1002 A INFORMAÇÃO PARA A TOMADA DE DECISÃO NO SETOR PÚBLICO: a questão das políticas públicas Rodrigo Salgado Sátiro – UNI-FACEF Patrícia do Socorro Magalhães Franco do Espírito Santo – UNI-FACEF 1. Introdução Discutir políticas públicas na atualidade perpassa por anteriormente elucidar as novas implicações e relações existentes para a elaboração das mesmas no nível local, ou seja, no município, o que remeterá as novas implicações e interações com os atores sociais. Mas, o que chamamos de novas implicações e relações só podem ser entendidas a partir de um resgate histórico sobre o tema. Na década de 80, segundo Oliveira et. al., (2009), na maioria dos países considerados desenvolvidos pudemos observar a passagem de um modelo de administração pública burocrática para um modelo gerencial, buscando a reforma do Estado e uma nova concepção de gestão pública, como referência podemos citar a Inglaterra e os Estados Unidos. Essa Nova Gestão Pública teve como princípios a profissionalização da alta burocracia (cargos de direção formada por servidores concursados), transparência, descentralização, desconcentração, gestão por resultados, novas formas de controle, novas formas de prestação de serviços públicos, orientação para o cidadão-usuário e responsabilização (accountability). Para explicar esse movimento no mundo, vamos nos ater ao exemplo da Inglaterra, país que numa primeira fase de mudança na gestão pública teve como foco o projeto de reforma do Estado. Para alcançar essa proposta o governo inglês adotou três mecanismos: a administração por objetivos, a descentralização administrativa e um modelo para delegar autoridade (empowerment) aos funcionários. Com essa ação buscou a eficiência, porém não garantiu a qualidade dos serviços públicos, de 1003 acordo com os mecanismos de avaliação existentes, que não levaram em consideração o cidadão que era o usuário dos serviços, conforme salienta o mesmo autor. Na metade da década de 80, iniciando uma nova fase, foram reestruturadas as forma de avaliação das políticas, colocando como principal agente para avaliação das políticas públicas o próprio cidadão, num novo conceito de entender o cidadão como consumidor das mesmas. Voltando nosso olhar para a realidade brasileira, a Constituição Federal de 1988 trouxe as referências de direitos sociais, a regulamentação do pactofederativo e a descentralização administrativa. Essa referência aos direitos sociais propôs uma nova dinâmica e concepção ao pensar a ação do governo quanto suas ações. A adoção desse novo modelo de gestão denominado Nova Gestão Pública somente ocorreu na década de 90, mais precisamente em 1995 com o Plano Diretor da Reforma do Estado, do Ministério de Administração Federal e Reforma do Estado. Esse plano trouxe como definição uma nova configuração dos setores do Estado, formas de propriedade e de administração, conforme nos esclarece Oliveira et. al., (2009). Segundo o preceito apresentado nesta “reforma”, verificamos a divisão do aparelho do Estado em quatro setores sendo eles: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, serviços não exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado. O núcleo estratégico é composto pelo executivo, legislativo e o judiciário, instância na qual são definidas as leis e as políticas públicas. Já as atividades exclusivas do Estado referem-se a regulamentação, fiscalização, fomento, segurança pública e previdência social básica, dentre outras atividades exclusivas do Estado. A grande mudança pôde ser percebida no setor de serviços não exclusivos e no setor de produção de bens e serviços para o mercado. O setor de serviços não exclusivos pode ser entendido como as universidades, hospitais, centros de pesquisa, museus, etc., onde esses serviços poderiam ser oferecidos pelo 1004 próprio Estado ou pela iniciativa privada ou ainda pelo terceiro setor. Já no setor de produção de bens e serviços para o mercado, desencadeou-se neste momento o processo de privatização de empresas estatais que produziam bens para o mercado, como explica o mesmo autor. Dos anos 2000 até os dias atuais, no Brasil, ocorreu uma maior participação social na execução das ações através das organizações não-governamentais (instituições da sociedade civil que desenvolvem ações de caráter ou interesse público), que começaram a desenvolver ações em parceria com o poder público ou financiados por seus próprios recursos, propiciando assim uma maior influência da sociedade nas políticas públicas, podendo inclusive ser mais eficazes porque essas instituições estão mais próximas dos cidadãos e podem entender e dimensionar melhor os problemas locais. Dentro desse aspecto, podemos perceber que a elaboração de políticas públicas deve seguir preceitos legais e envolver os atores sociais locais na tomada de decisão. Pensamos que a melhor forma de se conceber tal ação está vinculada ao objeto de estudo deste trabalho, a informação enquanto ferramenta fundamental para uma tomada de decisão visto que proporciona tomada de decisões coerentes com as demandas e os anseios dos atores sociais locais e possibilita um planejamento de ações adequado para as decisões tomadas. Diante das questões acima discutidas, neste artigo nos propomos a focalizar de maneira mais aprofundada o papel da informação para elaboração da agenda das políticas públicas dentro do ambiente público de tomada de decisão para tanto é preciso que se discuta minimamente as questões políticas que envolvem este processo. 2. Questões políticas para tomada de decisão Os principais atores sociais envolvidos no processo de decisão no setor público são o governo local eleito, os servidores municipais, a iniciativa privada, imprensa, as instituições de pesquisa e ensino, as instituições do terceiro setor 1005 e todos os outros atores que compõem em conjunto a Sociedade Civil. Habermas (1997, vol. II, p. 99) entende a sociedade civil como: A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro de esferas públicas Para a tomada de decisão devem participar todos os atores sociais supracitados, ainda que na maioria das vezes os anseios e necessidades sejam divergentes, o que via de regra poderá resultar em conflitos de interesse. O conflito de interesses entre os atores sociais locais foi discutido por Matus (1996) para quem o ator social é um indivíduo que pratica um ato que convém à sociedade, e esta atitude é a que deveria ser praticada pelos atores sociais nas municipalidades, entretanto o que se vê são interesses individuais prevalecendo sobre os interesses públicos, colocando em segundo plano toda uma municipalidade. Outra questão que merece destaque é a chamada “disfunção da burocracia”, outro fator de entrave das políticas públicas que pode ser entendida como o desvio da função para a qual sua criação foi idealizada. Segundo Tragtenberg (2006), a concepção de burocracia idealizada por Weber para o Estado, foi à ascensão de pessoas a cargos públicos pela meritocracia, a impessoalidade, a transparência nas ações e a defesa do interesse público. O preenchimento de cargos públicos por critérios políticos em vez de técnicos para determinada função é uma das formas de disfunção da burocracia, e isso é agravante porque ocorre principalmente nos cargos de alto escalão, onde terão a responsabilidade de tomar decisões estratégicas, conforme afirma Moritz (2006). No setor público, de acordo com Oliveira (2008), a fragmentação está vinculada à idéia ancestral de individualização para maior projeção estando embutida a idéia de se proteger e maximizar orçamentos para sua área, sem levar em consideração a preocupação com as demais áreas, essas atitudes 1006 fazem parte da guerrilha burocrática dentro das instituições públicas. O que se vê até hoje são secretarias municipais desenvolvendo seus trabalhos como uma empresa autônoma, onde cada secretaria municipal, de posse de suas informações, desenvolve ações próprias e isoladas, sem integração com as outras secretarias. Do mesmo modo que a disfunção da burocracia, o prevalecimento dos interesses políticos sobre os interesses sociais é entrave às políticas aludidas anteriormente. Este prevalecimento pode ser encontrado onde existe uma gestão autoritária e que os interesses das classes dominantes se sobrepõe aos interesses da maioria dos cidadãos da localidade. Neste sentido, como elucida Tragtenberg (2006), algumas classes economicamente dominantes, financiam os ocupantes eleitos para cargos públicos e estes passam a gerir o bem público em função de interesses privados, as demandas sociais são colocadas em segundo plano e o que prevalece são os interesses dos financiadores da campanha e do partido eleito. Da mesma forma, a falta de capacitação técnica dos governantes eleitos, de sua equipe de governo e dos servidores municipais de carreira pode ser percebida em muitas localidades. Esses dirigentes eleitos indicam a composição dos membros que compõe sua equipe de governo de primeiro e segundo escalão sendo comum encontrar despreparo de todos esses membros, que também exercem a gestão por força do poder concedido, conforme afirma Oliveira (2008, p. 40): A experiência mostra que o que as pessoas pensam e a forma como agem, são em grande parte pautados pela cadeira em que se sentam. Um condicionamento e visão de mundo vêm associados à modalidade de inserção no governo. Basta que certos indivíduos ocupem certas cadeiras para que imediatamente surja uma personalidade associada àquele papel, embutida de uma autoridade e de um domínio do assunto absolutamente desvinculado do indivíduo em si, mas inerente ao papel da persona pública em questão Moritz (2006), acrescenta que o problema desses mesmos governantes não é a falta de recursos para as demandas sociais e sim o mau uso que fazem deles, uma vez que cabe a estes mesmos dirigentes a elaboração do planejamento, a implementação e a gestão das políticas públicas, em conjunto 1007 com os servidores municipais de carreira e os atores sociais locais. O autor complementa o exposto acima ao afirmar que as organizações públicas normalmente não conseguem atingir seus objetivos por falta de comprometimento dos servidores municipais devido à estabilidade, finalidades incompatíveis com as demandas sociais, legislação e estrutura administrativa inadequada, entraves burocráticos exercidos pelos órgãos centrais, falta de apoio político, pessoal em número e qualificação inadequados e informações não precisas. Um outro fator, senão o mais importante, a ser considerado na tomada de decisão no setor público é a legislação, entretanto esta não garante sua efetividade em toda sua totalidade. A Constituição Federal do Brasil de 1.988, Brasil (1988), prevê os direitos sociais que devem ser inalienáveis ao cidadão e contemplados pelas políticas públicas, além dos direitos, prevê a participação e o controle social nessas políticas. Os direitos sociais dos cidadãos estão definidos no artigo 6° da Constituição Federal de 1.988, alterado pela Emenda Constitucional n° 26, de 14 de fevereiro de 2000, que trata dos direitos sociais e que fora definido como: Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (NR). No artigo 6° da Constituição Federal podemos perceber a garantia dos direitos sociais. Mas a legislação não se atêm apenas aos os direitos sociais, mas também à participação e controle social. Bucci (2006) explicita que a participação social nas decisões na esfera municipal quanto aos serviços públicos de saúde, assistência social, educação, patrimônio cultural, defesa do meio ambiente e dos usuários da administração pública direta, podem ser percebidos nos art. 29, X; art. 187, art. 198, III; art. 204, II, art. 205, art. 206, VI; art. 216 § 1°, art. 225, art. 227 § 1° e o art. 37 § 3°. A Constituição de 1988 em seu artigo 29, XI, acena ainda para a “iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado”. Iniciativa esta que promove a formação de Conselhos 1008 Municipais Setoriais (deliberativos, fiscalizadores ou consultivos), e a participação direta da sociedade civil nos processos de tomada de decisão e de elaboração de diretrizes para as políticas públicas. (SEGATTO & KERBAUY, 2008). Conforme aduzido anteriormente, sobre os direitos sociais, eles estão garantidos na Constituição Federal e foram novamente reafirmados de uma forma mais ampla pela Lei n° 8.742/93, Brasil (1993), de LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social). Esta lei traz como princípio básico em seu artigo 2°, item “I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”; e vem reforçar e garantir em seu artigo 4°, item II, “universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas”, os direitos sociais previstos na Constituição Federal e já citados acima. Kerbauy (2004), explica que na esfera local as elites políticas e econômicas conseguem exercer o poder de forma bem superior à qualquer instância de participação e decisão local (Conselhos), ainda nos esclarece que (2004, p. 153) Apesar da existência de novas instâncias decisórias locais (Conselhos) e da entrada de novos atores políticos no cenário local, aparentemente a formação de políticas municipais continua sendo monopolizada pelos políticos locais, burocratas e grupos de interesse, com um baixo grau de institucionalização e de consolidação das práticas de negociação. Nada parecido com as chamadas policy networks, nas quais o processo de produção da política local passaria pela diversificação dos atores envolvidos pela distinção entre organizações públicas e privadas e pelo padrão diferenciado de relacionamento dentro de uma área específica, que muitas vezes determina o tipo de política adotada. Por fim a falta de cultura de participação da sociedade acaba deixando impunes os governantes eleitos que não governam em favor da maioria e dos excluídos e também os funcionários públicos que utilizam da burocracia estatal para colocar como prioridade interesses privados sobre o público. Sorrentino (2001) discorre sobre o avanço da participação ressaltando que nas diversas constituições sempre tivemos exclusões de direitos, com exceção da Constituição de 1.988. Afirma ainda que a partir desta última constituição os 1009 direitos foram previstos em lei, porém toda uma história de exclusão ainda está em cena. De acordo com o autor supracitado a participação social é direito e dever dos cidadãos para que possamos mudar a ação e as estruturas sociais de poder. Entretanto entende a dificuldade da participação social, pois esta pressupõe um alto grau de conscientização política e social, mobilizações sociais e ações contínuas da sociedade em busca dos direitos estabelecidos em lei, questões relevantes a serem consideradas ao pensarmos na agenda das políticas públicas. 3. Agenda das políticas públicas O estudo sobre políticas públicas datam da década de 30 e inicia-se nos Estados Unidos com H. Laswell, tendo como foco a ação do governo, rompendo com os estudos europeus de pesquisas que preconizavam o Estado e suas instituições em detrimento das ações governamentais. (SOUZA, 2006). Segundo a autora, H. Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton, são considerados os fundadores dos estudos de políticas públicas como área de conhecimento e como disciplina acadêmica, todos pertencentes à escola americana. Esclarece também que, na Europa os estudos sobre política pública nascem das pesquisas relacionadas ao papel do Estado e de sua principal instituição – o governo, que é considerado o produtor de políticas públicas; o que não ocorre nos Estados Unidos onde os estudos pautam-se na ação dos governos. Um conceito relevante aos estudos sobre políticas públicas é definido por Di Giovanni (2009, p.5), ao esclarecer que: A língua inglesa faz uma distinção entre politics, quando se referem à política, no sentido relativo aos fenômenos de poder (representação política, partidos, eleições, conflitos relativos ao poder, entre outros), e policy (ou policies), para referirem-se adoção de formas de ação, linhas de atuação, que dizem muito mais a condutas eletivas para solução de problemas, que beiram muito mais o campo da administração do que do campo que nós – latinos – entendemos por “político”. 1010 Outro aspecto importante a respeito dos estudos sobre políticas públicas refere-se à delimitação do objeto de estudos. Nos Estados Unidos, os estudos sobre as policies buscam “livrar os estudos da “conotação de militância e corrupção” contida no termo politics”. (DI GIOVANNI, 2009, p. 6), delimitando o objeto de estudo à ação governamental, como esclarecido acima, no campo da administração, onde podemos desdobrar os estudos em planos, programas e projetos. Na escola européia, os estudos sobre políticas públicas até a década de 80, estiveram subordinados aos estudos das polítics, objeto de estudo da ciência política, somente a partir da referida data, os estudos sobre políticas públicas especificamente, inicia-se nesta escola. O autor acima referido nos apresenta os itens que compõe as políticas públicas que são eles: agenda, planejamento, implementação, gestão e avaliação. Além dos itens que compõe as políticas públicas o autor ainda esclarece sobre as estruturas elementares das mesmas, definidas como (2009, p. 20): A. Estrutura formal, composta pelos elementos: “teoria”, práticas e resultados; B. Estrutura substantiva, composta pelos elementos: atores, interesses e regras; C. Estrutura material, composta financiamento, suportes, custos; e, pelos elementos; D. Estrutura simbólica, composta pelos elementos: valores, saberes e linguagens. Assim, para a definição da agenda das políticas públicas, inicialmente devese entender os aspectos legais, o ambiente do setor público para tomada de decisões, a relação entre os atores sociais entendendo suas divergências e convergências ideológicas e de interesses e as estruturas das políticas públicas. 1011 A definição da agenda é o que norteia a ação local para a satisfação dos anseios ou resolução dos problemas, além de ser uma forma moderna do exercício do poder de uma forma democrática (DI GIOVANNI, 2009). Todo o processo de definição da agenda, bem como do planejamento, implementação, gestão e avaliação das políticas públicas necessita de informações para se definir com clareza a melhor decisão a ser tomada, ou definir o melhor caminho para a ação pretendida. Para tanto é necessário as informações da administração pública e também as informações advindas da participação social por definir com clareza os anseios de uma localidade. Observamos entraves para obtenção dessas informações devido ao fato de, no âmbito da administração pública, termos os problemas apresentados ao longo deste artigo e também devido falta de participação e controle social nas políticas públicas no Brasil. Nos deteremos então à este aspecto, objeto de análise do artigo: a informação. 4. A importância da informação para tomada de decisão De acordo com o aludido, estamos diante de uma nova concepção de elaboração de políticas públicas, onde a tomada de decisão sobre uma determinada política envolverá a participação dos diversos atores sociais. Para tanto é necessário um número cada vez maior de informações sobre os problemas sociais que deverão ser enfrentados por essas políticas assim como a existência de sistemas informatizados para o apoio à decisão que possam fornecer cenários e dados que possam apoiar e auxiliar nas decisões sobre que rumo tomar. Conforme sustenta Oliveira et. al., (2009), o governo precisa se reinventar a partir do uso do conhecimento como fator estratégico; e essa reinvenção envolve dois focos principais de atuação sendo o primeiro a formulação e monitoramento das suas ações e o segundo, até mais primordial, é identificar os anseios e necessidades da sociedade para propor em conjunto com esta, políticas coerentes com a realidade. Salienta ainda que é fundamental o 1012 domínio de todo o ciclo do conhecimento, desde sua criação, disseminação e governança, para a sua utilização em políticas públicas. Mas o que se pode constatar empiricamente é que os municípios não têm a cultura, o conhecimento técnico, os recursos humanos e equipamentos para que a municipalidade possa ter acesso aos indicadores sócio-econômicos em que se encontra o município, ou seja, a situação atual do setor de políticas sociais do município. Esse é o primeiro fator que compromete a elaboração de um planejamento global, pois não se tem o primordial, a informação. É inexistente um banco de dados municipal único, sendo que os micros e pequenos municípios não possuem sequer equipamentos para se pensar em tal ação. O outro problema está em, uma vez de posse da informação, não possuir capacidade de transformá-las em indicadores sócio-econômicos para assim iniciar a fase de planejamento, integrando neste plano todas as necessidades da população local de forma única. Neste ponto fica explícita a falta de conhecimento administrativo dos dirigentes para integrar ações de uma forma única, principalmente se a prefeitura for de pequeno ou médio porte, conforme afirma Moritz (2006). Tanto no âmbito da elaboração da agenda das políticas públicas, onde se deve envolver os atores sociais locais para a definição das áreas prioritárias das ações para resolução dos problemas e demandas sociais, quanto no âmbito da elaboração do planejamento, implementação, gestão e avaliação é impossível definir a situação atual e consequentemente monitorar o processo e os resultados obtidos sem a utilização do insumo básico dos gestores públicos – a informação. Mas a questão do acesso ou não à informação perpassa também pelo problema da descontinuidade administrativa a qual nos deteremos a seguir. 5. Descontinuidade administrativa 1013 No Brasil, pós período ditatorial compreendido entre os anos de 1964 -1985, tivemos a primeira eleição para Presidente da República que ocorreu de forma indireta e posteriormente, com a Constituição Federal de 1.988, o processo de escolha dos governantes passou a ser por voto direto pelo período de quatro anos nos âmbitos da esfera federal, estadual e municipal. O que as administrações eleitas desde 1.988 até os dias atuais nos mostram, principalmente no âmbito local, quando da mudança de governante, é um abandono praticamente total das ações implementadas pelo seu antecessor, mesmo aqueles que possam ser analisados e entendidos como bons projetos, e que estão resolvendo problemas de uma localidade, para dar sua “cara” ao governo e conseqüentemente tentar emplacar sua marca e estilo. De acordo com tal afirmação Demo (1995, p. 219), nos explica que: Planos de governo também possuem esta marca, desde a marca pertinente de conceber um plano de maneira globalizante, totalizante, concatenada, até a marca de sua finalidade mais típica: não se faz plano em primeiro lugar para resolver os problemas diagnosticados, mas para legitimar uma nova gestão e para ter à mão elementos manipuláveis em favor da preservação do sistema. Algumas iniciativas têm sido notadas quanto à tentativa de implantar sistemas de informação para auxiliar no processo decisório local, entretanto novamente a descontinuidade administrativa é um fator que interrompe trabalhos avançados nessa obtenção, desmotiva os funcionários e os cidadãos que podem ver problemas que só podem ser resolvidos no longo prazo serem interrompidos por caprichos ou tendências ideológicas ou ainda para deixar uma “marca”. Tait & Pacheco (1999) nos esclarece que além da descontinuidade administrativa outros fatores podem levar a desmotivação em obter, armazenar e utilizar informações para o planejamento e ação administrativa, sendo eles: a necessidade do planejamento ser adaptado às realidades políticas e administrativas, as restrições legais, rigidez na estrutura organizacional, desconsideração da cultura organizacional pública e o principal que é a falta de planejamento global e abrangente para as ações do setor público o que pode ser percebido como marca da administração pública brasileira. 1014 Na era do conhecimento que estamos vivemos hoje, o avanço tecnológico proporciona novas formas de relacionamento colocando em questão alguns equilíbrios fundamentais para a sociedade tais como níveis de ocupação, profissões, conhecimentos adquiridos, local e formas de construções das experiências sociais e da identidade das pessoas, dos grupos e das classes (ROSINI & PALMISANO, 2003). Esse processo apresenta-se de forma lenta e progressiva sendo necessário o aprendizado das novas formas de relacionamento e principalmente as novas formas de poder de decisão sob os aspectos locais de interesse público (OLIVEIRA et.al. 2009). Essa nova concepção esbarra no arranjo das ocupações dentro do poder público, onde, por um período de mandato, um servidor ocupa o cargo de coordenação e no próximo mandato ele pode inverter na hierarquia com um servidor que hoje ocupa posição hierárquica inferior. Essa realidade propicia uma preocupação com o futuro e em alguns casos uma gerência mais branda com servidores que não desempenham sua função como deve ser cumprida e, agrega-se a isso o fato de que a informação assume valor 6. Informação: moeda de troca e sustentação do poder no setor público Atendo-nos às fases de planejamento, seja ele em qual nível for, principalmente, o global, precisamos iniciá-lo com um insumo básico: a informação. Oliveira (2008) explica que o problema do acesso à informação é grave no setor público e que além da fragmentação setorial, a informação é cada vez mais superficial. Isso pode ser explicado devido à inexistência de definição de metas objetivas, definição clara das ações a serem executadas e consequentemente da sua implementação e qual a temporalidade efetiva da mesma. 1015 O autor ainda afirma que dependendo da área isto pode se tornar ainda mais difícil uma vez que envolve questões de confidencialidade e acesso, o que nem sempre é visto com bons olhos no setor público, minimizando riscos sobre possíveis problemas da área relacionada. A informação ou falta dela no setor público é algo que pode ter várias conseqüências dependendo da posse de quem esta esteja. Segundo Rossi (2009) uma das causas dessa utilização da informação como moeda de troca é sustentação do poder mantendo sigilosos interesses e conhecimento sobre determinado assunto. Servidores municipais a utilizam como moeda de troca para poder garantir as ocupações de cargos que atendam aos próprios interesses, alguns privilégios de cargos por deter conhecimento em determinado assunto, ou ainda sobre problemas de áreas específicas como já citado anteriormente. Coordenadores de áreas setoriais municipais podem utiliza-los ainda para barganhar orçamento e garantir a sustentabilidade das ações de interesse de uma determinada secretaria municipal. Já quando se trata do chefe do executivo municipal, o prefeito, este pode com justificativa de uma visão sistêmica, praticada por profissionais técnicos, elaborar e implementar ações que possam justificar suas pretensões e ideologias, como nos esclarece Demo (1995, p.219): Ademais o coluio com os técnicos não poderia ser mais “feliz”. Formados de modo geral, na universidade, uma instituição argutamente sistêmica, produtora de acadêmicos acima de qualquer suspeita metodologicamente, dotados de qualidade formal, mas despidos de qualidade políticas, são capazes de “tocar” o sistema, em termos administrativos sem questioná-lo. Além disso, neste mesmo trabalho, o autor ainda esclarece que a utilização de algumas ciências humanas para legitimação do poder, através do domínio da informação é fator primordial para sustentação do poder, onde ter a informação e “dominá-la é condição de sobrevivência histórica. Toda uma indústria floresce a sombra deste interesse político avassalador” (DEMO, 1995, p. 220). 1016 O autor ressalta ainda que não se espera dessa informação criar mecanismos ou planos para melhorias, mobilização ou ainda definição clara de ações para solução de problemas, mas sim de como preservar o sistema em questão, especificamente o poder que o sistema o proporciona. Outro ponto a ser destacado é a manipulação das massas através da utilização da informação, usando a ciência para este fim, sendo ela, a ciência, “instrumento formidável de domesticação de massas, de legitimação técnica de gestões políticas, de assessoria especializada no tratamento da sobrevivência de organizações e de estruturas de poder” (DEMO 1995, p. 220). 7. Conclusão O presente trabalho apresentou como tema central a importância da informação na efetivação das políticas públicas. Baseado no exposto observamos que o Brasil passou de um período ditatorial compreendido entre os anos de 1964-1985, onde quase a totalidade dos direitos de expressão foram suprimidos, para numa fase logo posterior, que possui como marco referencial a Constituição Federal de 1988 onde os direitos, para um período onde a participação e o controle social foram definidos e sacramentados por esta lei magna. A mesma Constituição definiu ainda a descentralização administrativa, que transferiu para a esfera local, a responsabilidade da maioria das ações governamentais. Desta forma o processo decisório passou a ser local. Devido a essa transferência decisória da ação governamental para a localidade, os municípios passaram a necessitar das informações pertinentes à cada uma das políticas públicas para a correta tomada de decisão. Entretanto, os municípios nesse processo de transferência da ação governamental para o âmbito local, mostraram-se desprovidos em relação ao que a lei determina. Para o efetivo cumprimento das determinações legais, é necessário informação para tomada de decisão, o que pode ser obtido por meio de sistemas informatizados de apoio à tomada de decisão. Porém, isso não ocorre de fato devido a vários fatores, tais como: prevalecimento dos interesses privados sobre os públicos, a disfunção da burocracia, a falta de capacitação técnica dos governantes eleitos e de sua equipe de governo, a falta de comprometimento dos servidores municipais, a descontinuidade administrativa 1017 e a informação no setor publico sendo tratada como moeda de troca e sustentação do poder. Evidenciamos que, nesse contexto, a não existência de sistemas informatizados de apoio à tomada de decisão, poderia ser minimizado, caso houvesse, de fato, a efetivação da participação e controle social, uma vez que a sociedade civil poderia expressar com maior clareza e objetividade seus anseios e necessidades do que qualquer sistema informatizado. Cabe destacar que esta participação está garantida em lei bem como os espaços decisórios, referindo-se aos conselhos, mas isto não ocorre de maneira adequada, pois ainda percebemos que a concepção das políticas públicas continua sendo monopolizada pela elite política, pelos burocratas e pelos grupos de interesse que financiam os governantes eleitos para que os mesmos governem de acordo com os interesses de seus financiadores. Concluímos assim que, para a mudança deste panorama são necessários investimentos na área de sistemas de apoio à decisão no setor público para que possamos analisar e definir a situação atual de cada política e o desdobramento das ações governamentais. Outra atitude necessária é o incentivo e a conscientização da sociedade civil em participar da esfera de tomada de decisão, o que é dever do Estado e também de toda sociedade civil já organizada, mais incisivamente o Terceiro Setor. 8. Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição (1988). 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