Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual 57 Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual • Prof. Dr. João Gilberto S. Carvalho * com Carolina F. Ramos**, Munyck A. Borges***, Angela P. Passidomo****, Patrick B. Gomes***** Resumo: O artigo propõe uma discussão teórica acerca do conceito de esfera pública e de sua inserção na Teoria das Representações Sociais, ramo da Psicologia Social que, grosso modo, se ocupa com “o quê” e “como” as pessoas pensam. Trata-se da fase inicial de uma pesquisa mais ampla que objetiva caracterizar a atividade de representação no contexto virtual (ou cibercultura). O conceito de esfera pública foi revisitado e considerado defasado em sua formulação original, constatandose a necessidade de reno-vação de seus fundamentos básicos, ou mesmo de sua substituição, face às demandas de um mundo em que as novas tecnologias fazem parte do cotidiano. Palavras-chave: esfera pública, representação social, mundo virtual. Abstract: The paper proposes a theoretical discussion about the concept of public sphere and its insertion into the Social Representations Theory, a branch of Social Psychology that broadly deals with “what” and “how” people think. This is the initial stage of a larger study that aims at characterizing the activity of representation in the virtual context (or cyber culture). The concept of public sphere was revisited and considered outdated in its original formulation, confirming the need for a renewal of its basic foundations, or even their replacement, face to the demands of a world in which new technologies are part of everyday life. Keywords: public sphere, social representation, world virtual. * Prof. Dr. João Gilberto S. Carvalho, Doutor em Psicologia (UFRJ), Mestre em Educação (UCP). Professor do IFRJ e da Universidade Veiga de Almeida; ** Carolina F. Ramos (Psicologia, UVA); *** Munyck A. Borges (Psicologia, UVA); **** Angela P. Passidomo (Psicologia, UVA); *****Patrick B. Gomes (Especialização, UFF) • Artigo Decipher me or I will eat you: The social representation in the virtual world 58 ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72 Introdução Este artigo compõe uma pesquisa mais ampla, que investiga as características predominantes da atividade repre­ sentacional no chamado “mundo virtual”. A expressão é uma dentre as muitas denominações utilizadas para caracterizar um tempo de transformações que tem, como elemento central, as novas tecnologias de informação e comunicação. Trata-se de uma discussão teórica sobre os conceitos básicos que norteiam a Psicologia calcada nas representações sociais. A pesquisa está em andamento, mas a análise teórica apresenta resultados que podem ser compartilhados para receber subsídios da comunidade acadêmica envolvida na temática. Admite-se, aqui, o papel fundamental da esfera pública na manutenção e criação de representações sociais – o conjunto de saberes e conhecimentos que permeiam a vida social. Mas, como pretendemos demonstrar, a formulação original, de inspiração habermasiana, requer um trabalho de atualização, pelo menos para sua utilização de forma ade­quada pela TRS (Teoria das Representações Sociais). 1. Representações sociais: unidade de pensamento (social) Existem muitas definições para o conceito de representação, como a que segue: A representação é um processo fundamental da vida humana; ela subjaz o desenvolvimento da mente, do Eu, da sociedade e da cultura. Representar, isto é, tornar presente o que está de fato ausente por meio do uso de símbolos, é fundamental para o desenvolvimento ontogenético da criança, está na base da construção da linguagem e da aquisição da fala, é crucial para o estabelecimento das inter-relações que constituem a ordem social e é o material que forma e transforma as culturas, no tempo e no espaço (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 33). A metáfora do teatro é utilizada por Chartier (1990) para caracterizar o trabalho de representação, na mesma linha de raciocínio da citação: tornar presente o ausente, representar. Em uma peça, os espectadores sabem que o ator tem uma vida que não se confunde com a da personagem, é apenas uma interpretação, por melhor que venha a ser. O sentido vago e misterioso deste “ausente” tem sido o calcanhar de Aquiles das teorias que têm, em sua base, a representação – ou pelo menos assim enxergam os seus críticos. Tais críticas são destacadas por Leme (1995) e Castro (2002) e servem de guia para entendermos a evolução do conceito na teorização de seu criador, Moscovici, ao longo de suas quatro décadas de existência. É preciso distinguir o significado usual da palavra representação e o conceito de representação social, pois, nesse como em outros casos, a polissemia não contribui para a compreensão do conceito. Por representação social entendemos a base simbólica que dá organização, significado e inteligibilidade à existência humana; criada e mantida por meio de interações diversas – econômicas, comunicativas, políticas, culturais Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual ou, simplesmente, relações sociais. Em termos psicossociais, expressa a síntese cognitiva que ocorre entre pessoas e seu mundo, considerado em termos históricos e culturais; utiliza a bagagem simbólica das gerações, nutre e se alimenta da memória, da história e do imaginário social. Assim, ao contrário das abordagens citadas anteriormente, acreditamos que esteja sempre presente e seja real para todos que a compartilham no cotidiano. Um mundo oculto, do qual a representação seja apenas um epifenônemo, existe apenas nas filosofias de cunho idealista ou religioso, que não deixam de gerar, paradoxalmente, representações sociais. A representação social é um conceito sobre o qual foi erigida uma teoria que embasa pesquisas e análises em diversas áreas do conhecimento humano. Um objeto amplo, pois as pessoas precisam explicar, entender, expressar, participar, crer, compartilhar, sentir, dentre outras muitas necessidades que podem ser sintetizadas em uma palavra só: viver. E, é preciso deixar claro, utilizamos convictamente o termo “pessoas”, atentos às recomendações de Maffesoli quanto ao significado de “indivíduos”. Em suas palavras: “O individualismo é um bunker obsoleto, e como tal merece ser abandonado (1998, p. 14)”. O conjunto de saberes ou conhecimentos necessários à vida em sociedade, eis a representação social: “Todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações” (MOSCOVICI, 2003, p.40). É, portanto, o amálgama que confere normalidade às relações e sentido às comunicações en- tre as pessoas. Ao assumir o postulado durkheimiano de que a sociedade tem autonomia em relação aos seus componentes, aos quais precede e sucede, Moscovici atribui à representação social o papel de ambiente de pensamento (ibid., p. 53) e conclui: a sociedade pensa. Pois bem, se já era difícil para os cientistas que consideram a sociedade meramente o somatório de indivíduos aceitarem a existência autônoma dos fatos sociais, imaginemos sua repulsa diante da premissa de uma sociedade pensante! No extremo desta abordagem, Maffesoli (1998) utilizou a expressão “divino social” para caracterizar o modo como a sociedade se sustenta e se reproduz: um poder demiúrgico derivado da exterioridade que possui em relação aos seus membros. Virou praxe dizer “o todo não se confunde com as partes, a molécula da água não tem as mesmas propriedades que o hidrogênio e o oxi­ gênio possuem separadamente” e assim por diante. A sociedade tem, portanto, uma lógica própria. Esse é o esforço de toda a teorização de Durkheim, a ponto de estabelecer condicionamentos so­ciais para um fenômeno que seria apenas de âmbito individual, o suicídio. Na Psicologia Social, Vala (1993) sintetizou de forma criativa as diferentes correntes, divididas a partir de três focos: 1) ênfase no indivíduo; 2) ênfase na sociedade; 3) tentativa de conciliação ou superação por meio da síntese das anteriores. Historicamente, a oposição entre o micro e o macro tem sido um problema fundamental para as Ciências Humanas. Trata-se de uma polêmica que não se limita ao campo epistemológico, 59 60 ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72 pois há outros interesses envolvidos. O simples fato de constantemente vir à baila indica que a dicotomia é significativa. O nosso ponto de vista vai ao encontro daqueles que acreditam que a sociedade está na base de todos os processos formativos e simbólicos – não poderia ser de outra forma, pois comparti­ lhamos muitos dos princípios epistemológicos da TRS, ancorados em uma modalidade sociológica de Psicologia Social. Voltemos ao que nos interessa: a afirmação de que a sociedade tem sua dinâmica própria não percebida, direta ou imediatamente, por seus integrantes. A tradicional distinção conceitual entre conjuntura e estrutura (BRAUDEL, 1992) vai ser útil para ilustrar a dinâmica, a maturação dos processos sociais ao longo da história. O tempo impõe demandas, alimenta utopias, provoca rompimentos ou abre cicatrizes. A longa duração é a temporalidade das estruturas, a “história lenta”, imperceptível para os seus agentes diretos, e somos, aqui, tentados a oferecer, por analogia, a condição de marionetes às pessoas, sempre movidas por forças praticamente ocultas. A curta duração é a conjuntura, o tempo imediato e presente daqueles que o compartilham. Não nos cabe revisar aqui a controvérsia historiográfica e sim destacar que, em qualquer temporalidade considerada, os significados da vida em sociedade não são entendidos facilmente pelas pessoas comuns. As pessoas estão imersas em seus interesses imediatos – o resultado do exame médico, o traje adequado ao passeio, o pagamento das contas, o destino do país, a vida do vizinho que mora ao lado, o que há de novo no cinema – disso se trata, enfim, do cotidiano de bilhões de pessoas. Um número infinito de situações que não geram manchetes ou são edificantes e passam, muitas vezes, longe daquilo que hoje se convencionou chamar de “politicamente correto”. É na temporalidade que se produz e reproduz tanto a sabedoria quanto o disparate; a sentença adequada ou a ignorância descabida, submersas e interligadas à história que estudamos nos bancos escolares, circunscritas à micro história ou ao conjunto de fatos que ocorrem em pequena escala e, de imediato, só interessam ao grupo. Em síntese, o cotidiano supõe a existência de uma base consensual (senso comum) que viabilize a convivência, não obstante as constantes fissuras provocadas por pontos de vista e interesses divergentes (MOSCOVICI & DOISE, 1991). Historicamente, o senso comum foi associado à ignorância, algo que os peritos, na acepção crítica de Giddens (1991, p. 34), precisam combater e o fazem em nome da ciência. A TRS resgatou o senso comum, demons­ trando tratar-se de um processo psicossociológico fundamental à convivência em sociedade, ao qual nem os cientistas estão imunes. Outra teorização interessante a respeito está na proposição de Goffman (2011) por uma “sociologia da ocasião”, mas foge ao escopo do artigo avançar em sua teorização. Podemos, então, concluir que o cotidiano e o senso comum são os requisitos básicos das representações sociais: comunicar, orientar, informar e formar. São o produto da interação diária entre pessoas que, muitas vezes, entram em conflitos agudos em períodos de tur- Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual bulência. Assim definidas, as representações sociais ganham centralidade em todo o trabalho de cognição humana, do mais prosaico ao mais sofisticado conhecimento socialmente produzido. Divididas em relação à ordem instituída em hegemônicas, polêmicas e emancipadas (CASTRO, 2002), revelam “como” e “no que” as pessoas pensam. Revelam, em última instância, o pensamento da própria sociedade. O cotidiano é a temporalidade do senso comum; este, o amálgama de conhecimentos do presente e do que se aprendeu com as gerações passadas, a partir das memórias coletiva e social. Não deixa de ser paradoxal: o presente é visto com olhos do passado, reflexão que nos remete mais uma vez à Moscovici (2003, p.38): “Sob muitos aspectos, o passado é mais real que o presente.” Ao elegê-los como seu objeto principal (o senso comum e o cotidiano), a abordagem de Moscovici colaborou para retirar da Psicologia Social a ênfase no indivíduo, permitindo pesquisas de cunho genuinamente psicossocial e histórico. É preciso deixar claro: por psicossocial se entende a síntese entre as pessoas e o seu mundo; a dimensão psicológica e socio­ lógica construídas, simultaneamente, a partir de experiências compartilhadas. Um bom exemplo é o clássico de Denise Jodelet, Loucura e Representações Sociais (JODELET, 2005). Em linhas gerais, nesta obra, a autora discute a representação social da loucura tal como é cons­ truída na pequena cidade francesa de Ainay-le-Chateau, a partir da ação do governo de inserir doentes mentais na comunidade. Talvez não fosse necessário discutir aqui, e de forma tão enfática, a representação social, pois existem boas teorizações a respeito. Howath (2006, p. 7), por exemplo, nos oferece um panorama do que a representação social “faz”, tendo como parâmetro as pesquisas de seus mais conhecidos autores. E não o fizemos para atender a praxe de apresentar o conceito. A nosso juízo, a TRS já encontrou o seu espaço e não precisa mais estar em constante defensiva; a multiplicação de estudos em diferentes áreas é um atestado de sua importância (ARRUDA, 2005, p 60). Em nossos estudos, observamos o desdobramento da abordagem inicial de Moscovici: teorização exaustiva presente em trabalhos caracterizados pelo rigor científico, resvalando, algumas vezes, ao excessivo empirismo. É possível discernir, de acordo com a abordagem, pelo menos quatro “chaves” para se entender o fenômeno da representação social: “como” – ênfase nos processos de ancoragem e objetivação; “por que” – em que se privilegia o núcleo central a partir de bases quantitativas; “quando” – abordagem que leva em consideração a história; e, finalmente, “onde” – o lócus da atividade de representação e que, a nosso ver, a condiciona. E foi Sandra Jovchelovitch quem se preocupou em abordar esse “onde” é realizada a atividade de representação – o espaço em que a representação se torna de fato social. Então, se a ancoragem e a objetivação são processos sócio-cognitivos centrais ao processo de estabilização face às novidades criadas pela vida em sociedade, em que espaço tais fenômenos ocorrem? Em praças, repartições públicas, bares, teatros, ca- 61 62 ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72 fés – e aduzimos: blogs, chats, celulares, redes sociais, entre tantos outros espaços dedicados à comunicação. Trata-se de um desdobramento óbvio: se a sociedade pensa e esse pensamento produz a representação social, onde o fenômeno ocorre? Ao reconhecermos que este “meio” é fundamental, devemos considerá-lo historicamente, o que nos conduz a outra questão: de que forma a representação social é condicionada? Em relação ao pensamento humano, é fácil responder: o cérebro abriga a intensa atividade dos neurônios. Ainda que não seja clara a relação entre mente e cérebro, o pensamento individual ocorre na cabeça, a partir de conexões neurais (TEIXEIRA, 2000). Tal questão nunca foi problema para a Psicologia Social centrada no indivíduo (não nesse nível). Mas, a partir do momento em que a Psicologia Social assumiu de fato a sua natureza social, a próxima pergunta seria: Qual é o lócus da atividade que tem como produto a representação social? Sandra Jovchelovitch buscou tal resposta. 2. Representações sociais: conexão de pessoas A TRS é uma modalidade da Psicologia Social que tem procurado trans­ cender a dicotomia indivíduo e sociedade. Isso é válido mesmo no termos da abordagem que privilegia o núcleo central: “o ponto de partida desta teoria é o abandono da distinção clássica entre sujeito e objeto” (ABRIC,1998, p. 27). A intenção é entender como os grupos pensam, isto é, como lidam, no dia a dia, com as demandas criadas pela vida em sociedade. Sandra Jovchelovitch percebeu a importância dos espaços em que as representações nascem e circulam, achando no conceito de “esfera pública” a base de sua teorização, a ponto de ter um livro exclusivo sobre o assunto (JOVCHELOVITCH, 2000). Coube a Habermas (1984) uma longa reflexão sobre a esfera pública e sua gênese. Ele demonstrou como o crescimento dos locais destinados aos encontros públicos foi proporcional à ascensão dos mercados e à transformação das artes, letras e espetáculos em mercadorias – foi, acrescentemos por nossa conta, um processo que correu paralelamente à consolidação dos Estados Nacionais. A preocupação de Ha­ bermas com a esfera pública faz parte de um projeto mais amplo e ambicioso: a fundamentação do “agir comunicativo” (HABERMAS, 1989). Coerente com seu trabalho de superação da razão instrumental, o filósofo alarga os horizontes de seu marxismo dos tempos iniciais da Escola de Frankfurt e teoriza acerca das possibilidades de emancipação social, diga-se, do capitalismo, a partir de processos comunicativos e racionais. O projeto da modernidade, a seu ver, não estaria esgotado e, assim, Habermas utiliza a racionalidade weberiana associada às condições da vida urbana – eis a esfera pública. Em síntese: a esfera pública é a expressão da racionalidade iluminista, em que o debate e a troca de ideias permitem o esclarecimento – o que, no pensamento liberal, se chama democracia. Em apoio ao argumento, recorde­mos o circuito da fofoca no século XVIII, em torno da árvore da Cracóvia, “um grande Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual e frondoso castanheiro que se erguia no coração de Paris” (DARNTON, 2003, pp. 41-42), sob o qual se informavam os súditos sequiosos por escândalos e histórias picantes, a despeito da ira do rei. A esfera pública é, assim, herdeira dos parâmetros de sociabilidade desenvolvidos nas cortes, sendo, por assim dizer, seu correspondente burguês. Nos termos habermasianos, são espaços de reprodução do capitalismo e da divisão da sociedade em classes, nos quais as diferenças de status são visíveis. É nesse conceito que Jovchelovitch (1994, p. 65) vai buscar a chave de gestação das representações sociais: “a esfera pública, enquanto lugar de alteridade, fornece às representações sociais o terreno sobre o qual elas podem ser cultivadas e se estabelecerem”. E indica as críticas feitas tanto ao modelo de Habermas, como as dirigidas por este ao modelo liberal, concluindo que a esfera pública transcende o exercício exclusivo da política. Tal questão foi levantada de outra forma por Moscovici & Doise (1991, p. 31): “Por que é que os indivíduos em conjunto são diferentes daquilo que seriam isoladamente, a ponto de não ser possível prever as suas reacções a partir do momento em que são integrados numa multidão, numa reunião política, etc.?” É a questão central para uma Psicologia Social centrada nas representações sociais: a química que reúne os homens num amálgama capaz de se sobrepor às individualidades – o campo por excelência do que se entende por social. Moscovici não utilizou o conceito de esfera pública em seu estudo seminal de representações sociais, mas ele estava, entretanto, im- plícito na formulação de uma questão como esta: “[...] de onde extraíram nossos informantes seus conhecimentos da Psicanálise? Quais são as suas fontes de informação?” (MOSCOVICI, 1978, p.92). A esfera pública é o lócus do senso comum, o espaço de compartilhamento no qual é sedimentado o consenso ou promovido o dissenso; o lugar em que pessoas se reúnem e conversam sobre coisas de seu interesse (res pu­blica) ou, simplesmente, tomam ciência das novidades e do que é adequado aos costumes – do “politicamente correto”, assim dizemos hoje em dia. Jovchelovitch, assim, define (2000, p. 82): “A vida pública, com suas instituições específicas, seus rituais e significados, é o topos no qual as representações sociais desenvolvemse e adquirem existência concreta”. O conceito de esfera pública não é exclusivo ao campo das representações sociais, pois basta inseri-lo no Google e cons­ tatar a resposta expressiva. É utilizado, por exemplo, por Lazzarini (2011, p. 15), em rigorosa obra de economia que trata do que chama de “capitalismo de laços” no Brasil. Está subjacente às reflexões da historiadora Margareth Rago sobre os códigos de sexualidade feminina e a prostituição paulista (RAGO, 2008). O debate sobre a esfera pública ganhou destaque por ser essencial à compreensão dos temas ligados à cidadania no mundo contemporâneo, isto é, às demandas da globa­lização: a de­ cadência do homem público nos termos de Sennett (1988) ou a fragmentação típica da pós-modernidade de Bauman (1999). 63 64 ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72 3. Mundo virtual: uma nova esfera pública byte a byte Não faz muito tempo, discutia-se a importância da informática para os diversos segmentos da vida em sociedade. Na educação, por exemplo, a questão era saber se os computadores deveriam ser introduzidos na escola e em que condições. Na época, Valdemar Setzer (1998) alertava-nos quanto aos malefícios da informática na educação infantil. Um pouco antes, a Escola de Frankfurt se contrapunha ao otimismo dos teóricos da “cultura de massa.” Entre estes últimos, Fleur, na década de 1960, afirmava: “A sociedade moderna, urbana e industrial, não poderia existir como sistema social sem a comunicação de massa. Ela se tornou uma parte profundamente aceita das principais instituições sociais” (FLEUR, 1976, p. 13). Os críticos do sistema capitalista associaram a expansão dos meios de comunicação à dinâmica de reprodução do capital. Também é verdade que há vozes dissonantes em cada uma das posições citadas, é bom destacar, porque generalizações nem sempre são precisas ou justas. Por exemplo, Habermas (1989) se mostrava “otimista” quanto às possibilidades de um “agir comunicativo”, como já dissemos acima, enquanto a preocupação de Merton & Lazarsfeld (2005) girava em torno dos efeitos “narcotizantes” da mídia. A controvérsia entre “apocalípticos” e “integrados”, para utilizar os termos consagrados por Humberto Eco, que grosso modo opõe os partidários e os críticos das mídias (ECO, 1970), agora tem como ponto central o computa- dor e a internet. As novidades trazidas pelo “virtual” estão entre os principais agentes de mudança do mundo (pós) mo­derno. Quanto a isso, é importante estarmos atentos às recomendações de um de seus mais ilustres analistas, Pierre Levy. Ele nos previne sobre a ina­ dequação do termo “impacto” para nos referirmos a ação das novas tecnologias, como se fossem um fenômeno externo e não um componente do desenvolvimento da própria sociedade (LEVY, 2007, p. 6). Coerente com essa posição, não atribui à base material uma função determinante nesse processo, rompendo, desta forma, com a clássica dicotomia entre técnica/tecnologia e cultura: “Las relaciones verdaderas no se dan pues entre ‘la’ tecnología (que sería del orden de la causa) y ‘la’ cultura (que sufriría de los efectos), sino entre uma multitud de actores humanos que inventam, producen utilizan e interpretan diversamente umas técnicas” – (Id, p.7). Para os elementos simbólicos digitais, Levy cunhou o termo “cibercultura”; enquanto à base material, ao conjunto de artefatos e infraestrutura que compõem esses meios, chamou de “ciberespaço”. Tais neologismos se incorporaram ao número crescente de palavras que servem para designar as mudanças que possuem no computador a alavanca mestra. E, mesmo que sejam lembrados outros artefatos eletrônicos, como a câmera digital ou o telefone celular, é o computador que merece atenção prio­ ritária entre os estudiosos, já que sua linguagem é o ponto de partida para os demais equipamentos. Uma perspectiva mais ampla enxerga as novas tecnologias dentro Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual de um quadro histórico dos processos comunicativos. Assim, historiadores como Briggs & Burke (2004) associam o crescimento do fluxo de comunicação à expansão do comércio, que demanda estradas, instalações e equipamentos voltados ao controle e mensuração. É fascinante imaginar os laços que existem entre a indústria, o comércio e a comunicação, percebendo desta forma a conexão entre ferrovias, bicicletas, automóveis, aviões, telégrafos, telefonia, enfim, a “rede” no sentido empregado por Castels (1999). Imprensa, cinema, rádio, televisão e, agora, computadores, cada qual a seu tempo e modo, foram apontados como pontos de ruptura, agentes de mudanças sociais significativas e causadores de alvoroço entre apocalípticos e integrados. Segundo Lull (1992), por exemplo, a televisão foi o grande polo de mudanças que transformou a burocrática China no gigante econômico da atualidade, embora seja possível encontrar outro agente revolucionário, como o transistor, dependendo da ótica de quem ana­ lisa (BRIGGS & BURKE, 2004). O mundo estaria de “pernas para o ar”. Discute-se: o papel do Estado e seu futuro; a família e suas novas composições; a fragmentação identitária; a ascensão de nações antes consideradas exóticas, como a China e o nosso Brasil; enfim, o tipo de sociedade criado ao longo da modernidade estaria em vias de transformação. Com efeito: As discussões sobre modernidade e pós-modernidade ganharam destaque nos últimos anos por conta das transformações que assistimos em praticamente todos os segmentos da vida em sociedade. A consolidação de um padrão de vida civilizado representou, na prática, a criação de um “outro” não-civilizado – exótico, bárbaro, primitivo, atrasado – não importa o termo, pois na prática este “ou­ tro” podia ser dominado, eliminado ou escravizado. As cruzadas que se realizaram em nome da Cruz se transformaram nas muitas guerras travadas em nome dos ideais de civilização e progresso. A sofisticação dos discursos, das mercado­rias ou ainda a potência das armas tornaram o referido padrão um modelo a ser copiado e seguido, quando não, imposto. No limite entre a argumentação ideológica e o cinismo, aqueles que foram exterminados ou escravizados deveriam ser gratos aos seus opressores. Na atualidade, a emergência do “outro” é visível na nova configuração de poder mundial, que enseja abordagens e pesquisas ins­tigantes e demolidoras de velhos preconceitos (CARVALHO, 2011, p. 101). A longa citação faz parte de outro trabalho de nossa autoria em que são discutidas as possibilidades abertas no campo das pesquisas em Ciências Humanas face às transformações em curso. Há a impressão de que os conceitos não mais correspondem à realidade, não obstante sua profusão, para não dizer emaranhado, superposição, confusão. Algumas coisas mudaram visivelmente, outras não; sem contar que novas tradições são criadas dentro da dinâmica da globalização (GIDDENS, 2003), outro termo usual que tenta 65 66 ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72 dar conta do que está acontecendo. A máquina de escrever e o computador, a máquina fotográfica que utiliza filmes e a digital, o velho e o novo coexistem – mas os primeiros estão destinados ao fim, ainda que não se saiba exatamente quando, pouco importa, pois, do ponto de vista da lógica baseada no consumo, há espaço para todas as gerações de mercadorias. Segundo Lipovetsky, o consumo se transformou em hiperconsumo – a característica de um tempo baseado na customização e na superficialidade. Aliás, a leitura de sua obra nos sugere outro neologismo, “sociedade hiperbólica”, por conta dos muitos exageros que marcam o que o filósofo citado denomina a terceira fase do consumo. Na civilização do desejo, os novos atores são o acionista e o consumidor (LIPOVETSKY, 2006, p. 7), sendo o consumo elevado à condição de núcleo das formações identitárias no espaço antes ocupado pela religião e pela política (id, p.38) . Autores como Lipovetsky, Bauman (1998) e Giddens (1997) estudam exaustivamente a chamada sociedade pós-moderna e, tanto o consumo, como a modernidade líquida ou a sociedade reflexiva têm na comunicação um multiplicador comum. Em sentido amplo, a comunicação é vital à existência das sociedades baseadas em fluxos, sejam eles mercadoria, ideias ou informações. Desde o século XIX, a noção de totalidade está presente no trabalho de diferentes pensadores. A ligação entre os interesses econômicos, políticos, religiosos e sociais tornou comum os conceitos de modo de produção, sistema social, sociedade em rede, entre outros, mas que se apresentam ocultos ao homem comum, semelhante ao que o marxismo denomina fetichismo da mercadoria. A comunicação tornou transparente a natureza holística da relação social desde que McLuhan (2005) consagrou a expressão “aldeia global”. As mídias visual, auditiva e digital compôem o palco da “sociedade do espetáculo” (DEBORD, 1997): da “cultura de massa” ao “ciberespaço”, algumas décadas apenas criaram transformações tão profundas nos processos comunicativos que tornaram ultrapassadas algumas das antevisões consagradas nos filmes de ficção científica do passado. Os recursos digitais trouxeram a concepção de um mundo virtual em que a ilusão e a realidade – hiper-realidade (ECO, 1984) convivem ou há destruição (e sobreposição) do real (BAUDRILLARD, 2001)? É evidente que o computador alterou não apenas as rotinas do dia-a-dia, como pagar uma conta ou se comunicar com alguém distante, mas também alterou os mecanismos de produção de pensamento social e suas representações. Os espaços de discussão coletiva, característicos do século XIX, foram transformados radicalmente no mundo contemporâneo, face às novas tecnologias. Multiplicaram-se os meios de manifestação e troca de ideias, sejam elas consideradas positivas (“politicamente corretas”) ou não pelos “especialistas”. O mundo virtual estreitou os relacionamentos a tal ponto que “aldeia global” tornou-se uma expressão modesta. Na atualidade, pessoas desco­ nhecidas tornam-se celebridades ins­ Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual tan­tâneas no Youtube, enquanto opi­ niões circulam nos blogs e celebridades se misturam aos “reles mortais” nas redes sociais. Propomos um exercício de imaginação, pensar nas consequências em setores dominados antes pela figura do “especialista”: pacientes que chegam aos consultórios já informados previamente sobre seus problemas e, até, sobre possíveis soluções por meio de uma simples consulta ao Google; alunos que se antecipam aos conteúdos ministrados pelo professor – exemplos rápidos para situações desconcertantes que ocorrem no dia a dia. 4. Esfera pública: ressignifcação ou abandono? Em relação à esfera pública, nossa premissa é clara: o conceito teve vitalidade para a compreensão das representações sociais, mas está defasado porque o mundo passou por grandes transformações. Além de praças, esquinas, feiras, escolas, igrejas, enfim, espaços tradicionais de reunião entre pessoas, há também novas possibilidades de trocas e encontros no mundo virtual. Mas, o que é mundo virtual? Não se trata de uma estratégia capitalista de alienação das massas – se é que alguém já acreditou sinceramente nisso um dia. Pierre Levy procurou analisar os muitos significados do termo “virtual”, refutando a ideia comum que o associa à irreal­idade e nos ensina que o digital é sua expressão técnica (LEVY, 2007, p.32). Assim, concluímos que, tal como nos espaços tradicionais, abriga e põe em circulação valores e crenças compartilhadas, sendo um campo au- têntico de representação social. Hoje, é possível aprender, conversar e se divertir pelo computador com gente do mundo inteiro – e também praticar sexo, reverenciar os mortos, participar de grupos diversos, entre muitas outras formas de sociabilidade pouco convencionais. Assim, a palavra de ordem atual é conexão; televisão e rádio estimulam a participação online de seus espectadores, que passam a fazer parte da equipe de jornalismo por meio de denúncias, fotos, registros de fatos relevantes ou simples comentários a respeito de uma partida de futebol. A queda do ditador egípcio foi promovida, em grande parte, por uma população árabe usuária de Facebook e do Twitter. Nem mesmo o mais ferrenho tradicionalista pode fugir completamente às novas tecnologias digitais, ainda que em suas modalidades mais simples – algo como passar um e-mail ou enviar uma mensagem pelo celular, por exemplo. Na verdade, o computador integra um sistema dinâmico que inclui celulares, tocadores de música, câmeras fotográficas e aparelhos baseados na conexão. Mas é preciso levar em consideração que, em países de grande desigualdade social, como é o caso do Brasil, não há acesso à internet ou às tecnologias para todos. Como falar de compras online a milhões de habitantes que recebem um salário mínimo? Em relação ao proble­ ma, foi criado um termo alentador: “inclusão digital” – estratégia educacional para acabar com o “analfabetismo digital” – uma demanda prioritária do mercado de trabalho na “era do co­nhecimento”. Os destaques em negrito expressam o tripé sobre o qual o 67 68 ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72 capita­lismo pós-moderno é assentado: tecnologia, conhecimento e inovação. Belos termos que podem receber, na teorização de Bauman (2010), o nome de capitalismo parasitário. Independen­ temente dos adjetivos e da veia crítica de seus analistas, a sociedade está em transformação e a “esfera pública digital” tornou-se tão importante quanto os processos tradicionais. Não há mais como se pensar a esfera pública exclusivamente nos termos do século XIX. As tecnologias criaram novos tipos de sociabilidade que influenciam, decisivamente, o trabalho de representação em todos os níveis (individual e coletivo) e a mídia, hoje, nas palavras de Guareschi (2009, p. 81), “é como o ar que respiramos, como a água para o peixe. É a alma da nossa sociedade”. Jovchelovitch (1994, 2000, 2008) utilizou o conceito de esfera pública para caracterizar os ambientes em que a representação social se torna presente – e o fez em sentido “físico”. Fiel ao postulado habermasiano, ela destacou os espaços nos quais pessoas se encontram tête-à-tête e dialogam, pensam sobre o que ouvem, negociam o que podem dizer. Mas o conceito de esfera pública precisa levar em conta o novo contexto criado pelos recursos multimídias. Historicamente, o advento da televisão e do rádio não se contrapôs ao enfoque clássico da esfera pública, uma vez que a interatividade entre telespectadores e ouvintes não era tão visível, ainda que tais mídias tenham se firmado como importantes veículos de comunicação social. Hoje, o computador promove a interatividade em todos os níveis, pois a Web é bidirecional. Do cidadão que faz uma foto de um acidente e o põe, imediatamente, nas redes sociais a agressão ocorrida em um canto qualquer do pla­ neta e que gera milhares de visualizações e comentários no Youtube: o que era anônimo é, agora, publicizado e retocado para ser exposto “em tempo real”, para colher elogios e críticas, veladas ou expressas publicamente. A sociedade do espetáculo transformou-se na sociedade da computação gráfica, o que leva a antropóloga e comunicóloga Paula Sibilia a se perguntar como, em tempos de Web 2.0, a intimidade é transformada em “extimidade”, outro neologismo para dar conta do que a autora caracteriza como “mutação na produção de subjetividades” (SIBILIA, 2008, p. 79). Em termos sintéticos: o que leva alguém a se expor em uma rede social? Segundo Nicholas Carr, o que está acontecendo na atualidade é muito mais inquietante do que a simples mudança de comportamentos. O tipo de interação realizada na Internet favorece a fragmentação dos estados de atenção e fortalece um grupo de neurônios diferente daqueles que são acionados pela leitura tradicional, profunda e li­ near (CARR, 2011). O autor nos alerta quanto às consequências decorrentes da substituição do livro pelo computador e sua conclusão é sombria: “Dúzias de estudos de psicólogos, neurobiólogos, educadores e web designers indicam a mesma conclusão: quando estamos online entramos em um ambiente que promove a leitura descuidada, o pensamento apressado e distraído e o aprendizado superficial” (ibid., p. 162). Por outro lado, entre os que acreditam serem positivas as mudanças, destacam-se os as- Decifra-me ou te Devoro: A Representação Social no Mundo Virtual pectos lúdicos e interativos do mundo virtual. Mas não podemos nos esquecer daqueles que se beneficiam financeiramente de um mercado que movimenta cifras expressivas e seus “especialistas” – defensores ardorosos de sua profissão. Um exemplo notório: a velocidade geométrica com que a geração de iPho­ nes foi comercializada, a despeito da propalada crise econômica atual. As vendas de notebooks, netbooks, tablets e celulares de última geração, entre ou­ tros engenhos digitais, não são guiadas pelos debates entre “especialistas” e, assim, invadem, cada vez mais, o nosso cotidiano, pois, como diz Gitlin (2003, p. 54), “viver é estar conectado”. A esfera pública, enquanto espaço de negociação simbólica, teve valor heurístico para a psicologia centrada na representação social. Porém, é preciso incorporar as transformações causadas pelas tecnologias de informação ou simplesmente abandonar o conceito. O mundo não é mais o mesmo e a “cultura da virtualidade real”, para utilizarmos os termos de Castels (1999, p. 415), está na base de estruturas sociais organizadas em “rede”. A sociedade informacional (e não de informação) se utiliza de um “novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital” (CASTELLS, 1999, p. 40). Assim, de um lado a globalização subverte os interesses nacionais e a territorialidade dos processos de produção, de outro as comunidades virtuais ampliam, igualmente, as possibilidades de formação de laços de pertencimento. O crescimento do ciberespaço, segundo Pierre Levy, é a expressão de uma inteligência coletiva (LEVY, 2007, p. 96) e, de nossa parte, é tentador estabelecer uma ponte entre essa vontade de saber – do que faço agora pelo Twitter, Instagram e outros aplicativos – e os mecanismos de controle social. Como pensar a esfera pública sem levar em conta que: Se é muito provável que os poderes sociais, nas democracias do século XXI, não venham a cair de novo nas ruas, como sucedeu na Europa e na América durante as fases cruciais em que foram constituídos os espaços públicos burgueses, dificilmente se negará que estes não deixarão de andar muito pela Web (ou pela Grid) [...] (ROSAS, 2010, p. 118). Paralelamente à fragmentação identitária das comunidades virtuais, a esfera pública se estilhaça em microespaços caracterizados por uma pluralidade de manifestações descentralizadas. Um bom exemplo é a democratização trazida pela “blogosfera”, capaz de romper com o unilateralismo dos peritos e expressar, de fato, os interesses da sociedade, principalmente aqueles que jaziam sob a pressão do que é consi­ derado “politicamente correto”. Na verdade, como aponta Rodrigues (2006), as novas mídias têm reagrupado as identidades fragmentadas. Então, se a modernidade foi o tempo da exclusão, na atualidade, todos os que não tinham voz e vez podem se manifestar, nem que seja em uma lan house. As novas mídias derrubaram fronteiras e encurtaram o tempo de comunicação. O que nos leva a crer que, em relação a TRS, a dinâmica de ancoragem e objetivação já não é 69 70 ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 57-72 mais a mesma que ao tempo de sua formulação original. 5. Considerações finais Ao longo do artigo, procuramos problematizar o conceito de esfera pública a partir de seu uso na TRS e, como dissemos logo de início, trata-se de uma discussão teórica que faz parte de um projeto de investigação empírica. Assim, o que aqui chamamos de considerações finais são apenas reflexões iniciais de uma caminhada longa. A “Esfinge” que nos motivou a pesquisar a relação entre as novas tecnologias de informação e comunicação e as representações sociais vai aguardar mais um pouco. A esfera pública é uma dimensão vital para os saberes forjados no senso comum – a modalidade de conhecimento que se tornou predominante na modernidade. Ou seja, os espaços onde possam circular crenças, valores, ideias, afetos e informações são essenciais à Psicologia centrada na representação social. Não se trata apenas da mera ampliação de espaços – de incluir, entre cafés, teatros e bares, os chats, blogs, redes sociais, entre outros recursos das mídias digitais. A hipótese aqui defendida é a de que os novos espaços criados pela Web influenciam diretamente a representação social. O virtual e o real estão imbricados de tal forma que inclusão digital e cidadania digital, por exemplo, figuram entre as prioridades de estudiosos e autoridades públicas em geral. Então, no estudo dos processos de formação de subjetividades há que se considerar este novo ambiente de pensamento no qual o virtual é uma das facetas da realidade. Referências ABRIC, Jean-Claude. A Abordagem Estrutural das Representações Sociais. In: MOREIRA, Antônia Silva Paredes & OLIVEIRA, Denize Cristina de. (Org.) Estudos Interdisciplinares de Representação Social. 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