIVA 138 Existem divergências entre as formas de organização e produção direta e indireta dos bailes funk, que ainda hoje são considerados o ponto de partida para tudo o que obtém sucesso. É a produção de bailes que movimenta a produção dos outros segmentos do mercado, tanto na parte de produção e distribuição de músicas quanto na formação de novos talentos. A pesquisa do CPDOC/FGV aponta que ainda existem dois tipos de bailes: os bailes de comunidades e os bailes dos clubes, de onde eles são originários. Os bailes mais fortes são apontados como sendo os de comunidades, por estarem mais próximos ao público e terem mais relação com as pessoas das localidades. Da mesma forma, os bailes de comunidade são importantes para os novos DJs e MCs, por acontecerem perto da comunidade e serem a porta de entrada para novos talentos. Mesmo assim, o baile vem perdendo prestígio por ocupar um local entre o tráfico e a polícia (CPDOC/FGV, 2008, p. 10). As músicas, de acordo com a pesquisa, também são compostas para atender ao público dos bailes de comunidades, pois “acredita-se que uma música só pode fazer sucesso se “estourar” no baile de comunidade” (CPDOC/FGV, 2008, p. 10). No modo tradicional de produção do baile, os produtores são responsáveis pelas questões práticas da organização, além da contratação da equipe que ficará responsável pela execução técnica do evento, conforme organograma a seguir: 139 5-1 Produção do baile: modo tradicional 5Fonte: CPDOC/FGV Já no modo onde as equipes são diretamente responsáveis pelo baile, o produtor não encontra espaço para intermediar a organização, e as equipes ficam responsáveis por toda a produção, abarcando as tarefas dos produtores, conforme o organograma a seguir: 140 5-2 Produção do Baile: modo das equipes 5Fonte: CPDOC/FGV A pesquisa do CPDOC/FGV aponta a tendência de unificação de forças dentro da organização dos bailes de comunidades, onde além de retomar a configuração anterior onde os produtores eram responsáveis pela organização do evento, passam a contratar além das equipes, outros profissionais, Djs e MCs para que estes integrem o quadro de apresentações dos bailes, abrindo cada vez mais oportunidades aos novatos e iniciantes que antes precisavam integrar as equipes para terem espaço dentro dos bailes: 141 5-3 Produção do baile: tendência 5Fonte: CPDOC/FGV Dentre os papéis desempenhados pelas pessoas envolvidas o DJ é a personagem que vem ganhando maior destaque através dos tempos, acumulando funções e se profissionalizando para atender ao mercado em formação e as diversas necessidades que surgiram durante seu desenvolvimento. Ao lado dos produtores de som, “integram desde o início este mercado” (SOUTO, 1997, p. 64). Eles acumulam papéis de “empresários, produtores de eventos, apresentadores de programas de rádio e produtores musicais” (CPDOC/FGV, 2008, p. 17), e são os responsáveis “pelas maiores inovações sonoras no mercado do funk.” (CPDOC/FGV, 2008, p. 17). Alguns DJs mais importantes formaram com o passar do tempo uma rede de criação que integra diversas funções e promovem um crescimento do mercado enquanto desenvolvem seu trabalho de forma colaborativa, como o DJ Marlboro: 142 Hoje eu tenho uma equipe de produção. Várias pessoas que trabalham comigo.(...) vou produzindo a distância, orientando os produtores como eles devem fazer dentro dos estúdios. Às vezes uma música é refeita dez, quinze vezes até ficar como eu quero que seja feita. (MATTA, 2009) Os reprodutores, comerciantes formais e informais do material produzido são também integrantes de uma categoria presente no mercado do funk desde seu início, mas que mudou de foco e de escopo de atividades com o passar do tempo. No início, eles compunham um “mercado informal de compra, venda, reprodução e troca de discos” (SOUTO, 1997, p. 65). No início, esse era um trabalho basicamente realizado pelos DJs, que em viagem lotavam suas bagagens com discos importados que movimentavam trocas e compras num mercado informal de negociação. Após a nacionalização do funk, o comércio dos discos trocou de mãos, e as produções brasileiras passaram a ser comercializadas por intermediários locais, desenvolvendo uma nova categoria de intermediação de venda para os discos nacionais. A partir das inovações tecnológicas e das possibilidades de reprodução facilitadas pela pirataria, esta função de intermediário acaba se transformando, quando cai na mão dos fornecedores de cópias ilegais. Assim, o mercado de consumo do funk, que era restrito aos operadores de som e DJs, passa a ter a possibilidade de chegar ao público final, que antes só tinha acesso às músicas quando ia ao baile e as ouvia nas apresentações dos DJs. Dentro dessa dinâmica, foi incluído no mercado do funk a figura do camelô, responsável por comercializar o material ilegal oriundo de cópias Neste ponto, a tecnologia ocupa papel importantíssimo no desenvolvimento deste mercado, pelo menos no que tange à incorporação do consumo por parte do usuário final e na comercialização ilegal do material produzido pelos DJS e produtores de som. 143 Outro papel do mercado do funk foi derivado da nacionalização do segmento, quando: O “abrasileiramento” do funk permitiu introduzir, também, uma nova categoria de profissionais, hoje certamente a de maior visibilidade social e a de maior poder de atração sobre os jovens: a dos Masters of Ceremony – MCs -, misto de cantores/compositores, que se apresentam individualmente ou em duplas. (SOUTO, 1997, p. 66) Em parceria com os DJs, os MCs adentram o mercado do funk incorporando seu trabalho às equipes de produção, vinculando suas apresentações a ambos. Sua origem é sempre ligada à sua comunidade: A trajetória dos MCs geralmente se inicia em suas comunidades de origem, onde compõem e apresentam suas músicas para amigos e começam a se tornar conhecidos em festas e bailes locais. (SOUTO, 1997, p. 66) A pesquisa do CPDOC/FGV aponta que foi a partir de 2003 que os MCs comecaram a se desligar das equipes e a conseguir um espaço próprio, assim como muitos DJs independentes: Sua imagem pública foi recolocada no cenário musical: passou a ser visto como um artista – mas principalmente porque conquistou novos espaços, que não somente os bailes Funk animados pelas equipes de som. Tal como ocorreu com o DJ, o crescimento da música eletrônica possibilitou que o MC vislumbrasse uma carreira fora do Rio de Janeiro e mesmo fora do País (CPDOC/FGV, 2008, p. 18) Essa transformação da imagem dos MCs dentro do mercado do funk ocasionou outra mudança de papéis: muitos DJs que não haviam conseguido destaque dentro do seu próprio cenário, passaram a atuar como Djs contratados para fazer a base e tocar as batidas sobre as quais os MCs apresentam seu trabalho vocal. Essa mutação proporcionou uma adaptação que homogeneizou o mercado com novas possibilidades para aqueles que haviam ficado para trás na busca pelo seu espaço. 144 Outros papéis dentro das comunidades foram aos poucos ocupando espaço dentro do segmento do funk carioca a partir de seu reconhecimento. Técnicos de som e de iluminação, coreógrafos, dançarinos, instrumentistas, costureiras, divulgadores, publicitários, designers e jornalistas foram aos poucos se tornando parte do mercado, e produzindo novas oportunidades dentro das comunidades: Ao inventar seu próprio mercado, o funk introduziu, ampliou ou reforçou oportunidades de trabalho sobretudo para jovens pobres, abrindo, por essa via, perspectivas profissionais criativas e sensíveis à cultura própria desses jovens e à de seu tempo. (SOUTO, 1997, p. 68) Esta movimentação proporcionou que os jovens da periferia carioca pudessem optar por oportunidades criativas que por muitas vezes impediu seu desvirtuamento para o crime, diminuiu o desemprego e fortaleceu os laços da comunidade. Participando do mercado do funk e sendo remunerada por isso, a periferia se torna de alguma forma parte do mercado de consumo da cidade como um todo, quando a recompensa financeira por seu trabalho é utilizada para promover o consumo. Portanto, a inserção provocada pela participação no mercado do funk desencadeia um processo de inserção ainda maior quando as conseqüências do trabalho se expandem para toda a sociedade. Iniciada dentro das camadas sociais de menor poder aquisitivo, juntamente com o processo de nacionalização do funk, a formação da base do mercado jamais se desvencilhou das formas de produção e distribuição dessa camada. A partir das inovações decorrentes da adoção de novas tecnologias, formou-se uma cadeia híbrida, composta basicamente da interdependência do mercado formal e informal envolvidos na cena funk brasileira. 145 Curiosamente, as camadas de base dessa cadeia de consumo são as mais rígidas a respeito de seu pertencimento e regras da indústria fonográfica. Grande parte desse respeito às regras foi implantado pelo modelo de produção de maior sucesso, coordenado pelo DJ Marlboro, enquanto “a escala do mercado se amplia, projetando nomes, impulsionando carreiras e multiplicando as oportunidades econômicas abertas pelo mundo funk.” (SOUTO, 1997, p. 64). 5.5.7 O IMPACTO DA TECNOLOGIA NA CADEIA DE PRODUÇÃO MUSICAL DESINTERMEDIAÇÃO Os dados do relatório de música digital publicado pela IFPI (International Federation of the Phonographic Industry) apontam as vendas de música digital com uma participação de 15% dos lucros da receita fonográfica mundial no ano de 2007. Em 2008, a participação já é de 20%, e estima-se chegar a 25% em 2009. (IFPI, 2009). No Brasil, o mesmo relatório aponta que a venda de música digital quase dobrou em tamanho em 2008, e que abarca quase 10% das vendas de música no país. O IFPI ainda aponta que no ano de 2008, mais de 40 bilhões de arquivos foram transferidos ilegalmente, o que comparado aos dados de vendas legais totaliza 95% de todas as músicas adquiridas por download sem nenhum tipo de pagamento a artistas ou qualquer companhia. É dentro dessa porcentagem que se encontra a fatia que tratamos aqui, na qual os artistas e produtores disponibilizam sua produção musical online sem nenhum tipo de troca monetária primária envolvida na negociação. 146 Cada vez que a distância entre produtores e consumidores diminui, encontramos um processo de desintermediação, clássico nos estudos de marketing onde mercados são construídos a fim de obter maior lucro. Os autores Li & Bernoff tratam esse processo como o nome de Groundswell: (LI & BERNOFF, 2008), que pode ser traduzido como lombada ou onda abrupta. Tudo o que diz respeito à aproximação entre produtores e consumidores através da mediação por computador pode ser incluído nesse conceito, como também a música produzida e distribuída dentro das plataformas de redes sociais. Em termos técnicos, groundswell seria “uma tendência social na qual pessoas usam tecnologia para conseguir as coisas que querem umas das outras, ao invés de instituições tradicionais como corporações” 64 (LI & BERNOFF, 2008, p. 9). Ainda segundo os autores citados, é a colisão de três forças que traz a desintermediação: pessoas, tecnologia e a forma como a economia é considerada no universo online. As pessoas e a necessidade de dependência delas umas para com as outras apoiadas na forma como a tecnologia potencializou esses contatos, e considerando que na nova configuração econômica todo fluxo online equivale a dinheiro fazem com que o fenômeno da desintermediação tome força a cada instante. A fagulha do processo de desintermediação no mercado da música brasileira foi a banda chamada ManyMais, que é conhecida pelo pico de sucesso instantâneo e oportunidades a partir da divulgação via redes de troca peer to peer de seu primeiro sucesso intitulado “Segura o Chuck” ainda no ano 2000, antes mesmo que 64 Tradução livre da autora: “a social trend in which people use technology to get the things they need from each other, rather than from traditional institutions like corporations”. 147 esse tipo de acontecimento se tornasse assunto corrente nas principais publicações do gênero ou pensasse em fazer parte de pesquisas acadêmicas65. É cada vez menos raro encontrar casos de sucesso derivados dos processos de desintermediação do mercado musical, onde bandas e artistas independentes tratam sua produção musical como meio de divulgar seu trabalho como “artistas de palco”, promovendo suas apresentações através do compartilhamento de músicas em plataformas de redes sociais. Também é raro encontrar entre a juventude que permanece boa parte do tempo online, exemplos de indivíduos que nunca tenham experimentado manipulação de sons através de práticas de remixagem. Desta forma, não só o conceito de artista fica difícil de ser precisado, como fica também difícil de descobrir quem são os artistas em meio a tantas possibilidades. Esta dificuldade deriva do já citado sistema de pertencimento às redes sociais, onde artistas e consumidores ocupam papéis dentro da mesma hierarquia de perfis, não sendo possível através de técnicas simples diferenciar quem é quem. Nas plataformas de redes sociais não existe o palco para separar as duas categorias, e suas definições ficam restritas a análises mais profundas, sem contar que se considerarmos as práticas colaborativas desenvolvidas entre ambos, essa barreira fica ainda mais difícil de ser localizada. Toda essa desintermediação no segmento da música foi criado por pessoas, que ao caminharem juntas ao que consideram mais interessante, acabam gerando uma força de modificação maior do que a que o mercado global pode combater. 65 Para maiores detalhes sobre a historia da banda, ver a reportagem em anexo, constante no anexo número 3, ou as referências de internet: http://www.myspace.com/manymais ou http://manymais.blogspot.com/2005/10/comdia-projetada.html 148 5.5.8 MUDANÇAS NO PAPEL DO PRODUTOR MUSICAL Como figura presente em todos os tempos do histórico da indústria fonográfica, a figura do produtor musical é fundamental para o entendimento das transformações experimentadas pelo segmento. Entretanto, as atribuições do produtor musical também mudaram com o passar do tempo. Ao mencionar o produtor musical dentro do esquema de produção da indústria fonográfica, estamos falando de uma figura conciliadora: A partir de um trabalho altamente técnico e especializado, o produtor musical concilia interesses diversos, tornando o produto musicalmente atrativo e economicamente eficiente; como parte do quadro funcional da companhia, realiza, no estúdio, a proposta de atuação desta. [...] Coordena todo o trabalho de gravação, escolhendo os músicos, arranjadores, estúdio e recursos técnicos. Pensa na montagem do disco, na seqüência em que as músicas devem ser apresentadas e escolhe as faixas de trabalho. Cuida também para que seja cumprido o orçamento destinado ao projeto.[...] Finalmente, é na transferência do conhecimento técnico de como relacionar música e mercadoria que se centra o trabalho do produtor. (DIAS, 2000, pp. 91,92) O produtor musical era naquele momento, um agente tradutor entre os interesses da indústria e dos artistas. Porém, com a mudança dos mercados e a proximidade entre músicos e as ferramentas de produção conseguidas através do advento de tecnologia barata e ao alcance da mão, esse papel deixou de existir juntamente com a necessidade de se ter uma gravadora para fazer música. Assim, os produtores começaram a trabalhar com a cena independente, e em diversos momentos tomaram a frente em projetos de nicho, trabalhando como músicos e produtores dentro de suas próprias bandas, aplicando diretamente o conhecimento adquirido em anos de trabalho lidando com os interesses de outras pessoas. 149 Esse foi o caso dos produtores do neofunk, que ao mesmo tempo fizeram parte de bandas e apresentaram trabalho de produção de outros artistas dentro do segmento. Quando falamos dos produtores de neofunk, estamos realmente longe da figura que outrora trabalhava para os conglomerados ou empresas da indústria fonográfica. Estamos tratando de pessoas com as mesmas capacidades, mas com diferentes formas de aplicação. Em grande parte dos casos, eles compreendem a totalidade do processo, sendo capazes de produzir – no sentido de confeccionar – uma música completa, desde sua idéia e concepção, passando por todas as etapas de desenvolvimento e chegando à sua finalização. Eles podem – como fazem – até mesmo entregá-la ao consumidor final, seja de forma gratuita ou não. 5.6 O NEOFUNK E A INDÚSTRIA CULTURAL Ao contrário do que se pode esperar a ligação do funk em todas as suas instâncias com a indústria fonográfica é bem próxima. Nem todas as possibilidades tecnológicas e processos de desintermediação são suficientes para que esse segmento seja independente, se é que isso em algum momento foi sua pretensão. “Continuo fazendo músicas para vender CD, para fazer DVD, porque o mercado do funk é muito criativo, e hoje a gente conseguiu fazer funk sem um custo muito alto. Enquanto nego gastava de três a cinco mil reais a gente fazia música a duzentos reais. Funciona porque nós conseguimos baratear. Moleque na favela para mostrar a música dele gasta cinqüenta reais. (...) o funk conseguiu porque é uma música popular feita por pessoas carentes que se não tivesse esse valor não existiria. (...) hoje um computador dentro da favela muda a vida de muita gente lá dentro à cinqüenta reais cada música, pagando parcelado ainda, e aí os caras conseguem colocar o talento em dia. Quem tem talento esta tendo porta para mostrar, independente da situação financeira. Isso também ajuda a gente poder sustentar e manter o movimento funk porque o nosso brakepoint para lucratividade não precisa ser os absurdos que as gravadoras tinham criado há muito tempo atrás. (...) o funk tem um poder social muito grande. (MATTA, 2009) 150 No que tange ao objeto de estudo desta dissertação, podemos apontar que mesmo tendo nascido de experimentações amadoras, todo produto cultural do funk que obtém algum sucesso é representado pela indústria fonográfica, seja internacionalmente como no caso do Bonde do Rolê, seja a partir de intermediários como no caso de Marlboro como representante dos pequenos produtores da periferia carioca. Em todos os casos está presente a vontade de fazer sucesso e de viver da música, o que a partir de certo momento passa a ser possível somente com a inclusão do trabalho em modelos estruturados de trabalho. No caso do funk carioca percebe-se uma crença maior de que a indústria fonográfica é um lugar a ser atingido, enquanto dentro do neofunk, esse parece ser um destino coerente com manifestações de apreciação por parte do usuário final que já experimentou seus sucessos de maneira anterior. Em todo caso, a forma como ambos se comportam dentro dos esquemas de distribuição tradicionais são distintas. No funk carioca, funciona um esquema parecido com uma cooperativa, onde cada um tem seu papel dentro de todo o processo e cada um tem seu reconhecimento por isso: Ali tem o cara que tem que pagar o estúdio, tem o cara que vive autoralmente daquela música, tem o artista que interpreta que às vezes não está fazendo show ainda, mas que aquele dinheirinho vai ajudar ele a se manter no movimento funk, cantando e levando sua carreira à frente, então se o cara fizer música, cantar, ou o cara compor uma música, todo mundo cantar, tocar, ter a música no computador, dançar e ele não ganhar nada, ele vai parar de fazer música. Se gosta daquela música do cara e quer que ele continue compondo e fazendo música você tem que pagar por aquilo para ele continuar sobrevivendo daquilo e passar a cada vez mais desenvolver o talento dele em cima daquilo que você gostou. O artista vive muito mais de show do que de direitos artísticos. Mas e o cara que compõe e que muitas vezes não canta? E o cara do estúdio que gravou lá? E o técnico que fez a música? E o produtor? Ninguém faz show. A música não gira somente em cima do show que o cara fez. A música gira por um monte de gente que vive daquela música que foi feita. (MATTA, 2009) 151 Conforme se desenrola, a cadeia produtiva se distancia do modelo implantado por Marlboro, e passa a sofrer cada vez mais a influência da desintermediação, chegando a modelos mais híbridos e mais influenciados pela atual configuração da produção musical em rede, onde papéis são invertidos, desconfigurados ou passam a não mais existir. No funk produzido no sul do Brasil, o que funciona é um esquema mais segmentado, principalmente pelo fato deles estarem ligados e representados por gravadoras internacionais, que funcionam hoje dando mais independência aos seus representados no desenvolvimento artístico. São poucas pessoas envolvidas na produção, a fim de minimizar os riscos de que algum conteúdo vaze antes de seu lançamento. O processo de produção é mais restrito, e feito de forma independente da opinião da gravadora, que recebe as músicas quando elas estão prontas e finalizadas, para então trabalhar com as etapas de finalização do disco em si e de promoção e marketing. Dessa forma, a participação da opinião do público na concepção das músicas, que era antes uma das características do Bonde do Rolê passou a ser minimizado, ficando restrito à apreciação de poucos amigos próximos, para diminuir o risco de que esse material vaze, ou caia na rede antes mesmo de ser recebido e apreciado pela gravadora. Rodrigo Gorky acredita que o sucesso do Bonde do Rolê é derivado não de uma necessidade do mercado, mas de uma possibilidade vivenciada no momento certo, quando eles tinham em mãos um produto que transpassava as barreiras dos estilos e que tem a dinâmica acelerada à velocidade da diversão. Isso desencadeia um “encaixe” dentro do processo de produção e consumo vivenciado atualmente 152 dentro da indústria cultural, onde produtos são disponibilizados apenas pelo tempo que leva para que outros produtos tomem o seu lugar. Utilizando-se da velocidade da diversão, onde as etapas de produção de uma música são desenvolvidas no tempo em que isso seja divertido, considerando as mesmas prontas quando o trabalho deixa de ser divertido, o Bonde do Rolê é capaz de abastecer o seu mercado de maneira a suprir as necessidades de seus consumidores nesse sentido. O Bonde é uma coisa mais dinâmica. É o que funciona, como funciona, e sabe, o mais certo e o mais diferente possível que a gente goste no final. Recortar samples, usar dinâmicas de baterias diferentes, essas coisas. (GORKY, 2009) Na mesma dinâmica de pensamento, Gorky afirma que o fato do trabalho do Bonde do Rolê ser considerado tosco e mal acabado faz parte da estética desejada na concepção do produto. Não é que seja mal feito, tosco, etc. É que foi feito para ser assim, sabe? Por muitas das vezes, por mais tosca que pareça, a música demora para sair às vezes. A idéia sai muito rápido, a idéia você grava e pum, está pronto. Essa é a música, mas daí tá, como a gente vai fazer essa música soar do melhor jeito possível. Tem que ser tosco? Tem! (GORKY, 2009) A primeira adequação feita na dinâmica de produção do Bonde do Rolê foi conseqüência do sucesso, e faz parte do que é utilizado por muitas bandas hoje em dia como ferramenta para conseguir visibilidade. Bandas desconhecidas utilizam-se de samples de músicas muito conhecidas para derivar seu trabalho inicial e chamar a atenção para ele, assim como foi o caso do Bonde do Rolê em suas primeiras produções. Essa é uma prática ilegal na maioria dos mercados internacionais, mas mesmo assim parece ser uma das mais adotadas nas produções desenvolvidas pelos iniciantes de qualquer estilo. O fato importante é que, assim que a banda adquire visibilidade e consegue um contrato com gravadoras para seu lançamento pela indústria fonográfica oficial, 153 essa prática precisa ser abandonada pela questão da legalidade do trabalho. Ao mudar a forma de trabalho, poucos conseguem um resultado tão dinâmico e eficiente quando comparado às primeiras produções repletas de samples ilegais. É que algumas coisas, com alguns artifícios que a gente usava no começo, era muito mais fácil do que como a gente faz hoje. No começo a gente pegava um sample, recortava do jeito que a gente imaginava, gravava o vocal e tava pronta a música. Só que como agora a gente tem que fazer as músicas também, então a gente faz toda a pesquisa de tipo, – com essa música vamos parecer que a gente sampleou tal coisa e montou de tal jeito – é assim que a gente faz, então demora um pouco mais.(...) É como aquele alho e sal que você compra pronto no mercado. Se eu não posso usar o alho e sal, então tenho que picar e macerar o alho, depois por sal, pra daí depois disso eu ter aquilo e daí voltar depois para a receita. Como a gente não pode usar o alho e sal pronto, a gente tem que fazer o alho e o sal. (GORKY, 2009) Essa é a real linha divisória entre o Bonde do Rolê e todas as outras bandas de apartamento. Eles não foram os únicos a produzir coisas interessantes no começo de sua carreira, nem tampouco foram os únicos a chamar a atenção de gravadoras de dentro do circuito das majors da indústria fonográfica, mas figuram entre os poucos capazes de adequar sua produção à legalidade exigida como ponto de partida para o pertencimento ao esquema das grandes gravadoras, onde adquirem status de banda de sucesso e passam a receber dividendos de forma coerente com esse fato. A noção que os produtores do Bonde do Rolê têm a respeito dessas questões, obviamente derivadas da experiência que viveram, faz com que seu trabalho seja reconhecido no meio e fora dele. Aos poucos os integrantes da banda começam a prestar serviço e desenvolver trabalhos para outros artistas, sendo cada vez mais requisitados para essa finalidade. Da mesma forma que o Bonde do Rolê um dia se utilizou de samples de bandas famosas ou da possibilidade de remixá-las, hoje produtores menos famosos procuram a banda para que eles liberem a produção de remixes e a utilização de 154 samples. A posição da banda é clara, permitindo todo trabalho derivado, e incentivando essa possibilidade pela disponibilização das músicas abertas66 em canais de distribuição para que quem tiver interesse em utilizar esse material o faça. Você não pode virar e falar: - ai não, não gosto, você está descaracterizando minha música. - Não! Foi feita pra isso. Digamos que é a visão da pessoa em cima do seu trabalho. Que eu acho que é a mesma coisa que funciona com os samples, que tipo, é a nossa visão em cima do trabalho daquelas pessoas. (GORKY, 2009) A produção das músicas do Bonde do Rolê hoje em dia é dividido entre vários produtores e colaboradores, mas nasce sempre das gravações demos produzidas por Rodrigo Gorky e Pedro D´Eyrot. De forma colaborativa e sempre mediada pelo computador, o trabalho é produzido entre idas e vindas do material pela rede. 66 A música aberta é a forma de se nomear o arquivo de Multitrack, ou seja, o arquivo fonte onde a música se apresenta dividida em canais, que podem ser manipulados idividualmente. 155 CONSIDERAÇÕES FINAIS na economia do futuro, o capital será o homem total (LÉVY, [1994] 2003, pp. 42-45) A partir de uma metodologia híbrida e da abordagem multifocal permitida pela inclusão das entrevistas em profundidade, foram visualizados pontos convergentes e divergentes na produção do funk no Brasil, considerado desde sua e entrada no país, até sua configuração atual como produto cultural pertencente à Cibercultura. A partir da revisão do termo “indústria cultural” foi possível analisar o histórico da indústria fonográfica desde sua instituição até o presente momento, sempre considerando sua relação com a tecnologia em cada etapa de transformação dos aparatos tecnológicos que a representam. Tendo essa relação em mente, foi possível vencer o desafio de verificar a aplicabilidade da teoria existente sobre o assunto ao momento atual de disponibilidade tecnológica, fazendo a revisão da mesma e propondo que fosse acrescida às quatro etapas existentes, uma quinta etapa de desenvolvimento da indústria cultural em relação à tecnologia, configurada a partir da disponibilidade das relações mediadas por computador, intitulada como sendo a fase “em rede”. Esta etapa tem origem, portanto, a partir dos anos 1990, com o surgimento da internet que funciona como plataforma onde as trocas características dessa fase acontecem. Porém, é só a partir de 2005 com o sucesso do Bonde do Rolê que o funk passa a ser produzido com as características próprias da quinta fase de desenvolvimento da indústria fonográfica. As principais características da quinta fase versam sobre a inserção do consumidor no processo de produção cultural, além de incluí-lo em outros degraus, 156 principalmente na etapa de distribuição. Com a presença de consumidores e produtores na mesma plataforma, as trocas são facilitadas, quando não estimuladas diretamente, dependendo da rede social em que se encontram. Numa nova hierarquia, funções são transformadas e até mesmo excluídas dos modelos de estrutura originais da indústria fonográfica. Entre eles, a principal mudança está na transformação do papel do produtor musical, que passa a fazer parte integrante das bandas ou grupos de artistas das quais é produtor, ao contrário do modelo tradicional onde era contratado das grandes gravadoras como forma de permitir que estas mantivessem algum controle sobre a parte criativa da composição. Quando a música se encontra mediada, processos híbridos de construção são desencadeados, tanto no que diz respeito à participação do consumidor neste quadro, quanto no que diz respeito à utilização de diversas fontes de matéria-prima, inclusive de gêneros diferentes. Dentro dos processos híbridos de remixagem cultural, temos o sample e a técnica de sampling como ponto de partida para a reorganização de material garimpado dentro e fora da rede, transformando toda a matéria sonora em fonte de dados para novas criações, numa cultura que preza a reciclagem como forma de transmissão de suas características, fazendo uso de processos de remixagem com essa finalidade. O funk nesse contexto é tomado como figura representativa para aplicar os dados teóricos e empíricos e transformar tudo num produto representativo do campo da comunicação. O funk carioca passou por muitas incursões na imprensa brasileira, transitando entre cadernos culturais e policiais, desde sua entrada no país, 157 passando pela sua nacionalização e pelo seu momento atual com destaque na mídia internacional: Desde que foi revelado para a Zona Sul, o funk veio freqüentando a mídia em grande escala, tanto do lado do bem quanto do mal. Foi olhado de rabo de olho, registrado, louvado, perseguido, interpretado, absolvido, condenado de novo, processado, defendido, criminalizado, explorado, exaurido, esconjurado, amado, ridicularizado e até escondido.Só não conseguiu ser banido. (ESSINGER, 2005, p. 11) Toda essa movimentação dentro da imprensa foi importante para o funk em dois conceitos. Primeiramente provocou uma união interna fortalecendo as equipes, os DJs e os produtores, fazendo com que se formasse uma massa coesa e unificada no centro do movimento. Segundo, o preconceito fez com que o funk ficasse compreendido dentro do seu próprio território nacional, permitindo o desenvolvimento do estilo antes que esse fosse descoberto pela imprensa e produtores internacionais. Essa barreira de defesa foi fundamental para que o funk brasileiro estivesse preparado para ser absorvido internacionalmente como a verdadeira música eletrônica brasileira, com o tempero característico do país, em produções encorpadas pelo “tamborzão” de origem afro-brasiliera dos atabaques, e com a forma menos esculpida de outros estilos caracteristicamente brasileiros, como a bossa nova. Ao trazer à tona a história do funk desde sua entrada no país até os dias de hoje, percebemos claramente que o estigma associado pela mídia e o preconceito funcionaram como barreiras de contenção, permitindo ao funk se desenvolver dentro de condições restritas, unificando tendências e padrões, e fazendo com que este se fortalecesse antes de sua tardia entrada na quinta fase de desenvolvimento da indústria cultural proposta nessa dissertação. 158 Em sua história recente, o funk apresenta todas as características comuns aos produtos pertencentes a esta quinta fase, demonstrando a veracidade do argumento apresentado, quando na virada do século ele transborda suas barreiras de defesa e invade o mundo com a sonoridade que viria a ser considerada por muitos como sendo a verdadeira música eletrônica brasileira, ao conjugar diversas influencias e vertentes, tal qual a cultura brasileira como um todo. É nesse momento também, onde o funk é vivenciado dentro das plataformas de redes sociais através do contato direto entre produtores e consumidores, que surge o que chamamos de “funk de apartamento”, onde amadores de todos os cantos do país experimentam as possibilidades tecnológicas e trocam experiências a respeito de produção musical, construindo a fagulha que desencadearia num processo de reconhecimento e legitimação, que por sua vez originaria bandas de sucesso de uma nova vertente do funk que passaria a ser chamada de neofunk. O neofunk é, portanto, o funk produzido dentro da quinta fase de desenvolvimento da indústria cultural na qual estamos atualmente. Assim sendo, neofunk não poderia ser considerado uma derivação do funk, nem um subgênero, nem uma cena musical constituída à parte do funk carioca, pois isso seria comparar coisas distintas. Neofunk é uma classificação do funk, que é aplicada quando este contém as características já citadas da quinta fase de desenvolvimento da indústria cultural. Nestes termos, remete-se ao significado original do termo funk, referindo-se a misturas e hibridações, tanto técnicas como de gêneros de quando este foi originalmente criado. Nesse caso, até mesmo outros estilos e outras sonoridades poderiam ser classificadas como produções de neofunk, mesmo que não tivessem a batida do 159 funk em sua composição, desde que criadas com as mesmas características de hibridação e colaboração. Saindo da dicotomia funk carioca versus funk produzido no sul, passamos a adotar parâmetros de classificação de outros graus, e deixamos as questões relativas à localidade de desenvolvimento de cada produto para definições de temáticas relacionadas ao cotidiano de onde eles são produzidos. A diferença entre eles, portanto, está muito mais relacionada à concepção das letras do que a qualquer outro referencial. Voltando ao “funk de apartamento” tratamos da forma como as relações estabelecidas no ciberespaço tomam corpo, quando consideramos que pela primeira vez produtores e consumidores participam das mesmas plataformas sociais, e pertencem a essas estruturas da mesma forma, fazendo como que a troca seja a base da evolução dos relacionamentos mediados. A troca direta entre produtor e consumidor desencadeia um processo de desintermediação do mercado, onde em contato direto um com o outro, ambos fazem escolhas tomando o outro como base. Quando produtor e consumidor não estão separados por um palco de distância, a forma como são vistos muda, principalmente quando tratamos de produtores musicais. O contato entre eles transforma ambos. Enquanto os produtores usam os consumidores como fonte de informação ou inspiração, os consumidores se aproximam do papel de produtores em atividades amadoras, que também movimentam esse circuito de trocas. O produtor passa a atuar como mentor, e seu papel é estendido quando ele passa a distribuir seu próprio conteúdo dentro da rede, ocupando o lugar que antes era de executivos das grandes gravadoras. 160 É a conexão entre pessoas através de seus interesses comuns que facilita a formação desterritorializada de novos grupos, onde as relações mediadas são estreitadas de forma diretamente proporcional à intensidade das interações. Como o elo comum é o interesse em determinado assunto, grupos heterogêneos em relação à idade, classe social, gênero e localização são formados, pois as barreiras físicas não são características da comunicação mediada por computador. O baixo custo e efetividade da mídia em tempo real nesse ambiente proporcionam um declínio da mídia tradicional e promovem o ciberespaço, acolhedor das inteligências coletivas. Assim a alternativa é usar a dinâmica das redes sociais e interações no ciberespaço para desenvolver ações e estratégias midiáticas, baseadas no poder da coletividade e da reputação, levando em consideração um ambiente em que a mensagem pode ser alterada em seus ínfimos fragmentos, a mixagem e a reorganização são partes do processo e os signos são reordenados. Interessados em participar dessa dinâmica terão que trabalhar com a sensibilidade das redes formadas por ligações emotivas, autênticas e genuínas, construídas por laços de confiança calcados na reputação de seus participantes, pois nesta cultura cada bit de informação colabora para o incremento do coletivo. As atividades sociais realizadas em torno ou através de redes sociais estabelecidas nas plataformas online de comunicação estão continuamente ganhando importância na medida em que se tornam foco de ações de mídia ou mesmo de observação por parte de empresas interessadas em estabelecer uma conexão direta com seus clientes ou até mesmo observar seu comportamento. O resultado desse processo é o incremento da importância individual de cada participante dentro de sua rede de conexões, desencadeando grandes 161 transformações na forma como o consumidor é visto e tratado dentro dos sistemas de produção atuais. No contexto da Web 2.0, os limites entre produtor e receptor, entre fãs e artistas são difusos. Além da promoção da própria música, a utilização das ferramentas de autopromoção disponíveis no ciberespaço contribuem para este quadro. Com a reconfiguração do consumo de música possibilitado pelas novas tecnologias, as plataformas sociais ganham notoriedade, e o consumo de música como ato cultural transforma essas plataformas (sites, sistemas, interfaces) em verdadeiras redes sociais, fortalecidas pela tecnologia de uma forma que antes não era possível. O consumo de música como parte dos rituais de socialização neste contexto ganha forca e credibilidade, mudando desde a forma como se consome a música, até que música é consumida. A escuta nômade da música e a difusão da cópia agregada ao processo de produção industrial gerou a indústria fonográfica, que passa a moldar um padrão de consumo com a intenção de massificar os lucros a partir da massificação dos gostos. Porém a disponibilidade tecnológica possibilita uma arma na luta contra a massificação, onde a diferenciação a partir gostos individuais de cada pessoa é o ponto fundamental. A diversidade e a multiculturalidade são evidenciadas nessas trocas, sempre que pessoas diferentes estabelecem uma conexão. Quando na mistura de referencias presentes numa música, identificamos traços de nossa cultura, certamente estabelecemos conexão com aquele material, seja positiva ou negativamente. São esses traços culturais presentes no funk que o tornam consumível por diversas classes e por diversos tipos de pessoas. 162 Numa dinâmica que se assemelha ao que acontece na cultura brasileira, o funk mistura, utiliza e reutiliza marcadores que são os mesmos do dia a dia, seja qual for o canto do país que este tem origem. Por isso, o funk é considerado por muitos a verdadeira música eletrônica brasileira. Todas essas atividades são desenvolvidas por pessoas que fogem à média em diversos aspectos. Os produtores de neofunk, bem como muitas vezes seus consumidores têm uma relação muito intima com a tecnologia, que começa sempre pela sua facilidade de acesso a ela. A partir da tecnologia, eles figuram o ciberespaço como figuras participativas e colaborativas, bem acima da média do usuário normal. È necessário ressaltar que eles não são a maioria, mas são os produtores de grande parte daquilo que alcança todos os outros. A desintermediação por sua vez, ocasiona mudanças nos mercados, onde os consumidores engajados chamados de prosumers produzem e compartilham conteúdo através do peering, produzindo algo maior do que simplesmente as trocas decorrentes de sua conexão. É ai que entra a colaboração direta na produção de um novo tipo de inteligência, que transforma cada indivíduo numa parte importante do todo e faz com que suas opiniões e seu conhecimento sejam fundamentais para o outro. Dessa forma, as pessoas passam a ser o conteúdo, sendo elas próprias parte da mensagem que transmitem em suas trocas de informações. As pessoas são as mensagens quando dispõem de credibilidade dentro do meio onde transitam. Essa credibilidade é desencadeada pela autenticidade de sua participação na rede e pelo tempo dedicado àquela atividade, quando a intenção verdadeira cria confiabilidade e boa reputação. Em outro pólo, o próprio excesso empregado pelos meios 163 publicitários confere credibilidade às vozes individuais. A saturação da propaganda desencadeia um bloqueio por parte das pessoas para com o seu recebimento, influenciando-as a migrar para outros locais em busca de informações a respeito daquilo que consomem, pois “a fé na propaganda e nas instituições que pagam por ela está diminuindo aos poucos, enquanto a crença nos indivíduos encontra-se em ascensão. As pessoas confiam em outras pessoas iguais a elas” (ANDERSON, 2006, p. 97), e a publicidade muitas vezes vem se afastando disso. Hoje, o consumo assume muito mais uma dimensão pública – não mais uma questão de escolhas e preferências pessoais, o consumo se tornou tema de discussões públicas e deliberações coletivas; o compartilhamento de interesses comumente leva a conhecimento 67 compartilhado, visões compartilhadas e ações compartilhadas. (JENKINS, 2006, p. 222) Numa configuração econômica onde a participação individual tem poder, “estamos nos tornando uma economia em nós mesmos” (TAPSCOTT & WILLIAMS, 2007, p. 26), ao trazer para cada indivíduo a possibilidade e a responsabilidade de suas contribuições. A divulgação boca a boca transposta para o online e a visibilidade que todos podem ter na internet dotou as opiniões individuais de relevância no contexto do todo, opiniões estas que quando acopladas às identidades online endossadas por credibilidade, transforma-se em informação passível de influenciar outras pessoas. A capacidade de explorar a inteligência dispersa de milhões de consumidores para que as pessoas encontrem o que lhes é mais adequado está determinando o surgimento de todos os tipos de novas recomendações e métodos de marketing atuando basicamente como os novos formadores de preferências (ANDERSON, 2006, p. 55) Através da ciber-representação, o sujeito se apresenta como objeto, sendo fundamental considerar a revolução epistemológica que “ultrapassa a distinção entre 67 Tradução livre da autora: “Today, consumption assumes a more public and collective dimension – no longer a matter of individual choices and preferences, consumption becomes a topic of public discussion and collective deliberation; shared interests often lead to shared knowledge, shared vision, and shared action” 164 sujeito e objeto, implode o sujeito, como ego que tudo domina, até que passe a ser um só com o mundo que o cerca” (MAFFESOLI, 2007, p. 72). Fechando o círculo, o neofunk se apresenta como objeto em torno do qual se estabelece a sociabilidade online, através da ciber-representação de produtores e consumidores que figuram conjuntamente nas mesmas plataformas de redes sociais. É a produção, distribuição e consumo desintermediado do neofunk que permite que a relação direta entre produtores e consumidores se desenvolva. Como apontamento para continuidade dos estudos iniciados no mestrado, reconhece-se a limitação de tempo que fez com que grande parte dos assuntos relacionados à equação apresentada nessa dissertação não pode ser desenvolvida, nem ao menos de forma inicial. Portanto, aspira-se o prosseguimento no mesmo assunto, mantendo o relacionamento entre ciber-representações como recorte, mas dessa vez abordando-o por outro ponto de vista. Pretende-se futuramente tratar a relação dos produtores e consumidores com suas ciber-representações, pensando em delimitar quais os aspectos de identidade transpostos do off-line para o online. Considerando que a mediação por computador está presente entre o homem e sua ciber-representação, e novamente entre suas atividades de pertencimento e os rastros destas que permanecem online, pretendese encarar a multiplicidade do eu online a partir do enfoque de experimentação e do jogo de se testar em diversas versões para a criação de um eu off-line que englobe todas essas possibilidades. 165 APÊNDICES LEVANTAMENTO NETNOGRÁFICO DO “BONDE DO ROLÊ”68 O inicio do trabalho de levantamento netnográfico a respeito da presença na internet do objeto escolhido “Bonde do Rolê” aconteceu no site de buscas Google69. Ao efetuar a busca pelo termo no sistema, foram obtidos 1.070.000 resultados com impressionante relevância: os 700 primeiros resultados eram pertinentes. As 100 primeiras apresentavam uma maior relevância, mas poucas seguintes repetiam conteúdos. Entre esses, grande parte se refere a noticias em portais de música e entretenimento e letras das músicas. Aparecem também entre os 50 primeiros resultados todas as plataformas sociais que serão observadas mais profundamente neste levantamento. Com exceção do Orkut, que nunca aparece nos resultados do Google, aparecem a Wikipédia, Last.fm, Myspace e Youtube Wikipédia A Wikipédia é uma enciclopédia online, livre e participativa, escrita de forma colaborativa por diversas pessoas. Ela é baseada no modelo wiki, onde uma série de páginas pode ser modificada através de qualquer navegador comum70. A descrição do grupo contida na Wikipédia71 em português é bem sucinta e desatualizada, com dados de julho de 2006, além de incompleta. Apesar da breve 68 Levantamento iniciado em junho de 2007 e concluído em setembro de 2007, apresentado como paper da disciplina de Netnografia, que deu início dos trabalhos de pesquisa acerca do objeto dessa dissertação. Apresento aqui um recorte deste paper, mas me reservo ao direito de repetir as citações já apresentadas em outros momentos dentro da dissertação, para que não se perca o objetivo primeiro de ter esse levantamento presente aqui, que é demonstrar a importância do levantamento netnográfico preliminar da presença do objeto online, para a delimitação e descoberta do que é efetivamente o próprio objeto. 69 70 http://www.google.com.br Para uma descrição mais profunda http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipedia da Wikipédia e do modelo wiki, consultar 166 descrição da banda conter dados relevantes, a descrição dos integrantes como artistas individuais foi deletada recentemente por ser considerada inapropriada. Já a versão em inglês72 do termo Bonde do Rolê da enciclopédia livre traz uma versão mais completa e atualizada da descrição da banda, com os últimos fatos relevantes da data corrente. A discrepância entre as descrições em português e em inglês na mesma plataforma possivelmente tem origem no reconhecimento internacional da banda, que em contrapartida não possui o mesmo reconhecimento e seu país natal, ou até mesmo pelo desinteresse por parte dos brasileiros em manter a versão em português da enciclopédia atualizada. Last.fm O last.fm73 é uma plataforma que abriga um site e uma Web rádio em torno da qual está formada uma rede social e comunidade virtual a partir de perfis dos usuários construídos pelo seu gosto musical. Isso é possível através do sistema de audioscrobbler que é um plugin que capta as informações sobre as músicas executadas nos tocadores do computador. O perfil dos usuários é construído de duas formas: pela utilização do audioscrobbler e ouvindo a Web radio do last.fm. Com um pouquinho de boa vontade, é possível também transmitir as informações das músicas executadas em seu ipod para o arquivo de dados do last.fm, acurando seu perfil de escuta. A partir de um filtro de algoritmo, o cruzamento de informações sobre a sua escuta e a de outros usuários gera recomendações, e é possível inclusive saber qual 71 http://pt.wikipedia.org/wiki/Bonde_do_Role 72 http://en.wikipedia.org/wiki/Bonde_do_role 73 http://www.last.fm 167 o grau de compatibilidade entre você e outro usuário de acordo com o cruzamento de informações das tabelas de dados do que ambos escutam. A informação no last.fm, é construída de forma colaborativa num ambiente wiki, e indexada pelos próprios usuários através de etiquetas de informação74 que são anexadas ao conteúdo como palavras chave através das quais é possível realizar buscas. O trabalho de indexação do conteúdo, ou seja, a colocação das tags é feita sem a pré-existência de categorias definidas. O last.fm tem sido utilizado amplamente por brasileiros. Segundo as estatísticas do próprio site, cerca de 57.000 usuários do sistema são brasileiros. A vantagem de uma Web rádio está principalmente no fato dela ser assíncrona, permitindo que cada usuário conectado ouça o que quer na hora que quer. No caso do last.fm, é possível ouvir uma rádio criada especialmente para você, a qualquer momento através de qualquer uma das tags ou dos nomes dos artistas. No caso do Bonde do Rolê, as informações criadas a respeito da banda pelos usuários estão dispersas em tags distintas75 e com grandes discrepâncias entre as descrições em inglês76 e português77. O perfil em português é definitivamente o mais completo em termos de texto, com informações atuais e especificas, incluindo discografia e informações a respeito de reportagens atuais da banda. O Last.fm aponta 275.500 execuções de músicas da banda captadas pelo sistema de audioscrobbler, e as tags em que as músicas da banda foram classificadas são: baile funk, brazilian, electro, electronic, funk, funk carioca, rock e 74 Ou tags, que são metadados dados obre dados, informação a respeito da própria informação. 75 Ver http://www.last.fm/music/Bonde+do+Rol%C3%AA 76 http://www.last.fm/music/Bonde+Do+Role?q=bonde+do+role 77 http://www.lastfm.com.br/music/Bonde+Do+Role?q=bonde+do+role&setlang=pt 168 seen live. De cada uma dessas tags deriva uma Web rádio da qual faz parte o repertório do Bonde do Rolê. O caso do Bonde do Rolê e sua presença na internet desperta o interesse pela relação entre as bandas independentes e a comunicação de massa, que está voltada para os grandes sucessos. A indústria do entretenimento procura por produtos que possam abarcar uma incrível gama de expectadores, e grandes sucessos que podem ser considerados como “lentes através das quais observamos nossa própria cultura” (ANDERSON, 2008, p. 1)Esse foi o ponto marcante até agora no que tange nosso cotidiano, mas conforme o conceito da “cauda longa” descrito por Anderson, este quadro “está desbotando nas pontas”, com a fragmentação dos mercados em nichos cada vez menores, que somados podem se tornar tão grandiosos quanto os sucessos. Ainda procuramos o grande sucesso, mas este não é mais tão proeminente quanto costumava ser. A mudança do mercado de consumo e o “estilhaçamento da tendência dominante e zilhões de fragmentos culturais multifacetados” (ANDERSON, 2006, p.5) é resultado da adoção da tecnologia e das mídias eletrônicas que criam condições para essa mudança, e é um fenômeno que abrange diversos segmentos, servindo de apoio para o estudo em diversos campos. No caso do last.fm o efeito da cauda longa é percebido quase que instantaneamente vista a quantidade de artistas e músicas disponíveis e notado que todas as músicas, por mais desconhecidas que possam ser, foram ouvidas muitas vezes. Na fronteira difusa entre produtores e consumidores a qualidade de produção não é fator de diferenciação e um pequeno produtor pode ser escutado entre grandes produtores, desde que seja classificado pelos usuários com tags semelhantes. 169 O audioscrobbler possibilita a análise de outro fenômeno, o da alocação da memória. Catalogar e processar a informação sobre o que escutamos seria um trabalho árduo e com poucos resultados aplicáveis quando feito manual e isoladamente. A própria existência desses (e de outros) arquivos de memória “da algo concreto às pessoas para se referirem” criando “um novo objeto para pensar a respeito da memória”, uma certa “conexão” para o resto de nossas vidas. (TURKLE, 2006, p. 296) Dessa forma parte da nossa memória que já existia e estava indisponível por falta de critérios de classificação passa a fazer parte de nossa representação. Posso saber mais a respeito de mim mesma a partir das relações que o sistema de scrobbler faz e a partir do cruzamento de informações entre minhas preferências e as preferências de outras ciber-representações. Da mesma forma a disponibilidade do histórico de nossas preferências, permite o acesso a mais informações sobre nós mesmos trazendo para o hoje informações antigas com “a mesma presença na tela” e com a mesma presença tecnológica. Segundo Turkle, tenho o mesmo poder acerca do meu histórico que tenho sobre minha informação atual. Meu histórico não é mais empoeirado, e não está mais em mim, pois “memória e lugar tornam-se desconectados”, e passamos a nos acostumar a ter parte das informações em alocadas em outros lugares que não em nossa memória. (TURKLE, 2006, p. 300) Orkut O Orkut é uma rede social filiada ao Google, baseada em criar novas amizades e manter relacionamentos, a partir de perfis pessoais. É possível adicionar amigos e comunidades de interesses comuns. A inspiração para a criação do Orkut 170 está na teoria dos seis graus de separação, onde uma pessoa pode estar conectada a qualquer outra pessoa por no máximo cinco amigos intermediários78. O Brasil impera entre os usuários do Orkut, com 53,4% dos usuários declaradamente brasileiros, e idade dominante dos participantes entre 18 e 35 anos. A participação do “Bonde do Rolê” na maior plataforma do Orkut é massivamente em português, já que poucos usuários são realmente de outros países. Das doze79 comunidades apenas uma não é brasileira. A maior comunidade possui 2928 membros, e é a que possui mais tópicos nos fóruns, e maior quantidade de postagens em cada um deles, ou seja, muito movimentada. Seis outras comunidades são mais expressivas com cerca de cem integrantes cada, mas pouca movimentação no fórum que é basicamente dos mesmos assuntos da grande comunidade. Quatro comunidades de cerca de cinco integrantes são inexpressivas, e apenas uma comunidade desfavorável, nomeada comumente como “Eu odeio o Bonde do Rolê”80. No Orkut ainda estão os perfis pessoais de todos os integrantes da banda: Marina Vello81, Pedro D´eirot82 e Rodrigo Gorky83. Numa observação superficial dos scraps deixados nos três perfis, a maioria deles está relacionada a assuntos pessoais, alguns comentários de fãs e poucos comentários negativos ou maliciosos. Isso se justifica por ser uma plataforma social baseada nos perfis e gostos pessoais e pelos integrantes já estarem presentes no Orkut antes da existência da 78 Para maior explicação do funcionamento da rede social Orkut e a teoria dos seis graus de separação, consultar http://pt.wikipedia.org/wiki/Orkut e http://www.orkut.com/About.aspx 79 Observação verificada em 13 de setembro de 2007 80 http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=13902550 81 http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=341075550042298614 82 http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=4873420745129445106 83 http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=5125256703090868378 171 banda. Assim, o círculo de supostos amigos dos integrantes já estava formado antes do sucesso. O nome da banda aparece no perfil de 788 usuários no campo de preferências musicais. Myspace O Myspace84 é um serviço de rede social que possibilita a comunicação online através de perfis de forma similar ao Orkut, que era inicialmente mais completo e dotado de melhores ferramentas, mas que a partir das últimas atualizações do Orkut tornou-se muito similar. O perfil do Myspace do Bonde do Rolê85 é colocado como site oficial da banda, e é o principal local de informações do grupo. É utilizada uma plataforma variante do Myspace original, chamada Myspace Music. Essa variante possui funções específicas para bandas, DJS e grupos musicais como agenda de shows e player online. As informações estão atualizadas, com agenda completa de shows pelo mundo, fotos atuais e músicas para download além de vídeos. Chama a atenção no perfil da banda o blog vinculado, onde aparece review de cada apresentação e postagens a respeito do dia-a-dia da banda, todos em inglês e assinados pela banda inteira. Os integrantes da banda com seus próprios perfis (Pedro86, Marina87 e Rodrigo88) costumam comentar as postagens, e vários fans e amigos fazem o mesmo. Os perfis pessoais de Marina e Pedro não são feitos 84 http://www.myspace.com 85 http://www.myspace.com/bondedorole 86 http://www.myspace.com/with_lasers 87 http://www.myspace.com/polacadanhanha 88 http://www.myspace.com/djgorky 172 com a plataforma Myspace Music, e sim com a ferramenta tradicional. Apenas o perfil de Rodrigo Gorky, o DJ da banda está no Myspace Music. Os perfis dos integrantes estão todos linkados entre si, e estão sempre entre os primeiros exibidos, já que o myspace permite escolher quais dos perfis dos seus amigos aparecerão na primeira pagina. Da mesma forma o perfil dos produtores nacionais e internacionais e dos principais artistas estão sempre presentes uns nos outros, remetendo ao conceito de acúmulo de capital social (RECUERO, 2006, p. 8), onde adicionar amigos influentes ou reconhecidamente importantes em seu perfil faz com que o usuário seja também reconhecido. Muitos artistas independentes ou não além do Bonde do Rolê utilizam o Myspace Music como site oficial, pela facilidade de atualização que as ferramentas específicas permitem. No caso do Bonde do Rolê, a adoção do Myspace Music supre necessidades de se estar na estrada com a dinâmica de atualização facilitada. Youtube De acordo com a Wikipédia, o Youtube89 é um site na internet que permite que os que seus usuários carreguem, assistam e compartilhem vídeos em formato digital. A presença do Bonde do Role no Youtube é tímida, e se restringe aos clipes da banda, entrevistas, performances ao vivo e vídeos das aparições do trio em programas de TV, com apenas 249 resultados obtidos na busca pelo termo. Conclusão Percebe-se a emergência de pesquisas relacionadas ao objetivo de suprir o campo da comunicação e os objetos da Cibercultura da carência metodológica em que se encontra. 89 Para maiores informações http://pt.wikipedia.org/wiki/Youtube sobre o funcionamento do youtube, consultar: 173 Com a reconfiguração do consumo de música possibilitado pelas novas tecnologias, as plataformas sociais ganham notoriedade, e o consumo de música como ato cultural transforma essas plataformas (sites, sistemas, interfaces) em verdadeiras redes sociais, fortalecidas pela tecnologia de uma forma que antes não era possível. Assim, as interfaces e plataformas sociais funcionam como elemento aglutinador, capaz de promover até mesmo um crescimento intelectual dos participantes através da troca de informações. Num nível mais elementar, pelo menos agregar repertório. O consumo de música como parte dos rituais de socialização nesse contexto ganha forca e credibilidade, mudando desde a forma como se consome a música, até que música é consumida. A música nesse contexto passa de produção artística a evento comunicacional, como descrito por Diana Domingues: novas espécies de imagens, de sons, de formas geradas por tecnologias interativas e seus dispositivos de acesso permitem um contato direto com a obra, modificando a maneira de fruir imagens e sons. As interfaces possibilitam a circulação das informações que podem ser trocadas, negociadas, fazendo com que a arte deixe de ser um produto de mera expressão do artista para constituir um evento comunicacional (DOMINGUES, 1997, p.20) A escuta nômade da música e a difusão da cópia agregada ao processo de produção industrial gerou a indústria fonográfica, que passa a moldar um padrão de consumo com a intenção de massificar os lucros a partir da massificação dos gostos. Porém a tecnologia de plataformas como o last.fm e também outras plataformas sociais musicais como o myspace possibilitam uma arma na luta contra a massificação, onde a diferenciação pelos gostos individuais de cada pessoa é o ponto fundamental. 174 ANEXOS ROTEIRO DAS ENTREVISTAS APRESENTAÇÃO 1) Quem é você? • Apresentação • História (de vida e musical) AQUECIMENTO 2) História do entrevistado • Quais as suas Influências ( separar em influencias de base e influencias atuais) • Quem é que você influencia 3) Rotina de atividades • Como é a sua rotina diária? • Onde entra a música em tudo isso? • E a tecnologia? 4) Composição do “produto DJ Marlboro” • Qual a importância da discotecagem, da produção e de outros projetos dentro da sua rotina RELAÇÃO COM O SEGMENTO 5) O funk carioca • O funk carioca é um gênero? Subgênero? Onde ele se encaixa dentro da música, ou da música eletrônica? • Quais são as influências gerais do funk carioca • Quais são os gêneros que o funk carioca influencia? • O que você acha do funk carioca ser tocado hoje no mundo todo, e do fato do Brasil ser reconhecido por ele? • O funk carioca fala de quê? • Qual é o discurso do funk carioca? RELAÇÃO COM INDÚSTRIA FONOGRÁFICA 6) Sobre Indústria fonográfica • Qual a sua motivação para a produção? • Quem são as pessoas envolvidas em dar suporte ao seu trabalho • A venda de CDs, lançamento oficial, promoção, fazem diferença no teu trabalho? • Ao longo dos anos, você sente que a estrutura da indústria fonográfica mudou? Como? • Onde você se encaixa dentro da indústria fonográfica 7) Sobre Matéria-prima • Como é que você pesquisa música? • Pesquisar música para tocar é a mesma coisa que procurar matéria-prima para produção? • O que é certo e o que é errado na utilização dos samples? 175 • O que é certo e o que é errado na hora de fazer um remix? • Um remix é uma homenagem? • Como você se sente quando as pessoas remixam o seu trabalho? • O que uma música tem que ter para que você sinta vontade de remixá-la? 8) Sobre produção • Como é sua rotina de produção? Onde você procura inspiração? • Quais são os equipamentos e softwares que você utiliza? • Como a tecnologia mudou a forma como você produz? • Como isso aconteceu através dos anos? Teve algum momento difícil? • Como a tecnologia e a disponibilidade de matéria-prima online mudaram a forma como você produz? • Você considera produção musical como uma arte? 9) Sobre Distribuição • Você acha que ter as suas músicas na internet ajuda ou atrapalha no final das contas? • A desintermediação do canal de venda, ou seja, a proximidade do publico com o artista através do download (legal ou ilegal) ajuda ou atrapalha a sua carreira? • Você ainda vende? 10) Sobre redes sociais: • Você navega? Tem perfil em Orkut, facebook, twitter, etc? Lê email? • Qual a sua rotina online? O que você faz conectado? • A proximidade do público online, dentro das mesmas redes sociais ajuda ou atrapalha? • Você considera a opinião do publico em algum dos canais online? TEMA PRINCIPAL: 11) Sobre o neofunk • Existe um “movimento”, ou um sub-gênero, chamado hoje de neo funk, favela chic, ou movimento “pós baile funk”, dos quais fazem parte alguns produtores brasileiros do sul do Brasil, e alguns nomes internacionais, como Diplo. O que você acha? • Você reconhece o neo funk como subgênero? • Você toca neo funk? • Você se relaciona com os produtores de neo funk? • Como você chamaria esse segmento? • Qual a diferença entre o neofunk e o funk carioca? 12) Sobre os pares • Fredi Chernobyl Endres • Bonde do role • Diplo - Remix M.I.A • Qual a diferença entre tocar a original ou tocar seu remix, no caso da música da MIA (bucky done gun) • Você acha que remixar o Diplo, seria uma terceira fase da coisa toda? Seria uma espécie de visita? • Qual foi o processo de produção desse remix? Quando aconteceu? Teve contato com o Diplo? • O que foi que você inseriu, qual era sua proposta para esse remix? O que ele conserva e o que ele • Como você conheceu o trabalho da MIA (ou do Diplo) 176 GRAVAÇÃO DAS ENTEVISTAS 177 REPORTAGEM SOBRE PESQUISA DO IBOPE 178 REPORTAGEM MANYMAIS Especial Manymais – Mondo Bacana Escrito por Abonico – 29 de abril de 2008 Eles viraram mania nacional por causa de um MP3 na internet e um tosco videoclipe que custou dez reais. Sha-Zan e Charly Xyn conquistaram o país narrando uma série de crimes contra brinquedos, cometidos pelo boneco assassino Chuck. Após uma atabalhoada passagem por grande gravadora, estão de volta à independência e ameaçam fazer o primeiro show da carreira. Abonico R. Smith conversou com os rappers e conta a história dos Manymais. Charly Xyn e Sha-Zan: mais de mil discos de rock e rap em vinil, muito humor afiado e influência assumida dos Beastie Boys. Dez reais este foi o preço do passaporte para a fama do grupo que desde o ano passado deu a Curitiba um pouco de projeção nacional. Duas horas de produção propositalmente tosca, cinco minutos de filmagens sem cortes, uma fita de vídeo velha foram mais do que suficiente para convencer a produção do Piores Clipes do Mundo, programa trash da MTV, a colocar os Manymais no ar. Resultado: “Segura o Chuck” virou hit em todo o país e chegou a receber indicação para o prêmio de pior clipe do ano (categoria sem vencedor, claro). De quebra, ainda abocanhou algumas radiofusões e um contrato com uma grande gravadora, hoje devidamente rescindido. Tudo isso sem uma apresentaçãozinha sequer ao vivo. O Manymais foi criado há dois anos pelos rappers Sha-Zan e Charly Xyn, na verdade identidades não muito secretas de Marco Aurélio da Silva, 33 anos, e Charles Fernando da Silva, 32 – segundo Charly Xyn, “irmãos por parte nariz”. Depois de tanto fazer piada a vida inteira – fosse em casa, no colégio ou mesmo na rua – eles resolveram canalizar suas duas grandes paixões, o humor e a música, para uma mesma direção. A música sempre fez parte da vida de Sha-Zan e Charly Xyn. Além de ter um outro irmão músico que ganha a vida tocando noite (“reconhecemos que ele é muito bom, mas só faz coisa brega”, disparam, sem a menor cerimônia), a dupla alimenta uma grande paixão por discos desde a adolescência, preenchida por muitos contorcionismos durante a época de breakdancers. Charly possui uma extensa coleção de mais de mil vinis de rock e rap – entre eles coleções inteiras como do Rolling Stones e Led Zeppelin e algumas raridades do humorista Ary Toledo. ShaZan, por sua vez, nunca pensou duas vezes antes de torrar o salário de office-boy adquirindo obras-primas de Kurtis Blow, Mantronix e Afrikaa Bambaataa. Hoje, os irmãos chegam a passar até 18 horas diárias ouvindo música Já a parte da comédia e da diversidade de criação de personagens, roteiros e ambientações em versos rimados vem sendo desenvolvida desde a infância. Tudo graças ao rico background de cultura pop formado por infinitas sessões de desenhos 179 animados como Pernalonga, Picapau, Os Simpsons (trinta horas consecutivas compiladas) e South Park; leitura de milhares de histórias em quadrinhos; milhares de folhas rabiscadas e desenhadas com besteiras e piadinhas; e muito seriado de tevê e filme B injetados diariamente no cérebro. Sucesso na rede Tudo começou durante o período final do auge do mais famoso e conhecido site de disponibilização de arquivos pessoais em MP3, o Napster. Marco e Charles, com a ajuda de um Pentium, um microfone, um software de edição, um amigo guitarrista (Tiagus Terceirus, hoje não mais na banda), resolveram fazer uma graça com o verso “Segura o Tchan”, um dos mais famosos e recentes hits da música popular baiana. Criaram “Segura o Chuck”, um gangsta rap que lista uma série de crimes do famoso boneco de pano – nos versos, ele comete violência apenas contra outros brinquedos. Além da narrativa completamente cinematográfica (você consegue construir em sua mente, com perfeição, as cenas descritas pelos dois), há hilárias referências brasileiras de versos como “Todo mundo com presente, os mano, as mina”, “Na dança da garrafa o Chuck dá risada/ Ele tá segurando uma garrafa quebrada/ Cuidado se você for dar uma abaixadinha/ O Chuck te enforca usando uma cordinha”, “Da minha coleção nenhum brinquedo sobrou/ Ele matou os playmobil, a barbie ele estrupou” e “O pânico, o terror, o sangue, o medo/ Ninguém explica isso, nem o Padre Quevedo”. Música disponibilizada, uma rápida campanha de propaganda “corpo a corpo” na prórpia internet fez com que o Manymais saltasse para o topo das paradas de busca de alguns sites. O burburinho chegou à MTV e o apresentador Marcos Mion tratou de fazer o resto do trabalho. Logo veio um contrato com a Warner e o trio viajou para o Rio de Janeiro para gravar o single promocional de Segura o Chuck com duas versões, uma mais lenta, puxada para o rap, e outra mais rápida, com guitarras pesadas e vocais acelerados. E o que prometia virar um grande furacão na música pop nacional acabou degringolando. Sha-Zan e Charly Xyn culpam alguns erros da gravadora. “Primeiro, descaracterizaram a banda fazendo um clipe da versão rock sem sequer nos consultar”, reclama Xyn. Além de lançar o grupo sem a identidade do rap, os manos alegam que o vídeo – feito apenas com animação – havia custado muito caro (R$ 10 mil, contra os R$ 10 da versão tosca inicial). Sha-Zan também relembra o atraso no cronograma “Gravamos o single no começo do ano passado, o disco saiu em maio e só começou a tocar nas rádios em julho. O clipe novo só foi produzido entre setembro e outubro, divulgado em dezembro e veiculado a partir de janeiro deste ano. Ficamos quase um ano presos e perdeu-se o timing da piada. Já ficou um clima esquisito com a gravadora. Ainda por cima nos indicaram um empresário que, depois que gravamos um rap para uma campanha contra a dengue feita pela Globo de São Paulo, pegou os mil reais que recebemos, nem pagou a gente e nunca mais voltou sequer a nos procurar”, conta. “Aí queimou o filme e a paciência com a gravadora.” Contrato rescindido, o primeiro semestre significou um período de reconstrução para a dupla. Tiagus foi substutído pelo DJ DVD (membro não-fixo na 180 formação oficial) e o grupo passou a admitir a idéia de fazer shows e ainda a preparar seu primeiro álbum em casa. Conversas com outra grande gravadora já estão adiantadas, mas caso o Manymais não chegue a um acordo, o disco deverá ser lançado por conta própria no final de setembro. Segura o Chuck – parte 2 A escolha do repertório foi um caso à parte. A dificuldade ocorreu na hora da eliminação. Além das doze faixas selecionadas há outras tantas dezenas de letras (cinco ou seis, divergem os irmãos) já prontas, esperando um tempo para a criação do arranjo. O humor afiado, vozes escrachadas, o pensamento (dá para notar que os versos não são tão simples como parecem ser) e o cruzamento de informações com o rock (entre os samples utilizados estão trechos mais ou menos reconhecíveis de ícones do rock como Deep Purple, AC/DC e Nirvana) apontam para uma grande referência, devidamente assumida por Zan e Xyn: o primeiro álbum dos Beastie Boys (Licensed To Ill, de 1986, que deixou para a história hits como “Fight To Your Right To Party” e “Don’t Sleep Till Brooklyn”). “Segura o Chuck” pertence à Warner e não estará no disco. Entretanto, os manos mais do que rapidamente fizeram uma nova música sobre o boneco. “Segura o Chuck – Parte 2” fala de mais mortes horríveis de brinquedos e ainda brinca com os clichês de desenho animado (“Muitos policias já fizeram sua parte/ Agora vão em paz/ Isso é mais um caso para os Manymais”) e continuações cinematográficas de carnificina (“Segura o Chuck parte 2 / De novo o mesmo filme que eu já assisti”). Sobra até para um personagem curitibaníssimo – Inri Cristo aparece em voz e imitação. Por falar em seqüências do assassino, uma outra (“Chuck In Rio”, composta em iglês) já está pronta e disponível para quem procurar na rede. Há ainda outras faixas de primeira grandeza no futuro primeiro álbum dos Manymais, sempre com humr afiado e melodias-chiclete. Em “Nóis É DJ”, eles chupam descaradamente o irresistível riff da guitarra de “You Shook Me All Night Long” e satirizam a febre de rodar discos que tomou conta da molecada nos últimos anos (“Inventado no antigo/ Lá na terra do inglêis/ Se criou o toca-disco/ Instrumento dos DJs/ Hey, hey, hey/ Nóis é DJs”). O mais engraçado é a voz esganiçada de Brian Johnson feita por um dos rappers. Nas rimas de “Website”, Xyn e Zan discutem a azaração na internet: “É no website que eu passo a minha night/ Tô ficando com umas mina que são o mó megabyte/ Dá pra namorá tomando uns mé/ Eu nem tomo banho e fedo chulé/ O problema é saber se é homem ou mulher/ Porque aqui ninguém fala direito o que que é/ Na web não tem atentado ao pudor/ Mulheres peladas estão ao seu dispor/ Nem mesmo o Bill Gates pudia supor/ Tamanhas imundícias no computador”. Em “Videogame, eles vão fundo em outra dependência tecnológica. “Pra jogar o videogame tem que ser que nem eu sou/ Raciocínio ligeiro entender computador/ Minha infância foi cruel e hoje não me alugo/ Perdi meu tempo com o João Gordo, com o Hugo”, cantam os irmãos. Protesto no aeroporto 181 Este ano também ocorreu outro acontecimento marcante na carreira do Manymais. No dia 5 de abril, o trio pulou a cerca que separa da rua a cabeceira da pista do Aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais (região metropolitana da Curitiba). “Volta e meia a gente toma sorvete em frente à cabeceira, vendo avião subir e descer. E reparamos que estava muito fácil, tudo meio escancarado”, relata Sha-Zan. “Então tivemos a idéia de invadir a pista para protestar. Acabamos pegando o que estava ocorrendo de maior destaque na imprensa na época”. Como só se falava do cerco imposto pelo exército israelense a Yasser Arafat no próprio QG do líder da Palestina, o Manymais entrou na pista do aeroporto com uma faixa pedindo liberdade para Arafat e provocando atrasos nos vôos que estavam prontos para a decolagem. Antes, claro, tiveram todo o cuidado para avisar jornais, fotógrafos e equipes de televisão, para registrar o corrido. Na hora, porém, os seguranças da Infraero trataram de recolher a trinca em uma sala reservada para uma advertência e posterior liberação. No dia seguinte, a notícia correu por todo o país – há o sample de uma repórter narrando a insólita aventura. Mais do que isso, Zan, Xyn e DVD ganharam o status de “grupo de atitude”. Em tempos onde ser branco e apostar no humor não são mais contraindicações para quem quer fazer rap (Beastie Boys e sobretudo Eminem que o digam), os Manymais se preparam para, finalmente, fazer você cantar e dançar sem parar de rir. Afinal, se Matt Groening fosse criar uma banda de rock para um novo desenho animado, Sha-Zan e Charly Xyn seriam sérios candidatos a personagens principais. 182 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO. (1987). A industria Cultural. In: G. COHN, Comunicação e Indústria Cultural (5a. Edição ed., pp. 287-295). São Paulo: T.A Queiroz. ADORNO, T., & HORKHEIMER, M. (2000). A Industria Cultural: O Iluministmo como Mistificação de Massa. In: L. C. (Org.), Teoria da Cultura de Massa (pp. 169-216). São Paulo: Paz e Terra. ADORNO, T., & HORKHEIMER, M. ([1984] 1985). Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. AMARAL, A., NATAL, G., & VIANA, L. (setembro de 2009). Apontamentos metodológicos iniciais sobre a netnografia no contexto pesquisa em comunicação digital e cibercultura. Anais do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Intercom . ANDERSON, C. (2006). A Cauda Longa. Rio de Janeiro: Elsevier. ANDERSON, C. (5 de agosto de 2008). 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