23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental II-219 - USO DE ÁGUAS RESIDUÁRIAS TRATADAS COMO SOLUÇÃO NUTRITIVA NA HIDROPONIA UTILIZANDO A TÉCNICA DO FILME NUTRIENTE Flávio Rubens Lapolli(1) Engenheiro Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Engenharia Sanitária pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Engenharia de Produção pela UFSC. Doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela USP (São Carlos) com Doutorado Sanduíche na Université de Montpellier II (França). Professor do Departamento de Engenharia de Engenharia e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Felipe Vieira de Luca(2) Engenheiro Sanitarista e Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestrando em Engenharia Ambiental pela UFSC. Mariele Katherine Jungles(3) Bióloga pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Mestranda em Engenharia Ambiental pela UFSC. María Ángeles Lobo Recio(4) Graduada, Mestre e Doutora em Química pela Universidade Complutense de Madrid - Espanha. PósDoutorado em Química pela Université de Montpellier II - França. Pesquisadora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC. Yasmine Westphal Benedet(5) Graduanda em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Endereço(1): Rua Duarte Schutel, 100 apto 502 – Centro - 88015-640 / Florianópolis – SC. E-mail: [email protected] RESUMO Várias regiões em todo mundo sofrem com a falta d’água e no Brasil esta realidade também é presente. As maiores perdas estão relacionadas com a irrigação. A hidroponia, cultivo de culturas vegetais sem o uso do solo, onde as raízes recebem uma solução nutritiva contendo água e sais minerais, surge como uma opção para minimizar este problema. Por outro lado, nas grandes cidades, uma enorme quantidade de esgoto é produzida diariamente. Após tratamento, o efluente proveniente das ETEs, mesmo passando por diversas etapas, apresenta considerável carga de vários macro e micronutrientes. Estes, cujas propriedades são essenciais à vida vegetal, são descarregados em corpos receptores contribuindo para a degradação do meio-ambiente e a falta de água potável. Ao utilizar o efluente tratado na hidroponia, procura-se aproveitar os nutrientes remanescentes do processo de tratamento, colocando-os à disposição das plantas. Neste âmbito, o presente trabalho teve como principal objetivo realizar um experimento para avaliar a qualidade de flores cultivadas através de um sistema hidropônico do tipo filme nutriente, utilizando esgoto tratado como solução nutritiva. Além disso, este cultivo foi comparado ao sistema hidropônico convencional (utilizando solução nutritiva) e a verificação da qualidade do esgoto tratado após o cultivo também foi observada. Ao final, pôde-se concluir ser possível utilizar esgotos tratados na hidroponia para a cultura estudada (Zinnia liliput), inclusive em substituição da solução nutritiva convencional. O cultivo também representou um pós-tratamento do esgoto devido à assimilação de nutrientes pelas plantas e retenção de sólidos suspensos pelo seu sistema radicular e como tal, apresentou-se satisfatório quando utilizado com recirculação, no entanto não apresentou grandes melhorias quando utilizado sem recirculação. PALAVRAS-CHAVE: Reuso de Efluentes, Hidroponia, Cultivo NFT, Pós-tratamento de Efluentes. INTRODUÇÃO Em março de 2003, no Japão, foi realizado o Fórum Mundial da Água, dando-se ênfase a problemática da escassez deste bem. A situação é tão grave, que a Organização das Nações Unidas – ONU, através de pesquisas realizadas e apresentadas neste fórum, estima que se nenhuma providência for tomada, dentro de no máximo 25 anos haverá um colapso mundial no abastecimento de água potável. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Haja vista este panorama alarmante, a ONU conjuntamente com a OMS – Organização Mundial da Saúde vem encabeçando um programa global de reúso planejado da água. Esta pode ser utilizada para inúmeros fins, como geração de energia, refrigeração de equipamentos, em diversos processos industriais, em prefeituras e entidades que usam a água para lavagem de ruas e pátios, desobstrução de rede de esgotos e águas pluviais, irrigação e rega de áreas verdes, entre outros (HESPANHOL, 1999). Assim como em todo mundo, cresce no Brasil a consciência em torno da importância do uso racional da água, da necessidade de controle de perdas e desperdícios e da introdução definitiva da reciclagem de água na agenda nacional. No entanto, pouco ou quase nada se tem registrado sobre a utilização direta de efluentes, tratados ou não, o que não significa que não ocorra de forma indiscriminada e sem controle. ANDRADE NETO et al. (2003) registra diversos exemplos de utilização espontânea de esgotos tratados ou não no nordeste do país. O reúso de água, aliado ao uso racional da mesma, é uma excelente forma de mitigar os danos causados pelo mau gerenciamento dos recursos hídricos. O reúso serviria como uma contribuição para a superação deste quadro de sérios danos ambientais e riscos a saúde. Ademais, segundo BASTOS (1996), o Brasil oferece condições excepcionalmente favoráveis para a utilização de esgotos, tanto pela disponibilidade de grandes áreas em sua grande extensão territorial, como pelas condições climáticas adequadas. Em contrapartida a este fato, a disponibilidade hídrica de efluentes é muito alta. Diariamente são gerados milhares de litros nas grandes cidades. O efluente tratado possui, mesmo após passar por diversas etapas de tratamento, uma considerável concentração de nutrientes. Este, quando descartado em nossos corpos receptores contribui ainda mais para a poluição e a falta d’água potável. Tendo em vista que o conhecimento acumulado no Brasil ainda é escasso no que diz respeito ao reúso da água, torna-se cada vez mais necessária à pesquisa e ações na direção da utilização de efluentes, bem como sua regulamentação. Neste sentido, a proposta geral deste trabalho é de utilizar o efluente provindo da Estação de Tratamento de Esgotos de Potecas, localizada em São José na Grande Florianópolis (tratamento através de lagoas de estabilização), como solução nutritiva, abastecendo um sistema hidropônico do tipo filme nutriente (NFT) para o cultivo de flores, e comparar ao sistema de cultivo hidropônico tradicional. Pretende-se também avaliar o potencial da cultura hidropônica no que diz respeito do polimento adicional de esgotos já tratados. Para isso, foram monitorados o desenvolvimento das plantas e vários parâmetros físico-químicos do esgoto utilizado como solução hidropônica. Pretende-se aliar desta forma a disponibilidade de efluente com a demanda requerida pelas plantas, contribuindo assim com a idéia do reúso e da sustentabilidade. MATERIAIS E MÉTODOS A fim de se atingir os objetivos traçados no princípio da pesquisa, foi confeccionado um sistema de produção de plantas por hidroponia utilizando a técnica NFT (filme nutriente), a mais difundida atualmente. Neste sistema, as plantas crescem tendo o seu sistema radicular dentro de um canal (paredes impermeáveis) através do qual circula uma solução nutritiva (água adicionada de nutrientes) (SCHUBERT, 1981). Foram instaladas 6 (seis) bancadas (Figura 1). Uma com utilidade para a primeira fase de crescimento das plantas (mesa de germinação), outra para a fase intermediária de crescimento (perfis com Ø 50mm) e mais 4 para a fase final de crescimento (perfis com Ø 100mm). Para a montagem do sistema hidropônico procedeu-se segundo as recomendações do fabricante da estufa e perfis hidropônicos, onde foram observados os seguintes itens: • • • • Os perfis foram colocados com os furos alternados; A tubulação de entrada e saída foi colocada por baixo da bancada para proteção; As bombas trabalhando de forma “afogada”; Os registros de esfera foram colocados junto à entrada de cada bancada para controle da vazão. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2 4 5 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 3 0,05 1,8 0,1 1,5 1 3 9 2 0,2 0,15 5,5 1 chegada do efluente tratado por lagoas de estabilização saída do efluente pós-tratado pelas plantas 4 1 – Grupo “G1” – alimentado com solução nutritiva e sistema funcionando com recirculação; 2 – Grupo “G2” – alimentado com esgoto tratado e sistema funcionando com recirculação; 3 – Grupo “G3” – alimentado com esgoto tratado e sistema funcionando sem recirculação; 4 – Fase intermediária de crescimento; 5 – Fase inicial de crescimento (mesa de germinação). Figura 1. Layout do sistema hidropônico piloto. Adotando recomendações de TEIXEIRA (1994), a declividade das bancadas, assim como a da mesa de germinação, foi confeccionada em 4% para o lado da entrada e saída que leva ao reservatório. O acionamento das bombas para condução de solução nutritiva até as bancadas deu-se de forma automatizada através de temporizadores trabalhando de 15 em 15 minutos. Após as 22:00 horas de cada dia, o temporizador ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental começava a trabalhar 15 minutos ligado e 3 horas desligado até as 7:00 horas do dia seguinte, começando novamente o ciclo de 15 em 15 minutos. Em um sistema do tipo NFT com recirculação, a solução nutritiva é armazenada em um reservatório, de onde é recalcada para a parte superior do leito de cultivo (bancada) passando pelos canais e recolhida na parte inferior do leito, retornando ao tanque (Figura 2). Figura 2. Esquema de Funcionamento do Sistema NFT com recirculação. Foi concebido também um retorno na saída da bomba, forçando parte do líquido a voltar ao reservatório, provocando um maior turbilhonamento e conseqüente oxigenação da solução. A vazão adotada para a fase final de crescimento foi de 0,11 litros/segundo, seguindo as recomendações de ANDRADE NETO (2003). Para a fase intermediária foi adotado 50% deste valor e para a mesa de germinação 40%. A pesquisa foi desenvolvida junto à Estação de Tratamento de Esgotos (ETE), da CASAN (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento), localizada em Potecas, município de São José - Grande Florianópolis, SC. A ETE atende a uma população de 90.000 habitantes e a vazão de efluentes gerada é de 208,00 l/s. A carga orgânica é de 4860 kg de DBO/dia. O processo de tratamento do esgoto na ETE é feito por lagoas de estabilização. O sistema funciona em série com uma lagoa anaeróbia seguida de três lagoas facultativas com chicanas. A lagoa anaeróbia possui uma superfície triangular de 72.972m2 com profundidades úteis médias de 2,60m junto aos diques e 3,30m na área restante e a alimentação do esgoto bruto é feita através de um canal. As lagoas facultativas possuem profundidades de 1,70m, com cortinas para direcionamento de fluxo. Para a caracterização do efluente final tratado nas lagoas, utilizado como solução nutritiva nas culturas hidropônicas, foram realizadas análises de nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, manganês, cobre, zinco, boro, sódio, molibdênio e pH, junto ao laboratório UNITHAL, localizado em Campinas – SP (Tabela 1). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Tabela 1. Caracterização do Efluente Final da ETE e da Solução de FURLANI – Concentração de macro e micronutrientes (mg/l). Parâmetros Nitrogênio Fósforo Potássio Cálcio Magnésio Enxofre Ferro Manganês Cobre Zinco Boro Sódio Molibdênio pH Solução de FURLANI 198,0 39,0 183,0 142,0 38,0 52,0 2,0 0,4 0,02 0,06 0,3 0,06 - Efluente Final da ETE 25,0 2,0 24,0 25,0 36,0 29,0 Não detectado Não detectado Não detectado Não detectado 0,2 190,0 Não detectado 7,7 A solução nutritiva convencional, utilizada para efeitos comparativos, foi proposta por FURLANI apud OLIVEIRA (2003), cujas concentrações de macro- e micronutrientes estão apresentadas também na Tabela 1. Para escolha da cultura optou-se pela utilização de uma flor ornamental, evitando vegetais comestíveis, e eliminando assim o risco de contaminação, considerando que o sistema proposto pode ser utilizado em condições reais. Optou-se ainda pela utilização de uma flor da estação (inverno), cujo ciclo fosse rápido e ainda que houvesse uma fácil disponibilidade no mercado. Dentre as espécies pré-selecionadas, e ainda por ser uma planta de porte pequeno (para plantas grandes é preciso usar suportes adicionais a fim de estas não tombarem), a cultura escolhida para ser realizado o estudo foi a Zinnia liliput. Na primeira fase de crescimento (mesa de germinação), onde as plantas ficam em média durante o período de duas semanas (o período depende do tipo de cultura), as mesmas receberam solução nutritiva convencional de Furlani 50% diluída, segundo recomendações de OLIVEIRA (2003). Para a fase intermediária, os nutrientes vieram oriundos do esgoto tratado e o sistema funcionou sem recirculação, ou seja, após passar pelos perfis hidropônicos o esgoto não retornava ao reservatório, sendo, portanto, descartado. Mediu-se o tamanho das plantas e o número de folhas periodicamente, a fim de se obter um acompanhamento do desenvolvimento das plantas. Para a fase final de crescimento, as plantas foram divididas em 3 grupos (G1, G2, G3). O grupo “G1” foi tratado com solução nutritiva convencional em recirculação. O grupo “G2” recebeu esgoto tratado também em recirculação, e o último grupo, “G3”, recebeu esgoto tratado, porém sem recirculação (Fig. 1). As bancadas do crescimento final “G1” e “G2” foram confeccionadas com 4 (quatro) calhas cada uma e 4 (quatro) metros de comprimento. O grupo “G3”, contou com 8 (oito) metros de comprimento. Com isso pretendeu-se analisar as plantas cultivadas com esgoto com recirculação e sem recirculação, e compará-las as plantas cultivadas com a solução nutritiva convencional proposta por Furlani. Mediu-se o tamanho das plantas, o número de botões florais e número de flores. Nenhuma adição de nutrientes foi feita ao esgoto. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Foram realizados dois ciclos de experimentos. O primeiro foi dedicado ao cultivo de plantas apenas até a fase intermediária (produção de mudas). Esta etapa teve importância relevante para serem executados ajustes no sistema. Já no segundo ciclo as plantas foram cultivas até a fase final de crescimento, concluindo desta forma o período completo da cultura. A germinação das plantas foi feita em placas de espuma fenólica, material inerte, formada por diversas células cúbicas de 1 centímetro de aresta. Inicialmente fez-se a “limpeza” da espuma fenólica molhando-a e retirando a água diversas vezes. Em seguida colocou-se a espuma sobre uma folha de papel jornal durante 15 minutos para retirar o excesso de água. Posteriormente, furou-se cada célula no centro (Figura 3) onde foram introduzidas duas sementes em cada orifício (Figura 4), a fim de garantir a germinação de pelo menos uma semente (Figura 5). Depois de feita a semeadura, as placas foram colocadas durante cinco dias em local escuro para pré-germinar. Em seguida, as plantas foram levadas para a mesa de germinação (Figura 6). Figura 3. Furação das células. Figura 4. Introdução das sementes nos orifícios. Figura 5. Sementes prégerminadas. Figura 6. Mesa de germinação – Primeira etapa de crescimento. Após duas semanas recebendo solução nutritiva 50% diluída, as plantas foram passadas da mesa de germinação para a bancada da fase intermediária do crescimento, ou seja, para os perfis de Ø 50mm (Figura 7). Depois de 15 dias passou-se para a última etapa de cultivo. Nesta fase as plantas ficaram nas bancadas maiores, com espaçamento de 0,25m entre furos e 0,15m entre perfis (Figura 8) até estarem aptas para a colheita. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Figura 7. Perfis de Ø 50mm. Figura 8. Perfis de Ø 100mm. Após as plantas passarem pelas primeiras etapas, já estando nas bancadas de crescimento final, uma vez por semana foram recolhidas amostras dos reservatórios de “G1” e “G2”, a fim de observar o decaimento dos nutrientes ao longo do tempo. Também foram recolhidas amostras, nos pontos inicial, meio e final das bancadas correspondentes ao grupo “G3”, com o intuito de analisar o decaimento de nutrientes na passagem do efluente pelo sistema radicular das plantas. Todas as amostras foram analisadas para os seguintes parâmetros: DQO, NH4+, NO3-, NO2--, Fósforo, Turbidez e pH. RESULTADOS E DISCUSSÕES Conforme descrito na metodologia, periodicamente foram coletados dados sobre a altura das plantas e número de folhas para acompanhar o desenvolvimento durante a fase intermediária de crescimento. Observou-se uma evolução natural no tamanho das plantas e também no número de folhas. No que diz respeito à mortalidade, uma perda de 8,3% em relação ao plantio inicial foi verificada. Era prevista uma mortalidade de 10% em relação ao início na primeira semana (OLIVEIRA, 2003). Já durante a segunda semana, ocorreu uma mortalidade de 22,2%. O previsível era que esta ficasse em 20% (OLIVEIRA, 2003). A perda levemente acima do esperado ocorreu possivelmente por razões climáticas. Fortes ventos, chuvas e falta de sol ocorreram neste período, o que contribuiu para o fato. Enquanto a primeira plantação estava nos perfis de 50mm (fase intermediária de crescimento), foi efetuado um segundo processo de plantio e as novas plantas foram levadas para a mesa de germinação. Após duas semanas atingiu-se tamanho suficiente para o transporte das mesmas para os perfis de 50mm e da mesma forma como no primeiro ciclo, periodicamente foram coletados dados sobre a altura das plantas e número de folhas para acompanhar o desenvolvimento durante a fase intermediária de crescimento para o novo ciclo. A média de altura e número de folhas apresentou um aumento em relação ao primeiro ciclo. Este aumento provavelmente procedeu-se devido às condições climáticas, que apresentaram significativa melhora nestas semanas. Em relação às perdas, no final da segunda semana, estas ficaram em 5,8%, um número bem abaixo do que era esperado (20%). As plantas foram então divididas em três grupos conforme descrito na metodologia, e passadas para os perfis hidropônicos de 100 mm. Estas foram acompanhadas através da medida periódica da altura, número de botões florais e número de flores. O tempo transcorrido entre o início da fase final e a 1ª e 2ª coleta de dados foi de 1,5 e 3 semanas respectivamente. Com estes parâmetros, traçou-se o gráfico de comparação entre cada um dos grupos (Figura 9). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 7 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Comparação entre os 3 grupos de plantas 16,0 14,0 G1 G3o G2 13,7 13,7 G3f 13,7 13,1 12,0 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 1,2 1,1 0,0 1,0 0,0 1,0 0,0 0,0 0,0 Altura das Plantas (cm) Número de Botões Número de Flores Figura 9. Comparação entre os 3 grupos de plantas (G1, G2 e G3) (G3o Æ começo-meio; G3f Æ meio-fim) quanto a Altura das Plantas, Número de Botões e Número de Flores - 1ª coleta de dados Nota-se uma semelhança quanto à altura e botões florais entre as plantas cultivadas nos três grupos. Quanto à aparência, algumas plantas do grupo “G1” apresentaram-se levemente amareladas (33%). Outras do grupo “G2”, cerca de 50%, também apresentaram uma coloração levemente amarelada (Figura 10). Já as plantas do grupo “G3” apresentaram uma coloração nitidamente mais esverdeada (Figura 11). Figura 10. Planta do grupo “G2”. Figura 11. Planta do grupo “G3”. A aparência levemente amarelada que algumas plantas do grupo “G1” apresentaram pode ter sido oriunda de excesso de algum nutriente contido na solução proposta por FURLANI ou do baixo valor do pH, como será discutido mais adiante. A metade das plantas do grupo “G2” apresentou uma coloração levemente amarelada, o que pode ter origem na falta de algum nutriente, haja vista que o esgoto tratado estava em um sistema com recirculação, ou seja, o nível de nutrientes contido no mesmo foi decaindo ao longo do tempo e possivelmente se tornando deficitário para o requerido pelas plantas. Apesar dos grupos apresentarem tamanho, número de botões, e número de flores semelhantes, o grupo “G3”, que utilizava esgoto tratado sem recirculação, apresentou uma aparência destacada com relação à coloração (mais esverdeada), quando comparado aos demais grupos. Este fato oferece indícios que o esgoto tratado apresenta um bom balanceamento de nutrientes para o cultivo de Zinnia liliput e quando utilizado sem ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 8 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental recirculação, apresentou-se quase sempre com o mesmo balanço nutrindo as plantas de forma mais adequada que se utilizado com recirculação. Com as médias dos parâmetros obtidas a partir de dados coletados na semana subseqüente, traçou-se um novo gráfico de comparação entre cada um dos grupos (Figura 12). Comparação entre os 3 grupos de plantas 20,00 18,00 G1 G3o G2 G3f 18,61 17,76 17,61 17,32 16,00 14,00 12,00 10,00 8,00 6,00 5,51 5,68 5,49 4,99 4,00 2,00 0,78 0,75 0,87 0,68 0,00 Altura das Plantas (cm) Número de Botões Número de Flores Figura 12. Comparação entre os 3 grupos de plantas (G1, G2 e G3) (G3o Æ começo-meio; G3f Æ meio-fim) quanto a Altura das Plantas, Número de Botões e Número de Flores - 2ª coleta de dados Observa-se novamente uma semelhança quanto à altura, botões florais e número de flores entre as plantas cultivadas nos três diferentes grupos. Algumas plantas caíram das bancadas devido a fortes ventos no local, e conseqüentemente morreram por falta d’água. Porém, a mortalidade por causa de doenças ou outros males foi nula. A fim de tratar a problemática no âmbito da utilização da hidroponia como pós-tratamento de esgotos, foram realizadas análises físico-químicas no esgoto e na solução nutritiva ao longo das três semanas em que as plantas permaneceram nos perfis hidropônicos para fase final de crescimento. Os resultados são apresentados abaixo (Tabelas 2, 3, 4, 5 e 6): Tabela 2. Resultados para o grupo “G1”, tratado com solução nutritiva e recirculação. NO2-NO3Fósforo Turbidez pH DQO NH4+ mg/L mg/L mg/L NTU mg/L mg/L 1ª semana 74,4 3,13 3,13 5,5 2ª semana 7,7 2,93 2,93 5,2 3ª semana 4,7 2,61 2,61 5,4 Tabela 3. Resultados para o grupo “G2”, tratado com esgoto tratado e recirculação. NO2-NO3DQO NH4+ Fósforo Turbidez pH mg/L mg/L mg/L mg/L NTU mg/L 1ª semana 134,50 25,02 11,69 2,45 9,55 35,00 8,3 2ª semana 30,55 7,78 5,74 3,00 8,87 10,80 8,0 3ª semana 18,34 1,63 ALD* 7,98 6,94 4,21 7,7 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 9 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Tabela 4. Resultados da 1ª semana para o grupo “G3”, tratado com esgoto tratado e sem recirculação. NO2-NO3DQO NH4+ Fósforo Turbidez pH mg/L mg/L mg/L mg/L NTU mg/L G3 (início) 151,60 33,02 ALD* 0,56 2,50 54,40 8,0 G3 (meio) 145,30 29,75 ALD* 0,52 2,60 49,90 8,0 G3 (saída) 144,15 32,04 ALD* 0,54 1,94 47,90 8,0 Tabela 5. Resultados da 2ª semana para o grupo “G3”, tratado com esgoto tratado e sem recirculação. NO2-NO3DQO NH4+ Fósforo Turbidez pH mg/L mg/L mg/L mg/L NTU mg/L G3 (início) 66,00 31,48 ALD* 2,03 2,33 57,80 8,00 G3 (meio) 77,35 33,11 ALD* 2,53 1,95 56,70 8,00 G3 (saída) 61,00 33,35 ALD* 2,87 2,10 55,40 8,01 Tabela 6. Resultados da 3ª semana para o grupo “G3”, tratado com esgoto tratado e sem recirculação. NO2-NO3DQO NH4+ Fósforo Turbidez pH mg/L mg/L mg/L mg/L NTU mg/L G3 (início) 94,05 40,66 ALD* 0,43 2,50 73,30 7,8 G3 (meio) 97,65 38,70 ALD* 0,49 2,38 68,90 8,0 G3 (saída) 89,40 38,35 ALD* 0,71 2,46 63,70 7,9 * ALD – Abaixo do Limite de Detecção. Segundo ANDRADE NETO (2003), o efeito do pH sobre o crescimento de plantas cultivadas em solução pode ser direto ou indireto. O efeito direto resulta da ação dos íons H+ ou OH- sobre as membranas das células das raízes. Em pH inferiores a 4,0, a elevada concentração hidrogeniônica afeta a integridade e permeabilidade das membranas, podendo haver perda de nutrientes já absorvidos. Em pH elevado, há evidências de que a estrutura e a solubilidade de compostos fenólicos do citosol, vacúolos e especialmente das paredes celulares se alteram. Ocorre perda de compostos fenólicos e de eletrólitos, evidenciando o efeito da concentração elevada de hidroxilas sobre a permeabilidade da membrana. O efeito indireto do pH diz respeito à solubilidade de nutrientes. Em pH superior a 6,5 podem ocorrer precipitações de elementos como cálcio, fósforo, ferro e manganês. O pH normal para águas de irrigação está entre 6,5 e 8,4, fator importante pois o mesmo estando anormal provoca desequilíbrios de nutrição. No experimento realizado, o pH ficou sempre em torno de 8 para o esgoto e este fato não interferiu no crescimento das plantas e deve ter favorecido a assimilação dos nutrientes. Já o pH mais ácido da solução nutritiva, em torno de 5,5, pode ter prejudicado de alguma forma as plantas. Parece, portanto, que a espécie Zinnia liliput desenvolve-se melhor quando o pH da solução nutritiva é neutro ou levemente básico que quando é ácido. Em relação à turbidez, pode-se ver claramente uma redução para o grupo “G2” em virtude da retenção de sólidos pela “rede” formada pelo sistema radicular das plantas, ocorrendo uma remoção em torno de 88% (Tabela 3). Mesmo para o grupo “G3”, onde não existia recirculação, houve uma remoção máxima de turbidez na ordem de 12% na primeira semana (Tabela 4). No esgoto recirculante, o nitrogênio amoniacal apresentou percentual de remoção elevado através do fenômeno de nitrificação e assimilação pelas plantas (Tabela 3). No esgoto tratado a bioconversão das proteínas e aminoácidos em amônia já foi iniciada. Desta forma, a alta remoção de amônia (~93,5%) implica no elevado acúmulo de nitrito e subseqüentemente de nitrato. As plantas absorveram concentrações consideráveis de nitrogênio; no entanto, nota-se para o grupo “G2” um aumento paulatino da concentração de nitrato. Este fato possivelmente relata que a taxa de transformação para nitrato foi superior à taxa de absorção do mesmo pelas plantas, resultando num aumento gradativo deste parâmetro. Quanto ao fósforo, ocorreu um pequeno decréscimo, na ordem de 30%, no esgoto recirculante (Tabela 3). Esta remoção de fósforo foi menor que a de nitrogênio, como era esperado, já que as necessidades de fósforo das plantas são menores que as de nitrogênio, estando em proporção N/P de ~5/1. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 10 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Em relação a DQO também houve um decaimento ao longo do tempo, para o sistema com recirculação (Tabela 3). Em resumo, observou-se no esgoto recirculante uma diminuição ao longo do tempo nos valores de DQO, nitrogênio amoniacal, fósforo e turbidez, o que se traduz na existência de um polimento adicional do esgoto via hidroponia. Em contraste, no sistema sem recirculação, bem que as plantas apresentaram a melhor qualidade, não houve polimento do esgoto, exceto uma leve diminuição da turbidez (Tabelas 4 – 6). CONCLUSÕES Com os resultados apresentados permite-se concluir que: Em relação à produção, a cultura escolhida, Zinnia liliput, pode ser cultivada em hidroponia com técnica do filme nutriente utilizando-se esgotos domésticos tratados como solução nutritiva, mesmo sem realizar correções no mesmo (adição de nutrientes). Os experimentos também permitiram concluir que a espécie Zinnia liliput não mostrou uma maior produtividade quando foi utilizada solução nutritiva convencional sintética, desenvolvendo-se melhor quando o pH da solução nutritiva foi levemente básico. De modo geral, mostrou-se que a hidroponia pode ser considerada como um pós-tratamento do esgoto tratado, já que auxilia na melhoria da qualidade geral do efluente ao longo do tempo, diminuindo a DQO, concentração de amônia, nitrito e fósforo assimilados pelas plantas, bem como o teor de sólidos suspensos, retidos pelo sistema radicular das mesmas. Este trabalho constituiu uma primeira abordagem do cultivo hidropônico usando esgoto tratado como solução nutritiva. Em trabalhos posteriores será melhorado o sistema de plantio e estudado com maiores detalhes a solução nutritiva e o esgoto no que diz respeito da concentração de cátions e ânions ao longo do tempo. Uma vez provado que este tipo de cultura é possível, será feita agora uma tentativa para determinar o número máximo de dias que o esgoto pode se manter recirculando sem afetar o desenvolvimento da planta, para conseguir simultaneamente o melhor polimento possível do esgoto e plantas de ótima qualidade. Acredita-se que outras plantas similares também apresentarão bons resultados quando cultivadas através da hidroponia utilizando esgoto tratado como solução nutritiva. As Figuras 13 – 17, a seguir, atestam a boa produtividade obtida. A utilização de esgoto tratado para fins produtivos por hidroponia constitui uma alternativa mais que viável, interessante, sobretudo, quando se levam em consideração a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. Figura 13. Cultivo de Zinnia liliput ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 11 23º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental Figura 14. Zinnia liliput Figura 15. Zinnia liliput Figura 16. Zinnia liliput Figura 17. Zinnia liliput AGRADECIMENTOS FINEP, PROSAB-4, CNPq, CASAN. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. ANDRADE NETO, C O; MELO, H N S; OLIVEIRA, F K D; MELO FILHO, C P; PEREIRA, M G. (2003) Hidroponia Forrageira com Efluente de Filtro Anaeróbio. In: 22º CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL. Joinville, 2003. Anais do 22º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. Rio de Janeiro: ABES – 2003. BASTOS, R.l K. X. Reuso de Efluentes. Anais do Seminário Internacional Tendências no Tratamento Simplificado de Águas Residuárias Domésticas e Industriais. Belo Horizonte-MG, mar. 1996. p. 222-236. OLIVEIRA, J. B. Curso de Hidroponia. Centro de Ciências Agrárias – Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. HESPANHOL, I. Reúso de Água. In: REBOUÇAS, A. da C.; BRAGA, B.; TUNDISI, J. G. Águas Doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras,1999. p.270 – 303. EPSTEIN, E. Nutrição Mineral de plantas: princípios e perspectivas. São Paulo: EDUSP, 1975. 238p. SCHUBERT, M. Manual prático de hidrocultivo. Barcelona: Omega, 1981. 225p. TEIXEIRA, N. T. Hidroponia. Espírito Santo do Pinhal, SP: Faculdade de Agronomia Manoel Carlos Gonçalves, 1994. 27p. Material didático do Curso de Pós-Graduação em Sanidade Vegetal da Faculdade de Agronomia Manoel Carlos Gonçalves. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 12