CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO RENATA MARIA DE OLIVEIRA FARIAS LUCAS ACESSO LEGAL ÀS ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS, JURÍDICOS E O ARGUMENTO DO DIREITO INDIVIDUAL DE DEFESA. FORTALEZA 2015 RENATA MARIA DE OLIVEIRA FARIAS LUCAS ACESSO LEGAL ÀS ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS, JURÍDICOS E O ARGUMENTO DO DIREITO INDIVIDUAL DE DEFESA. Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Direito do Centro Superior do Ceará, como registro parcial para a obtenção do grau de Graduação, sob a orientação do Professor José Hugo de Alencar Linard Filho. FORTALEZA 2015 RENATA MARIA DE OLIVEIRA FARIAS LUCAS ACESSO LEGAL ÀS ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO NO BRASIL: ASPECTOS HISTÓRICOS, JURÍDICOS E O ARGUMENTO DO DIREITO INDIVIDUAL DE DEFESA. Monografia como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharelado em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense-FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da aprovação:___/___/____ BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Professor José Hugo de Alencar Linard Filho. _______________________________________________________ Professor (a) _______________________________________________________ Professor (a) A Deus, pelos dons da vida e da sabedoria, possibilitando a conclusão desta pesquisa. Aos meus pais que souberam me ensinar os valores do amor e do respeito, os quais me guiam por toda vida. Aos meus irmãos que sempre me apoiaram. Ao meu esposo Lucas, pela sua compreensão, amor e carinho, estando sempre presente, inclusive nos momentos mais difíceis. A minha filha Ana Raquel, que trouxe com seu nascimento, a força e coragem que precisava para a realização desta tão sonhada conquista. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, professor José Hugo de Alencar Linard Filho, pela paciência, dedicação, competência e principalmente por aceitar a árdua tarefa de orientação, meu apreço e sincero agradecimento. Aos professores que aceitaram participar da banca examinadora desta monografia, minha admiração, meu apreço e sincero agradecimento. A minha amiga Margareth de Paula, que esteve sempre presente, com sua amizade, me apoiando e me dando forças para superar todos os obstáculos. A minha amiga Bruna Morais, pela amizade sincera, sendo a responsável pelo início dessa vitória. A minha amiga Fabiana Duarte, pela amizade e apoio constante, dedicados nestes cinco anos de nossas vidas, principalmente na reta final desta pesquisa. Aos meus amigos da Policial Federal do Estado do Ceará, em especial Marcos Gomes e Eduardo de Oliveira pelo apoio constante e amizade sincera, dedicada ao longo desses anos. Aos meus colegas de sala, em especial Cleissiane Pinho e Cláudia Albuquerque, pela amizade sincera, fazendo parte da minha vida de modo especial. “Algo está muito mal quando as pessoas de boa vontade consideram que para viver em paz é preciso estar armado.” Cristovam Buarque. RESUMO O presente trabalho tem o fito de analisar a possibilidade jurídica e social para fins de aquisição de arma de fogo pelo cidadão, que assim entenda necessária para potencializar sua defesa, ou legítima defesa, ante a escalada da violência que atinge a maioria dos grandes centros urbanos brasileiros. A discussão em tela ganha contornos relevantes, dado o momento crítico na segurança pública dos Estados brasileiros cujos números de crimes contra vida são alarmantes. Nesse contexto, é pertinente a decisão soberana do povo, que provocado a se manifestar através de referendo no ano de 2005, foi contrária à proibição da comercialização de armas de fogo e munições no território brasileiro. O que se busca, ao final, é fomentar uma discussão sobre o direito a ter uma arma de fogo regularizada conforme decidiu democraticamente a maioria da população brasileira, e as políticas públicas que envolvem o tema, impostas pelo Poder estatal, sem, contudo, defender o armamento indiscriminado da população civil. Palavras chave: Arma de fogo. Estatuto do desarmamento. Posse de arma de fogo. Direito de defesa. ABSTRACT This work has the aim to analyze the legal and social possibility for firearm acquisition purposes by the citizen, so consider necessary to enhance their defense or self-defense, at the escalation of violence affecting most major urban centers Brazilians. The screen in discussion wins relevant contours, given the critical moment in the public safety of Brazilian states whose numbers of crimes against life are alarming. In this context, it is pertinent to the sovereign decision of the people, which led to manifest through a referendum in 2005, was contrary to the prohibition of the sale of firearms and ammunition in Brazil. What is sought, in the end, is to foster a discussion on the right to a regulated firearm as democratically decided most of the population, and public policy involving the issue, imposed by state power, without, however, defend the indiscriminate arming of civilians. Keywords: Firearm. Disarmament status. Possession of a firearm. Right of defense. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................09 2 ASPECTOS HISTÓRICOS E A REGULARIZAÇÃO DE ARMA DE FOGO NO BRASIL ...................................................................................................................................................12 2.1 Surgimento e evolução das armas.......................................................................................13 2.1.1 Primeiras armas de fogo..................................................................................................15 2.1.2 A indústria de arma de fogo no Brasil.............................................................................16 2.3 Conceito legal de arma de fogo e munição.........................................................................17 2.4 Decreto Lei nº 3688/41 – Lei das Contravenções Penais (LCP)........................................18 2.5 Lei nº 9.437/97....................................................................................................................21 2.6 Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento)...............................................................23 2.6.1 Referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no Brasil.........24 3 POSSE E PORTE DE ARMA DE FOGO E SUA COMERCIALIZAÇÃO.........................26 3.1 Definição legal de porte e posse de arma de fogo...............................................................26 3.2 A posse e o porte ilegal de arma de fogo a luz da Lei nº 9.437/97 e da Lei nº 10.823/2003 (Estatuto do Desarmamento) ....................................................................................................28 3.3 Comercialização e aquisição de armas de fogo e os valores envolvidos nesse processo...33 3.3.1 Aquisição de arma de fogo...............................................................................................34 3.3.2 Emissão do Certificado de Registro.................................................................................37 3.3.3 Renovação do Certificado de Registro............................................................................37 3.3.4 Exames obrigatórios a aquisição de arma de fogo, renovação periódica e seus respectivos valores....................................................................................................................38 3.4 Dados referentes a regularização de armas de fogo no Estado do Ceará e a renda per capita da população brasileira..............................................................................................................39 4 O DIREITO DE DEFESA DO CIDADÃO BRASILEIRO...................................................43 4.1 Garantias e direitos fundamentai a vida e ao patrimônio....................................................43 4.2 Violência Urbana ...............................................................................................................45 4.3 Autotutela...........................................................................................................................49 4.4 Legítima defesa..................................................................................................................50 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................52 REFERÊNCIAS......................................................................................................................54 ANEXOS.................................................................................................................................58 9 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho busca estudar alguns dispositivos da Lei 10.826/03, em especial os que regulam as questões envolvendo o direito de compra, posse e porte de armas de fogo, e outros instrumentos correlatos como portaria e instrução normativa exarada pela Polícia Federal, discutindo as regras de autorização para compra e posse legal de arma de fogo pelo cidadão e valores, em reais, envolvidos no respectivo processo de aquisição. O objetivo dessa pesquisa monográfica é demonstrar através de uma análise crítica, que não obstante o resultado da consulta popular por meio do referendo no ano de 2005, que se discutiu a vedação da comercialização de armas de fogo e munição em território brasileiro, quando o povo, instado a se manifestar, pugnou pelo “não”, ou seja, não seria vedado o comércio de armas de fogo no Brasil, mas este direito não atende maior parte da população em virtude as inúmeras barreiras encontradas na legislação e nas políticas que versam sobre o assunto. Nesse contexto, o trabalho em epigrafe não tem o condão de esgotar o tema, tampouco posicionar-se a favor ou contra a posse e o porte indiscriminado de arma de fogo, mas fomentar a discussão em busca de corrigir distorções, em especial o tratamento isonômico de acesso pela população, cumpridoras do ordenamento jurídico, a arma de fogo sem que questões econômicas sejam excludentes e/ou determinantes. Ver-se-á, que a exigência de valores, em reais, envolvidos no processo de aquisição, registro, exames necessário e renovações dos exames exigidos por Lei a quem deseje ter uma arma de fogo legalizada, tolhe um direito ou uma possibilidade jurídica de grande parte da população de possuí-la para fins de defesa. São assombrosos os números que envolvem a violência urbana, em relevo, as praticadas por arma de fogo nas mãos de infratores da Lei e das próprias organizações policiais federais e principalmente estaduais. Alguns desses números foram trazidos em duas importantes e recentes obras recém-publicadas: O livro Mapas da Violência 2013 e o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014, em sua 8ª edição. A discussão trazida à baila possui relevo diante do momento histórico pelo qual passa a sociedade brasileira, assolada, como já foi dito, por uma onda de violência, em especial a chamada violência urbana, muito em razão das falhas nas políticas públicas de segurança e da falência do atual modelo preventivo e repressivo das polícias brasileiras, concomitantemente com legislações anacrônicas calcadas na burocracia dos atos 10 procedimentais e é claro, na falta de políticas públicas sociais adequadas, em especial aos jovens, pois esses são os maiores protagonistas e últimos dessa violência, conforme apontam os estudos supramencionados. Na metodologia do presente estudo foram feitas análises sobre a as mudanças da legislação e documentos que versassem sobre o assunto por meio de pesquisas, tendo como fontes obras físicas e virtuais, além de ofício com informações trazidas pelo Departamento de Polícia Federal, mostra uma pesquisa mista, já que presentes a pesquisa bibliográfica e a documental. Buscou-se ainda fazer uma relação comparativa entre a renda per capita da população, com base em levantamento do último senso do IBGE, com os valores, em reais, envolvidos na compra, exames obrigatórios e registro de uma arma de fogo legalizada, para tentar ao final mostrar que, na prática e por questões econômicas e não propriamente de direito, grande parte da população brasileira fica impedida de adquirir e manter legalizada uma arma de fogo. Também como instrumento do trabalho foi requerido a Polícia Federal algumas informações pertinentes ao tema, respondidas por meio do Oficio nº 136/2014, oriundo da Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos (DELEAQ) em Fortaleza/Ce. Nesse diapasão, o estudo em tela está dividido em três capítulos, da seguinte forma: Inicialmente foi abordado o contexto histórico de surgimento das armas de fogo e sua evolução; a indústria nacional de arma e munições e os dispositivos legais que tratam e trataram da matéria envolvendo armas em nosso país, a partir do Decreto-Lei 3.668/41 (Lei das Contravenções Penais), até o advento do atual Estatuto do desarmamento no ano de 2003, perpassando pelo consulta popular para referendar ou não a proibição de produção e comercialização de armas de fogo no Brasil. No segundo capítulo, buscou-se definir e diferenciar os conceitos de posse e porte de arma de fogo e suas respectivas sanções penais por infração às normas que tratam do tema e daquelas que as tratava em dispositivos já revogados; bem como o processo que envolve a aquisição, registro e renovação, com foco para a posse de arma de fogo de uso permitido. Além, das informações prestadas pela Polícia Federal através do ofício retromencionado e demais informações sobre a renda per capta da população brasileira. 11 O terceiro capítulo faz uma análise jurídica de mecanismos de defesa individual como a autotutela e a legítima defesa, diante de um ambiente de medo e violência urbana pelo qual passa a sociedade. Os desafios são enormes, maior ainda deve ser a disposição de enfrenta-los, a bem de toda a sociedade, e o presente trabalho pretende ser mais uma ferramenta de discussão na busca de um modelo de segurança que atenda satisfatoriamente a maioria dos brasileiros. 12 2 ASPECTOS HISTÓRICOS E A REGULARIZAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO NO BRASIL. A evolução das armas ao longo da história representa, em parte, a busca que o homem faz em defesa de sua vida e consequentemente sua autopreservação, mesmo porque dentro da visão do direito natural o homem possui a liberdade de usar suas próprias forças e as que estejam a seu alcance para defender sua vida. Assim a utilização e o aperfeiçoamento das armas em todas as suas formas foram e ainda são importantes para a preservação da vida do homem, pois é certo que as armas potencializam o aumento da força de seus braços e pode sim ser considerado instrumento de autopreservação, e defender sua vida faz parte do Direito de Natureza, ou jus naturale, o qual segundo Hobbes (2004, p. 113) é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, de maneira que quiser para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; por liberdade entenda-se ausência de impedimentos externos. Foi nesse processo criativo e de aperfeiçoamento constante das armas, inicialmente visando sua sobrevivência, que o homem, dentre outros tantos inventos que mudariam o rumo da história, inventou a pólvora, possibilitando o desenvolvimento de armas de fogo dos mais diversos tipos e para os mais diversos fins, ressalte-se para o seu alto poder de destruição. O fato é que esse invento (pólvora) atribuído aos chineses, obtida inicialmente através de uma mistura de nitrato de potássio, carvão vegetal e enxofre, mudaria o rumo da história (PÓLVORA, 2014, on line). Do processo de desenvolvimento das armas de fogo nasceu uma poderosa indústria bélica, que também representa um grande poder econômico. Pesquisas demonstram as 100 maiores empresas do setor bélico venderam, somente no ano de 2010, 411,1 bilhões de dólares em armamentos (AS 10 MAIORES..., 2012, on line). Nesse contexto histórico de surgimento e aperfeiçoamento das armas de fogo e do processo de criação de normas no Brasil regulando o seu comércio, porte e posse, é que o presente trabalho se desenvolverá, trazendo subsídios para uma melhor discussão sob a necessidade/possibilidade de o cidadão brasileiro possuir ou não uma arma de fogo para sua defesa. Tratando-se da regularização das armas de fogo no Brasil, é necessário o estudo de três diplomas legais para compreendermos a evolução das Leis que tratam da matéria de regularização, da posse e porte de armas de fogo; sendo o primeiro a ser estudado o Decreto- 13 Lei 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), em seguida a Lei 9.437/97 e posteriormente o atual Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03). 2.1 Surgimento e Evolução das Armas A evolução das armas como instrumento de defesa e ataque caminha no mesmo passo da evolução da humanidade e a necessidade desses instrumentos se faz tão relevante quanto à organização, difusão e complexidade dos grupos sociais nos mais diversos recantos do planeta. Nesse diapasão, e digno de registro que tem relatos nos textos bíblicos que a pedra já era utilizada em tempos remotos como instrumento de castigos e conforme Daniza Maria Haye Biazevic afirma: O próprio texto bíblico traz passagem descritiva de execução por lapidação, ou seja, através de pedras lançadas pelos integrantes da comunidade como punição pela prática de crimes. A antropologia, inclusive, considera as pedras como as primeiras armas às quais teve o homem acesso (BIAZEVIC, 2006, on line). Não obstante o registro histórico de textos bíblicos, cientificamente falando, foi no período conhecido como neolítico, ou período da pedra polida (10000 à 4000 a.C.) que o homem começou, propriamente, a fazer uso de utensílios e instrumentos, inclusive armas (NEOLÍTICO... 2014, on line). Embora a pedra tenha sido um dos primeiros instrumentos utilizados como arma pela humanidade, até os dias atuais existem países que utilizam o apedrejamento como forma de castigo até a morte. Essa forma primitiva de pena ocorre principalmente em países em que a religião mulçumana, como é o caso de Bangladesh, Somália, Nigéria e Indonésia, que recentemente condenaram mulheres a pena de morte por apedrejamento (PENAS.., 2010, on line). Como dito, não obstante a pedra ser considerada a primeira das armas, vários objetos podem ser utilizados como tal, conforme o dicionário Aurélio (1999, p. 191), arma tem o seguinte significado: “Instrumento ou engenho de ataque ou defesa.” Com este conceito se pode aduzir que uma gama de objetos podem ser utilizados como armas, sendo que o presente estudo não tem o condão de propor classificação nesse sentido, mesmo porque a arma que importa ao trabalho é a de fogo, mas é oportuno registrar outras espécies de armas: arma branca, arma biológica, de arremesso. 14 Ainda sobre a evolução das armas, é digno de registro que no Antigo Egito já se produziam diversos tipos de armas como arcos e flechas, machados, clavas, lanças e escudos para equipar seus exércitos. No processo de aperfeiçoamento das armas foi introduzido o bronze em suas fabricações, o que representou passo importante para o desenvolvimento das armas como hoje são conhecidas, pois se passou a utilizar metais na sua produção (ANTIGO..., 2014, on line). Os assírios (2400 a.C. até 612 a.C.), deram outro passo decisivo no aperfeiçoamento das armas, pois foram os primeiros a utilizar o ferro no respectivo processo de fabricação (CIVILIZAÇÕES..., 2014, on line). Tempos mais tarde o exército romano fez uso de armas com a utilização de metais, em especial o ferro, principalmente na forja de espadas, sendo a mais famosa o gládio, espécie de espada curta de dois gumes, o pugio uma espécie de pequena adaga, o pilo uma lança composta de uma parte de ferro e outra de madeira, dentre outros armas (SKYHUNTER, 2007, p. 12, on line). A invenção da pólvora que até hoje é o principal propelente das armas de fogo, dado sua eficácia, principalmente a rápida combustão e atribuída aos chineses, cuja utilização inicialmente se dava para fins de entretenimento pirotécnico. Certamente essa invenção mudaria os rumos da história, pois como seu uso militar, houve um impulso definitivo para a invenção das armas de fogo hodiernas. Por volta do século XIV, os canhões já eram utilizados na Europa como na China (PÓLVORA, 2014, on line). A pólvora é, sem dúvida, uma das maiores invenções da humanidade, e apesar de sua invenção ser atribuída aos chineses, foi no Continente Europeu; com o desenvolvimento no setor de metalurgia, que o seu uso foi intensificado possibilitando o desenvolvimento de novas armas, mais leves que os canhões, como era o caso do mosquete.1 De fato, o uso de metais em passado remoto, conjugado com a invenção da pólvora, possibilitou o surgimento das armas de fogo nos moldes atuais comparando o rol das grandes invenções humanas, aspecto que reflete nos chamados Estados Modernos. Exemplo disso foi a Primeira e Segunda Grande Guerras Mundiais (1914 à 1919 e 1939 à 1945, respectivamente), cuja utilização das armas de fogo se deu de foram acentuada, resultando aqueles conflitos bélicos em anexações de territórios, criação de Estados, alterando a 1 Mosquete:Arma de fogo antiga, com o feitio da espingarda, porém muito mais pesada, a tal ponto que para servir tinha de ser apoiada em uma forquilha (AURÉLIO, 1999, p 1370). 15 geografia política mundial, não interessando ao presente trabalho adentrar nas causa que iniciaram os conflitos citados. 2.1.1 Primeiras Armas de Fogo O invento e o aperfeiçoamento das armas de fogo reflete em parte a complexidade das relações sociais do homem moderno impactando decisivamente a história e o caminhar da humanidade. Nesse contexto os canhões foram bastante utilizados pelos chamados Estados modernos europeus, tanto para sua defesa como para ataques a e exemplo de Portugal, que já no século XIV fabricava canhões, e os utilizou durante os descobrimentos no período das grandes navegações. Esse tipo de armamento era de uso militar por excelência quer seja para o ataque ou para defesa (CANHÃO, 2014, on line). Depois do canhão foram desenvolvidas as primeiras armas para combates individuais em batalhas, dentre elas o arcabuz, o bacamarte e o canhão de mão, isso entre os séculos XIV e XVII. Mesmo diante das dificuldades de pontaria e do tempo de recarregamento2 as armas de fogo continuaram num processo contínuo de desenvolvimento, resultando no processo de carregamento pela culatra3 que se tornou um padrão universal para a maioria das armas de fogo de mão (ARMA..., 2014, on line). Nessa evolução das armas de fogo, uma delas tem importância primordial por ter acelerado esse desenvolvimento, o revólver, pois até meados no século XIX, as armas de fogo individuais eram espécie de “replica” em miniatura de um canhão, no que diz respeito a seu processo de recarregamento, pois que este tinha quer ser feito disparo após disparo, o que de fato trazia limitações para sua utilização. A invenção do revólver, por volta do ano 1836, revolucionou o processo de recarregamento das armas de fogo, até então bastante limitado e tido como óbice ao impulso necessário a tão grandioso invento. Nessa esteira, a invenção do revólver inaugura o que se chama de armas de repetição, e essa inovação foi um verdadeiro marco na indústria de armas no mundo, sendo hoje a indústria armamentista uma das mais fortes economicamente falando. A indústria americana de armas sozinha faturou no ano de 2003, segundo a revista exame, 150 Bilhões de dólares (A INDÚSTRIA..., 2004, on line). 2 Recarregamento: Ato ou efeito de recarregar (AURÉLIO, 1999, p 1716). Culatra: O fundo do cano de arma de fogo. 2 A parte posterior do canhão (AURÉLIO, 1999, p. 590). 3 16 2.1.2 A indústria de armas de fogo no Brasil A fabricação de armas no Brasil tem sua origem no ano de 1762, quando no atual Estado do Rio de Janeiro, fundou-se a Casa do Trem; nesse período o Brasil ainda “pertencia” a Portugal na condição de vice-reinado. A criação da Casa do Trem tinha como objetivo realizar pequenos reparos no armamento e nos equipamentos das tropas, bem como guardar e conserva-las (IMBEL, 2014, on line). Outro importante acontecimento para a efetiva fabricação de armas de fogo no território brasileiro aconteceu ainda no período imperial, sob a regência do príncipe Don João, no início do século XIX, foi a criação da primeira fábrica de pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas, para fins de defesa do território brasileiro, bem como a construção de fábricas para fundição e perfuração das peças de artilharia para os mesmos fins (NO TEMPO..., 2014, on line). Pode-se afirmar que o Brasil possui hoje algumas das maiores Indústria que produzem armamentos e munição do mundo, dentre elas a Imbel, a Forjas Taurus e a Companhia Brasileira de Cartuchos - CBC. A Indústria de Material Bélico do Brasil – IMBEL, foi constituída através da Lei 6.227/75, trata-se de uma empresa pública de direito privado e que dispõe de uma Assessoria parra Assuntos Institucional subordinada diretamente à Presidência da República; sendo a empresa em apreço vinculada ao Ministério da Defesa por intermédio do Comando do Exército. Pode-se, entretanto, atribuir sua origem a criação da Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas no ano 1808. Suas unidades de produção estão localizadas nas cidades do Rio de Janeiro/RJ, Magé/RJ, Piquete/SP, Juiz de Fora/MG e Itajubá também no Estado de Minas Gerais (IMBEL, 2014, on line). Os principais produtos hoje comercializados pela IMBEL são: Fuzis, pistolas, carabinas; munição de médio e grande calibre; explosivos e acessórios; equipamentos eletrônicos e de comunicação; e Sistemas de Abrigo Temporário de Campanha e Humanitários. A Forja Taurus S.A é uma indústria de fabricas de arma nacional, sendo uma das três Maiores Fabricantes de arma de fogo curtas no mundo, exportando seus produtos para mais de 70 países, produzindo revólveres, pistolas e submetralhadoras; possuindo além de 17 unidades de fabricação Brasil como uma unidade nos Estados Unidos. (TAURUS ARMAS, 2014, on line). A Companhia Brasileira de Cartuchos, hoje uma empresa 100% com capital nacional, sendo que cerca de 30% de seu controle acionário pertence à IMBEL. Essa que hoje é uma das maiores fabricantes de munição do mundo foi criada em 1962 com o nome de Fábrica Nacional de Cartuchos e Munições. No ano de 1936 o controle acionário da empresa é dividido entre uma empresa americana e uma inglesa, ganhando o atual nome Companhia Brasileira de Cartuchos –CBC. No ano de 1979 a empresa foi nacionalizada. Além de munições a empresa produz também coletes balísticos (CBC, 2014, on line). 2.3 O Conceito legal de arma de fogo e munição É necessário ao presente estudo que se traga a definição legal para o objeto arma de fogo, bem como para munição. Ressalte-se que o Estatuto do Desarmamento não traz essas definições, ficando a cargo do Decreto nº 3.665 de 20/11/2000 fazê-lo, e em seu art. 3º, inciso XIII, defini que armas de fogo são: [...] arremessam projéteis empregando a força expansiva dos gazes gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propicia continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil (BRASIL, 2000). Não obstante a definição legal retrocitada, a doutrina também trata de definir arma de fogo, que segundo Soares (2011, p. 1) é: “Todo artefato possível de expelir projéteis, por meio de expansão de gases originada de uma detonação”. Merece relevo ainda as palavras de Franco (2012, p. 149) que também a define da seguinte forma: é um artefato utilizado para propulsão de projéteis sólidos, por meio de uma rápida expansão dos gases obtidos pela queima controlada de um propelente, geralmente sólido, que na maioria dos casos é a pólvora, contido em uma câmara fechada por todos os lados, exceto por aqueles que conduzem o projétil através de um orifício cilíndrico denominado cano ou tubo. Conforme a definição de arma de fogo dada por Soares (2011, p. 1), sua principal característica é o arremesso de projéteis utilizando a força expansiva de gazes gerada pela combustão de um propelente, sendo a pólvora o principal propelente utilizado. Feito essa definição também é necessário trazer o conceito legal de munição, mesmo porque o Estatuo do Desarmamento dispõe sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, e apesar de que os artigos 12 e 14 da Lei em apreço trazer como 18 títulos: Posse irregular de arma de fogo de uso permitido e Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido respectivamente incorre as referidas penas também para quem está portando ou está na posse irregular de munição. Assim sendo é essencial que tenhamos atenção a definição legal de munição. O Decreto nº 3.665 de 20/11/2000 também se encarregou de definir em seu art. 3°, inciso LXIV o que seja munição, afirmando que essa é: [...] artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sob pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais (BRASIL, 2000). Noutras palavras, podemos definir munição como: artefato explosivo com o qual se carrega as armas de fogo, geralmente composto de um conjunto de estojo, pólvora, espoleta e projétil. Portanto, é relevante definir as partes que compõem uma munição, as quais são: Estojo, é uma peça de estrutura tubular oca, vedada na base inferior parcialmente, agregando todos os demais elementos. É considerada a maior parte do cartucho; Pólvora é um material em forma de pó, de alta combustão, é responsável pela projeção do projétil graças ao processo de expansão dos gases; Espoleta é uma peça que faz a vedação da base inferior do estojo, e o responsável pela combustão da pólvora, graças a seu alto poder inflamável, também pode ser chamada de mistura iniciadora; Projétil, é uma estrutura de meta, a qual é composta por chumbo ou cobre, cuja fixação é feita na base superior do estojo, sendo este vedado com a introdução da pólvora (SOARES, 2012, p. 7 e 8.). A composição e a forma das munições sofrem variações em face das armas para as quais é destinada, segundo Soares (2011, p. 2.), define munição como sendo: “o elemento que, agregado à arma de fogo, viabiliza a provocação do disparo.” É de bom alvitre aduzir que a arma de fogo torna-se sem utilidade, estando desmuniciada, inclusive, esse fato é bastante controverso no direito pátrio, ou seja, há quem defenda que o porte ou a posse de arma de fogo desmuniciada é crime, bem como os que entendem em sentido adverso, que portar ou está na posse de arma desmuniciada é fato atípico, todavia essa divergência doutrinária e jurisprudencial será melhor explorada no capitulo seguinte. É essencial saber o conceito e definição legal de arma de fogo e de munição para uma melhor compreensão de alguns dispositivos constantes no Estatuto do desarmamento, principalmente aqueles que imputam condutas criminais de posse e porte de arma de fogo e munições e que será tratado no capítulo seguinte. 19 2.4 Decreto-Lei nº 3.688/41 - Lei das Contravenções Penais (LCP) Apesar de o presente trabalho estabelecer a Lei das Contravenções Penais (LCP) como marco inicial para análise das legislações brasileira que tratam de armas de fogo, na verdade é preciso registrar que o Código Criminal do Império já tratava do tema punindo quem fizesse uso de “armas ofensivas, que forem proibidas”. Assim sendo, cabe observar que mesmo diante da proclamação da República (1898) até o ano de 1941 ainda vigorou o código imperial no tratamento das infrações envolvendo arma de fogo. O Decreto Lei 3.688/41, mais conhecido como Lei das Contravenções Penais (LCP), foi editado na década de 40, ou seja, segundo o ambiente social e histórico da sociedade brasileira da época e que ganharia novos contornos até os dias atuais, principalmente pós Constituição Federal (CF) de 1988. Contudo, em 1941, passa a vigorar o Decreto-Lei n° 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais - LCP); que no que se refere a legislação de “controle” de armas de fogo, se resume a três dos seus dispositivos: Os artigos 18,19 e 28. A Lei de Contravenções ainda está vigorando tendo sido revogada no que concerne ao tratamento penal à posse ou porte de arma de fogo e outras figuras correlatas. Assim redigidos: Art. 18. Fabricar, importar, exportar, ter em depósito ou vender, sem permissão da autoridade, arma ou munição. Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade. Art. 28 Disparar arma de fogo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela (BRASIL, 1941). Os dispositivos em tela traziam como previsão de pena a prisão simples ou multa, variando-se o tempo daquela ou os valores desta. Nesse contexto se percebe que havia uma legislação que na prática não trazia nenhuma possibilidade de prisão ao infrator, já que pela prisão simples o agente se livra solto. Era simplória a forma de como a LCP tratava o tema arma de fogo, somente se referindo de maneira expressa no seu artigo 28, pois os dois outros usavam apenas o termo arma. Esses dispositivos legais estiveram em vigor por mais de 50 anos (1941 a 1997) o que demonstra, em tese, que se nesse meio século não houve necessidade de alteração legislativa para tratar das armas de fogo, principalmente no que diz respeito à comercialização, posse e porte. Com o aumento da violência, no entanto, houve um clamor ou pressão social para mudança na lei. A violência urbana só seria sentida de forma mais 20 contundente pela sociedade brasileira no final da década de 80, inicio dos anos 90, segundo se infere dos números na tabela acima. O crescimento da criminalidade e da violência urbana foram os principais fatores que influenciaram na mudança legislativa que revogou os dispositivos supramencionados da LCP, fazendo com que as condutas de porte, posse e disparo de arma de fogo deixassem de ser tratado como contravenção penal e passado com advento da Lei 9.437/97 a ser tipificado como crime. Enquanto os dispositivos da LCP referentes a armas de fogo vigoraram por mais de meio século, para ser mais preciso, 56 anos, a Lei 9.437/97 ficou em vigor por pouco mais de 06 anos. A Lei 9.437/97 antecedeu o atual Estatuto do Desarmamento, regulando até então as condutas relacionadas ao porte, posse, aquisição, fabricação, dentre outras, de armas de fogo e de munições. Adiante serão vistos motivos das alterações legais que tratam do controle das armas de fogo no território brasileiro até o advento do Estatuto do Desarmamento no ano de 2003, e como é possível perceber que as mudanças nessas leis caminham no mesmo compasso com o aumento da criminalidade e da violência, em especial a urbana, fato que pode ser comprovado através dos números trazidos no livro Mapa da Violência 2012, onde se mostra de forma clara o número e taxa de homicídios entre os anos de 1980 e 2010 (três décadas), conforme a tabela a seguir: Tabela 1: Taxa de homicídios entre os anos de 1980 e 2010. ANO 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Nº Homic. 13.910 15.213 15.550 17.408 19.767 19.747 20.481 23.087 23.357 28.757 31.989 30.566 28.387 30.586 32.603 37.128 38.894 Taxa 11.7 12.6 12.6 13.8 15.3 15.0 15.3 16.9 16.8 20.3 22.2 20.8 19.1 20.2 21.2 23.8 24.8 21 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* ToTAl 40.507 41.950 42.914 45.360 47.943 49.695 51.043 48.374 47.578 49.145 47.707 50.113 51.434 49.932 1.091.125 25.4 25.9 26.2 26.7 27.8 28.5 28.9 27.0 25.8 26.3 25.2 26.4 27.0 26.2 Fonte:Tabela 2.1.1 Números e taxas de homicídio (em 100 mil). Brasil. 1980/2010, SIM/SVS/MS*2010:dados preliminares (WAISELFISZ, 2011, p. 18, on line). Como veremos adiante, o aumento da violência urbana, sobretudo os crimes de morte em especial aqueles praticados utilizando-se arma de fogo será determinante nas mudanças legislativas de armas após meados da década de 90. 2.5 Lei nº 9.437/97 A preocupação internacional com o controle de armas de fogo na década de 90 ficou evidenciada por ocasião do IX Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, realizado na cidade do Cairo, Egito. Segundo Damásio (2001. p. 1) a Comissão de Prevenção ao Crime se manifestou nos parágrafos 7 a 10 da resolução n. 9, com o título “Controle de armas de fogo para fins de prevenir a delinquência e garantir a segurança pública”. (Grifou-se). Ainda conforme Damásio (2001. p. 1), no ano de 1996, ou seja, o ano que antecedeu o advento da Lei 9.437/97, no referido Quinto Período das Sessões da Comissão de Prevenção do Delito e Justiça Penal, realizado em Viena (maio de 1996), ficou consignada a recomendação segundo a qual os Estados-Membros deveriam fortalecer as legislações internas, tornando rígido o controle da aquisição, posse e porte de armas de fogo (Nações Unidas, Conselho Econômico e Social, E/CN 15/1996/L.1/Add.5, Viena, 30-5-1996, p.2, n.III.8, III.9 e III.10). No mês de março de 1997, o Jornal Folha de São Paulo traz uma matéria sob o tema: “OEA diz que a violência está fora de controle AL”. (Jesus, 1998, on line). Foi nesse contexto que entrou em vigor a Lei 9.437/97, tornando crime a conduta de Portar arma de 22 fogo, dentre outras correlatas, o que até então era tratado pelo ordenamento jurídico como contravenção penal. Ressalte-se o contexto histórico que antecede a entrada em vigor da Lei 9.437/97, a escalada da violência registrada em nosso país, principalmente nos casos de crimes de morte, que segundo o Livro Mapa da Violência 2012, em três décadas, compreendendo-se os anos de 1980 a 2010 houve um aumento percentual de 259% nos homicídios no Brasil (WAISELFISZ, 2011, p. 18, on line). Uma das inovações trazidas pela Lei 9.437/97 foi à criação do Sistema Nacional de Arma de Fogo – SINARM, dando-lhe a competência de: I – Identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro, II – Cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no país, VI – Cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimento policiais e judiciais, dentre outras providências previstas no art. 2° da Lei em apreço. Formou-se um banco de dados importante para o controle de armas de fogo no país, e que diante de sua relevância foi mantido pelo Estatuto do Desarmamento. No que toca a posse e o porte de armas de fogo e outras condutas correlatas, a Lei 9.437/97 disciplinou essas condutas no art. 10 que assim dispunha: [...] Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (BRASIL,1997). A essa gama de condutas a Lei em apreço cominou de detenção de um a dois anos e multa. Por foça da Lei 9.099/95, em razão da pena máxima imposta às condutas previstas no art. 10 da Lei 9.437/97 se tratavam de infração de menor potencial ofensivo, conforme prescrevia o artigo 61 daquela Lei: “art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos dessa Lei, as contravenções penais e os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.” Dessa forma sendo as condutas vedadas pelo artigo 10 da Lei 9.437/97 consideradas de menor potencial ofensivo, o autor gozava do benefício de não ser recolhido a prisão quando fosse imediatamente encaminhado ao juizado ou assinasse compromisso de comparece quando chamado, pois o artigo 69, parágrafo único assim determinava: 23 [...]Ao autor do fato que, após lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima (BRASIL, 1995). Não obstante o avanço da Lei 9.437/97, pelo fato da Lei 9.099/95 possibilitar que o autor de qualquer dos crimes previsto em seu artigo 10, ao assinar o Termo de Compromisso de Comparecimento em juízo, gozava do direito de ser posto em liberdade, pairava a sensação de que a alteração legislativa não havia trazido mudanças significativas em face derrogação dos artigos 18 e 19 e da revogação do artigo 28, caput, ambos da LCP, conforme observou Damásio (2001.p. 15). 2.6 Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) A criação do Estatuto do Desarmamento, sancionado em 2003, por meio do qual foi revogada a Lei 9.437/1997, que a seu turno e como já foi dito havia alterado a situação do porte de arma de fogo, outrora tratado como contravenção penal. A Lei 9.437 foi sancionada em 2003, ainda no segundo ano do primeiro mandato de governo do Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e já no ano de 2005 houve uma consulta popular através de um referendo, previsto no próprio Estatuto do Desarmamento, como será tratado alhures. Entre as mudanças mais relevantes trazidas pelo Estatuto do Desarmamento um delas foi como afirma Franco (2012. p. 37): A idade para a pessoa adquirir arma de fogo de uso permitido e obtenção do seu porte, quando autorizado, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.826/2003 passou para 25 anos conforme dispõe o art. 12, inciso II do decreto 5.123/04 que regula o estatuto do desarmamento e que na legislação anterior que tratava da mesma matéria a idade mínima exigida era de 21 anos. 2.6.1 Referendo sobre a proibição do comercio de armas de fogo e munições no Brasil O multicitado referendo tinha como foco de discussão o art. 35 da Lei nº 10. 826/2003, que aduzia o seguinte: “Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e 24 munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6° desta Lei”; dessa forma a sociedade brasileira foi chamada a referendar ou não a proibição de comercialização de armas de fogo no país, mediante resposta a seguinte indagação: (O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil). A população brasileira foi chamada as urnas no dia 23 de outubro do ano de 2005. A consulta versava sobre a proibição no território nacional do comércio de armas de fogo, ressalvada a s entidades com previsão legal no art. 6° do Estatuto do Desarmamento. Diante da consulta, o cidadão brasileiro respondia com um SIM, se estivesse a favor da proibição do comércio de armas de fogo no Brasil; votando no NÃO, consequentemente estaria a favor da comercialização. Tal consulta popular em apreço foi, objeto de campanha em horário obrigatório no rádio e na televisão. Os defensores do SIM, dentre eles o presidente da república na época, Luiz Inácio Lula da Silva, além de várias igrejas, defendiam o fim do comércio de armas de fogo. A frente que defendia esse pensamento era presidida pelo então presidente do Senado eleito pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) do Estado de Alagoas, Renan Calheiros; enquanto a frente popular do NÃO era coordenada pelo ex-governador paulista e filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Luiz Antônio Fleury (AMARAL, 2005, on line). O petebista era coronel reformado da Policia Militar e coordenou a campanha a favor do NÃO, defendendo a manutenção do comércio de armas no Brasil, centrando seus argumentos no direito de autodefesa e na fragilidade da segurança pública no país, dizia Fleury: “a discussão não é o desarmamento, é a proibição absoluta de vendas de armas e munição para o cidadão de bem”, segundo o mesmo, “seria desarmamento se todo mundo, inclusive os bandidos, se desarmasse.” (AMARAL, 2005, on line) (grifou-se). O resultado do referendo trouxe uma diferença em favor do não de 27 pontos percentuais, ficando o NÃO com cerca de 63,94% dos votos válidos, enquanto o SIM obteve 36,06% dos votos. Dessa forma o comércio de arma de fogo no Brasil continuou legalizado, assim sendo, pelo menos em tese, todo cidadão teria ou tem o direito de adquirir e possuir uma de fogo legalizada em sua residência e/ou local de trabalho (DIFERENÇA..., 2005, on line). Embora a sociedade brasileira tenha se manifestado a favor da comercialização de arma de fogo, sendo a aquisição e a posse desta regulada por lei, na prática esse direito é 25 tolhido da maioria dos cidadãos brasileiro por questões burocráticas e econômicas conforme adiante se tratará. Ainda que o SIM tenha perdido e o comércio de armas de fogo não tenha sido proibido no território nacional, a discussão que envolveu a sociedade sobre as questões das armas e da violência foi salutar, pois sem dúvida fortalece o sistema democrático de direito. Contudo e mesmo diante da manifestação popular supracitada, é digno de registro que existe um Projeto de Lei no Senado (PLS 176/2011) de autoria do Senador Cristovam Buarque, tratando de resgatar o art. 35 da lei 10.826/03, que já fora objeto de rejeição por consulta popular, e não obstante o respeito que merece o Senador em apreço, cuja homenagem foi prestada nesse trabalho no início do capitulo terceiro, não parece democrático ir de encontro a uma decisão legítima do povo. 26 3 POSSE E PORTE DE ARMA DE FOGO E SUA COMERCIALIZAÇÃO A comercialização, aquisição, o porte e a posse de armas de fogo, sofreram mudanças legais significativas no decorrer das últimas duas décadas, estando hoje regulados pelo Estatuto do Desarmamento e outros dispositivos correlatos, como o Decreto 5.123/2004 e a Instrução Normativa nº 023/2005 do Departamento de Polícia Federal. É oportuno afirmar que todas as alterações nas Leis que regulam o porte e a posse de armas de fogo, na pratica, afastam o cidadão de bem de ter uma arma legalizada em seu poder, nem por isso os índices de criminalidade tem se reduzido em nosso país, levando-se em consideração apenas os crimes de morte como já trouxemos no primeiro capítulo desse trabalho, houve na verdade um aumento desses números. Diante das restrições trazidas pela nova Lei de armas, as dificuldades para adquirir e possuir legalmente uma arma de fogo são tantas que já se afirmou que: “O registro obrigatório da arma, que concede o direito ao seu proprietário de mantê-la exclusivamente dentro de sua residência (art. 5° caput) exige tantos requisitos que a sua obtenção se torna impossível para a grande maioria da população” (DAMÁZIO, 2004, p. 1 – on line). Identificar as restrições que o cidadão de bem experimenta para adquirir, caso decida, uma arma de fogo, mesmo diante de dispositivos legais constitucionais e infraconstitucionais que assegura seu direito de legitima defesa em caso de injusta agressão, principalmente em decorrência da carência dos mecanismos de segurança pública em nosso país, em especial no Estado do Ceará é um objetivo do presente trabalho. 3.1 Definição legal de porte e posse de arma de fogo Antecipando a definição de porte e posse de arma de fogo, convém afirmar que essas condutas são inconfundíveis, absolutamente distintas, como assevera Marcão (2010, p. 55), estando bem delineadas na Lei 10.826/2003. É necessário ao desenvolvimento do presente trabalho não só a definição como também a diferença entre porte e posse de arma de fogo, mesmo porque ambas as condutas, se não autorizadas, são tipificadas com ilícitos penais pelo atual Estatuto do Desarmamento, com aplicação de respectivas sanções em caso de infringência, sendo que diante do caráter mais grave do porte, é punido com reclusão e a posse com detenção. 27 O verbo portar é oriundo do latim portare, que tem o significado de conduzir e segundo Sznick (2004, p. 54), portar quer dizer trazer consigo. O porte de arma, segundo Soares (2011, p. 46) é outra autorização regulamentar dissociada do registro, porém vinculada a determinada arma, previamente registrada, sendo sua concessão de caráter precário, pessoal, e intransferível, que confere a seu titular o direito de trazer consigo, bem como de transportá-la. A regra do Estatuto do Desarmamento é a vedação ao porte de arma de fogo, não obstante as ressalvas previstas na própria legislação, conforme assevera a Lei 10.826/03 em seu Art. 6°: É proibido o porte de arma de fogo em todo território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para (grifouse). Quanto ao documento chamado Porte de Arma de Fogo, segundo a Polícia Federal é o: “documento, com validade de até 5 anos, que autoriza o cidadão a portar, transportar e trazer consigo uma arma de fogo, de forma discreta, fora das dependências de sua residência ou local de trabalho” (Porte.., 2014, on line). Conforme foi dito alhures, e pelo fato da regra ser a proibição do porte, somente em casos especiais e sob o preenchimento de certos de requisitos o cidadão receberá essa autorização. Não resta dúvida que o Art. 6° do Estatuto do Desarmamento mostra de forma clara que a regra é a vedação ao porte, ou seja, a nova lei tratou o porte e arma de fogo de forma restritiva e excepcional; tratando do cidadão comum - objeto do presente estudo - só é permitido apenas em caso especiais e com a devida autorização da autoridade Policial Federal competente. A lei 10.826/03 traz duas possibilidades em casos específicos para permissão de porte de arma de fogo: o chamado porte funcional, com previsão legal no artigo 6° do mesmo codex e o porte para defesa pessoal, tratado em seu artigo 10. Essa diferenciação deve-se ao fato dessas duas modalidades pertencerem a categorias jurídicas absolutamente distintas (BICHARA, 2013, p. 1, on line). Importante lembrar que quando o legislador trouxe a possibilidade de porte de arma de fogo ao cidadão comum, e para sua defesa pessoal, o fez na condição de autorização, que segundo Meirelles (2006, p. 188) é uma espécie de ato administrativo, discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona a aquiescência prévia da 28 administração, dando como exemplo o autor, o porte de arma, portanto, sem a autorização o particular comete conduta proibida, nesse caso a criminosa. Quanto ao núcleo verbal posse, presente no art. 12 da lei 10.826/03, significa nas palavras de Marcão (2010, p. 5), ter em seu poder, à disposição, em condições de fruição; afirma ainda o autor que para possuir não é preciso que o agente seja o proprietário da arma, acessório ou munição. Basta possuir, a qualquer título, ainda que por breve período. Reforçando, essa definição Soares (2011, p. 83), afirma que posse significa o estado de apoderamento do objeto. Incide no mesmo tipo penal retro citado, além de quem está na posse, aquele que manter sob guarda, que ainda segundo Marcão (2010, p. 5), é o mesmo que ter sob o seu cuidado ou vigilância, porém em nome de terceiro, conclui afirmando que para a configuração do crime não é necessário que o agente esteja presente no local no momento da localização e apreensão da arma. 3.2 A Posse e o porte ilegal de arma de fogo à luz da Lei nº 9.437 de 1997 e da Lei nº 10.826 de 2003 (Estatuto do Desarmamento) Inicialmente convém dizer que para concretizar o direito de adquirir uma arma de fogo devidamente registrada o interessado tem que atender a requisitos legais e esses estão regulados na IN 023/05 da lavra do Diretor Geral da Polícia Federal, que será melhor abordada alhures. Além dessas exigências, após a aquisição da arma de fogo, o proprietário tem o dever legal de renovar o registro a intervalo não inferior a três anos, art. 5°, § 2° da Lei nº 10.826/2003; uma vez não fazendo passa a tê-la em situação irregular passível de ser preso em flagrante delito por infração ao artigo 12 do Estatuto do Desarmamento, pois quem está na posse de uma arma de fogo, ainda que anteriormente registrada, porém com o registro vencido, se equipara a quem possui uma arma sem registro e com o conhecimento da PF. A posse irregular de arma de fogo de uso permitido por falta de renovação do registro será melhor abordada no decorrer do presente trabalho. Ver-se-á então as mudanças mais relevantes na legislação de armas de fogo no território brasileiro, em especial da revogação da Lei 9.437/97 e do advento da Lei 10.826/2003. 29 É imperioso trazer à baila que as mudanças legislativas em apreço se deram na busca de se construir uma sociedade mais segura, mesmo porque, como afirma Capez (1997, p. 25), o Poder Legislativo tem a legítima função de detectar as tensões sociais e tipificá-las como infrações penais, ou no caso, alterar suas configurações. Na análise do porte e da posse de arma de fogo à luz do atual Estatuto do Desarmamento, e da Lei 9.437/97 já revogada, é possível identificar mudanças significativas comparando-se as duas leis, que vai desde a cominação de penas distintas para posse e porte ilegal de arma de fogo, o aumento da idade mínima para sua aquisição, passando de 21 para 25 anos na nova Lei, até a separação dessas condutas em dispositivos diversos, já que na lei 9.437/97 eram reguladas num único artigo, inclusive com previsão de mesma pena para condutas tão diversas, como prescrevia o artigo 10 dessa Lei: [...] Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor a venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. Detenção de um a dois anos e multa (BRASIL, 1997. Grifou-se). A entrada em vigência dessa lei buscava na prática dar uma resposta à delinquência urbana, ou “criminalidade de massa” nas palavras de Damásio (2001, p. 3), e com isso aplicar penas mais severas como uma resposta do Estado, Todavia, mesmo que inicialmente a nova pena imposta a quem portasse ou possuísse irregularmente uma arma de fogo não mais seria albergada pela Lei 9.099/95 como infração penal de menor potencial ofensivo (art. 61), que naquele momento só alcançava os crimes, com pena máxima cominada de até um ano. Pelo fato de a pena cominada ser de detenção possibilitava ao infrator restar solto com o pagamento de fiança perante a autoridade policial por força do art. 322 do Código de Processo Penal (CPP). Com a promulgação da Lei 10.259, no ano de 2001, portanto quatro anos após a entrada em vigor da nova lei que regulava a matéria relativa a armas de fogo, alterou-se o artigo 61 da Lei 9.099/95, passando-se a considerar crime de menor potencial ofensivo aqueles com pena máxima cominada não superior a 2 (dois) anos o que alcançava todas as condutas prescritas no art. 10 da Lei 9.437/97. A alteração legislativa em apreço possibilitou que quem infringisse qualquer das condutas vedadas pelo art. 10 da lei 9.437/97, não mais restasse preso em flagrante, nem precisasse pagar fiança, mediante encaminhamento imediato ao juizado especial ou assumisse 30 o compromisso de a ele comparecer, em termo assinado perante autoridade policial (art. 69, § único da Lei 9.099/95). Essa alteração legal trazida pela Lei 10.259/01, que alterava inclusive o foro competente de processamento de quem violasse o art. 10 supracitado, era norma mais benéfica em face da situação pretérita a sua entrada em vigor, portanto em respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica; os juizados especiais passaram a receber todos os processos vinculados a infrações do art. 10 da Lei 9.437/97 e que tramitavam nas varas da justiça comum. Exemplo disso verificasse verificar através da ementa no recurso de apelação criminal do processo n° 5567-68.2003.8.06.0000/0 TJ-CE. EMENTA: PROCESSUAL PENAL. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA. CRIME DE MENOR POTENCIAL. COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. INTELIGÊNCIA DA LEI 10.259/01. CONCEITO. AMPLIAÇÃO. PROCESSUAL PENAL - CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - PROCESSO EM CURSO NA 3ª. VARA CRIMINAL DA COMARCA DO RECIFE - Despacho do juiz declinando da competência para conhecer e julgar o feito e ordenando sua remessa para o juizado especial criminal. Recurso em sentido estrito interposto pelo ministério público. Crime, cuja pena é de 02 (dois) anos, é da competência do juízo comum. Improvimento do recurso. Aplicação correta da lei 10.259/01, ampliando o limite de competência dos juizados criminais em relação aos crimes com pena de até dois anos. Derrogação do art. 61, da lei 9.099/95. Lei nova mais benéfica é retroativa. Decisão unânime. (TJPE - RSE 82717-2 - Rel. Des. Dário Rocha DJPE 12.09.2002) http://www4.tjce.jus.br/sproc2/paginas/ResContextoAcordao.asp?TXT_numero=556 7-68.2003.8.06.0000&TXT_recurso=0&sqd=779804. Acesso em 06/11/2014. O julgado acima mostra a nova mudança legislativa por força da Lei 10.259/01, mais uma vez tornava o porte e a posse de arma de fogo como infração penal de menor potencial ofensivo com os benéficos da Lei dos juizados especiais, foi determinante também para a criação do atual Estatuto do Desarmamento, dois anos depois, no ano de 2003. A Lei 10.826/03 retirou mais uma vez os crimes de porte e posse irregular de arma de fogo da seara dos juizados especiais e dos benefícios processuais da Lei. 9.099/95, como era o caso da possibilidade do autor transacionar com o MP na fase processual, sobrestando o andamento do processo por uma contraprestação que poderia ser penas restritivas de direito ou multas, desde que observados alguns requisitos, por força do Art. 76, §§ 1° ao 6°, incisos I, II e III da Lei 9.099/95, O Estatuto do Desarmamento buscou, dentre outras coisas, o endurecimento repressivo estatal daquelas condutas (porte e posse) irregular de armas de fogo e outras 31 correlatas, dessa vez separando em dois dispositivos as condutas ilegais de porte e de posse ilegal de arma de fogo, sendo a posse regulada no artigo 12 da Lei em tela, da seguinte forma: [...] Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior e sua residência ou dependência desta, ou, ainda no local do seu trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa. Pena: detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa (BRASIL, 2003) (Grifou-se). Como assevera Soares (2011, p. 83), o art. 12 não só separou alguns núcleos dos demais traçados no art. 10 da Lei 9.437/97, impondo penas mais brandas em face da conduta de porte ilegal de arma de fogo, como também delimitou a amplitude espacial da incidência. Com essa mudança o crime de posse ilegal de arma de fogo, em razão da pena máxima cominada 3 (três) anos deixou de ser tratado como infração penal de menor potencial ofensivo, todavia por ser prevista pena de detenção o crime era passível de fiança perante a Autoridade Policial (Delegado de Polícia). Essa garantia era por força do Art. 322 do CPP que assim prescrevia: “A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples” (Grifou-se). Assim sendo, o infrator, mediante pagamento de fiança, desde que cumprisse outros requisitos legais, restava solto ainda no âmbito da Polícia Judiciária. Quanto à conduta mais gravosa do porte ilegal de arma de fogo, em face da posse irregular, foi descrita no artigo 14 do Estatuto do Desarmamento da seguinte forma: [...] Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa ( Brasil, 2003) (Grifou-se). Comparando-se o art. 14 supracitado com a norma anterior (art. 10 da Lei 9.437/97) que também vedava o porte ilegal de arma e fogo, houve um aumento da pena máxima cominada de 2 (dois) para 4 (quatro) anos, bem como também alterou-se a modalidade de prisão a ser aplicada, passando de detenção – na Lei pretérita – a reclusão na nova Lei. Quanto à alteração na modalidade da prisão para o crime de porte ilegal (art. 14) passando de detenção para reclusão, na prática, mostrou-se relevante até o advento da Lei 32 12.403/11, pois até esse momento quem infringia o citado art. 14 só poderia pedir fiança em juízo, isso porque a autoridade policial só poderia arbitrar fiança nos crimes punidos com detenção ou prisão simples. Esse óbice, todavia, foi alterado através da retrocitada Lei de 12.403/2011 e a partir de então o arbitramento de fiança não se dá mais em face do tipo de pena imposta e sim do tempo máximo cominado, não podendo ser superior a 4 (quatro) anos, que possibilita atualmente ao infrator do art. 14 do Estatuto do Desarmamento prestar fiança ainda em sede da polícia judiciária. Outra importante alteração trazida pela Lei 10.826/03 foi quanto à autoridade competente para expedir o porte de arma de fogo de uso permitido em todo território nacional, que hoje é exclusiva da Polícia Federal (art. 10, caput), enquanto na vigência da Lei 9.437/97, existia a figura do porte Estadual, via de regra, com validade apenas dentro de seus limites territoriais como bem observa Capez (1997, p. 14), ficando a cargo das Polícias Civis dos Estados. Também merece registro a mudança que trouxe a nova Lei de armas em face da idade mínima para aquisição, que na vigência da Lei 9.437/97, art. 21, era de 21 (vinte e um) anos, e mesmo após a vigência do novo Código Civil (Lei 10.406/02), em cujo art. 5° dispõe que a pessoa passa a ser maior de idade com capacidade para praticar todos os atos da vida civil aos 18 anos de idade, manteve-se o marco temporal de 21 anos para efeito de aquisição de arma de fogo. Essa situação foi agravada com a vigência do Estatuto do Desarmamento, pois este, em seu art. 28, fixa idade mínima de 25 (vinte e cinco) anos para que o interessado possa adquirir uma arma de fogo. Há quem entenda, como Franco (2012, p. 148), tal dispositivo com inconstitucional, todavia essa discussão refoge ao interesse do presente estudo. Quanto à impossibilidade de fiança trazida no § único do art. 14 (porte ilegal), o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou pela inconstitucionalidade desse dispositivo, por meio da Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 3112. Segue abaixo quadro comparativo dos dispositivos legais que regulavam e regulam o porte e a posse irregular de arma de fogo, a partir do Decreto-Lei 3.688/41, em face do tipo de infração penal e seu dispositivo na Lei, tempo da pena, do cabimento de fiança, onde prestá-la e se considerada ou não crime de menor potencial ofensivo. 33 Tabela 2: Tabela comparativa das infrações penais e outras em face das leis que a regulavam/regulam. Dec. Lei Contravenções P Lei. 9.437/97 Lei 10.826/03 Posse/Porte Posse Porte Posse Porte Posse Porte Infração Penal Contrav. Contrav. Crime Crime Crime Crime Dispositivo Penal Art. 18 Art. 19 Art. 10 Art. 10 Art. 12 Art. 14 Tipo da Pena P. Simples P. Simples Detenção Detenção Detenção Reclusão Pena Min. – Max. 3m à 1 ano 15d à 6m 1 à 2 anos 1 à 2 anos 1 á 3 anos 1 à 4 anos Infração Menor Pot. Ofensivo NÃO* NÃO* NÃO* NÃO* NÃO NÃO Possibilidade de Fiança ------ ------ SIM SIM SIM SIM Local da Fiança ------ ------ Delegacia Delegacia Delegacia Justiça* 1 1 2 2 3 Fonte: ( BRASIL, 1941), (BRASIL, 1997), (BRASIL, 2003). *1 – Passou a ser infração de menor potencial ofensivo pela inovação legal trazida na Lei 9.099/95 - art. 61 – estabelecendo que todas as contravenções penais deviam ser assim tratadas. *2 – A Lei 11.313/06 alterou o art. 61 da Lei 9.099/95, estabelecendo que infração de menor potencial ofensivo, além das contravenções penais, eram todas aqueles com pena máxima cominada não superior a 2 (dois) anos, enquadrando a posse e o porte ilegal de armas de fogo nessa modalidade. *3 – Passou a poder ser afiançado na Delegacia perante o Delegado de polícia por força da alteração do art. 322 do CPP , através da Lei 12.403/2011, que estabeleceu que a autoridade policial possa arbitrar fiança nos crimes com pena privativa de liberdade máxima não superior a 4 (quatro) anos. 3.3 – Comercialização e aquisição de armas de fogo, renovação periódica e os valores, em reais, envolvidos nesse processo. Relembre-se, que o Estatuto do Desarmamento, em seu artigo 35, previa a proibição do comércio de arma de fogo no território brasileiro, salvo para as entidades previstas no seu art. 6°, desde que aprovada à medida pela sociedade em consulta feita através de Referendo que ocorreu em 23 de outubro de 2005. Com o resultado, a população rejeitou a modificação na lei, assim sendo, a comercialização de armas de fogo de uso permitido passou a ser lícita em todo território brasileiro, atendido critérios estabelecidos, e todo e qualquer cidadão, em tese, tem o “direito” de possuir uma arma de fogo em sua residência e/ou estabelecimento comercial para sua defesa pessoal e de seu patrimônio (REFERENDO..., 2014, on line). Outro objetivo do presente trabalho é fomentar a discussão sobre o efetivo direito que tem o cidadão de possuir uma arma de fogo para proteger a si, a sua família e seu patrimônio, principalmente em decorrência da crescente violência urbana nas cidades brasileiras e levando-se em consideração a condição econômica do interessado na aquisição. 34 A nosso juízo, os valores envolvidos no processo de aquisição, desde a compra da arma à realização dos exames necessários, são significativos e inviabilizam economicamente que grande parcela da população brasileira tenha esse direito garantido, materializado na prática. Para isso é necessário o estudo dos números socioeconômicos do último censo realizado pelo IBGE no ano de 2010. 3.3.1 Aquisição de arma de fogo Comercialização de arma de fogo, como já trouxe o primeiro capítulo, já foi objeto de discussão nacional ainda no ano de 2005, através de referendo que analisou a possibilidade de proibição do comércio e fabricação de arma de fogo em território nacional. Rejeitada a proibição de produção e comércio das armas de fogo em nosso país, passamos a analisar os procedimentos e os valores que envolvem a aquisição de armas de fogo no Brasil. A Lei 10.826/2003 traz os requisitos exigidos para conclusão desse processo, que são I- Idade mínima de 25 (vinte e cinco) anos; II - declarar efetiva necessidade; III apresentar cópia e original da carteira de identidade (RG) e do cadastro de pessoa física (CPF); IV - comprovar ocupação lícita; V - apresentar cópia e original do comprovante de residência certa; VI - comprovar idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal, através da apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral; VII - ter aptidão psicológica para o uso de arma de fogo (Laudo psicológico); VIII - comprovar capacidade técnica para o uso de arma de fogo, através do Laudo de tiro; IX – recolhimento do valor de R$ 60,00 (sessenta reais), através de Guia de Recolhimento da União (GRU). Realizadas essas exigências será autorização à aquisição pela Polícia Federal (AQUISIÇÃO..., 2014, on line ). Um dos problemas a ser superado por quem deseja adquirir uma arma de fogo reside nesse fato – declarar efetiva necessidade – como traz na literalidade o caput do art. 4°, pois que o Decreto 5.123/04, a pretexto de regular a Lei em apreço, trouxe em seu art. 12 a seguinte afirmação: [...] - Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá: I – declarar efetiva necessidade; § 1° A declaração de que trata o inciso I d caput deverá explicitar os fatos e circunstâncias justificadoras do pedido, que serão examinados pela Polícia Federal segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça. 35 Ora, não faz sentido exigir por Decreto regulamentar aquilo que a lei não exigiu, criando óbice que a lei não trouxe, principalmente ficando a mercê de “orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça”, sob o risco da insegurança que isso possa causar, pois de fato por ser um órgão vinculado ao chefe do executivo, pelo menos em tese, deve está alinhavado ao pensamento político desse. Como foi tratado no primeiro capítulo, o próprio Estatuto do Desarmamento trouxe a vedação a fabricação e comercialização de armas de fogo no território brasileiro, e essa posição tinha como um de seus defensores o próprio Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e seu partido, o Partido dos Trabalhadores ainda hoje encontra-se à frente do poder executivo. É de se perceber que nosso atual modelo de representatividade política, via de regra, confunde a vontade do governante da vez com a vontade do próprio Estado, algumas vezes em desfavor inclusive do princípio da impessoalidade. Claro que não é objetivo do presente trabalho querer dar contornos político partidário à análise do estudo, contudo, fez-se necessário a observação acima para melhor se compreender algumas decisões e acontecimentos no campo do direito pátrio, que reverbera na Lei de armas, mesmo porque a própria formação da Suprema Corte é composta hoje de vários Ministros nomeados no governo do PT. Exemplificando o que foi dito, segundo o jornalista Reinaldo Azevedo, na edição eletrônica da revista veja, o que justificou a condição de favorito na escolha a Ministro do STF do atual Ministro Dias Tóffoli foi à proximidade dele com o PT, pois não só já advogou para o partido como para o próprio Ex-Presidente Luiz Inácio (É O CURRICULO..., 2009, on line). Voltando ao fato de ter o Decreto 5.123/04 ter trazido um óbice que a Lei não trouxe, e assim oportunizando uma análise administrativa e de forma discricionária à luz de orientações do Ministério da Justiça acerca da Declaração de efetiva necessidade insculpida, como já foi dito, no caput do art. 4° do Estatuto do Desarmamento, ao arrepio da própria Lei de armas, traz situação irregular, pois se o legislador quisesse vê analisada a efetiva necessidade teria dito comprovar, como o fez noutros dispositivos da mesma Lei, todavia até o presente momento ainda persiste a determinação do que trouxe o § 1°, art. 12 do Decreto em tela. Segundo Franco (2012, p. 54), para o cidadão brasileiro adquirir uma arma de fogo de uso permitido, deve: "[...] além de declarar a efetiva necessidade, atender aos 36 requisitos determinados pela Lei nº 10.1826.”. Seguem abaixo os requisitos e exigências para quem deseja adquirir uma arma de fogo. Sob orientação do art. 6° da Instrução Normativa da Polícia Federal n° 023/2005DG/DPF, de 1 de setembro de 2005, o interessado em adquirir uma arma de fogo obrigatoriamente tem que: comparecer a uma Delegacia de Controle de Armas e Munições – DELEAQ, centralizada em Superintendência Regional, ou a uma Delegacia de PF, ou, em casos excepcionais, ao SENARM/DASP/CGDI, e cumprir as seguintes formalidades: a) ter idade mínima de vinte e cinco anos; b) apresentar o formulário padrão – Anexo I, devidamente preenchido e assinado, com duas fotos recentes no tamanho 3X4, além dos seguintes documentos: I) cópia autenticada de documento de identidade; II) declaração de efetiva necessidade de arma de fogo, expondo os fatos e as circunstâncias justificadoras; III) certidões de antecedentes criminais, fornecidas pelas Justiças Federal, Estadual, Militar e Eleitoral; IV) declaração de que não responde a inquérito policial ou a processo criminal; V) comprovantes de ocupação lícita e de residência certa, exceto para os servidores públicos da ativa; e IV) comprovantes de capacidade técnica e de aptidão psicológica, ambos para manuseio de arma de fogo. Em face do processo de aquisição de arma de fogo, afirma Franco (2012, p. 54): A arma só pode ser adquirida mediante prévia autorização da autoridade policial federal, eis que as autoridades policiais estaduais não mais tem competência para expedir o registro, a autorização para aquisição e porte de arma, sendo esta tarefa de competência exclusiva da Polícia Federal, [...]. Franco referiu-se à Lei 9.437/1997, que estabelecia como competência das Policias Civis Estaduais a autorização e emissão dos registros de arma de fogo no Brasil por meio do Sistema Nacional de Armas (SINARM). Esta competência foi transferida para a Polícia Federal, como dispõe o artigo 1º, da Lei 10826/2003: “O Sistema Nacional de Armas – SINARM, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo território nacional” (BRASIL, 2003). Para firmar esta competência convém citar o § 1º, do artigo 4º da referida Lei do Estatuto do Desarmamento: “O SINARM expedirá autorização de compra de arma de fogo depois de atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a ama indicada, sendo intransferível esta autorização” (BRASIL, 2003). Pelo que já foi exposto, fica claro que quem desejar adquirir uma arma de fogo, terá que se dirigir ao Departamento de Polícia Federal, obedecendo aos requisitos 37 supramencionados, e que uma vez preenchidos deverá receber autorização expedida pela Polícia Federal autorizada pelo SINARM, para a emissão do registro. O prazo para a expedição da referida autorização está previsto no § 6º, do artigo 4º da Lei nº 10.826/2003, sendo de 30 (trinta) dias úteis, contados a partir da data do requerimento do requerente, a qual será deferida ou indeferida, conforme os requisitos legais. 3.3.2 – Emissão do Certificado de Registro Para a emissão do registro, também há necessidade de seguir alguns requisitos, dentre eles cita Franco (2012, p. 54), “[...] Depois de efetuada a aquisição o comprador deverá requerer à Polícia Federal o registro de arma que deverá ser expedido nos termos do §1º, do art. 5º, da Lei nº 10.826/03”. É importante, portanto, seguir os seguintes passos: o requerente deverá ir a Polícia Federal munido do requerimento preenchido; apresentar nota fiscal e autorização expedia pela PF, devidamente preenchida com o nome da empresa destinada a comercialização de arma de fogo, dados da nota fiscal e nome do requerente; e a emissão e pagamento da Guia de Recolhimento da União (GRU), cujo valor atual é de R$ 60,00 (sessenta reais). Vale ressaltar que juntamente com a emissão do registro, será emitida uma guia de trânsito, fornecida pelo mesmo órgão, a qual conterá seus dados pessoais, dados da arma e o percurso da loja credenciada até a residência ou estabelecimento comercial que seja proprietário ou representante legal. A data de validade da guia será atribuída mediante a necessidade de cada requerente. Segundo Franco (2012, p. 55) “A loja só poderá liberar a arma depois de devidamente registrada e cadastrada [...]”, ou seja, conforme a Lei do Estatuto do Desarmamento após a emissão da autorização para compra de arma de fogo, o requerente terá trinta dias, a contar da data de expedição para efetuar a compra da arma, logo em seguida, o requerente entregara os documentos necessários para o registro e o receberá. Somente após todos esses trametes legais que será feita a liberação da arma para o requerente. 3.3.3 – Renovação do Certificado de Registro A renovação de Certificado de Registro deve ser realizada em um período não superior a 3 (três) anos, como determina o artigo 16, em seu § 2º, do Decreto nº 5.123/2004, 38 que regulamenta a Lei 10.826/2004, devendo ser atendidos: " [...] Os requisitos de que tratam os incisos IV, V, VI e VII do art. 12 deste Decreto deverão ser comprovados, periodicamente, a cada três anos, junto à Polícia Federal, para fins de renovação do Certificado de Registro." A obrigação que tem o cidadão de renovar periodicamente o registro de arma de fogo é sem dúvida um óbice, seja pela burocracia envolvida nesse processo, pois se exige todos os exames e documentos quando do primeiro registro da arma, exceto a declaração de necessidade, como também pelos valores pagos na realização desses exames e taxa. Ressalte-se que a Polícia Federal não dispõe de nenhum serviço de aviso que lembre ou informe o proprietário da arma de fogo de que o registro encontra-se em vias de vencer ou já vencido, dessa forma o cidadão tem que está bastante atento ao prazo de três anos, a contar da emissão, sob pena de não renovando o documento em apreço passar a incorrer no crime de posse ilegal, conforme art. 12 do Estatuto do Desarmamento. O processo que envolve a renovação de registro, por ser burocrático e dispendioso, faz com que muitos cidadãos que possuem arma de fogo devidamente registrada deixem de fazer a renovação obrigatória do registro, e conforme aponta documentos da própria Polícia Federal que serão trazidos posteriormente no presente trabalho, somente no Estado do Ceará, milhares de cidadãos, estão em situação desse tipo de irregularidade, passível de ser preso a qualquer tempo. Outra barreira encontrada pelo cidadão cearense é que além da Capital, somente a cidade de Juazeiro do Norte conta com Delegacia de Armas – DELEAQ, da Polícia Federal, visto que o Ceará é composto por diversos municípios e os interessados que não então próximos dessas delegacias terão que se deslocar pelo menos três vezes para aquisição e duas vezes para renovação, gerando mais gastos ao requerente. 3.3.4 – Exames obrigatórios à aquisição de arma de fogo, renovação periódica e seus respectivos valores, em reais. O interessado em adquirir uma arma de fogo, deve arcar com os valores referentes à compra da arma, assim como também o que envolve os exames necessários para efetivar o processo de aquisição. A lei 10.826/03 traz a exigência de dois exames, sendo um de prática de tiro e de manuseio de arma de fogo, e outro de aptidão psicológica. Ambos os exames são requisitos obrigatórios ao processo de aquisição de arma de fogo, e conforme se demonstra na tabela abaixo, os valores envolvidos nesses exames são significativos se comparados a renda média per capta da população brasileira, que segundo 39 dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), conforme conta tabela na p. 41 do presente trabalho, cerca de 50% das famílias brasileiras tem renda média variando de meio salário (R$ 362,00 ) a dois salários mínimos (R$1.448) . Na página eletrônica da Polícia Federal existe a relação dos instrutores credenciados a realizarem exame de capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo no Ceará e nos demais Estados da Federação (INSTRUTORES..., 2014, on line). É possível encontrar também na mesma página a relação de todos os Psicólogos credenciados pela Polícia Federal para a realização dos exames de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo necessários ao processo de aquisição e ao de renovação de registo de arma de fogo (PSICOLÓGOS..., 2014, on line). A tabela abaixo traz os valores envolvidos no processo de aquisição e de regularização de armas de fogo, e o preço, conforme média de três orçamentos em lojas especializadas, de um Revolver, marca Taurus, calibre 38 SPL, Modelo 85 S, Capacidade 05 Tiros, acabamento oxidado. O valor final é de R$ 2.571,33 (dois mil quinhentos e setenta e um reais e trinta e três centavos), cerca de 3,5 vezes o valor do salários mínimos vigente. Tabela 3: Valores, em reais, envolvidos na aquisição e regulamentação de armas de fogo. Tipo de Pagamento Beneficiário Revólver Taurus, Calibre 38 SPL – CAP. 05 tiros Loja de Armas Taxa de Emissão/Renovação de Reg. de Armas União Avaliação Psicológica p/ concessão de registro e/ou porte de arma de fogo. Exame de capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo Psicólogo Valor em R$ 2.270,96 *1 60,00 Instrutor TOTAL R$ 160,37 *2 80,00 *3 2.571,33 Fonte: *1 – Preço Médio (três orçamentos) do Revolver, marca Taurus, calibre.38 SPL, Modelo 85 S, Capacidade 05 Tiros, Acabamento Oxidado *2 - Valor médio, informação constante do ofício 136/ 2014 – DELEAQ/DREX/SR/DPF/CE. *3 - Valor médio, (acrescido custo da munição), informação no mesmo ofício. 3.4 Dados referentes a regularização de armas de fogo de uso permitido no Estado do Ceará e a renda per capita da população brasileira Por meio de requerimento à Polícia Federal registrado sob protocolo n° 08270.024837/2014-80, de setembro de 2014, foram requeridos dados referente ao controle de armas de fogo, cuja resposta se deu na data de 21 de novembro de 2014, com o ofício n° 40 136/2014-DELEAQ/DREX/SR/DPF/CE (cópia em apenso), das quais se pode aduzir, dentre outras informações, que: No período de quatro anos (2010 à 2013) foram deferidas 1.496 autorizações para aquisição de arma de fogo e no mesmo período 195 autorização de portes de armas emitidos aqui no Estado do Ceará. Somente no Estado do Ceará 19.799 armas de fogo encontram-se com registro vencido. Essa é sem dúvida a informação mais preocupante trazida no ofício em apreço, pois que são quase 20.000 (vinte mil) armas irregulares, pela falta de renovação do registro e seus proprietários estão passiveis de serem presos por posse ilegal de arma de fogo (art. 10 do Estatuto do Desarmamento), uma vez que possuir uma arma de fogo com registro vencido equipara-se a quem possui uma arma sem registro, como já foi tratado no segundo capítulo. No mesmo período de 2010 à 2013, foram emitidos aqui no Estado do Ceará 195 porte de armas de fogo O documento em epigrafe traz ainda informações sobre os valores que envolvem os exames necessários a aquisição e renovação do registro de armas de fogo e que foi abordado no segundo capítulo, p. 30. Foi informado ainda os períodos e os dispositivos legais que autorizaram campanhas de anistias que tinham o objetivo a regularização das armas de fogo. Importante ainda dizer que houve informação quanto a quantidade de armas recolhidas no Estado pelas campanhas de desarmamento que visam a entrega voluntaria de armas pelo cidadão, com a contrapartida do Governo Federal de pagamento de valores que variam em face da arma entregue, pois segundo o documento da PF, essa campanha é coordenada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), por meio do programa DESARMA, e os dados coletados não migraram para o sistema SINARM controlado pela Polícia Federal. Impende trazer à baila as informações sobre a renda média mensal das famílias brasileiras constantes do censo de 2010, realizado pelo IBGE, para que se possa comparar com os valores que envolvem a aquisição e regularização de uma arma de fogo e comprovar que esse processo representaria um comprometimento muito significativo para a maioria das famílias brasileiras, uma vez que os dados coletados refere-se à renda familiar. 41 Tabela 4: Renda média mensal das famílias brasileiras constantes do censo de 2010 2003 Mais de 1/2 a 1 salário mínimo 27,4 Mais de 1 a 2 salários mínimos 19,3 Mais de 2 a 3 salários mínimos 6,5 Mais de 3 a 5 salários mínimos 5 2004 2005 27,6 27,8 20,1 21,5 7 7,2 4,8 5,3 2006 2007 27,4 27 22,9 24,3 8,2 8,2 5,9 6,2 2008 2009 26,7 27,2 24,9 24,8 8,7 8,3 6,4 6 Período Abrangência: Brasil - Unidade: Percentual Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. Da análise dos números acima é fácil perceber que cerca da metade das famílias brasileiras está compreendida nas faixas de renda entre mais de ½ a um salário mínimo e mais de um a dois salários mínimos. Como o valor atual do salário mínimo é de R$ 724,00 (setecentos e vinte quatro) reais, em vigor desde 01.01.2014, porém mensagem envida ao Congresso Nacional, muda o valor para 790, 00 (setecentos e noventa) reais, pendente de aprovação; podemos concluir que cerca da metade das famílias brasileiras vive com uma remuneração média mensal variando entre R$ 362,00 (trezentos e sessenta e dois) reais à R$1.448 (hum mil e quatrocentos e quarenta e oito) reais( ORÇAMENTO..., 2015, on line). Convém trazer novamente a tabela com os valores envolvidos no processo de aquisição e regularização de uma arma de fogo constante no segundo capítulo do presente trabalho, para que se possa melhor analisar a relação da renda média mensal das famílias brasileiras X valor de aquisição e regularização de arma de fogo. 42 Tabela 3: Valores, em reais, envolvidos na aquisição e regulamentação de armas de fogo. Tipo de Pagamento Beneficiário Revólver Taurus, Calibre 38 SPL – CAP. 05 tiros Loja de Armas Taxa de Emissão/Renovação de Reg. de Armas União Avaliação Psicológica p/ concessão de registro e/ou porte de arma de fogo. Exame de capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo Psicólogo Valor em R$ 2.270,96 *1 60,00 Instrutor TOTAL R$ 160,37 *2 80,00 *3 2.571,33 Fonte: *1 – Preço Médio (três orçamentos) do Revolver, marca Taurus, calibre.38 SPL, Modelo 85 S, Capacidade 05 Tiros, Acabamento Oxidado *2 - Valor médio, informação constante do ofício 136/ 2014 – DELEAQ/DREX/SR/DPF/CE. *3 - Valor médio, (acrescido custo da munição), informação no mesmo ofício. O processo de aquisição de arma de fogo é burocrático, em face dos exames e requisitos exigidos. Também é oneroso, o que inviabiliza a grande parte da população possuir, se assim desejar, uma arma de fogo devidamente legalizada. Dessa forma, a condição socioeconômica da população é fator decisivo de negação tácita desse direito ou possibilidade jurídica. Não se busca com o presente estudo defender a liberação indiscriminada de posse e de porte regular de arma de fogo, senão lançar um olhar crítico quanto às regras restritivas e proibitivas de aquisição e sua consequente posse, uma vez que a população, consultada por meio do referendo no ano de 2005, posicionou-se a favor da comercialização e aquisição de armas de fogo. Não se mostrar razoável negar um direito que tem a ver com a possibilidade de defesa, ou de legítima defesa da população mediante estabelecimento de taxas e outros encargos envolvidos no processo de aquisição de armas de fogo, pois isso concorre para mais uma desigualdade em face da situação econômica, como já ocorre nas áreas de educação, saúde e lazer, dentre outras. No que no que toca à segurança, o que está em jogo é o bem mais precioso, a vida. 43 4 DIREITO DE DEFESA DO CIDADÃO Inicialmente, é imprescindível que se tenha o cuidado de não confundir o direito material de defesa do cidadão tratado no presente trabalho, com o direito processual que tem aquele que está sendo acusado de um crime de produzir provas, fazer alegações em seu favor, ou seja, utilizar os recursos necessários e legais para defender-se da acusação feita em seu desfavor, decorrente do princípio da ampla defesa, que se traduz no exercício do direito de defesa pelo advogado ou defensor púbico e autodefesa. O direito de defesa aqui referido é, portanto, o direito que tem o cidadão de defender-se da violência, em especial a violência urbana, para garantir sua integridade física, de sua família e de seu patrimônio, todavia, sem fazer uma espécie de apologia ao uso de armas de fogo. Há quem defenda o acesso a armas de fogo como um direito fundamental, é o caso do trabalho monográfico de conclusão de curso de direito (FDA/UFAL) no ano de 2013, pelo formando Victor Hugo Santos de Lira, sob o tema: Vida legitima defesa e segurança: O acesso a armas de fogo como direito fundamental. A linha de abordagem do presente trabalho, no entanto, é discutir as condições permissivas pela legislação vigente e como já foi posto, existe essa possibilidade legal, ao interessado em adquirir uma arma de fogo, perpassando pelas questões financeiras envoltas nesse processo que podem inviabilizar um direito posto. O direito que aqui se aborda está em sintonia com as garantias insculpidas na Constituição e legislação infraconstitucional, da possibilidade de autotuela e a legítima defesa propriamente dita, que serão melhor abordados adiante. Não se está fazendo uma defesa apaixonada ou jurídica do armamento indiscriminado do cidadão, mas se fomentando o debate acerca do poder estatal de cercear a vontade de quem faça a opção pela aquisição de uma arma de fogo como forma de potencializar sua defesa legitima, mormente se esse cerceamento tiver um lastro na condição sócio econômica do interessado. 4.1 Garantias e direitos fundamentais a vida e ao patrimônio De todos os direitos individuais, certamente a vida é o de maior valor, por isso, e em sua defesa a segurança é um dos direitos individuais e coletivos mais consagrados na 44 Constituição Federal, estando presente, inclusive em seu preâmbulo, que pela força e beleza das palavras convém trazer: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1988) (Grifou-se). É certo que o direito a segurança, tem como objetivo resguardar direitos como a vida e o patrimônio, dentre outros, por isso ganhou tanto destaque no texto constitucional, desde seu preâmbulo citado, como também nos Arts. 5° e 6° da Carta Magna. Certamente se pode apontar a segurança com um dos direitos fundamentais mais “assegurados”, ao menos em nível de garantia normativa, sendo tão importante que na divisão clássica de gerações de direitos faz parte de forma bem cristalina dos chamados direito de segunda geração, sob a forma de direitos sociais ou coletivos (BONAVIDES, 2007, p. 564). É claro que a segurança ou o direito à vida não foi negado nos chamados direitos de primeira geração, mas esses se relacionavam muito mais com os direitos individuais de liberdade, caracterizando com um direito de oposição e resistência ao próprio Estado, que no final do XVIII era o principal violador dos direitos individuais, marco histórico do surgimento dessa geração do direito foi o movimento iluminista francês sob o prisma dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade (BONAVIDES, p. 563). A segurança seja do indivíduo ou da sociedade está presente de forma bem clara, nessa segunda geração. Os direitos sociais se estabelecem, e ao contrário da geração que o antecedeu que buscava do Estado um ação negativa, ou seja, um não fazer, aqui o que se vê é uma necessidade e uma exigência da ação positiva de fazer por parte do Estado a bem da coletividade (BONAVIDES, 2007, p. 564). Não obstante essas garantias, a segurança é também um dos direitos mais violados, uma vez que hoje o Estado não consegue garantir a integridade física e o patrimônio do cidadão de forma efetiva. Embora a segurança seja um direito-garantia que não se tenha hoje de maneira eficaz, ainda assim é consolidada em nosso ordenamento e conforme constitucionalista Bonavides (2007, p. 527), cita Juan Carlos Rébola, para esse, depois de afirmar que as garantias funcionam em casos de desconhecimento ou violação do direito, arrematou dizendo: 45 “O fracasso da garantia não significa a inexistência do direito; suspensão de garantias não pode significar supressão de direitos”. O artigo constitucional 144 traz o rol dos órgãos responsáveis para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, dentre elas e já no inciso primeiro traz a Polícia Federal. Tal instituição passou a ter um importante papel no controle de autorização para aquisição e porte de arma de fogo, principalmente após o Estatuto do Desarmamento, sendo hoje o único órgão a conceder essa permissão estatal para o cidadão comum. Há aqui uma clara colisão de garantias que de um lado pesam em favor do cidadão por outro em favor da instituição, no caso Polícia Federal. Nesse campo sensível de um suposto antagonismo de interesses, Bonavides (2007, p. 537) leciona: “a garantia constitucional é uma garantia que disciplina e tutela o exercício dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege, com a proteção adequada, nos limites da Constituição, o funcionamento de todas as instituições existentes no Estado”. O direito a posse de uma arma de fogo não garante necessariamente a vida ou o patrimônio de ninguém, todavia, a negação dessa direito pode deixar em desvantagem aquele que se sinta ameaçado, mesmo porque as campanhas de restrições a armas de fogo, mormente só atingem os cidadãos de bem, e isso não é fato recente, pois já no século XVIII, Cesare Beccaria (2005, p. 95), assim já observava, afirmando que essas proibições acabavam por deixar as armas apenas nas mãos de quem era habituado violar as convenções, ou seja, as Leis. 4.2 Violência Urbana No mês de novembro de 2014, foi lançado o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que trouxe a sociedade através da edição de 2014, alguns números preocupantes que envolvem a violência em todos os Estados brasileiros, e esses números repercutiram pelos meios de comunicação, até porque a segurança pública hoje é certamente uma das maiores preocupações do brasileiro. É imperioso ainda que se traga a taxa de urbanização, em especial a partir da década de 80, segundo o IBGE. É possível perceber a concentração urbana da população brasileira, o que só potencializa o problema da violência, dita urbana (TAXA, 2014, on line). 46 Tabela 5 –Taxa de urbanização no Brasil Período Taxa de urbanização 1980 67,59 1991 2000 75,59 81,23 2007 83,48 2010 84,36 Abrangência: Brasil - Unidade: Percentual Fonte: IBGE. Feito o registro da taxa de urbanização, registre-se que o Anuário trouxe nos chamados dados gerais, (pag. 6), a preocupante notícia: A cada 10 minutos, uma pessoa é assassinada no país. Números assustadores como esses, mortes/hora, também foram retratados no ano de 2014 no Estado do Ceará em campanha publicitária por de outdoor na capital cearense, patrocinada pelo Sindicato de Policiais Civis de Carreira do Estado do Ceará -SINPOL/CE, conforme notícia a página eletrônica do jornal Diário do Nordeste em sua edição de 13/02/2014 (Sindicato da polícia civil revela dados da violência em outdoors espalhados por Fortaleza) (SINDICATO..., 2014, online). Dos números trazidos pela publicação supramencionada, uma das informações mais divulgadas pela imprensa nacional diz respeito aos casos de mortes praticados pelas polícias, bem como a de policiais mortos nesse mesmo período, principalmente em comparação com a polícia americana nesse mesmo período. Segundo o anuário, no Brasil ao longo de cinco anos (2009 à 2013) foram mortos 11.197 pessoas; somente em 2013 houve um média de 6 mortes por dia praticada pelas polícias; enquanto nos Estados Unidos da América, um número aproximado de 11.090 vítimas da ação policial só foi alcançada em cerca de três décadas 1983 à 2012 (ANUÁRIO. 2014, p. 6). Fica claro que a ação repressiva policial no Brasil é bastante violenta, podendo ser reflexo dos casos em que são vítimas os policiais, que segundo ainda o aludido estudo somente no ano de 2013 foram registradas 490 mortes violentas de policiais, totalizando a soma de 1.170 policiais vitimados nos últimos cinco anos. Observa-se que das mortes de policiais 75,3%, ocorreram fora de serviço, enquanto 81,8% do total de mortes foram cometidas quando esses profissionais estavam em serviço, oportunizando-nos afirmar que a 47 polícia brasileira mata mais em serviço e morre muito mais estando o policial de folga (ANUÁRIO, p. 6). Na tentativa de diminuir os números de mortes nas abordagens em ações policiais, há tramitando o PLS 190/2014 (Projeto de Lei no Senado), que visa disciplinar o uso de força por agentes dos órgãos de segurança pública, bem como altera o Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941, prevendo inclusive a gravação, em áudio e vídeo, de abordagens pelos agentes de segurança (PROJETOS..., 2014, on line). Ainda em relação aos números trazidos pelo Anuário, esse aponta uma relação entre morte de policias de folga e a realização de outra atividade profissional, o chamado “bico”, como se define quando o policial realiza um serviço fora de sua atividade policial (ANUÁRIO, 2014, p. 38). As informações constantes na publicação em apreço são bastante diversificadas, contabilizando desde o custo da violência, segurança pública, prisões e unidades de medidas socioeducativas estimada em R$ 258 bilhões de reais, a divisão da população carcerária por crimes (49% por crimes contra o patrimônio, 25% por envolvimento com drogas e 12% relacionados a homicídio) (ANUÁRIO, p. 7). Outros números bastante difundidos são os CVLI, que por definição correspondem aos crimes violentos letais intencionais representados por: Homicídios dolosos, latrocínio e lesão corporal seguida de morte – (ANUÁRIO, p. 30); essa definição também é adotada pela Secretaria de segurança pública e defesa social do Estado do Ceará - SSPDS. O livro Mapas da Violência 2013 traz também os números de crimes de morte com a utilização de arma de fogo no período compreendido entre os anos de 2000 à 2010, no Brasil e no Ceará. O lapso temporal alberga a entrada em vigor da Lei 10.826/2003, onde se pode facilmente verificar uma ligeira diminuição no país do registro desse crime a partir do ano 2004, voltando a aumentar de forma sistemática após o ano 2007. (MAPAS, 2013, on line) Segundo ainda a publicação, os registros do SIM, ou seja, da proibição do comércio de armas e munições no Brasil, permitem verificar que, entre 1980 e 2010, perto de 800 mil cidadãos morreram por disparos de algum tipo de arma de fogo. Nesse período, as vítimas passam de 8.710 no ano de 1980 para 38.892 em 2010. (ANUÁRIO, p. 9) 48 Tabela 6 : Mortes por arma de fogo no período de 2000/2010 BRASIL CEARÁ 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 30.86 33.40 34.13 36.11 34.18 33.41 34.92 34.14 35.67 36.624 36.792 5 1 0 5 7 9 1 7 6 696 706 815 908 959 1.068 1.136 1.316 1.428 1.645 2.118 Fonte: I – Livro Mapas da Violência 2013, pag. 11. II – Livro Mapas da Violência 2013, pag. 32. Os números trazidos pelo Livro mapas da violência 2013 e pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014, certamente fomentarão uma discussão sobre a segurança pública que se tem e a que se deseja, e como dispõe o próprio documento: “se alguém tinha dúvidas de que falar de segurança e paz significa pensar em um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil, os números da edição 2014 do Anuário elucidam quaisquer interrogações sobre a prioridade política que o tema deve ganhar nos próximos anos” (ANUÁRIO, 2014, p 6). O trabalho conclui afirmando que: O Brasil vive hoje um de seus momentos mais desafiadores na área de segurança pública, como atestam os dados relativos à violência apontados por este Anuário. Não à toa, a preocupação do brasileiro com o tema vem crescendo, tendo alcançando o posto de segundo maior problema do país, atrás apenas de saúde, de acordo com pesquisa do Datafolha (ANUÁRIO, p. 144). Pode-se apontar vários fatores concorrendo para a crescente onda de violência, que passam pela questão das legislações penais e processuais penais, estruturação dos órgãos policiais e jurisdicionais, até a falta de investigação pela polícia judiciária que segundo o Advogado e ex-presidente da OAB Secção Ceará, Cândido Albuquerque, no Ceará “representa carta de alforria para os assaltantes”, ou seja, alimenta a violência (POLÍCIA..., 2014, on line). As causas do fenômeno de violência no Ceará é apenas uma das faces do complexo problema que envolve desde a carência de educação, distribuição de renda, serviços públicos de qualidade, desestruturação familiar, dentre outros. No entanto, não é objeto do presente trabalho. As informações trazidas no presente tópico tem apenas o condão de auxiliar na compreensão do que pretende o objeto: discutir a necessidade/possibilidades de forma isonômica o cidadão brasileiro ter uma arma de fogo legalizada em sua posse, caso entenda necessário, para sua defesa e proteção. 4.3 Autotutela 49 Encontra-se no ordenamento jurídico alguns exemplos autotutela dos cidadãos, em que ele exerça esse direito, inclusive com o uso da força se necessário e com os meios moderados, sem que primariamente peticione ao poder judiciário, com é o caso do direito de greve previsto na Constituição Federal de 1988 em seu art. 9º; manter-se na posse ou restituir-se em caso de turbação ou esbulho fundamentado no Código Civil, em seu art. 1.210, § 1° e a legítima defesa, trazida pelo Código Penal, no art. 25, inciso II. Há quem se posicione contra o desarmamento por afetar a eficiência da autotutela, quando atribuída ao direito de sobrevivência, defesa e autopreservação que é uma faculdade indubitável, arraigada ao instinto do ser humano. E natural à tendência de conservação da vida, posicionando a autotutela como recurso antecedente ao direito posto e às leis (JORIO, 2005, on line). A autotutela confunde-se com o fazer justiça com as próprias mãos, aqui na acepção de antecipar a prestação jurisdicional pelo Estado que tem o dever, de dizer o direito, e aplicando a norma jurídica ao caso concreto. Somente na ausência de permissão legal é que a conduta de fazer justiça com as próprias mãos é criminalizada. Sob o poético título de exercício arbitrário das próprias razões, art. 345 do Código penal, o legislador assim expôs: “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite. Pena de Detenção de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.” (BRASIL, 1940). É indiscutível que nos casos albergados pela autotutela, o próprio Estado reconhece que alguns direitos individuais do cidadão são tão relevantes que sua defesa não pode, por exemplo, esperar uma ação inicial do aparelhamento estatal, policial e/ou jurisdicional, ou o deslinde de um devido processo legal. Dessa forma é legítimo o comportamento de quem busca defender um direito natural e primário que é a vida, principalmente sob o prisma da ineficiência estatal em garanti-la por mais de um sistema de segurança pública eficiente, assim como é legal e legítimo o poder do Estado em regular a vida em sociedade, através das leis, coibindo alguns comportamentos individuais em favor da coletividade. Nesse ponto de encontro entre o direito individual de defender-se e o poder/dever estatal de proteger a coletividade, utilizando-se de normas legais, ou seja, do direito posto, com o fito de controlar e/ou coibir condutas individuais, em tese atentatória à segurança coletiva, o Estado fundamenta-se no próprio direito. Nesse sentido, aponta Fernando coelho no prefácio da terceira edição de sua obra Teoria Critica do Direito, “o direito é a expressão 50 normativa da ordem social, o mais eficiente instrumento de controle das condutas individuais.” Mas não basta que algo esteja na lei para ser validado socialmente. O direito deve ser legítimo, e legitimidade nas palavras de Coelho (2003, p. 505), pressupõe consenso mais ou menos generalizado, ao passo que legitimação é a tecnologia da obtenção desse consenso junto aos membros do grupo. Considerando-se uma sociedade dividida em classes e a consequente existência de grupos hegemônicos em seu interior, a legitimidade articula-se com o poder e com a dominação. Diante do que já foi exposto até o presente momento fica a pergunta: Será que existe um consenso na sociedade sob o tema – direito a posse e porte de arma de fogo pelo cidadão para sua defesa – ou o Estado está na verdade impondo sua vontade no que diz respeito à legislação de armas, a revelia do anseio social, ainda que o faça a pretexto ou a título de defendê-la? Como dito, não cabe reproche o noção segundo a qual a autotutela é de fato uma garantia albergada pelo nosso ordenamento jurídico em casos específicos, e a legitima defesa é com certeza um desses exemplos, que será tratado no próximo tópico. O pretexto de reduzir o número de crimes envolvendo uso de armas de fogo, o Estado acaba por de certa forma tolher o direito que todo ser humano tem em especial o cidadão cumpridor de suas obrigações, de defender a si, sua família e seu patrimônio, sem que o Estado cumpra com sua obrigação constitucional de promover uma segurança pública eficiente. Mais grave ainda é a segregação pelo viés do poder econômico. 4.4 Legítima Defesa Pode-se assegurar que o instituto da legítima defesa é uma das causas excludentes da ilicitude de um fato típico, sendo uma reação legitima, ou seja, autorizada pelo direito, que tem como base o animus defendedi, com previsão legal no art. 25, inciso II, do Código Penal brasileiro, que assim dispõe:“[...] Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou eminente, a direito seu ou de outrem” (BRASIL, 1940). Segundo Mirabete (2007, p. 244), a legítima defesa está fundamentada na teoria objetiva, que a considera como um direito primário do homem de se defender de uma agressão. Prevê a lei essa causa de justificativa desde que preenchidos seus requisitos legais. 51 A norma pela permissiva, ou a causa de exclusão da ilicitude está prevista no artigo 23 do Código Penal e assegura não haver crime se o agente age em legítima defesa, assim com também se age em estado de necessidade ou em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. A legítima defesa só se legitima contra agressão atual, seja por já ter se iniciada ou em iminência de se desencadear, segundo ainda (MIRABETE, 2007, p. 249), não ocorre a descriminante contra a agressão presente em futuro remoto, ou que já tenha cessado suas causas. Também é necessário para que ocorra a legítima defesa que a agressão seja injusta. Para uma correta incidência da legítima defesa é essencial que o uso dos meios necessários seja suficiente para repelir a injusta agressão, evitando assim cometer o excesso na defesa, uma vez que os excessos são puníveis, conforme dispõe o próprio art. 23, parágrafo único. Não existe, todavia, uma forma prévia de aferição dos meios utilizados, ficando isso a cargo da análise das provas no caso concreto. É possível ainda que a legítima defesa se dê em face de terceiros, ou de forma putativa, essa quando o agente supõe, por erro, que está sendo agredido injustamente, entretanto, para sua correta configuração, é necessário que se excluísse o erro, sejam respeitados os demais requisitos da legítima defesa (MIRABETE, 2007, p. 261). 52 5 CONCLUSÃO O trabalho buscou mostrar que no Brasil há estabelecidas políticas públicas de desarmamento do cidadão sendo essa orientação norteada inclusive por organismos internacionais, como a ONU. Ainda na década de 90, ocorreu IX Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, com a edição da Resolução n. 9, que trouxe como título: “Controle de armas de fogo para fins de prevenir a delinquência e garantir a segurança pública”. Nessa linha, as políticas públicas ou programas governamentais hoje, na prática, impõem obstáculos ao cidadão que deseje ter uma arma regularizada para sua defesa. Para uma melhor compreensão do tema, fez-se um resumo histórico do surgimento das armas de fogo e de sua produção no Brasil; conceitos envolvendo armas de fogo e munição; o início da indústria bélica brasileira e os dispositivos de lei que trataram e tratam das questões de comercialização e das condutas proibidas que envolvam o porte e a posse de arma de fogo, desde o Decreto Lei 3.688/1941 ao advento do Estatuto do Desarmamento em vigor. Não se busca defender a liberação indiscriminada desse comércio, mesmo porque posicionar-se a favor ou contra a essa liberação prescinde de um estudo mais aprofundado e complexo, que deve envolver não somente a ciência do Direito, o que reduziria, portanto, a intenção do trabalho. O que merece relevo é a aparente situação antagônica estabelecida: o Estado não consegue por em prática políticas públicas de segurança eficazes, contudo fomenta o desarmamento da população civil como meio de diminuir os casos de violência. Outro ponto nodal reside na situação posta a(os) interessado(s) em adquirir e regularizar uma arma de fogo para sua defesa, principalmente para a posse domiciliar. Embora essa possibilidade exista por força da Lei, acaba não se efetivando na prática para grande parcela da população, por questões de ordem burocráticas e financeiras. Também merece relevo nesse tema a participação e decisão soberana da população que, chamada a responder se era a favor da proibição da comercialização de armas de fogo e munição no Brasil, por meio do referendo no ano de 2005, respondeu não em sua maioria, ou seja, se manifestou a favor da manutenção da comercialização das armas de fogo e munições, e segundo argumentavam os responsáveis pela campanha do NÃO, tratava-se da manutenção de um direito de autodefesa ou legítima defesa. 53 Não obstante essa decisão popular, o Estado continuou na sua linha de posicionamento de desarmar o cidadão de bem e assim o faz por meio de campanhas de entrega voluntária de armas de fogo e implementando políticas que dificulta o acesso a quem deseje ter uma arma de fogo regularizada para sua defesa. Uma dessas políticas, sem dúvida, é a exclusividade da Polícia Federal como órgão autorizado a registrar e conceder porte de armas de fogo no país. Convém lembrar que dos 184 municípios no Estado do Ceará, somente Fortaleza e Juazeiro do Norte possuem delegacias de armas da PF. Nesse contexto, o oficio n° 136/2014 da Polícia Federal traz um número preocupante, somente no Estado do Ceará, 19.799 (dezenove mil, setecentos e noventa e nove) armas estão com registros vencidos, o que implica dizer que seus proprietários estão incorrendo na conduta criminal de posse irregular de arma de fogo, art. 12 da Lei 10.826/2003. Também requer um olhar com cautela a tramitação no Senado Federal do PLS n° 176/2011, de autoria do Senador Cristovam Buarque, que tem o fito de, violando a decisão popular via referendo supracitado proibir o comércio de arma de fogo e munições no País. Essa discussão enfrentada no presente trabalho ganha ares de importância diante do momento de violência urbana pelo qual passa a sociedade brasileira desde o final da década de 80, cujos números foram trazidos do livro Mapas da Violência 2013 e do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014. O que está em cheque então é o vigente modelo de segurança pública, e o que se deseja é que o Estado possua mecanismos eficazes de proteger adequadamente vida de cada um dos brasileiros. Ressalte-se ainda que um problema tão complexo como o da violência prescinde mais do que edições de normas proibitivas de certas condutas, ou de majoração de penas cominadas, exigindo-se esforços não somente dos que lidar com o saber jurídico, a violência, certamente requer mais do que nunca um combate sistêmico e multissetorial; sobretudo numa sociedade complexa e desigual como ocorre no Brasil. 54 REFERÊNCIAS Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000. Dá nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Brasília, DF. Decreto nº 5.123, de 1° de julho de 2004. Regulamenta a Lei 10.826/03, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM e define crimes. Brasília, DF. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF, Senado, 1940. Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Brasília, DF, Senado, 1941. Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. Institui o Sistema Nacional de Armas – SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá outras providências. Brasília. DF, Senado, 1997. Lei nº 9.099, de 6 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Brasília, DF, Senado, 1995. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília, DF, Senado, 2003. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Coleção A Obra Prima do Autor – São Paulo: Martin Claret, 2005. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed. - São Paulo: Malheiros, 2007. CAPEZ, Fernando. Arma de Fogo: Comentários à Lei n. 9.437/97, de 20-02-1997 / Fernando Capez. – São Paulo: Saraiva, 1997. COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito / Luiz Fernando Coelho. – 3. Ed.rev.,atual. E ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. FRANCO, Paulo Alves. Porte de Arma: aquisição, posse e porte; obtenção, posse e porte ilegais; estatuto do desarmamento/ Paulo Alves Franco – Campinas, SP: Servanda Editora, 2012. MARCÃO, Renato. Estatuto do Desarmamento: (anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 10.826, de 22-12-2003) / Renato Marcão. – 3. 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