pesquisa e ética nas organizações de educação superior

Propaganda
PESQUISA E ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR*
Edivaldo M. Boaventura**
SUMÁRIO: 1. A iniciação da pesquisa. 1.1. Questionamentos sobre a
metodologia da pesquisa no contexto das disciplinas de conteúdo. 1.2.
Conteúdos versus metodologias criativas. 1.3. A habilitação para a
redação científica. 1.4. O estímulo ao aluno para elaborar e apresentar
projetos e a figura do orientador. 1.5. Núcleos e financiadoras de
pesquisas. 1.6. O processo investigativo. 1.7. A monografia como
trabalho conclusivo de graduação. 1.8. Literatura instrumental, ABNT
e internet. 1.9. A ética na investigação científica e os conselhos de
ética 2. A contribuição da metodologia da pesquisa. 2.1 Sílvia Lorena
Vilas Boas Souza. 2.2. Flávia Marimpietri. 2.3. Elke Braid Petersen. 3.
Concluindo tópicos de uma experiência 4. Referências
RESUMO: O artigo registra a experiência do autor no ensino da metodologia da pesquisa na
graduação com vistas à elaboração da monografia. Inicialmente, é questionado o
relacionamento da metodologia no contexto das disciplinas de conteúdos. Insiste na
habilitação do português para a precisão e clareza da expressão escrita e, também, para as
buscas eletrônicas sempre com atenção à ética. Alerta sobre a importância da figura do
professor-orientador. A pesquisa, para o autor, é uma atividade programada que se desenvolve
melhor com alunos em núcleos que se integram às estruturas acadêmicas. A metodologia da
pesquisa projeta a investigação que conduz ao trabalho conclusivo de curso. Por fim, são
*
Palestra de abertura da IV Semana de Iniciação Científica na Faculdade Castro Alves, em 9/11/05, coordenada
pelo professor Alceu Roque Rech. Tema exposto na Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina
(FACAPE), a convite da sua direção, formulado pelo professor Antônio Cláudio Pires, em 5/8/2005, retomando
o tema “A iniciação científica e o seu exercício para a pós-graduação e inserção no mercado de trabalho”,
exposto na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), conforme solicitação do professor Almedes Ferreira da
Silva, gerente de pesquisa, em 26/7/2004, na VIII Jornada de Iniciação Científica da UNEB, realizado em
Salvador. Anteriormente, o tema foi debatido, na Semana de Análise Regional e Urbana, III Semana
Universitária Unifacs, em 2004, a convite do professor Alcides Caldas, coordenador do Mestrado de Análise
Regional.
**
Graduado em Direito (1959) e em Ciências Sociais (1968). Doutor em Direito e Livre Docente em Economia
(1964) pela Universidade Federal da Bahia. Mestre (1980) e Ph.D. em Administração Educacional (1981) pela
The Pennsylvania State University (Penn State), U.S.A. Estagiou e pesquisou no Institut International de
Planification de l Éducation (IIPE/UNESCO, 1971/1972).Especialização em Economia du Développement,
Faculté du Droit et dês Sciences Économiques de Paris (1965) e École Pratique des Hautes Études (Paris 1965).
Realizou o Curso de Desenvolvimento Econômico (Sudene/Cepal 1961) e o Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia pela Escola Superior de Guerra (ESG) (1989). Pós-doutorou-se na Universidade du Québec, Montreal
(1995). É professor emérito da UFBA (2006), professor da Universidade Salvador (Unifacs, 2006) e da
Fundação Visconde de Cairu. Atua na área de ensino e pesquisa em Educação Superior, dos Afrodescendentes e
História da Educação e Metodologia da Pesquisa. Integra o conselho editorial de 10 revistas de Educação e
Ciências Humanas Aplicadas.
destacados depoimentos de alunos sobre a disciplina metodologia da pesquisa, demonstrando
aplicações de aprendizagem na elaboração de trabalhos acadêmicos.
Palavras-chave: Pesquisa na graduação. Iniciação científica Monografia. Trabalho de
conclusão de curso (TCC) Projeto e processo investigativo. Ética na investigação.
ABSTRACT: This article records the author's experience in the teaching of research
methodology in studies aimed at preparing the monograph. Initially, it questioned the
relationship of the methodology in the context of the subjects of content. Stresses the
empowerment of the Portuguese to the accuracy and clarity of written expression, and for the
electronic searches always with attention to ethics. Warning about the importance of the
figure of the teacher-advisor. The search for the author, is a scheduled activity that develops
better with students in groups that integrate academic structures. The methodology of the
research projects the research work leading to the conclusive of course. Finally, evidence of
students are posted on the subject of research methodology, demonstrating applications of
learning in the development of scholarly work.
Keywords: Research on graduation. Scientific initiation. Monograph. Work completion of
course (CBT) Project and the investigative process. Ethics in research.
1. A INICIAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa na graduação tem sido por mim discutida em vários fóruns, como forma de
compartilhar conhecimentos acerca da pesquisa e ética no ensino superior, em especial, no
ensino de graduação, razão pela qual resolvi fixar, neste artigo, certos tópicos da minha
experiência docente na área. Ministrando Metodologia da Pesquisa, no bacharelado em
Direito da Universidade Salvador (UNIFACS), na licenciatura em Pedagogia da Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em programas de Mestrado e
Doutorado, direciono a disciplina para a elaboração do projeto de pesquisa. Dessa forma,
participo tanto da elaboração como da discussão e aprovação dos Trabalhos de Conclusão de
Curso (TCC) naqueles níveis de estudo (BOAVENTURA, 2004).
A participação em semanas científicas comprova que estamos no caminho certo da
apresentação de trabalhos de investigação científica em nível de graduação. Iniciação
científica que suscita a continuidade no escalão imediato da pós-graduação, para a qual o
aluno deve chegar predisposto e iniciado na investigação científica, dominando entre outras
habilidades as principais disposições da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
A iniciação científica, além de permitir o desenvolvimento de habilidades específicas para o
discente, “tem o propósito de despertar nele a necessidade de melhor capacitar-se para o
desenvolvimento da pesquisa durante o exercício da futura profissão”, pondera Almedes
Ferreira da Silva, gerente de pesquisa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em 2004.
Objetivando enfatizar a produção científica, o artigo está estruturado em duas partes. Na
primeira, questiono a situação da aprendizagem da metodologia em um contexto de ensino de
disciplinas de conteúdo com aulas magistrais e informativas. Para tanto, o aluno tem que
enfrentar o desafio dissertativo da redação científica para a elaboração do projeto, enquanto
nas demais disciplinas ele responde às provas escritas. O trabalho conjunto de professores e
alunos, preferencialmente desenvolvido em seminários, segue as etapas do processo
investigativo, com atenção às normas da ABNT, aos meios eletrônicos disponíveis na internet
para o devido acesso e à ética na pesquisa. Na segunda parte, eminentemente de aplicação,
relato a contribuição da metodologia para o projeto de dissertação de alunas e alunos.
Ao começar a discutir o tema, recordo o princípio da indissociabilidade ensino-pesquisa,
formulado por Wilhelm von Humboldt, ao criar a Universidade de Berlin, em 1810, que se
transformou em marco universal da história da universidade. Tal princípio, que não atua
unicamente na pós-graduação, mestrado e doutorado, mas fertiliza todo o trabalho acadêmico,
foi introduzido na vida universitária brasileira, pelo conselheiro Newton Sucupira, quando da
reestruturação e reforma de 1968.
Pondera Pedro Demo (1996, p.12) que é absolutamente fundamental “tornar a pesquisa o
ambiente didático cotidiano, no professor e no aluno, desde logo, para desfazer a expectativa
arcaica de que pesquisa é coisa especial.” Por isso, o professor não se sente pesquisador.
Considera pesquisa uma atividade divina, complicada, reservada somente a certos seres
iluminados. O professor “foi treinado dentro do método da aula copiada, e só sabe dar aula
copiada. Quanto ao aluno, a idéia de o fazer pesquisar pareceria um espanto, uma fantasia,
uma megalomania, uma extravagância” Não se deve esquecer que pesquisa é uma busca, mas
uma busca aprofundada, que segue processos sistematizados no alcance de um problema não
resolvido ou resolvível.
A pesquisa é um dos maiores diferenciais da educação superior e, para alcançar este
parâmetro, tenha-se em mente que, como professores, ingressamos na faculdade para ensinar
e iniciar os alunos muito naturalmente no processo da investigação científica. É uma
decorrência lógica e quase obrigatória daqueles professores que realizaram o doutorado o que
os qualifica para o ensino e, mais ainda, para a investigação.
1.1. QUESTIONAMENTOS SOBRE A METODOLOGIA DA PESQUISA NO CONTEXTO
DAS DISCIPLINAS DE CONTEÚDO
Com um currículo marcado por conteúdos e ministrado por preleções informativas, a opção é
pelo “questionamento reconstrutivo, alimentado pela pesquisa como princípio científico e
educativo” (DEMO, 1996, p. 10). Assim, cabe indagar dos professores e coordenadores de
curso várias questões concernentes à metodologia da pesquisa no contexto das disciplinas de
conteúdo.
a)
Como se efetiva o ensino e a prática da iniciação científica no curso de
graduação?
b)
Quais são os objetivos do ensino com a pesquisa, na graduação?
c)
Se estamos na universidade para aprender, ensinar e iniciar na investigação, o
currículo dos cursos de graduação possibilita a aprendizagem da pesquisa? Ponderese a natureza de uma disciplina essencialmente metodológica, centrada na escolha de
um tema-problema, com hipóteses, objetivos e variáveis, em um universo de ensino
predominantemente de conteúdos transmitidos por preleções e testados em provas
escritas.
d)
Os professores com mestrados e doutorados estão predispostos a ensinar
pesquisando e, principalmente, a orientar alunos nos seus projetos de pesquisa? São
projetos importantes que devem conduzi-los à monografia conclusiva e a
prosseguirem em estudos mais avançados.
e)
Professores que não têm Mestrado e Doutorado, mas experientes no magistério,
como orientam os alunos nas monografias?
f)
Como instrumentalizar o aluno de graduação com métodos e técnicas para a
aprendizagem da investigação científica? Há pesquisa do aluno e há pesquisa do
professor ou de ambos; conseqüentemente, existem artigos a serem publicados
separados ou conjuntamente. A iniciação científica é um objetivo do ensino de
graduação, manifestando uma das funções da Universidade, a pesquisa.
g)
Até que ponto o aluno conhece a literatura sobre a investigação científica
existente na biblioteca da sua faculdade? É preciso começar as disciplinas pela visita
orientada em colaboração com a bibliotecária, identificando as principais fontes
escritas e eletrônicas. (RENFORD, 1979)
h)
No particular, como tem sido a abordagem das diretrizes da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)? Normas que fornecem precisão e clareza aos
trabalhos acadêmicos dos alunos. Exigem-se citações precisas, referências corretas e
numerações das notações conforme os padrões estabelecidos pela comunidade
científica? O domínio das normas da ABNT é da competência do ensino da
graduação. O aluno deveria entrar para a pós-graduação sabendo citar e referenciar
corretamente.
i)
A iniciação científica que empreendemos como professores atende à ética?
Identificar às fontes consultadas é um dos problemas da ética na pesquisa (PASSOS,
1994).
j)
Qual tem sido o estímulo às alunas e aos alunos para utilizar a internet na busca
de fontes atualizadas? Os professores podem acompanhar a inventiva dos jovens no
aprendizado interativo pelos computadores?
1.2. CONTEÚDOS VERSUS METODOLOGIAS CRIATIVAS
Antes de serem discutidos os elementos da proposta de pesquisa, constata-se quanto é
carregado o currículo da graduação. Como sabemos, a ênfase da nossa educação concentra-se
nos conteúdos. De modo geral, conhecimento é muito mais conteúdo do que a aprendizagem
de comportamentos e criação de atitudes. A iniciação científica tem como um dos
dificultadores a ênfase no exagerado ensino dos conteúdos programáticos em contraste com a
pesquisa que é essencialmente metodológica e atitudinal. O nosso currículo continua
enciclopédico. Há cursos jurídicos com oito disciplinas anuais. Pouca ênfase no
desenvolvimento de aquisição de novos comportamentos, atitudes e habilitações empíricas,
questionamentos e problematizações.
O decadente vestibular reforça a tradição conteudística, quando se torna necessário criar no
aluno uma atitude metodológica que o conduza à criação do conhecimento. Estamos
mudando, mas é insuficiente a atenção dada à elaboração de projetos, à formulação de temas e
à sua problematização, enquanto a pesquisa atual fixa-se na resolução de problemas como
quer Larry Laudan (1977). Acredita ele, comenta Ricardo Feijó (2003, p. 81) “que se
pensarmos a ciência enquanto busca de clarificação e de resolução de problemas teremos uma
perspectiva renovada da história da ciência.”
1.3. A HABILITAÇÃO PARA A REDAÇÃO CIENTÍFICA
Uma dificuldade que encontramos na elaboração de projetos e relatórios de pesquisa é a
redação (BARRASS, 1979). Pesquisar e redigir com precisão é um desiderato de quem se
inicia na investigação científica. O professor–orientador torna-se, mais das vezes, um revisor
de texto.
A universidade ainda não desenvolve nos alunos a eficiente expressão escrita e verbal. O
ingresso na Universidade coincide com o desenvolvimento pleno da capacidade de síntese do
aluno e é justamente quando param os cursos de redação. Precisamos tanto do Português Oral,
como do Português Instrumental e do Português Redacional para chegar ao Português
Científico que possibilite a elaboração de resumos, resenhas, paráfrases e relatórios que
exigem capacidade de síntese. As disciplinas que tratam da comunicação dispõem sobre a
aprendizagem da língua (GARCIA, 2000; MEDEIROS, 2002). Para o desempenho pessoal e
profissional é indispensável a habilitação em linguagem falada e escrita. Falar bem com
lógica e clareza, saber perguntar e questionar, na vida acadêmica, devem compor as
competências para o exercício profissional.
Na universidade, temos que ensinar a falar em seminário ou painel. A comunicação da fala
com desembaraço, tanto quanto a escrita correta devem ser objetivos do currículo de educação
superior. Muito especialmente não sabemos falar ao telefone, quando discamos um número
errado recebemos de volta uma “patada”. E a nossa mãe que já se encontra do outro lado da
existência recebe a ofensa. Não sabemos agradecer a uma chamada telefônica. No final de
uma conversa telefônica, é simpático dizer “obrigado(a) por sua chamada.” É preciso
agradecer a todos que colaboraram com a investigação, professores, servidores, bibliotecários
e colegas. Mas a nossa cultura autoritária não privilegia o agradecimento e a desculpa, tem o
caráter impositivo de uma obrigação.
Do ponto de vista redacional, é preciso desenvolver a capacidade dissertativa e
argumentativa, em especial, na revisão da literatura ínsita a toda proposta de investigação.
Pois bem, quando os alunos têm que escrever o projeto e o relatório da pesquisa, multiplicamse as dificuldades com a redação. É preciso redobrada paciência do professor-orientador em
procurar a expressão exata com o orientando.
Além disso, a atividade científica implica em resumir e parafrasear, isto é, escrever com as
nossas próprias palavras o que lemos e entendemos para a fundamentação teórica ou revisão
da literatura da monografia. O texto científico deve ser plano, limpo, claro, objetivo e bem
normalizado (MARINHO, 2003). Entenda-se por “normalização como o conjunto de
procedimentos padronizados que se aplicam à elaboração de documentos técnicos e
científicos, de modo a induzir e retratar a organização do seu conteúdo”. (LUBISCO e
VIEIRA, 2003, p.15; MEDEIROS, 2002)
Uma das dificuldades, portanto, com a investigação científica é redigir com clareza
monografias, dissertações, propostas e relatórios de pesquisa. Quando escrevi o meu livro
sobre metodologia da pesquisa, anotei:
Na minha experiência docente na pós-graduação, particularmente na produção de
papers, examinam-se inúmeras monografias, dissertações e teses e se sente a
pertinência da expressão escrita clara, correta e precisa. Assim, a redação da
monografia de final de curso deve ser uma comunicação impessoal, tanto quanto
possível redigida na terceira pessoa do singular. Além de ser um exercício
metodológico, a monografia acarreta um problema redacional que o aluno deve
saber encaminhar a fim de explanar convenientemente suas idéias.
(BOAVENTURA, 2004, p. 21)
Para pesquisar devemos redigir o referencial teórico e metodológico e dissertar com atenção à
ética, que equivale aos valores morais introduzidos. Ética na citação, ética na referência às
fontes, ética na internet, enfim, honestidade intelectual é uma exigência moral em toda a
escrita. Texto claro e fidedigno dá credibilidade ao autor.
A propósito, Elizete Passos (1994, 106) insiste:
Os valores morais não possuem nenhum mistério. Uma ação é boa ou má porque se
convencionou socialmente o que é bom e o que é mau, assim como a religião
determinou o que é um comportamento pecaminoso ou virtuoso e o direito o que é
legal e o ilegal. Convenções que dependem das transformações e variações
histórico-sociais.
Enfim, na aprendizagem formal da investigação científica, temos que estudar a metodologia e,
ao mesmo tempo, reforçar a nossa capacidade de redação exercitando a honestidade
intelectual.
1.4. O ESTÍMULO AO ALUNO PARA ELABORAR E APRESENTAR PROJETOS E A
FIGURA DO ORIENTADOR
A aprendizagem com a pesquisa inclui além do esforço do professor, buscas freqüentes à
biblioteca e na internet. O objetivo não é formar o pesquisador completo que egressa da
graduação, mas de iniciar o aluno nas “necessidades de disposições” a serem desenvolvidas
em etapas sucessivas dos estudos avançados. É de todo aconselhável nos cursos de graduação
a disciplina Metodologia do Trabalho Científico (SEVERINO, 2000), ou mesmo a
Metodologia da Pesquisa, mas a sua prática só se efetiva com o professor-orientador, figura
que surgiu nos mestrados e doutorados e se integra, progressivamente, na graduação.
Em princípio, todo professor é também um pesquisador e orientador. E a orientação é um
procedimento não somente didático, mas também moral, que vai exigir do docente
acompanhamento constante, um comportamento totalmente diferente do fiscalizador de
provas, ressaltando-se o papel moral e ético do orientador. Este pode ser concebido como um
misto de professor, amigo, guia, introdutor da aluna e do aluno na comunidade científica, pela
participação em semanas, seminários, congressos, elaboração conjunta de artigos,
apresentações às agências financiadoras.
O orientador é alguém comprometido, acadêmica e afetivamente, com o estudante, a quem
não só aconselha, como também defende se for necessário. Tenho muito em mente a
lembrança do meu adviser, Patrick D. Lynch, e do co-adviser, Joseph Alessandro, em Penn
State. É preciso orientar querendo que o estudante realize o melhor trabalho possível, que o
apresente em encontros formais com pauta escrita e em reuniões informais com grupos de
outras alunas e alunos (get together).
No seu ensaio sobre a ética na pesquisa, observa Passos (1994, p.110) que: “O processo de
conhecimento não é isento de valoração. Como toda atividade humana ele está aberto a
influências externas, podendo se degenerar ou se conduzir para responder às necessidades
humanas.” Explicite-se que o tema escolhido para o projeto deve ter relevância social em um
país com marcantes desigualdades sociais, econômicas e regionais.
Não obstante a formação pós-graduada, o professor conta com experiência de vida, de
magistério, de profissão; portanto, poderá e deverá orientar, explicitamente, o aluno na
investigação acadêmica. A monografia, como a dissertação e a tese exigem orientação,
afirmação que se complementa com o que expõe Pedro Demo (1996, p. 38):
É condição fatal da educação pela pesquisa que o professor seja pesquisador. Mas
que isto, seja definido principalmente pela pesquisa. Não precisa ser um
“profissional da pesquisa”, como seria o doutor que apenas ou sobretudo produz
pesquisa específica. Mas precisa ser, como profissional da educação, um
pesquisador. Tratando-se do ambiente escolar, prevalece a pesquisa como princípio
educativo, ou o questionamento reconstrutivo voltado para a educação do aluno.
Todavia, este reconhecimento não pode frutificar num recuo, como se reconstruir
conhecimento pudesse ser banalizado
É oportuna a lição de Pedro Demo (1996, p. 12-13) quando destaca a pesquisa como atitude
cotidiana e pesquisa como resultado específico. No primeiro caso, “está na vida e lhe constitui
a forma de passar por ela criticamente, tanto no sentido de cultivar a consciência crítica,
quanto no de saber intervir na realidade de modo alternativo”. Como resultado específico,
“pesquisa significa um produto concreto e localizado [...]”.
1.5. NÚCLEOS E FINANCIADORAS DE PESQUISAS
Além da vinculação professor-aluno, o jovem aluno pesquisador insere-se nos núcleos
fomentadores de linhas de investigação com colegas e professores. A pesquisa, melhor dito, a
iniciação científica deverá ser apoiada em pequenos grupos, com se fossem incubadoras,
liderados por professores e que queiram desenvolver a investigação como atividade
acadêmica. O mais indicado é que tais núcleos componham ou se liguem às estruturas
formais, como pró-reitorias de pesquisa e as coordenações que articulam esses núcleos e
grupos.
Na universidade moderna, comprometida com a investigação científica, a pesquisa encontrase programada. O exemplo da nossa alma mater, a Universidade Federal da Bahia (UFBA), é
ilustrativo. Antes da reforma universitária de 1968, havia grupos interessados na investigação
mas não formavam consenso. Somente por volta do início dos anos sessenta constituiu-se uma
Comissão de Pesquisa, que coordenava os projetos apoiados pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que mantém hoje o Programa Brasileiro
de Iniciação Científica (PIBIC). Existem outras agências de fomento, como a Financiadora de
Projetos (FINEP), a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
Mais recentemente, seguindo o exemplo pioneiro do Estado de São Paulo, instituíram-se as
fundações estaduais de fomento à pesquisa. Dentre as diversas modalidades de bolsas, a
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) estabelece as de iniciação
científica para alunos regularmente matriculados em instituições de ensino superior mediante
projeto sob a supervisão de um orientador. É recomendado que os alunos tentem o
financiamento dos seus projetos pois é uma maneira de inserção na comunidade acadêmica.
Seguindo normas, preenchendo formulários e cumprindo exigências e prazos os estudantes
ficam mais habilitados para a investigação. O manual de projetos industriais do professor
Melnick, da Comissão Econômica da América Latina (CEPAL), afirma que “um projeto é um
risco calculado”. Não esquecer que um bom projeto sempre encontra um financiador.
Dentre as estruturas acadêmicas e administrativas, no interior das organizações de ensino
superior, destacam-se os conselhos superiores de ensino, pesquisa e extensão, coordenadores
das atividades científicas,. A atividade investigativa associada ou não à pós-graduação cresce
e realiza eventos de disseminação, em seminários ou semanas científicas por faculdade, por
universidade ou por entidade representativa de área, a exemplo da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), com apresentação de comunicações e
com possibilidades de publicações e prêmios. Estamos seguindo o Publish or perish, publica
ou desaparece, publica-se ou morre-se para a vida universitária.
1.6. O PROCESSO INVESTIGATIVO
Uma exigência que desejo explicitar é o conhecimento das etapas do processo investigativo O
mais indicado é a elaboração por fases, etapa por etapa, (step by step); particularmente,
aprendi muito na minha querida The Pennsylvania State University (Penn State), ao elaborar o
proposal para a minha tese de doutorado com a doutora Helen Snyder (LEEDY, 1974). É
preciso prever os elementos constitutivos da proposta de pesquisa, que deverá conter,
essencialmente, três elementos: tema-problema, fundamentação teórica e metodologia. (ARY,
JACOBS e RAZAVIEH, 1979)
De início, a escolha do tema. Podemos buscá-lo na nossa experiência profissional, acadêmica
ou mesmo estagiária, em alguma teoria ou na revisão da literatura. Começando pela escolha
do tema e definição do problema, com justificativa, isto é, por que optamos por determinado
tema; seus objetivos, questões orientadoras ou hipóteses. Problematizar o tema tem sido um
desafio para o aluno de graduação e, às vezes, para o estudante de mestrado.
Com o tema-problema definido, o passo seguinte muito naturalmente é a busca da sua
fundamentação, na literatura concernente ao problema, que inclui estudos e pesquisas
anteriores realizados e publicados e que possibilitem a elaboração de resumos. A procura de
artigos pelos sites tem sido freqüente pelos alunos. A internet facilita muito a investigação
quando consciente e eticamente utilizada.
Por último e em terceiro lugar, como operacionalizar o problema? É a opção metodológica, a
eleição do método em conformidade com o problema da pesquisa. É a metodologia que
introduz o problema. É preciso preparar tanto o referencial teórico como o metodológico.
Como bem conceitua Roberto Yin (2005) “O projeto é a seqüência lógica que conecta os
dados empíricos às questões de pesquisa iniciais do estudo, em última análise às suas
relações”.
A metodologia intermedeia a problemática com a parte empírica a ser operacionalizada. O
certo é que, um bom projeto, com tema e problema definidos, explícita revisão de literatura e
clara opção metodológica, além de constituir o início da pesquisa, representa mais de um
terço da dissertação monográfica. Os programas brasileiros de pós-graduação têm
intensificado a cultura do projeto de pesquisa com desenvoltura (RUDIO p.1998).
Tudo isso nos conduz ao processo investigativo que sintetizo nos seguintes passos e
pressupostos (assumptions).

A pesquisa nasce da formulação do problema.

Quanto mais discutida a problemática da pesquisa mais clara se torna o seu
processo investigativo.

É a teoria que guia a pesquisa, fundamentando-se na revisão da literatura
concernente. Entenda-se por teoria o conhecimento sistematizado e atualizado em
determinado área do saber, conforme explica Fábio Appolinário (2004, p.182183):
conjunto articulado de afirmações ou explicações acerca de um aspecto específico
do universo ou do funcionamento da realidade.Ordenamento sistemático de idéias e
proposições sobre os fenômenos em determinada área de conhecimento.

Os objetivos apontam o norte da investigação científica, como alcançá-los? Os
objetivos são a rota da investigação. Questione-se: Aonde chegarei com o meu
procedimento investigativo?.

A metodologia da pesquisa permite a construção do conhecimento com o esforço
pessoal do aluno, orientado pelo professor.

Ao grande, famoso e enfático discurso sobre a ciência, é preferível a aprendizagem
contínua, modesta, simples, permanente e paciente com alunos, ajudando-os a
definir hipóteses, questões, escalas, justificativas e objetivos. A investigação
científica é processual, aprende-se por etapas – tema-problema, fundamentação
teórica, opção metodológica - redigindo e discutindo com professores e colegas, se
possível em grupos, em núcleos temáticos, em seminários para discussão dos
projetos de monografias, dissertações e teses.

O problema desdobra-se em questões que possibilitam a elaboração dos
instrumentos: questionário, entrevista, formulário, observação, análise da
documentação, análise de conteúdo, análise do discurso, grupo focal, coorte e
muito outros ou nas pesquisas quantitativas quando trabalhamos com hipóteses.

A metodologia depende do problema. O problema é o ponto fulcral em torno do
qual gira todo o projeto. Um problema científico só pode ser encaminhado
metodologicamente. Um problema de pesquisa não é um problema de engenharia,
ensina Kerlinger (1980).

É o problema que condiciona a metodologia a ser empregada com as suas
categorias (LEEDY, 1974).

As metodologias trabalhadas enriqueceram-se de categorias que permitem a sua
utilização. A metodologia histórica, por exemplo, trabalha as fontes primárias e
secundárias. Já o levantamento utiliza a coleta de dados pela estatística descritiva.
A pesquisa experimental usa bem as variáveis. O estudo de caso, a unidade de
análise (YIN, 2002).

As metodologias mais utilizadas são: a histórica, estudo de caso, delimitação do
universo a ser pesquisado; levantamento (survey) com amostragem (BABBIE,
1999), experimental, ex-post facto, bibliográfica, documental e outras.

O projeto pronto deve ser apresentado e discutido em seminário (BOAVENTURA,
2004).

Para projetar uma investigação ou escrever um artigo ou projeto é preciso redigir.
É o desafio do português escrito para encontrar a expressão científica exata.
Estas observações podem ser sintetizadas na ilustração a seguir:
Tema e
Problema
Hipóteses ou
questões que
desdobrem o
problema,
objetivos e
justificativas
Metodologia
e seus
instrumentos
Fundamenta
ção na
literatura
concernente
Questionário
Entrevista
Formulário
Observação
Documentação
e outros
Coleta,
discussão,
análise e
interpretação
dos dados
Resultado
da
investigação
Resposta aos objetivos e ao
problema da pesquisa
1.7. A MONOGRAFIA COMO TRABALHO CONCLUSIVO DE GRADUAÇÃO
O projeto de pesquisa para a elaboração da monografia é uma centelha de criação. Inova.
Quebra a rotina das provas repetidas. É uma tentativa de construção do conhecimento. Nessas
inovações, um realce especial deve ser dado à elaboração de textos científicos como resumos
utilizando a paráfrase, isto é, “expressar o significado de alguma coisa, usando diferentes
palavras, expressamente para alcançar mais clareza” (OXFORD, 2001, p. 1035).
“Interpretação ou tradução em que o autor procura seguir mais o sentido do texto que a sua
letra; metáfrase” (HOUAISS, 2001), expressando com as nossas próprias palavras, mas
usando sempre a citação. De simples repetidores, os alunos passam a criadores de
conhecimento.
Efetiva-se um dos resultados da aprendizagem com a elaboração da monografia. A formação
científica, lembra Severino (2000), começando na graduação, com a metodologia do trabalho
acadêmico, faz com que o aluno aprenda a lógica da exposição escrita e oral. (SOLOMON,
1999)
A inclusão da monografia não foi pacífica e continua polêmica em certas instituições de
ensino superior (IES). Aceita por muitos e contestada por outros, a monografia deve ser
encarada tal como um instrumento de qualificação teórica e metodológica na formação
científica do graduando.
Com a monografia, incrementa-se a formação científica na graduação pelo exercício
redacional da expressão escrita. Não são muitas as oportunidades de dissertar e expor em
vernáculo, com lógica e método na universidade brasileira. Mas, como ordenar as idéias na
nossa exposição? (BOAVENTURA, 2003).
Também, com a metodologia científica de análise, o aluno adquire maior qualificação na
aprendizagem pelo aprofundamento do tópico monográfico.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) pela NBR 14.724: 2002, assim definiu
o trabalho de conclusão de curso (TCC):
Trabalhos acadêmicos – similares (trabalho de conclusão de curso – TCC,
trabalho de graduação interdisciplinar – TGI, trabalho de conclusão de curso
de especialização e/ou aperfeiçoamento e outros): Documento que representa o
resultado de estudo, devendo expressar conhecimento do assunto escolhido, que
deve ser obrigatoriamente emanado da disciplina, módulo, estudo independente,
curso, programa e outros ministrados. Deve ser feito sob a coordenação de um
orientador.
Essa mesma norma orienta a formatação e organização do trabalho acadêmico, constituindo a
sua estrutura os elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais.
A monografia como trabalho conclusivo da graduação é um texto eminentemente dissertativo
e argumentativo que “consiste no emprego de provas, justificativas, arrazoados, a fim de
apoiar uma opinião ou tese ou rechaçar uma e outra”, afirma Maria de Lourdes Siqueira
(1999). Assim, tanto a monografia de graduação, do curso de especialização ou de
aperfeiçoamento, como também a dissertação de mestrado e a tese de doutorado, são ensaios
dissertativos os quais
envolvem a explanação de idéias com argumentação, porque o
pesquisador, na demonstração dos resultados encontrados, discute dados, informações, provas
e evidências.
Do ponto de vista teórico, a Metodologia da Pesquisa ensina os pressupostos teóricos e os
instrumentos científicos. A discussão dos conceitos básicos é significativa para o seu emprego
na monografia como, por exemplo, problema, relação, hipótese, variável e outros constructos
(KERLINGER, 1980). Do mesmo modo, as possibilidades de uso de instrumentos como
questionário, entrevista, formulário, observação participante, análise de conteúdo e do
discurso e outras técnicas e processos investigativos.
Em resumo, a Metodologia da Pesquisa, objetivando a elaboração da proposta, do relatório de
pesquisa, do artigo, enfim, do ensaio metodológico, procede à abertura cartesiana do aluno
para o problema do método, para a sua formação científica. É significativa a contribuição da
escola francesa pela clareza na exposição, dividindo em partes o assunto a ser exposto,
racionalmente, pela concepção do plano. Do mesmo modo, é considerável a abordagem do
projeto pelo viés indutivo anglo-saxônico.
1.8. LITERATURA INSTRUMENTAL, ABNT E INTERNET
Para a pesquisa objetiva, fornecem-se os instrumentos capazes de conduzir os estudantes ao
rigor científico requerido pela Academia, na produção da monografia. Deve-se seguir, na
busca de precisão e clareza, as disposições da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT), para referências, citações e estrutura do trabalho acadêmico. Atenção, portanto, para
a NBR 6023:2002 - Referências; NBR 10520:2002 - Citações; NBR 14.724:2002 - Trabalhos
Acadêmicos; e, NBR 6024 - Numeração Progressiva das seções de um documento escrito. Há
muitas outras normas sobre artigo em periódico, sumário, resumo ou como datar.
Além dos manuais de pesquisa, há a literatura instrumental que, “voltada para subsidiar a
pesquisa acadêmica, porém, traz-lhe novos elementos: estruturação das normas segundo a
lógica de sua aplicação [...]” conforme o “Manual de estilo acadêmico” de Nídia L. Lubisco e
Sônia C. Vieira (2003), o qual adotamos na UFBA e na UNIFACS. A literatura instrumental
ajuda bastante o aluno e o pesquisador na estruturação dos seus trabalhos acadêmicos desde o
formato da capa e folha de rosto até o uso de referências (BASTOS, PAIXÃO,
FERNANDES, DELUIZ, 2003; CAMPBELL and BALLOU, 1978).
Nesta mesma linha de raciocínio, é oportuna a palavra de Naomar de Almeida Filho (2003):
Dentre os atributos da comunicação acadêmica de alta qualidade encontram-se a
clareza e a precisão, garantias de que a compreensão instantânea ou imediata será
facilitada no processo de difusão dos saberes e técnicas. Normas e parâmetros
rigorosos de notação, referenciamento e citação permitem o cumprimento destas
funções cruciais da comunicação científica e tecnológica (e mais até, incluindo a
comunicação artística e cultural). Ademais, no caso específico dos sistemas de
citação e referência bibliográfica, a padronização de regras facilita a identificação de
autores e de obras, viabilizando a localização das fontes primárias.
Além das normas da ABNT, a aprendizagem faz apelo à internet indo além do conhecido e do
transmitido. A visão de Don Tapscott, “aponta que as experiências vivenciadas pela geração
Net envolvidas com a mídia digital convergem-se para um novo paradigma no aprendizado”
(BLATTMANN e FRAGOSO, 2003, p.31).
1.9. A ÉTICA NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E OS CONSELHOS DE ÉTICA
E que tudo se faça com ética, com honestidade nas transcrições. Os valores morais conduzem
ao reconhecimento das autorias com citações e referências. É preciso evitar sempre as
diversas modalidades da pirataria acadêmica, encomendas de papers, trabalhos escritos por
terceiros, plágios e outros procedimentos não aceitáveis.
Toda faculdade ou toda universidade devia ter o seu conselho de ética, não para censurar, mas
para apreciar a elaboração científica de professores e alunos, principalmente, quando se trata
de experimentos com crianças e adolescentes, nas escolas, e com doentes e enfermos nos
hospitais universitários. É um princípio de que não se deve fazer pesquisas envolvendo seres
humanos sem a apreciação pelo conselho de ética da respectiva entidade que a promove
(BRASIL, Ministério da Saúde, 1996). A dignidade da pessoa humana e a sua privacidade
assim o exigem.
Conforme expõe Elizete Passos (1994, p. 108-109), que tem trabalhado a ética não só nas
escolas, como também nas empresas, portanto, nas organizações,
[...] em alguns momentos a ética torna-se tão imperativa e coercitiva, chegando a
identificar-se com o direito. Contudo, esse não é o seu caminho. Sua proposta
original visa levar os indivíduos a optarem por uma determinada forma de agir, de
maneira natural e sem coação. Colocar em prática essa visão ou invertê-la depende
do “ethos” de cada sociedade. Numa sociedade marcada pela existência de classes
antagônicas, certamente, a orientação doutrinária em vigor conduzirá muito mais a
valores coercitivos do que numa sociedade onde essa dicotomia não exista.
Apesar de todo o esforço desprendido pelas sociedades no sentido de impor uma
única orientação moral, capaz de escamotear os conflitos, apresentando as
instituições como organizadas e harmônicas, nem sempre é possível, uma vez que as
classes subalternas elaboram uma cultura própria, de tendências mais democráticas e
independentes, o que nos leva a inferir acerca dos valores como entidades diferentes
dos simples objetos comuns, uma vez que não são irracionais e mecânicos e sim
produtos da práxis social.
[...]
Desse modo, mesmo sabendo que a prática moral decorre de uma atitude de escolha
individual, em virtude da sua liberdade interior, ela se baseia em valores que o
indivíduo adquire nas relações sociais, pois o ser humano vive numa atmosfera
moral onde em toda parte respira as influências da moral estabelecida, a qual
objetiva o controle ou igualização dos comportamentos sociais, a fim de evitar as
tensões decorrentes dos choques entre os interesses individuais e as necessidades
sociais. Disso infere-se que a prática moral não se dá por acaso. Ela, como toda
atividade humana, dá-se articulada com o projeto global da sociedade, o qual
pressupõe uma certa concepção do homem, da vida e da cultura.(PASSOS, 2004).
2. A CONTRIBUIÇÃO DA METODOLOGIA DA PESQUISA
Buscando a aplicação da metodologia trabalhada em sala de aula, no primeiro semestre de
2005, pelas alunas que terminaram a disciplina Metodologia da Pesquisa, no Mestrado em
Direito, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no final do período, solicitei-lhes que
relatassem, na sua experiência como estudantes, sobre a contribuição da disciplina para o
projeto de dissertação com o qual ingressaram no Mestrado. Esta solicitação deu origem aos
depoimentos a seguir registrados.
2.1 SÍLVIA LORENA VILAS BOAS SOUZA:

Quanto à metodologia
A metodologia empregada, da mesma forma, é de fundamental relevância, já que ela
operacionaliza o problema. É o instrumento, o processo investigativo, ou seja, é a
parte empírica da pesquisa.

Quanto às Normas da ABNT:
Compreendi a importância da utilização das normas da ABNT. Estas normas,
propiciam uma leitura ordenada, estética e atraente do projeto de dissertação. Não
são normas que devem ser relegadas a um segundo plano, muito pelo contrário!
Tenho certeza de que, neste momento, caminho na direção certa. Meu projeto já está
refletindo este progresso.

Quanto aos enfoques da investigação científica:
As aulas enriqueceram meus conhecimentos sobre os filósofos e as doutrinas
científicas. Conheci, de modo profundo, as posições de Descartes, Popper, Kuhn,
Laudan, Habermas e Weber, para citar alguns. Isso tudo foi muito positivo, já que a
“minha pequena bagagem intelectual” está mais pesada. Aprendi com o mestre que
quando não se assiste a qualquer das aulas do mestrado, a perda já é enorme. Uma
aula perdida é uma lástima. Realmente, não dá para recuperar.
2.2. FLÁVIA MARIMPIETRI:

Quanto à disciplina:
Ao ingressar no mestrado, não sabia nem ao menos definir com clareza meu temaproblema, não fazia idéia de como definir objetivos, tampouco tinha noção sobre
metodologia e normas da ABNT. Em relação a esta última foi a partir de então que
tirei lições valiosas como emprego correto dos algarismos arábicos para títulos e
subtítulos, padrões para espaçamento e recuo dos parágrafos, local das citações em
função do tamanho das mesmas, como usar corretamente abreviaturas, siglas e
imagens.

Quanto ao tema-problema
Foi esta disciplina que me ajudou a definir algo que me angustiava demais por sua
enorme importância — meu tema e meu problema.
A compreensão do tema e do problema como cernes de toda a pesquisa e a
importância do entendimento claro de sua formulação para a condução do tipo de
metodologia, forma da pesquisa e orientação dos resultados, foi algo absolutamente
novo e gratificante para mim.

Justificativa e relevância do problema
Quando da elaboração da justificativa e relevância do tema a tarefa não se
apresentou tão difícil, pois acostumados a defender pontos de vista e de demonstrar
a relevância dos mesmos para o convencimento do juiz, não houve muitas dúvidas e
questões. Os profissionais do direito estão acostumados a convencer e justificar as
teses que defendem nas audiências.
Contudo, os profissionais desta área, assim como eu, mesmo habituados a escrever
muito quando Ihes fornecem qualquer tema, têm enorme dificuldade de definir seus
próprios temas. A questão torna-se ainda pior, quando da elaboração dos objetivos
(geral e específico), onde escrevemos laudas e laudas sobre algo que deveria ser
simples e conciso. A clareza e a definição dos meus objetivos foi outro enorme
ganho que obtive com a matéria.

Revisão de literatura
Aprendi ainda, o significado de uma revisão de literatura e como organizá-Ia a fim
de compor opiniões de vários autores sobre meu tema para que seja possível
estabelecer um referencial teórico que sirva de marco para a discussão.Compreender
o conceito de revisão de literatura e assimilá-Io no sentido da exposição de autores e
opiniões anteriormente elaboradas sobre o tema, tornou mais fácil a compilação dos
diversos entendimentos já consagrados na doutrina e jurisprudência, para então
poder concordar ou discordar, bem como, formar minha própria opinião.

Pesquisa como solução de problema
Outra contribuição foi a percepção sobre o que realmente significa a metodologia
para minha pesquisa, que me fez conhecer os diversos métodos da mesma. Partindo
daí, pude definir o método bibliográfico e documental como o melhor para a minha
dissertação. Entender a resolução do problema como metodológica e não prática,
também ajudou muito a condução da forma da pesquisa. Compreender o problema
científico como questão a ser solucionada no sentido de afirmação ou negação
através de processos de investigação, discussão e solução ajudou-me a sistematizar
as questões do meu tema e a forma de conduzir as investigações para a solução.
Assim pude entender que o meu problema de pesquisa reside em saber através do
estudo e pesquisa científica, se determinadas ações consumeiristas (revisional e
indenizatória por dano moral) podem ser qualificadas como abuso de direito
processual, bem como, investigar a existência jurídica deste último instituto e
determinar suas conseqüências. Conclui que para tal intento, as melhores
metodologias seriam a bibliográfica e documental, pois além de serem as mais
adequadas à pesquisa jurídica, podem me fornecer importantes elementos para
minha pesquisa a exemplo de opiniões de autores consagrados, a manifestação da
jurisprudência e a forma como o problema vem sendo tratado até hoje pela doutrina
em geral.

Ordenar as informações
Através da disciplina aprendi ainda a ordenar as informações que possuía sobre o
tema, através de fichamento de todo o material lido para uma melhor organização e
consecução de uma boa fundamentação teórica, vez que, teses e opiniões possuem
pouca validade sem uma coerente e abundante fundamentação teórica. É preciso
também ler com profundidade e preocupar-se mais com a qualidade da leitura em
função da sua fonte, autor e coerência da sua exposição, do que com a quantidade de
obras lidas.
2.3. ELKE BRAID PETERSEN:
Ao longo do curso, aprimorei aspectos do meu anteprojeto como a definição clara do
tema, com a sua problematização, a delimitação de objetivos, geral e específicos,
aprendendo, inclusive, a diferença entre conceitos fundamentais para a metodologia.
Depois, corrigi o anteprojeto na parte das referências, fazendo-as corretamente, de
acordo com as normas atuais da ABNT, passando, em seguida, para o aprendizado
do que vem a ser uma revisão de literatura e como esta deve ser feita da maneira
mais organizada, a fim de que nenhum conhecimento adquirido, principalmente o
advindo das fontes bibliográficas, perca-se com o passar do tempo.
Superada esta fase, passamos, em sala, ao estudo das diversas metodologias
científicas, tanto as atinentes à construção do conhecimento das ciências naturais
quanto às aplicadas às ciências sociais, onde cada aluno pôde expor uma corrente
metodológica, fazendo-se extrair, desses seminários, contribuições para o projeto
individual.
Por fim, conclui o meu aprendizado na disciplina aludida, ajustando a metodologia a
ser utilizada especificamente no meu projeto de dissertação, reconhecendo que a
mesma é de fundamental importância para se fazer uma boa pesquisa de um
problema resolvível, e mais ainda, que é imprescindível para a solução do mesmo, já
que serve a metodologia de baliza para a conclusão de cada etapa do trabalho, uma
vez que oferece um esquema lógico para o pesquisador ir concretizando, uma a uma,
as partes componentes de uma dissertação.
3. CONCLUINDO TÓPICOS DE UMA EXPERIÊNCIA
Este relato de uma experiência de ensino que se encontra em curso é dirigido aos colegas
professores, às alunas, aos alunos, aos servidores que trabalham na graduação, suscitando e
formatando propostas para a monografia conclusiva do curso. As alunas e os alunos que têm
seguido essas indicações conseguem elaborar seus trabalhos acadêmicos. No nível da
graduação, tenho insistido no uso intensivo e correto das normas da ABNT porque elas
ajudam a estabelecer clareza e precisão. Com esses estudantes prefiro discutir questões de
pesquisa do que fazer um ontológico discurso sobre a ciência, embora tenha sempre como
uma constante o estudo dos fundamentos teóricos e metodológicos em Descartes, Bacon,
Popper, Khun, Laudan, Weber e Harbemas, quando ministro metodologia da pesquisa para os
programas de Doutorado (FEIJÓ, 2003).
Em uma comunidade, temas e problemas podem ser investigados pelos alunos, como a média
e pequena empresa comercial, o impacto no meio ambiente da fruticultura, o consumo de
bovinos e caprinos na dieta sertaneja, as informalidades das empresas formais, a memória
institucional das universidades e muitos outros problemas. Com esses temas, ensina-se, não
passivamente, repetindo o que se encontra nos livros, mas questionando e problematizando,
que é uma atitude mais efetiva de desenvolver o raciocínio.
A iniciação científica efetiva-se, via de regra, com professores e em núcleos temáticos pela
discussão com alunos, professores e convidados; pela exposição em painéis e seminários dos
projetos de pesquisa em semanas científicas e seminários; pela apresentação de
comunicações, artigos e informes em reuniões científicas nacionais e internacionais; enfim,
pela publicação de artigos conjuntos ou não de alunos e professores. Para tanto, são
imprescindíveis diretrizes e programações de pesquisa como nascente produção científica,
como são as monografias conclusivas da graduação e as dissertações de mestrado.
4. REFERÊNCIAS
ALMEIDA FILHO, Naomar. Apresentação. In: LUBISCO, Nídia M. L.; VIEIRA, Sônia C.
Manual de estilo acadêmico: monografias, dissertações e teses. Salvador: EDUFBA, 2003. p.
7.
APPOLINÁRIO, Fábio. Dicionário de Metodologia Científica: um guia para a produção do
conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2004.
ARY, Donald; JACOBS, Lucy C.; RAZAVIEH, Asghar. Introduction to Research in
Education. 2. ed. New York: Hoit, Rinehart and Winston, 1979. 388 p.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 6023. Informação
e documentação - Referências - Elaboração. Rio de Janeiro, ago. 2002.
______. NBR 10520. Apresentação de citações em documentos. Rio de Janeiro, ago. 2002.
______. NBR 6024. Numeração progressiva das seções de um documento. Rio de Janeiro,
2003.
______. NBR 14725. Informação e documentação - Trabalhos Acadêmicos - Apresentação.
Rio de Janeiro, ago. 2002.
BABBIE, E. Métodos de pesquisa de Survey. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
BARRAS, R. Os cientistas precisam escrever: guia de redação para cientistas engenheiros e
estudantes. São Paulo: T. A. Queiroz: EDUSP, 1979.
BASTOS, L. R; PAIXÃO, L; FERNANDES, L. M; DELUIZ, N. Manual pra elaboração de
projetos e relatórios de pesquisa, teses, dissertações e monografias. 6. ed. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos (LTD, 2003).
BLATTMANN, U; FRAGOSO, G. M. O zapear a informação em bibliotecas e na internet.
Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
BOAVENTURA, Edivaldo M. Como ordenar as idéias. 8. ed. São Paulo: Ática, 2003. (Série
Princípios, 128).
______. Metodologia da pesquisa: monografia, dissertação, tese. São Paulo: Atlas, 2004.
______. Discussão do projeto de pesquisa. Revista do Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFBA, Salvador, v. 11, p. 29-35, jan./dez. 2004.
BRASIL, Ministério da Saúde. Resolução nº 196/1996 sobre pesquisa envolvendo seres
humanos. In: APPOLINÁRIO, Fábio. Dicionário de metodologia científica. São Paulo: Atlas,
2004, p. 215-232.
CAMPBELL, W. G.; BALLOU, S. U. Form and style: theses, reports, term papers. Boston:
Houghton Mifflin Co., 1978.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 1996.
FEIJÓ, Ricardo. Metodologia e filosofia da ciência: aplicação na teoria social e estudo de
caso. São Paulo: Atlas, 2003.
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a
pensar. 18. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000. 539 p.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 159
p.
HOUAISS, Antônio. Dicionário de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
KERLINGER, Fred N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais. São Paulo:
EPU/EDUSP, 1980. 378 p.
LAUDAN, Larry. Progress and its problems: towards a theory of scientific growth. Londres:
Routledge & Kegen Paul, 1977.
LEEDY, Paul D. Practical research: planning and design. New York: MacMillan Publishing
Co. Inc., 1974.
LUBISCO, Nidia M.; VIEIRA, Sônia Chagas. Manual de estilo acadêmico: monografias,
dissertações e teses. 2. ed. Salvador: Edufba, 2002.
MARIMPIETRI, Flávia. Contribuição da disciplina Metodologia da Pesquisa para o projeto
de dissertação. Trabalho final de Metodologia da Pesquisa. Salvador: Universidade Federal
da Bahia / Mestrado em Direito Econômico, 15 jul. 2005. xérox.
MARINHO, Ednalva M. et al. O Trabalho de Conclusão de Curso: planejamento, execução e
redação da monografia. Salvador: Quarteto/Unyahna, 2003.
______. O texto científico: diretrizes para elaboração e apresentação. 3. ed. rev., atual.
Salvador: Quarteto/Unyahna, 2003.
MEDEIROS, João Bosco. Manual de redação e normalização textual: técnicas de editoração
e revisão. São Paulo: Atlas, 2002.
OXFORD. The concise Oxford Dictionary. 10. ed, revised. New York: Oxford University
Press, 2001.
PASSOS, Elizete. Ética na pesquisa. Rev. Baiana Enf. Salvador, v. 7, n. 1 e 2, p. 105-114,
abr./out. 1994.
______. Ética nas organizações. São Paulo: Atlas, 2004.
PETERSON, Elke B. Contribuição da disciplina Metodologia da Pesquisa para o projeto de
dissertação. Trabalho conclusivo do curso de Metodologia da Pesquisa, ministrado pelo
professor Dr. Edivaldo M. Boaventura. Salvador: Universidade Federal da Bahia / Mestrado
em Direito Público, Jul. 2005.(fotocópia).
RENFORD, Bervely L. Library resources. State College, University Park, The Pennsylvania
State University, 1979.
RUDIO, Franz V. Introdução ao projeto de pesquisa científica. 23. ed. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 1998. 144 p.
SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1999. 412 p.
SEVERINO, Antonio J. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
279 p.
SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Discurso dissertativo. A Tarde, Salvador, 9 maio. 1999. Lazer
e informação.
SOUZA, Sílvia L. V. B. Paper sobre a contribuição da disciplina Metodologia da Pesquisa
para o projeto de dissertação. Salvador: Universidade Federal da Bahia / Mestrado [Direito]
UFBA/ turma: 2005.1. (fotocópia).
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e método. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2002.
Download