CEGO, INCLUSÃO E CLASSE

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CEGO, INCLUSÃO E CLASSE: REFLEXÕES INICIAIS
Cleuza Sebastiana Farias Santos de Pádua
Liliam Faria Porto Borges
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo discutir os determinantes da exclusão dos cegos e
os limites da sociedade capitalista diante da proposta de inclusão, devido a sua lógica
excludente. Historicamente os cegos foram excluídos em decorrência das relações de
exploração do trabalho. A sociedade capitalista através do direito burguês mascara a
existência das desigualdades sociais, transformando os indivíduos em pessoas
jurídicas - sujeitos iguais, livres e dotados de direitos e vontades subjetivas -,
aparentando que não existem classes nem desigualdades sociais. Entretanto, exclui a
todos os pertencentes à classe explorada, atribuindo às características específicas de
cada um a responsabilidade por sua condição de vida, ocultando, deste modo, a face
excludente de sua estrutura, utilizando em seu benefício as opressões sociais
produzidas histórica e culturalmente. A proposta de inclusão está em conformidade com
os princípios da sociedade capitalista, tendo suas ações limitadas aos espaços que não
interferem na estrutura da sociedade, mas, mesmo assim, representa um avanço para
os cegos. No entanto, não é suficiente para romper com a exclusão, uma vez que isso
somente será possível em uma sociedade sem divisão em classes, já que as
sociedades classistas são por essência excludentes. Assim, os cegos devem
juntamente com sua classe lutar pela construção de uma nova sociedade.
PALAVRAS CHAVE: cego; classe; exclusão; inclusão.
INTRODUÇÃO
No século XX surge a proposta de inclusão social dos cegos, sendo focalizada
principalmente na educação. Este fato tem gerado inúmeros debates nos diversos
segmentos sociais, em especial entre os educadores, que em sua maioria, tem
apresentado resistência a esta proposta. Os cegos, por sua vez, apesar de
reconhecerem as dificuldades enfrentadas em decorrência da forma como tem sido
conduzida, compreendem que a inclusão representa um avanço em relação aos
modelos anteriores. Além disso, há muito estes indivíduos vêm se organizando em
movimentos sociais para buscar a inserção social.
A história destes indivíduos é marcada pela exclusão, estando pautada ora em
critérios materiais, ora em critérios místicos, porém, em cada período a exclusão ocorre
de forma diferente e embora seja atribuída a razões subjetivas, é decorrente das
relações de exploração do trabalho de cada sociedade, principalmente, naquelas onde
há divisão em classes antagônicas.
Assim, com o objetivo de compreender os determinantes da exclusão e da
inclusão dos cegos nas sociedades de classes, principalmente na capitalista, por
procurar mascarar a existência da exclusão através do direito burguês, em um primeiro
momento faremos algumas considerações à cerca das condições de vida dos cegos
nos diferentes modos de produção, tendo em vista as determinações de sua exclusão.
Em seguida, limitaremos a análise à sociedade capitalista, fazendo uma reflexão em
torno do Estado, do direito e da democracia para posteriormente analisar a relação da
sociedade capitalista com os cegos, observando as condições em que se dá a exclusão
e até que ponto a inclusão é possível nesta organização social devido aos limites dados
pela sua própria estrutura.
Para tanto, teremos como base os pressupostos marxistas, já que não é
possível compreender esta problemática a partir de pressupostos subjetivos, visto que
de acordo com Marx e Engels não se deve partir
daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco
dos homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí,
chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente
ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também o
desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo
de vida. (MARX e ENGELS, 1984, p. 37).
Uma vez que é na produção da vida material que os homens produzem a sua
vida social:
na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de
desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas
relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a
base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e
política e a qual correspondem determinadas formas de consciência
social. O modo de produção da vida material condiciona o
desenvolvimento da vida social, política e Intelectual em geral. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social
que, inversamente, determina a sua consciência. (MARX, 1989, p. 2829).
Desta forma, tanto a exclusão como a inclusão é produzida a partir das
condições reais de existência dos homens, não sendo fruto das idéias, uma vez que as
próprias idéias têm como base as condições reais de existência.
Iremos considerar também, a luta de classes, já que "A história de todas as
sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas das classes."
(MARX e ENGELS, 2001, p. 08) e em meio a estes conflitos desenvolveram-se as
condições necessárias para a formação de novas organizações sociais.
O CEGO NA HISTÓRIA
No modo de produção primitivo, onde não havia divisão em classes antagônicas,
os cegos eram excluídos e esta se dava por meio da eliminação. Podemos verificar
através de estudiosos, que os povos não eliminavam por razões subjetivas, mas em
razão das difíceis condições materiais de existência nas quais se encontravam, tanto
que nos povos onde havia melhores condições de sobrevivência estes indivíduos não
eram necessariamente eliminados.
Já nas sociedades de classes pré-burguesas, onde havia condições de
sobrevivência favoráveis, estes indivíduos continuaram a serem excluídos.
No escravismo, os cegos eram eliminados ou abandonados por não serem
considerados úteis ao Estado, uma vez que todos eram subordinados a este.
Inicialmente os membros de ambas as classes eram igualmente eliminados e isto se
dava porque não tinham condições de desempenhar as funções que lhes eram
destinadas, já que os exploradores deveriam atuar nas guerras, enquanto os
explorados deveriam prover a sobrevivência de todas as classes.
Em relação à classe exploradora esta prática mudou quando passaram a atuar
na política, tornando-os úteis ao Estado. Já os cegos da classe explorada continuaram
a serem eliminados ou relegados à marginalização por não serem úteis enquanto mãode-obra a ser explorada.
Esta prática se modificou com o fim do escravismo e o surgimento do
feudalismo, onde o homem deixou de ser propriedade de outrem, de forma que uns não
mais podiam dispor da vida dos outros. No entanto, o fim da prática da eliminação
representou a mudança na forma de excluir, mas não o seu fim, passando a ocorrer por
meio da segregação em Instituições criadas pela Igreja para retirar estes indivíduos do
convívio social ou se transformavam em mendigos. Embora esta mudança seja
atribuída ao Cristianismo - ideologia dominante do período -, sabemos que as idéias
possuem uma base material, de forma que a prática da eliminação não deixou de existir
simplesmente por proibição da Igreja, mas esta própria proibição estava pautada nas
condições de vida daquele momento, que proporcionavam a sobrevivência destes
indivíduos. Assim, a existência de cegos enquanto mendigos ou internos era
respaldada pela Igreja, já que servia à ideologia dominante no sentido de justificar a
ordem vigente.
A sociedade capitalista continuou a segregar estes indivíduos, criando
instituições para retirar os "desajustados sociais" do convívio da sociedade, surgindo
nestes espaços, mais tarde, a educação formal especializada para cegos.
Somente no século XX surge a proposta de inclusão social, que ainda hoje
encontra resistências. Mas, apesar de ser utilizada para mascarar a existência e a
razão da exclusão, para os cegos representa um avanço, à medida que oportuniza a
sua inserção, ainda que tímida, nos diversos espaços sociais, fato que permite a
continuidade de sua luta, uma vez que somente será possível romper com a exclusão
através da luta unificada enquanto classe.
CEGO E EXCLUSÃO NO CAPITALISMO
A estrutura da sociedade burguesa tem um diferencial que deve ser analisado
para melhor compreender esta problemática, qual seja: o direito burguês, que se
caracteriza pelo tratamento igual aos desiguais, procura ocultar a existência da luta de
classes. Assim, para compreender a organização do Estado e da sociedade burguesa
recorremos a Saes que discute esta temática de acordo com Marx e Engels,
sintetizando o conceito de Estado da seguinte forma:
o Estado, em todas as sociedades divididas em classes (escravista,
feudal ou capitalista), é a organização especializada (= o "poder
especial de repressão") na função de moderar a luta entre as classes
antagônicas, garantindo por esse modo a conservação da dominação
de classe; ou, por outra, o conjunto das instituições (mais ou menos
diferenciadas, mais ou menos especializadas) que conservam a
dominação de uma classe por outra. (SAES, 1998, p. 19).
O Estado é uma organização necessária em uma sociedade dividida em classes
antagônicas, um grupo de homens - corpo de funcionários estatais -, que dedica todo
seu tempo ou parte dele ao desempenho de atividades que visam amortecer o conflito
entre as classes e frustrar a revolução social, ou seja, agem sobre a luta de classes,
não com objetivo de suprimi-la, pelo contrário, de mantê-la em certos limites que não
ameacem a relação de exploração do trabalho. Porém, esta função não aparece de
forma explícita diante da sociedade, sendo encoberta pelas funções administrativas e
militares atribuídas ao Estado enquanto atividades necessárias à satisfação dos
interesses de toda a sociedade, os transformando em agentes a serviço da
coletividade, ocultando a função real de agentes a serviço da classe exploradora.
Assim, "a especialização nas tarefas administrativas e militares, bem como o
distanciamento com relação às tarefas do processo de produção, fornecem uma base
objetiva para o mascaramento das atividades reais do corpo de funcionários." (SAES,
1993, p. 16).
Embora a função do Estado sempre seja a manutenção das relações de
exploração, a organização e o modo de desempenho desta função apresenta variações
de acordo com as relações de exploração do trabalho. A essas variações Saes
denomina de formas de Estado e regime político, sendo que a forma de Estado é o
padrão de organização interna do corpo de funcionários, enquanto o regime político é o
modelo de relacionamento entre o corpo de funcionários e a classe exploradora na
definição/execução das políticas de Estado. Assim, um Estado pode se organizar de
forma ditatorial ou democrática sem alterar a sua função.
Um Estado é qualificado como burguês quando cria condições ideológicas
para a reprodução das relações de produção capitalistas. E cria estas condições por
meio de duas principais ações: individualização dos agentes da produção através de
sua transformação em pessoas jurídicas - sujeitos individuais, iguais e dotados de
direitos e vontades subjetivas; e a criação de uma unidade subjetiva entre os agentes
da produção mediante a sua unificação em um povo-nação que é formado por todos os
habitantes de um determinado território, sendo por esta razão, todos considerados
iguais. Neutraliza-se assim, o movimento de unificação dos trabalhadores em um
coletivo antagônico ao dos proprietários dos meios de produção: a classe social, uma
vez que o povo-nação aparece enquanto um coletivo que agrega aos interesses de
todos, mascarando a oposição que existe entre os interesses das classes antagônicas
e, mais do que isso, a existência de uma classe exploradora na sociedade burguesa.
Voltemos à primeira ação. A transformação dos homens em pessoas jurídicas
iguais dotadas de direitos e vontades subjetivas tem por objetivo possibilitar a
concretização da relação de exploração capitalista, já que os proprietários dos meios de
produção necessitam encontrar esta mercadoria disponível no mercado, que só é
possível se os produtores diretos forem livres (e desprovidos dos meios de produção) e
possuidores de vontades subjetivas para assim poderem realizar a troca da força de
trabalho pelos meios materiais de subsistência necessários à reprodução da força de
trabalho - o salário. Assim, a troca da mercadoria força de trabalho pelo salário toma
forma de um ato de vontade realizado por iguais que é oficializado através de um
contrato de trabalho.
Esta relação pode ser sintetizada da seguinte forma:
O que aqui reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e
Bentham. Liberdade! Pois comprador e vendedor de uma mercadoria,
por exemplo, da força de trabalho, são determinados apenas por sua
livre- vontade. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O
contrato é o resultado final, no qual suas vontades se dão uma
expressão jurídica em comum. Igualdade! Pois eles se relacionam um
com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam
equivalente por equivalente. Propriedade! Pois cada um dispõe apenas
sobre o seu. Bentham! Pois cada um dos dois só cuida de si mesmo.
(MARX, 1996, p. 293).
Neste trecho Marx desvela o sentido moral e ideológico assumido pelas
categorias liberdade, igualdade e propriedade, sendo possível ainda acrescentarmos a
estas a democracia. De acordo com saes um Estado burguês é democrático quando
um órgão de representação direta da classe exploradora (composto por
homens indicados não apenas por esta, mas também pelo conjunto da
coletividade) partilha, de modo equilibrado ou não, com a burocracia
estatal autonomeada, a capacidade de implementar a política de
Estado. (SAES, 1993, p. 58).
No entanto, o fato dos membros da classe explorada participarem da escolha
dos membros dos órgãos representativos não significa que seus interesses serão
defendidos, pois de qualquer forma serão defendidos os da classe exploradora e só
lhes é permitido esta participação devido à sua condição de cidadãos civis, o que
inviabiliza a interdição política.
Desta forma, mesmo que a crença na democracia esteja relacionada à
possibilidade da realização da liberdade e igualdade idealizadas, isto não faz parte da
democracia burguesa, já que democracia não é igual a socialismo, agregando apenas a
liberdade e a igualdade jurídicas. Não se trata, portanto, de questionar se o que temos
é ou não democracia, mas compreendê-la enquanto o resultado dos embates ocorridos
no real. Por outro lado, não podemos ficar indiferentes à forma de Estado - democrática
ou ditatorial -, pois a democracia, apesar das contradições intrínsecas, oferece
condições para que o proletariado se organize politicamente para fazer a revolução
proletária. Não se pode descartar a democracia por esta servir tanto aos interesses
burgueses como aos do proletariado, mas deve-se utilizar suas instituições enquanto
tática. Sendo importante salientar, no entanto, que isto não significa que a democracia
burguesa irá levar ao socialismo, mas que é mais fácil construir as condições
necessárias em uma democracia do que em uma ditadura burguesa.
Entretanto, há quem acredite que a democracia pode levar ao socialismo e,
mais ainda, que a emancipação humana não far-se-á no terreno econômico, ou da luta
de classes, mas no terreno daquilo que Wood denomina como bens extra-econômicos a emancipação de gênero, a igualdade racial, paz, saúde ecológica, cidadania
democrática e, podemos acrescentar, a inclusão social dos cegos. Ao nosso ver, nesta
formulação há um deslocamento do plano real para o ideal, à medida que não propõe
alterações a partir da estrutura, mas apenas da superestrutura, fato que representa
uma inversão do real, pois, conforme afirmou Marx, é a estrutura que determina a
superestrutura, não sendo possível, portanto, chegar ao socialismo através da
democracia, nem alcançar a emancipação humana por meio da superação dos bens
extra-econômicos.
CLASSE, EXCLUSÃO E INCLUSÃO - OS LIMITES DO CAPITALISMO
A ideologia burguesa criou mecanismos para mascarar que as relações sociais
são determinadas pela lógica das relações de produção e não o contrário.
Aparentemente separou a economia da política, deixando um grande espaço livre fora
da economia, mediante o isolamento da produção em instituições especializadas, a
separação da jornada de trabalho das horas sem trabalho e a não-associação formal da
exploração a incapacidades jurídicas ou políticas. Deste modo, tem-se a impressão de
que existe uma gama de relações sociais externas às relações de produção e
exploração, que criam uma variedade de identidades sociais sem ligação com a
economia. Deixando transparecer, desta forma, que a separação entre a economia e a
política possibilita uma maior liberdade ao mundo externo às relações econômicas.
Entretanto, na realidade, a sociedade burguesa estreitou ainda mais os laços entre a
economia e os bens extra-econômicos. Mesmo aqueles aspectos da vida social que
parecem estar fora da esfera da produção estão sujeitos aos imperativos do mercado
"Praticamente não existe aspecto da vida na sociedade capitalista que não seja
profundamente determinado pela lógica do mercado." (WOOD, 2003, p. 239).
Os bens extra-econômicos têm função de mascarar a realidade, não importando
à exploração capitalista as identidades sociais, as diferenças e as desigualdades extraeconômicas jurídicas ou políticas, uma vez que através do direito burguês todos os
indivíduos são transformados em pessoas jurídicas para possibilitar ao capital extrair a
mais-valia de indivíduos livres e iguais, não estando, desta forma, pautada em
diferenças jurídicas ou políticas:
o capitalismo tem uma tendência positiva a solapar essas diferenças e
a diluir identidades como gênero ou raça, pois o capital luta para
absorver as pessoas no mercado de trabalho e para reduzi-las a
unidades intercambiáveis de trabalho, privadas de toda identidade
específica. (WOOD, 2003, p. 228).
Por esta razão, o direito burguês igualizou a todos os indivíduos, já que não
interessa as características de quem explora, mas apenas a sua capacidade para gerar
a mais-valia. Sendo assim, questões de gênero ou raça podem ser perfeitamente
toleradas, ao contrário do que ocorre com as deficiências, mais especificamente, com
aquelas que exigem maiores adaptações - caso da cegueira - que tornam os indivíduos
uma força de trabalho menos rentável ao capital.
Isto explica as dificuldades encontradas pelos cegos em relação ao mercado de
trabalho. Embora tenham sido criados mecanismos legais para garantir o acesso de
pessoas com deficiência ao mercado de trabalho tanto na esfera pública como na
privada, o número de cegos que conseguem ter acesso é reduzido, estando quase que
sua totalidade no serviço público, que apesar de também utilizar mecanismos para
dificultar a entrada destes indivíduos, não conseguem impedir, pois ingressam por meio
de Concurso público. Já a iniciativa privada, quando contrata prefere aquelas que
necessitam de pequenas adaptações, de forma que praticamente não há cegos
trabalhando nestes locais.
No entanto, as razões para este pequeno número de cegos no mercado de
trabalho costuma ser relacionada ao preconceito, à falta de qualificação profissional ou
à desinformação quanto ao potencial produtivo destes indivíduos. Porém, apesar de
historicamente ter se reproduzido a concepção de inutilidade e incapacidade, sabemos
que por mais informações que circulem e por mais que os cegos se qualifiquem,
dificilmente conseguirão romper com as barreiras existentes, pois estas não estão no
mundo das idéias, podendo assim serem destruídas, mas fazem parte da lógica das
relações de exploração da sociedade capitalista, de forma que mesmo que exerçam
influências, tais razões não são determinantes, sendo utilizadas, fundamentalmente,
para mascarar a real causa da exclusão.
Estamos em um momento em que as políticas para as pessoas com deficiência
propõem a sua inclusão social. Esta proposta está em conformidade com os princípios
da sociedade capitalista, surgindo não só em resposta às reivindicações dos
movimentos sociais, mas também vem no bojo do discurso da "educação para todos" e
do acesso à igualdade de oportunidades. O direito burguês ao igualizar a todos, não
poderia deixar de fazê-lo com as pessoas com deficiência, necessitando, desta forma,
realizar ações para dar a impressão de que a sociedade capitalista está atuando para
romper com a marginalização destes indivíduos, aparentando, portanto, que é uma
sociedade em que não existem opressões sociais, nem desigualdades sociais, já que
todos possuem as mesmas oportunidades para alcançar a ascensão social.
No entanto, esta inclusão vem ocorrendo lentamente na educação, mas quando
se trata do trabalho, inúmeros obstáculos são colocados, até mesmo pelo Estado.
Desta forma, a igualização destes indivíduos é ainda mais ideológica que para os
demais, no sentido de que o direito burguês tornou todos os indivíduos iguais para
possibilitar a efetivação das relações de produção capitalistas, no entanto, os cegos
sequer conseguem vender a sua força de trabalho e ter acesso à riqueza produzida,
não conseguindo, assim, prover a sua sobrevivência. Além disso, contraditoriamente,
mesmo sendo "igual" tem a sua condição atribuída à sua característica individual.
Cada bem extra-econômico tem uma relação específica com o capitalismo,
sendo determinada por sua relação com a lógica das relações de produção.
O capitalismo não precisa de certas desigualdades sociais para sobreviver,
sendo estes bens extra-econômicos compatíveis com as relações de produção
capitalistas e, por esta razão, possíveis de serem toleradas, como é o caso das
questões de raça, gênero, opção sexual, etc., sendo que esta indiferença torna ainda
mais eficaz e flexível o seu uso enquanto cobertura ideológica das condições de vida
proporcionadas por esta ordem social.
Quanto aos bens extra-econômicos incompatíveis com o capitalismo, estes são
impossíveis de serem superados enquanto existirem tais relações de produção, pois
sua superação implicaria em alterações na estrutura da sociedade capitalista, como é o
caso da paz, da ecologia e a questão das pessoas com deficiência. Aqui, nos limitamos
a discutir sobre o último, considerando que se constitui em identidade social que gera
forças sociais, enquanto que os primeiros são universais e só conseguem ter força
social quando estão relacionados com questões de classe. Assim, a questão das
pessoas com deficiência não é tolerada pelo capitalismo por apresentar a possibilidade
de reduzir a mais-valia.
No entanto, o fato de serem ou não antagônicos a lógica do capital não significa
que os bens extra-econômicos serão ou não superados, pois a sociedade capitalista
utiliza as opressões sociais para ocultar a sua face, responsabilizando os próprios
indivíduos por sua condição. De acordo com Wood (2003), a sociedade burguesa
possui a capacidade de utilizar ou de descartar qualquer tipo de opressão social que
estejam histórica e culturalmente disponíveis e que lhe possam trazer benefícios, como
ocorre quando os setores menos privilegiados da classe trabalhadora coincidem com
indivíduos negros, mulheres e/ou pessoas com deficiência, onde a culpa de sua
condição é atribuída às características específicas de cada um e não à lógica da
sociedade burguesa.
A sociedade burguesa criou uma pressão ideológica contra tais bens extraeconômicos, envolvendo-os em um discurso moral e ideológico que reforça a idéia de
sua condição estar relacionada às características pessoais, passando para a sociedade
a responsabilidade de superar esta situação por meio da solidariedade, que, por sua
vez, também reforça o preconceito e a exclusão, à medida que coloca os "excluídos"
enquanto seres inferiores que necessitam da solidariedade daqueles que possuem
melhores condições de vida. Os cegos constantemente são vítimas destas ações,
sendo alvo de entidades filantrópicas, que mais se aproveitam das suas próprias
estruturas, bem como da estrutura do Estado, do que auxiliam os cegos na inserção
social, pois suas ações estão pautadas no assistencialismo, o que ao nosso ver é
prejudicial, os cegos devem ser tratados como qualquer outro indivíduo, com limitações
e com possibilidades. Mas sabemos que a lógica da sociedade capitalista não permite
isto, porque poderia desvelar a razão de sua exclusão. Neste sentido, vale a pena
sublinhar o avanço da proposta de inclusão, que mesmo não mexendo na estrutura da
sociedade de classes, mesmo não rompendo com as razões da exclusão, possibilita o
tratamento dos cegos enquanto indivíduos, os retirando da estrutura filantrópica
segregacionista e caritativa, além de oportunizar a discussão em torno de seus
problemas e da necessidade da inclusão em todos os espaços sociais.
Desta forma, a sociedade burguesa pode perfeitamente sobreviver sem
determinadas opressões sociais, mas, tanto aquelas compatíveis quanto as
incompatíveis com a lógica do capital são fundamentais para ocultar a realidade
estrutural das relações de exploração capitalistas e para dividir a classe trabalhadora, já
que promovem "a hegemonia ideológica do capitalismo ao mascarar sua tendência
intrínseca a criar subclasses." (WOOD, 2003, p. 228). Sendo, por esta razão, que estas
opressões sociais continuam presentes na sociedade capitalista.
Contraditoriamente, a sociedade burguesa primeiro desvaloriza os bens extra-
econômicos ignorando as identidades sociais dos indivíduos que explora, para em
seguida, os valorizar dando a impressão de que são as identidades sociais que
determinam as condições de vida dos indivíduos, estando, desta forma, esta
valorização pautada em sua deteriorização, já que é utilizada enquanto instrumento
para mascarar o real. Assim, criam a aparência de que existe uma série de identidades
sociais que nada tem haver com classe social e que são tão ou mais determinantes que
esta. Assim, retira-se da classe todos os resíduos extra-econômicos, transformando-a
em uma categoria puramente econômica, como se esta não tivesse qualquer
importância para as condições de vida dos indivíduos. Entretanto, sabemos a
importância das identidades sociais na experiência dos indivíduos, mas também
sabemos que a posição que ocupa no processo produtivo é determinante, porque
diferentemente do que o capitalismo procura demonstrar, a classe não é puramente
econômica, já que não existe separação entre relações econômicas e relações nãoeconômicas, sendo uma totalidade indivisível que determina as condições de vida em
sociedade.
Desta forma, consegue dividir a classe trabalhadora, desarticulando a unificação
da luta por um único objetivo que seria do interesse de todos e cada segmento acaba
fazendo um movimento à parte, lutando apenas pelas questões específicas de cada
grupo, trazendo vantagens para a burguesia, uma vez que esta cede algumas migalhas
que já são suficientes para desarticular a luta, além de, em geral, não serem
fundamentais na reprodução das relações de exploração, porque se alguma
reivindicação necessitar de alterações na estrutura, estas, sem dúvida, não serão
conquistadas em lutas pontuais, mas apenas a partir de um movimento unificado
enquanto classe.
Não se trata aqui, de desvalorizar as lutas feitas pelos diferentes movimentos
sociais, já que cada um tem sua especificidade e deve lutar por ela, mas se trata de
apontar para a necessidade de se reconhecer enquanto classe trabalhadora para
buscar juntos romper com esta ordem, pois só assim, será possível, se não acabar,
pelo menos reduzir as opressões sociais criadas histórica e culturalmente, já que o
socialismo é capaz, como afirmou Wood, além de abolir as opressões estruturais das
quais todos os indivíduos da classe explorada são vítimas, independentemente de suas
identidades sociais, de eliminar a necessidade ideológica e econômica que são
supridas pela opressão às diferentes identidades sociais e permitir a revalorização dos
bens extra-econômicos deteriorados pela sociedade burguesa.
CONCLUSÃO
Após a pesquisa realizada podemos tecer algumas considerações à
cerca da real razão da exclusão, bem como da proposição de inclusão
social dos cegos.
Podemos verificar o caráter classista da exclusão, uma vez que se na sociedade
primitiva esta se dava devido às difíceis condições de vida dos homens, a partir do
momento em que começaram a produzir o excedente e a dominar a natureza, podendo
garantir a sobrevivência dos cegos, teve início à exploração do trabalho, onde passou a
ser necessário ser capaz de produzir não só os meios de vida para prover a sua
sobrevivência, mas principalmente o excedente. Isto fez com que os cegos
continuassem a serem marginalizados, devido à sua capacidade produtiva não ser
rentável suficientemente para a classe exploradora.
A sociedade burguesa utiliza diversos mecanismos para ocultar a existência da
exclusão, inclusive com políticas de inclusão social. No entanto, a exclusão persiste e
ocorre com toda a classe explorada. Mas, mesmo que a razão da exclusão dos cegos
seja a mesma que a dos demais grupos oprimidos socialmente: é decorrente da lógica
das relações de produção capitalistas, possui um diferencial que deve ser considerado,
pois enquanto os demais grupos têm suas características específicas utilizadas para
ocultar a face excludente da sociedade capitalista, os cegos são excluídos em função
de sua capacidade produtiva não satisfazer as exigências do capital, permanecendo
fora do processo produtivo.
Assim, para ocultar esta realidade a sociedade burguesa utiliza os bens extraeconômicos, atribuindo às características específicas dos indivíduos a responsabilidade
por sua condição de vida, não reconhecendo que são excluídos por apresentarem a
possibilidade de reduzir a mais-valia, pois se isto for revelado, estará se revelando a
face excludente da estrutura da sociedade capitalista.
Desta forma, a proposta de inclusão social dos cegos emerge enquanto política
do Estado burguês que visa proporcionar o exercício da sua condição de igualdade e
de liberdade, razão pela qual não toca as questões de fundo que determinam a
exclusão, pois, para isso, deveriam romper com a estrutura da sociedade capitalista.
Não cabe, desta forma, o questionamento quanto à existência da inclusão, pois a
resposta é a mesma dada a democracia: é o resultado do embate ocorrido no real.
Assim, esta é a inclusão possível na sociedade capitalista, que é por essência
excludente e, jamais irá abrir mão de extrair a maior quantidade possível de mais-valia
para dar melhores condições de vida aos cegos. Portanto, a proposta de inclusão
legitima as relações de exploração do trabalho, à medida que aparentemente busca a
superação das opressões sociais existentes.
Não se trata aqui de defender ou acusar a inclusão, mas de apontar os pontos
que possibilitam avanços, bem como os seus entraves. Mesmo reconhecendo que a
inclusão visa conservar a estrutura da sociedade capitalista, razão pela qual tem suas
ações limitadas a determinados espaços que não comprometam a reprodução das
relações de produção, como o da educação, não podemos descartá-la, mas utilizar os
pontos favoráveis para ampliar a inserção social dos cegos para que juntamente com
sua classe possam lutar por uma nova sociedade sem divisão em classes antagônicas,
pois somente rompendo com a estrutura da sociedade classista realmente se poderá
superar as opressões sociais produzidas historicamente.
REFERÊNCIAS
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SAES, D. Democracia. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1993.
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WOOD, E. M. Democracia Contra Capitalismo. São Paulo: Editora Boitempo, 2003.
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