Gravidez em Portadoras de Cardiomiopatia Periparto

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Avila e cols
Gravidez em portadoras de cardiomiopatia periparto
Arq Bras
Cardiol
Artigo
Original
2002; 79: 484-8.
Gravidez em Portadoras de Cardiomiopatia Periparto.
Estudo Prospectivo e Comparativo
Walkiria Samuel Avila, Maria Elisa Carneiro de Carvalho, Cleide K. Tschaen, Eduardo Giusti Rossi,
Max Grinberg, Charles Mady, José Antonio Franchini Ramires
São Paulo, SP
Objetivo - Analisar a evolução de gestantes portadoras de cardiomiopatia periparto e comparar à cardiomiopatia idiopática.
Métodos - Acompanhamos 26 gestantes (28,4±6,1
anos) com cardiomiopatia dilatada, sendo que 18 apresentavam cardiomiopatia periparto [11 com persistência da
disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (FE%=45,2±2)
e 7 com recuperação prévia da função ventricular (FE%=
62,3±3,6)] e, as 8 restantes, cardiomiopatia idiopática
(FE%=43,5±4,1). Recomendou-se durante o pré-natal
restrição das atividades físicas e dieta hipossódica e hospitalização quando da ocorrência de complicações.
Resultados - Das 26 pacientes, 11 (42,3%) alcançaram o parto sem complicações; 9 (35,5%) com complicações cardíacas, 6 (22,2%) com complicações obstétricas.
Ocorreram 2 (7,7%) óbitos. Houve 2 gestações pré-termo e
26 recém-nascidos saudáveis (2 gemelares); ocorreram 2
abortos espontâneos. A taxa de complicação cardíaca durante a gestação foi menor (p<0,009) no subgrupo cardiomiopatia periparto sem disfunção ventricular e maior
(p=0,01) no subgrupo idiopática em comparação com periparto com disfunção ventricular. Não foram identificadas modificações significativas da fração de ejeção
ventricular esquerda (p<0,05) do pós-parto, quando
comparada a da gravidez, nos 3 subgrupos.
Conclusão - Gravidez em pacientes com cardiomiopatia dilatada está associada à morbidade materna.
Função ventricular esquerda é determinante do prognóstico e deve ser parâmetro no aconselhamento de nova
gravidez em portadoras de cardiomiopatia periparto.
Palavras-chave:
cardiomiopatia periparto, gravidez, complicação materna, complicação fetal
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP
Correspondência: Walkiria Samuel Avila – InCor – Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 –
05403-000 – São Paulo, SP – E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 13/8/01
Aceito em 7/11/01
A cardiomiopatia periparto é uma doença rara, de etiologia desconhecida, que acomete mulheres em idade reprodutiva
e sua incidência está relacionada ao ciclo gravídico-puerperal.
As hipóteses sobre sua causa concentram-se na interação
fisiológica da gestação e do puerpério com fatores inflamatórios, infecciosos, genéticos, hormonais e metabólicos 1-3.
Os critérios diagnósticos da cardiomiopatia periparto
incluem a insuficiência cardíaca no último mês de gestação
ou nos cinco meses imediatamente após o parto, na ausência de causa determinante ou de doença cardíaca pré-existente,4 e disfunção sistólica demonstrada por rebaixamento
da fração de ejeção (FE) e/ou da fração de encurtamento do
ventrículo esquerdo demonstradas pelos critérios ecocardiográficos 5.
Os estudos 6-8 sobre a história natural da cardiomiopatia periparto estimam que pouco mais da metade dessas
pacientes apresenta regressão da disfunção ventricular,
enquanto que cerca de 25% evoluem para óbito em três meses por insuficiência cardíaca, arritmias ou tromboembolismo e, as demais, desenvolvem cardiomiopatia dilatada.
Sob esse aspecto, a evolução da gravidez subseqüente à cardiomiopatia periparto permanece controversa: a persistência da disfunção ventricular impõe elevado risco de
complicações e morte materna; por outro lado, a recuperação da função ventricular não assegura o bom prognóstico
da futura gestação, além de haver hipóteses sobre a recorrência da doença, descrita como rebaixamento de FE e manifestação de insuficiência cardíaca, no período periparto 9,10.
Os objetivos deste trabalho foram estudar a evolução
clínica e obstétrica da gestação em mulheres com diagnóstico prévio de cardiomiopatia periparto, avaliar os fatores que
se associam ao prognóstico e comparar com a evolução das
portadoras de cardiomiopatia dilatada idiopática.
Métodos
No período de 1990 a 1998 foram acompanhadas 26
gestantes, portadoras de cardiomiopatia dilatada, durante o
pré-natal no Instituto do Coração (InCor), 18 delas de etiologia periparto (cardiomiopatia periparto) e oito idiopática
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(cardiomiopatia idiopática). Entre as 18 pacientes com cardiomiopatia periparto, 11 apresentavam persistência da
disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (FE = 45,2±2%),
enquanto que sete mostraram recuperação da função ventricular (FE= 62,3±3,6%), previamente à gestação em estudo.
A média da FE no grupo de cardiomiopatia idiopática foi de
43,5±4,1%. O diagnóstico de cardiomiopatia e a classificação
em periparto e idiopática seguiram os critérios adotados
pelo Comitê da Organização Mundial de Saúde, definidos
em 1980 e modificados em 1996 11, e foram realizados por
exames clínico, ecocardiográfico, hemodinâmico e/ou histológico.
A média de idade das pacientes com cardiomiopatia
periparto e disfunção ventricular foi 26±7 anos, das sem disfunção 26±6,1, e das com cardiomiopatia idiopática 29,5±6,2
(tab. I). Com exceção de duas pacientes, uma com cardiomiopatia periparto e outra com cardiomiopatia idiopática, as demais iniciaram a gravidez em classe funcional I/
II ( NYHA) e todas tinham história de insuficiência cardíaca
e rebaixamento da FE ao ecocardiograma.
Vinte pacientes apresentavam alterações eletrocardiográficas (distúrbio de condução de ramo direito, extra-sístoles supraventriculares e ventriculares, sobrecarga de câmaras esquerdas), distribuídas igualmente entre os grupos
com disfunção ventricular (tab. I).
Nas pacientes com cardiomiopatia periparto, o tempo
transcorrido entre a instalação da doença e a gestação em
estudo foi, em média, 52,6 meses para aquelas que recuperaram a função ventricular e 55,8 meses para as demais.
A assistência pré-natal incluiu: consultas periódicas
integradas com cardiologista e obstetra, eletro e ecocardiogramas de controle durante a gestação e três meses após o
parto. Recomendamos restrição das atividades físicas e dieta hipossódica a partir do 2º trimestre e hospitalização quando da ocorrência de complicações cardíacas ou obstétricas.
Foram mantidos os fármacos de ação cardiovascular prescritos anteriormente à gestação em estudo, como digital,
diuréticos e antiarrítmicos, exceto os inibidores da enzima
de conversão da angiotensina II e os dicumarínicos, substituídos respectivamente por hidralazina e heparina, de acordo com as Diretrizes de Cardiopatia e Gravidez da Sociedade Brasileira de Cardiologia 12.
Oito pacientes engravidaram usando captopril, suspenso na primeira consulta pré-natal, na maioria dos casos
durante o 1º trimestre da gestação, e quatro mantiveram
amiodarona durante a gestação, considerada essencial para
o controle da arritmia.
As análises da incidência de eventos clínicos (insuficiência cardíaca, tromboembolismo, arritmia cardíaca e morte) e das modificações do eletrocardiograma e da FE antes e
após o parto foram realizadas pelos cálculos dos valores mínimos, máximos, médios e desvios-padrão, para as variáveis
quantitativas, e tabelas de freqüências absoluta e relativa,
para as qualitativas. A análise comparativa considerou três
subgrupos: cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular, cardiomiopatia periparto sem disfunção ventricular e
cardiomiopatia idiopática; foram utilizados os testes de χ2
Pearson para a análise da classe funcional, alteração eletrocardiográfica, uso de medicação e complicação maternofetal, o exato de Fisher e o t Student para as variáveis idade,
fração de ejeção e óbitos materno e fetal. O valor da probabilidade menor que 0,05 foi considerado significativo.
Resultados
A evolução clínico-obstétrica encontra-se na tabela II.
Entre as 26 pacientes, 11 (42,3%) alcançaram o parto sem
nenhuma intercorrência; nove (35,5%) tiveram complicações cardíacas e seis (22,2%) complicações obstétricas.
Entre as complicações cardíacas, oito foram por insuficiência cardíaca, duas por taquicardia ventricular sustentada e
uma por tromboembolismo. Houve duas mortes maternas:
uma relacionada a abortamento retido, infecção e insuficiência cardíaca em portadora de cardiomiopatia idiopática e
outra relacionada à insuficiência cardíaca em cardiomiopatia
periparto com disfunção ventricular. As complicações obstétricas foram: dois abortos espontâneos, um caso de diabetes gestacional e três casos de infecção urinária. Houve 26
recém-nascidos vivos saudáveis, incluindo dois gemelares,
sem malformação relacionada à cardiopatia materna ou ao
tipo de terapêutica utilizada.
Durante a gestação sete pacientes não utilizaram
nenhum medicamento de ação cardiovascular, enquanto 21
necessitaram de fármacos, como digital, hidralazina, heparina e/ou amiodarona para prevenção ou tratamento das
complicações.
A análise comparativa entre os três subgrupos, quanto a idade, paridade e classe funcional no início da gestação
Tabela I - Características das 26 gestantes portadoras de cardiomiopatia
Etiologia
CMP (11)
FE < 55%
CMP (7)
FE > 55%
CMI (8)
Idade
(anos)
∆T
FE (%)
1
Paridade
2
>3
I
CF (NYHA)
II
III
IV
Alteração ECG
Sim
Não
26 ± 70
55,8
45,2 ± 2
0
4
7
1
9
1
0
9
2
26 ± 6,1
52,6
62,3 ± 3,6
0
4
2
2
5
0
0
2
5
29,5 ± 6,2
36,6
43,5 ± 4,1
3
0
5
1
6
1
0
4
4
CMP- cardiomiopatia periparto; CMI- cardiomiopatia dilatada idiopática; DT- tempo transcorrido entre a doença e a gestação em estudo; FE - fração de ejeção ventricular
esquerda; CF- classe funcional no início da gestação; NYHA- New York Heart Association; ECG- eletrocardiograma.
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Tabela II - Evolução clínica e obstétrica de 26 gestantes portadoras de cardiomiopatia
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Idade
Etiologia
FE (%)
28
26
31
35
16
36
26
25
26
19
38
24
23
27
23
28
15
30
29
41
31
23
23
36
38
33
CMI
CMPNL
CMI
CMPNL
CMPDV
CMPDV
CMPDV
CMPDV
CMPNL
CMI
CMI
CMPNL
CMPDV
CMPDV
CMPNL
CMI
CMPNL
CMPDV
CMPNL
CMPDV
CMI
CMPDV
CMPDV
CMI
CMI
CMPDV
29
58
32
75
43
41
51
41
69
54
33
59
48
44
56
35
60
50
59
44
57
53
38
50
33
44
Complicação materna
Peso RN
Aborto retido/óbito/ICC
Diabetes
ICC
Síncope/arritmia
ITU
Aborto
FE (%) PP
3090
3380
3580
3870
3150
2220
3060
3520
2900/2910
3680
2860
3260
3110
2150
3920
2950
3520
3149
3140
2230
3500
3140
2950
2300/2500
ITU
ITU/óbito/ICC
ICC
ICC
ICC
ICC
ICC
ICC
ICC/TEP
24
54
32
67
45
75
31
55
34
41
56
46
66
73
40
47
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FE - fração de ejeção ventricular esquerda na gestação; FE PP - fração de ejeção ventricular esquerda no pós-parto; CMI- cardiomiopatia idiopática; CMPNL- cardiomiopatia
periparto sem disfunção ventricular; CMPDV- cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular; ITU- infecção do trato genitourinário; ICC- insuficiência cardíaca
congestiva; TEP- tromboembolismo pulmonar.
não foram diferentes (p<0,05). Entre os casos de cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular e cardiomiopatia
idiopática não houve diferença quanto a idade (p=0,06), classe funcional no início de gestação (p=0,37), alterações no
eletrocardiograma (p=0,38), FE (p=0,06), uso de captopril
(p=1,0), uso do amiodarona ( p=0,59) e óbito fetal (p=0,59)
(tab. II).
A taxa de complicação cardíaca durante a gestação foi
menor (p<0,009) no subgrupo cardiomiopatia periparto sem
disfunção ventricular e maior no subgrupo cardiomiopatia
idiopática, quando comparada à cardiomiopatia periparto
com disfunção ventricular (p=0,01). A análise comparativa
de 17 registros nos primeiros três meses pós-parto mostrou
que não houve modificações significativas entre o eletrocardiograma (p>0,05) e a FE (p>0,05) do pós-parto quando
comparada aos registros da gravidez, nos três subgrupos
(tab. III).
Discussão
A diversidade da evolução clínica da cardiomiopatia
periparto determina incertezas na recomendação a futuras
gestações, uma vez que os fatores de seu prognóstico a
longo prazo ainda não estão estabelecidos.
O presente estudo, prospectivo, mostrou inicialmente,
a evolução da gestação em pacientes que apresentaram
cardiomiopatia periparto decorrida em gravidez anterior, com
e sem recuperação da função ventricular, e comparou com a
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evolução de portadoras de cardiomiopatia idiopática, observando-se semelhanças quanto a idade, capacidade funcional, alteração eletrocardiográfica e FE no ecocardiograma.
Os resultados demonstram que a evolução clínica da
gestação em pacientes com cardiomiopatia periparto, que recuperaram a função ventricular, foram favoráveis e sem complicações relacionadas à cardiopatia. Adicionalmente, verificou-se que houve manutenção da FE nos três primeiros
meses pós-parto, em relação à verificada na gravidez.
Tabela III - Resultados comparativos entre os três subgrupos de
cardiomiopatia
Cardiomiopatia
periparto
Subgrupos
Cardiomiopatia Valor de p
idiopática
Com Disfunção Sem Disfunção
Idade (anos)
26 ± 7
FE% pré-gestação 45,2 ± 2*
Complicação
3(27,3%)**
cardíaca
Morte materna
1 ( 9,1%)
FE pós-gestação 47,1± 2,1***
26 ± 6,1
62,3 ± 3,6
1(14,2%)
65,4± 4,3***
29,5 ± 6
NS
43,5 ± 4,1*
NS*
5(62,5%)** p=0,01**
1 (14,2%)
NS
42,4± 4,5*** NS***
FE - percentual da fração de ejeção ventricular esquerda; *p>0,05- análise
comparativa entre FE da cardiomiopatia periparto com disfunção e cardiomiopatia idiopática; **p<0,05- análise comparativa quanto a incidência de
complicação cardíaca materna da cardiomiopatia periparto com disfunção e
cardiomiopatia idiopática; ***p>0,05- análise comparativa entre FE pré e
pós-gestação nos 3 subgrupos
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Esses dados estão em concordância com os estudos
de Albanesi Filho e cols. 13 e Sutton e cols. 14 que mostraram
em análise prospectiva, boa evolução, ausência de mortalidade ou recorrência da cardiomiopatia periparto em 11 gestações de mulheres que haviam recuperado a função ventricular, após o diagnóstico de cardiomiopatia periparto.
Em contrapartida, nossos resultados estão em desacordo com os de Elkayam e cols. 9 que verificaram redução
de 8% da FE no pós-parto de mulheres com cardiomiopatia
periparto, admitidas como recuperadas da função ventricular, e que iniciaram a gestação com FE média de 56±7%. Além
disso, não permitem compartilhar a linha de pensamento
considerada pelos autores, sobre a recorrência da cardiomiopatia periparto em gestação subsequente, com base no
rebaixamento da FE no pós-parto. É provável que os viézes
na seleção da casuística retrospectiva, nos critérios de diagnóstico da doença e de disfunção ventricular, justifiquem a
não superposição desses resultados.
Entretanto, é oportuno destacar o estudo de Lampert e
co1s. 15, que mostrou prejuízo da reserva contrátil do miocárdio, avaliada pelo estresse com infusão de dobutamina, a
despeito do retorno do coração ao tamanho normal em sete
pacientes com cardiomiopatia periparto. Esses dados e as
controvérsias existentes na literatura suscitam a necessidade de revisão dos critérios atuais de recuperação da função
ventricular na cardiomiopatia periparto. Talvez os parâmetros atuais, baseados na análise ecocardiográfica convencional, não sejam suficientes para assegurar o diagnóstico
de função ventricular normal em mulheres com antecedentes de cardiomiopatia periparto.
Por outro lado, o seguimento clínico durante o período
médio de 8,6 anos de 42 mulheres com cardiomiopatia periparto mostrou que as 75% que recuperaram a função ventricular não apresentaram nenhuma limitação da capacidade
funcional e tiveram boa qualidade de vida 16.
Outro aspecto importante na história natural da cardiomiopatia periparto é a expectativa de melhor prognóstico decorrente dos avanços da terapêutica da insuficiência cardíaca nas últimas décadas. De fato, o índice de 50% de recuperação da função ventricular, publicado na década de 70 3,
está aquém dos 75% das publicações recentes 16. Além
disso, a taxa de mortalidade entre as pacientes que permaneceram com cardiomiopatia dilatada também diminuiu de 85
para 30% em decorrência dos benefícios do transplante cardíaco 17 e das estratégias da terapêutica farmacológica para
esse grupo de pacientes 18.
Desta forma, a melhor expectativa de vida a curto e longo prazos e a boa evolução de gestação subseqüente 13-15,
não justificam a contra-indicação da gravidez em mulheres,
que apresentaram cardiomiopatia periparto em gestação anterior, mas que recuperaram a função ventricular. Estudos
prospectivos, com maior casuística e avaliação da função
ventricular, se fazem necessários para definir o mais adequado aconselhamento nessas mulheres.
Por outro lado, nosso estudo mostrou que a taxa de
complicações cardíacas em portadoras de cardiomiopatia
periparto com persistência da disfunção ventricular, in-
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Gravidez em portadoras de cardiomiopatia periparto
cluindo um óbito materno, expressam o alto risco desse subgrupo de pacientes. Contudo, não houve indícios de agravamento da disfunção ventricular, estimado pela FE no pósparto, ou de recorrência da doença, mesmo nos dois casos
de gemelaridade, reconhecido fator de predisposição à
cardiomiopatia periparto 3.
A resposta à sobrecarga hemodinâmica após o 1º trimestre da gestação, demonstrada pelos aumentos de 10%
do volume diastólico final do ventrículo esquerdo e de 45%
do débito cardíaco 19, piora a função sistólica do ventrículo
esquerdo, que habitualmente, reverte após o parto.
Contudo, parece-nos que esta resposta circulatória é
disfunção ventricular- dependente e não causa-dependente. Por isso, a questão ainda discutível, é se cardiomiopatia
periparto com persistência da disfunção ventricular tem
uma história natural semelhante a outras etiologias de cardiomiopatia dilatada, incluindo o desenvolvimento de
gravidez 20.
Neste aspecto, os nossos resultados vieram corroborar estudos anteriores, que demostraram a semelhança de
comportamento, quanto às evoluções obstétrica e cardiológica entre as cardiomiopatias: periparto e idiopática. É oportuno comentar que entre as variáveis clínicas, ecocardiográficas e hemodinâmicas, demonstradas anteriormente 20,21, o
achado histológico de miocardite na biópsia endomiocárdica foi controverso 22,23 sendo em algumas séries, significativamente maior na cardiomiopatia periparto 24.
Um fator adicional à morbidade materno-fetal é a adequação da terapêutica durante a gestação em pacientes que
apresentam cardiomiopatia dilatada. A restrição de sal e de
atividades físicas associada a fármacos, como digoxina e furosemida, ambos sem contra-indicação durante esse período, auxiliaram no controle da insuficiência cardíaca na gravidez. Contudo, o uso dos inibidores da enzima conversora
de angiotensina II está associado a efeitos colaterais, como
oligoidrâmnio, retardo de crescimento intra-uterino,
prematuridade, insuficiência renal do concepto, malformações ósseas e morte neonatal 25. Em nosso estudo, não foram identificados tais efeitos prejudiciais em oito pacientes
que engravidaram utilizando o captopril, porém este fármaco foi substituído no 1º trimestre, tão logo a confirmação do
diagnóstico de gravidez.
A escolha da hidralazina, associada ou não a nitratos,
como alternativa ao inibidor da enzima de conversão da angiotensina II fundamentou-se nos resultados do estudo VHeFT-II 26 que demonstraram melhora da capacidade funcional, do consumo de oxigênio e da FE% no período de 12
meses, equivalente ao ciclo gravídico-puerperal. Acresce
que a experiência com a hidralazina no tratamento da doença hipertensiva específica da gravidez mostra que não há
contra-indicação obstétrica e fetal ao seu uso, durante qualquer fase da gestação 27.
No que diz respeito às arritmias ventriculares, habitualmente são complexas e relacionadas à morte em pacientes
com cardiomiopatia dilatada, exigindo controle efetivo com
antiarrítmicos, tais como a amiodarona. Contudo, admite-se
que esta droga apresente um potencial tóxico para a mãe e
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para o concepto, em particular hipotireoidismo e retardo de
crescimento, com risco de morte perinatal 28. Em nosso estudo, mantivemos amiodarona em dose reduzida (até 200mg/
dia) em quatro pacientes que já a utilizavam previamente, por
ter sido considerada terapêutica essencial no controle da
arritmia ventricular complexa, não tendo sido observados
efeitos colaterais no concepto.
O tromboembolismo sistêmico ou pulmonar é outra
complicação freqüente, descrita em mais da metade dos casos da história natural de cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular. Acresce que na gravidez e no puerpério,
o estado de hipercoagulabilidade, incluindo a ativação dos
fatores de coagulação, aumento do fibrinogênio plasmático
e da adesividade plaquetária, elevam o risco de trombose
que se agrava pela eventual necessidade de repouso prolongado decorrente da insuficiência cardíaca congestiva.
Por isso, portadoras de cardiomiopatia dilatada com disfunção ventricular devem ser anticoaguladas recomendandose, nesses casos, a heparina em dose profilática, pois este
fármaco não ultrapassa a barreira placentária.
Em resumo, a cardiomiopatia periparto tem sido referida como uma entidade distinta de outras cardiomiopatias
dilatadas devido à sua relação com o período periparto e as
peculiaridades da sua história natural. A evolução da gravidez em portadoras de cardiomiopatia periparto com disfunção ventricular não foi diferente, quando comparada à do
grupo de cardiomiopatia idiopática, mas esteve isenta de
complicação em pacientes que recuperaram a função ventricular, à semelhança da mulher admitida como saudável. O
presente estudo apresenta as limitações inerentes a casuística pequena e aos métodos convencionais de avaliação da
função ventricular. Contudo, por se tratar de uma doença
rara, esta análise prospectiva contribui para acrescentar
dados a um assunto muito controverso.
Os nossos resultados permitem concluir que a função
ventricular esquerda é o fator determinante do prognóstico
da gravidez subseqüente ao diagnóstico de cardiomiopatia
periparto. Em nosso entender, o desaconselhamento de
nova gestação deve ser reservado às portadoras de cardiomiopatia periparto que apresentem disfunção ventricular.
Agradecimentos
À Dra. Maeve de Barros Correia pelas valiosas sugestões na revisão do texto.
Referências
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