formação profissional: uma categoria em constante

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FORMAÇÃO PROFISSIONAL: UMA CATEGORIA EM CONSTANTE
TRANSFORMAÇÃO
Francieli Piva Borsato
Rosemari Taborda
RESUMO: Este trabalho é resultado das discussões do “Grupo de Estudos em
Fundamentos do Serviço Social: Trabalho e Questão Social” da Unioeste - Campus de
Toledo.
As transformações conjunturais constituem terreno privilegiado para modificações nas
profissões.No momento em que o movimento dialético da sociedade vai se realizando,
em todos os seus sentidos, as profissões tem que responder a essas determinadas
mudanças de forma a se tornar adequadas as novas configurações da sociedade
dinâmica. Isso não é diferente no Serviço Social.
O Serviço Social vem apresentando ao longo de sua história várias configurações no
plano teórico, metodológico, ético, político, instrumental entre outros. Isso se inscreve
devido a particularidade da profissão de intervir eminentemente com as manifestações
da “questão social”, que por sua vez, vão apresentando novas manifestações conforme
as diferentes formas que a produção capitalista vai assumindo diante de suas crises.
Neste sentido, a formação profissional, como um meio de reprodução de um modelo de
profissional, também vai se redefinindo conforme as modificações da sociedade. Assim,
este trabalho se propõe a trazer ao debate, como a dinâmica contraditória da sociedade
pode implicar em modificações teóricas, metodológicas, ético-políticas e práticooperativas para a profissão do assistente social, especialmente no plano da Formação
Profissional.
PALAVRAS-CHAVES: Serviço Social, História, Formação Profissional.
INTRODUÇÃO:
constituem
terreno
As rápidas e intensas transformações conjunturais
privilegiado
para
alterações
profissionais,
seja
no
redimensionamento das profissões já consolidadas, ou para o surgimento de novas
atividades.
Isso
porque,
estas
transformações
reconfiguram
e
criam
novas
necessidades sociais, ao metamorfosear a produção e reprodução da sociedade,
atingindo a divisão social e técnica do trabalho. As profissões, por sua vez, apresentam
respostas a essas mudanças conjunturais de forma a possibilitar modificações em
todos os seus aspectos, inclusive na formação profissional. A formação profissional,
desta forma, não pode ser considerada separadamente da realidade social, sendo esta
considerada no âmbito do Serviço Social enquanto uma expressão histórica das
transformações conjunturais.
Diante disso, este trabalho procurará trazer ao debate como as transformações
conjunturais podem implicar em mudanças na particularidade teórico-prático e éticopolítico
da
Profissão
Serviço
Social,
especialmente
os
rebatimentos
destas
modificações na formação profissional. Esses apontamentos são datados a partir do
surgimento da profissão de Serviço Social na sociedade brasileira até o processo que
desencadeou o movimento teórico e ético-político de intenção de ruptura, no interior do
movimento de reconceituação. Este, por sua vez, possibilitou que surgissem as bases
para a inserção da teoria social crítica e a formação de um projeto profissional, onde se
configura as Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social no ano de 1996.
METODOLOGIA: Para a efetivação deste trabalho foi utilizada a pesquisa bibliográfica.
Segundo GIL (1999, p.65), a “pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material
já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”.Desta forma,
utilizou-se de materiais de autores do Serviço Social e das Ciências Sociais para a
compreensão do Processo de Renovação do Serviço social e o seu rebatimento para a
formação profissional.Esta modalidade de pesquisa foi escolhida, porque segundo este
mesmo autor, a maior vantagem da pesquisa bibliográfica, é o fato dela “permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela
que poderia pesquisar diretamente”.(GIL, 1999, p. 65).
RESULTADOS E DISCUSSÕES: Segundo IAMAMOTO (1997, p.18), o Serviço Social
surge como uma profissão inscrita na divisão do trabalho, como uma resposta do
Estado, da Igreja e das frações dominantes às mobilizações da classe operária,
resultantes da “questão social”. O primeiro inscreve sua resposta a fim de assegurar e
regular a propriedade privada, tutelar os direitos de cada um, especialmente aqueles
que necessitam de amparo e impor limites legais aos excessos da exploração da classe
trabalhadora. O segundo observa a “questão social” como uma questão moral e não
político-economica, compreendendo-a como importante para o desenvolvimento da
sociedade. Realiza suas ações baseado em dogmas, tradições e princípios morais e
religiosos. E o ultimo, por ser o “mais prejudicado” materialmente com as ações dos
movimentos sociais, oferece a resposta através da caridade.
Neste contexto o Serviço social surge como uma profissão de cunho educativa,
trabalhando com a família burguesa, atuando a partir de entidades filantrópicas
privadas, desconhecendo o caráter contraditório entre as classes.
Surgem, neste momento, as primeiras Escolas de Serviço Social no Brasil, a Escola de
Serviço Social em São Paulo, em 1936, e a escola de Serviço Social do Rio de Janeiro,
em 1937. O reconhecimento e a regulamentação do Ensino de Serviço Social a nível
superior só se realiza em 1945. (SILVA, 1984, p.37-38)
A formação profissional do Assistente Social dá-se a partir da influencia européia,
através do Modelo Franco-Belga. Esse modelo tinha por base os princípios tomistas de
salvar corpo e alma, essencialmente pessoal e moral, ou seja, de caráter doutrinária e
moral.(SILVA, 1984, p.40)
Com o fim da II Guerra Mundial, os Estados Unidos passam a consolidar e expandir
sua influencia econômica na América latina, impondo a ideologia de desenvolvimento
econômico nestes países, passando a ter controle político e econômico sobre eles.
Assim como os países latino americanos, o Serviço Social também sofre esta
influencia. Com a volta das assistentes sociais que receberam bolsas de estudo nos
Estados Unidos, trazem consigo a influencia de uma metodologia de ação profissional
mais “eficaz”. Neste sentido, a formação profissional passa a dar mais ênfase a
instrumentalização e a valorização do método. Surgem os métodos de intervenção do
Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo e Organização de Comunidade.
Com o advento da ditadura e com o reflexo da expansão imperialista do capital, o país
inicia-se um processo de “modernização” da produção, transferindo a forma de
acumulação baseada na produção agropecuária para a produção industrializada de
bens de consumo. Conhecido como “Desenvolvimentismo”, essa nova forma de
produção instaurada no país após a década de 30, implicou em novas formas na
relação capital x trabalho.
Esse modelo supunha o crescimento da capacidade produtiva do setor de bens de
produção e de bens duráveis de consumo, o que necessitava a criação de mecanismos
de incentivo ao financiamento do capital nacional (privado) e estrangeiro. “... a distancia
endógena do capitalismo no Brasil, alçando-se a um novo padrão diferencial de
acumulação, punha na ordem do dia à redefinição de esquemas de acumulação (...) e a
iminência de uma crise”.(Netto, 2002, p.21)
Essa conjuntura afetou o Serviço Social, que viu suas práticas e teorias insuficientes
para responder as exigências postas.Neste sentido, inicia-se um processo de
Renovação do Serviço Social, que não foi um fenômeno ocorrido apenas no Brasil, mas
de nível internacional, verificado em todos os países onde a profissão tinha um
determinado grau de avanço.
Inserido nesta dinâmica internacional, o Movimento de Reconceptualização emerge na
América Latina, o qual culmina com a erosão do Serviço Social Tradicional na América
Latina e no Brasil. A questão fundante que determina a direção da Reconceptualização
é a “funcionalidade profissional na superação do subdesenvolvimento”. Indaga-se sobre
o papel dos profissionais, questionam-se a eficácia e eficiência das ações profissionais
e inquieta-se com a relação da profissão com os novos atores sociais.
No Brasil, este movimento de Renovação do Serviço Social é definido por José Paulo
Netto como:
“...o conjunto de características novas que, no marco das constituições da
autocracia burguesa, o serviço social articulou, à base do rearranjo de suas
tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social
contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza
profissional dotada de legitimação prática, através de respostas as demandas
sociais e da sua sistematização, e da validação teórica, mediante a remissão
às teorias e disciplinas sociais” (NETTO, 2002, p.131)
Essa reflexão profissional, condicionada por projetos políticos políticos em disputas, se
resolveu em três direções principais: na perspectiva modernizadora, na reatualização
conservadora e na intenção de ruptura.
A perspectiva modernizadora encontra o auge de sua formulação na segunda metade
dos anos 60 e tem como intenção, realizar
“um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto instrumento de
intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser operacionalizado no
marco de estratégias de desenvolvimento capitalista, as exigências postas
pelos processos socio-políticos emergentes no pós-64”. (NETTO, 2002, p. 154)
Essa perspectiva tem como fundamentação de suas reflexões os textos produzidos nos
Seminários promovido pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
Sociais (CBCISS) de Araxá, em 1967, e de Teresópolis, em 1970.Tem como princípios
a tematização do Serviço Social como “interveniente, dinamizador e integrador, no
processo de desenvolvimento”. De forma geral, procura manter uma relação direta com
o acúmulo profissional produzido no final da década de 50 e início dos anos 60, apenas
excluindo as teorias que concebiam o desenvolvimento como propícios à reversão da
ordem capitalista.
Essa perspectiva estava muito ligada a problemática do desenvolvimentismo, porque
isso se colocava como um dilema na vida dos brasileiros desde a década passada,
mobilizando
segmentos
da
burguesia
e
de
lideranças
ligadas
às
classes
subalternas.Suas tematizações baseavam-se, por um lado, nas polemicas sobre a
modernização, e por outro lado, sobre os estágios de desenvolvimento.Ou seja, o
desenvolvimento impedido pelo modelo econômico tradicional (arcaico), só seria
possível caso houvesse mudanças na direção da modernização (urbano-industrial).
A vinculação com a problemática do desenvolvimentismo era visualizado como
“um elenco de mudanças que, levantando barreiras aos projetos de eversão
das estruturas socioeconômicas nacionais e de ruptura com as formas dadas
de inserção na economia mundial, demanda aportes técnicos elaborados e
complexos - além, naturalmente, da sincronia de ‘governos’ e ‘populações’ -,
com uma conseqüente valorização da contribuição profissional dos agentes
especializados em ‘ problemas econômicos e sociais’”.(NETTO, 2002, p. 166).
Em meados da década de 1970, vetores sócio-históricos e profissionais responderão
pelo deslocamento da perspectiva modernizadora, que até então ocupava o cenário da
Renovação do Serviço Social, quase que exclusivamente.Evidentemente que esta
perspectiva não saiu de forma definitiva dos quadros do Serviço Social, ela apenas se
deslocou dos cenários de debate. Passa a concorrer com ela outras vertentes
renovadoras.
Um dos elementos que marcaram profundamente esta leve transferência do debate foi
o “panorama de efervescência nacional que à época já rebatia na categoria dos
Assistentes Sociais” repercutiu em “alterações no interior do corpo profissional,
refletindo-se no surgimento de novos organismos de expressão e representação, ao
contexto social brasileiro macroscópico”.( NETTO, 2002, p. 195).
Um exemplo de representatividade do deslocamento desta perspectiva, foram os
seminários realizado no Rio de janeiro, no Centro de Estudos do Sumaré, em 1978 e no
Alto da Boa Vista, em 1984.
Conforme Netto, nestes eventos a expectativa profissional não ficou totalmente
fundamentada. Primeiro porque as expectativas remanescentes dos eventos de Araxá
e Teresópolis, em relação à Modernização não ficaram expressa. Houve uma “extrema
pobreza teórica” em relação a discussão realizada simultaneamente em outros fóruns
de discussão e, em relação ao “avanço” na produção teórica referenciada nos eventos
do CBCISS anteriores.
Em relação à dimensão ideo-política, a expectativa também não se comprovou. Ficou
perceptível a abertura de referencias distintas do caldo conservador.Ou seja, não se
afirmou a continuidade da expectativa de Modernização e desenvolvimento, como
aquelas desenvolvidas em Araxá e Teresópolis.
Além destes elementos, os eventos aqui tratados também não avançaram muito no
nível do questionamento teórico. Visto que a categoria profissional já “começava a
dispor de foros plurais, a contemplar novas e mais amplas temáticas e se beneficiava já
de um acúmulo profissional não desprezível”. No interior da profissão, já
“se fazia sentir uma força polêmica em face ao tradicionalismo que, ancorada
então por propostas latino-americanas contestadoras, gestava discussões de
fundo em relação ao Serviço Social (...) [e ] punha-se na ordem do dia a
tematização teórico-metodológica da profissão vinculada ao debate nas
ciências sociais e aos dados mais novos da conjuntura nacional.” ( NETTO,
2002, p. 198)
Entretanto é no marco dos seminários do Sumaré e Alto da Boa Vista que ressoaram
as formulações da vertente renovadora da “Reatualização do Conservadorismo”.
A perspectiva modernizadora não erradicou por completo o conservadorismo. Ela
apenas “explorou particularmente seu vetor reformista e subordinou as suas
expressões às condições das novas exigências que a ‘modernização conservadora’
colocou ao exercício profissional.”( NETTO, 2002, p.202) E, ao mesmo tempo, alguns
blocos da categoria profissional se aproximavam das teorias ligadas a tradição
marxistas, de acordo com a aproximação destes aos movimentos sociais que
ressurgiam lentamente,no final da década de 70 e começo da década de 1980.
Contudo, este ambiente não impediu que núcleos da categoria não se interessassem
por um outro caminho intermediário a estes.
Neste sentido, a perspectivas da Reatualização do Conservadorismo se processa no
interior de uma complexa relação entre a intenção de ruptura e a continuidade com o
passado. Isso que dizer que, segundo alguns setores da categoria profissional,
aspectos teóricos, metodológicos, práticos, e algumas dúvidas ligadas ao ethos
profissional, presentes na compreensão oferecida pela perspectiva modernizadora, não
eram suficientemente explicados. Além disso, o novo “clima sociocultural”, em que as
dimensões individuais e psicológicas ganhavam uma nova dinâmica, propiciou o
surgimento desta nova perspectiva. Deste modo, desponta-se a fenomenologia, que até
então, nunca havia sido usada com fundamento teórico para o Serviço Social.
Com o questionamento das teorias positivistas como insuficiente para responder aquela
realidade conturbada do período ditatorial, com o afloramento dos movimentos
populares, a qual buscava-se a transformação social, a fenomenologia surge como
alternativa de ação para ao Serviço Social. Os primeiros a contemplar a fenomenologia
na profissão foram os programas de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica
(PUC) do Rio de janeiro e da PUC de Porto Alegre, a qual destacam-se Ana Augusta
de Almeida, Ilda Lopes, Myriam Baptista Veras, Ana Maria Braz Pavão, Anésia de
Souza Carvalho dentre outros.(CAPALBO, 2001, p. 34).
Na relação entre as várias vertentes teóricas que se faziam presente no final da
década de setenta, essa perspectiva se colocaria entre duas fortes variáveis. A primeira
seria a crescente laicização profissional que se colocava contra os velhos
confessionalismo e que se aproxima de tendências católicas receptivas a projetos
anticapitalistas (segmentos ligados a Teologia da Libertação). E a segunda a
emergência de “parâmetros analíticos extraídos da tradição marxista”.
No que diz respeito ao âmbito de atuação profissional, o Serviço Social é “posto como
uma intervenção que se inscreve rigorosamente nas fronteiras da ajuda psicossocial”,
em que a atuação profissional se realizava em função, através de uma concepção
humanista, de elevar o nível da consciência do homem pra torná-la crítica e reflexiva.
(Netto, 2002, p. 206). Esses objetivos da ação profissional seriam alcançados através
do diálogo.
Os defensores desta perspectiva trouxeram à cena, técnicas como a entrevista, o
diálogo, a relação face to face com o cliente, compreendendo desta forma, a
abordagem individualista como legítima, retomando o Serviço Social de Caso como
uma compreensão diferenciada, levando em consideração a relação macrossocial.
Asseveram também a profissão com caráter meramente metodológico, ou seja, como
possuidor de métodos prontos.
Com esta teoria, o homem não era tratado com um objeto de estudo fora de sua
existência enquanto homem, como queria as ciências positivistas, mas como tendo
uma substancia própria de subjetividade . Neste sentido, a fenomenologia
“...visa mostrar e descrever, com rigor, (...) os fenômenos tais como são
vividos, tais como se mostram em si mesmo no mundo da vida (...)
[buscando] nesta descrição encontrar aquilo que seria o núcleo fundamental,
essencial (...), que possibilitaria dar a esse núcleo invariante um significado.
E, pelo seu significado, ganhar o foro de universalidade”.(CAPALBO, 1991,
p. 26)
De forma geral, a recorrência à fenomenologia como uma nova matriz teóricometodológica para o Serviço Social, possibilitou um regresso ao que havia de mais
tradicional na herança conservadora do Serviço Social: a recuperação de valores
universais e a centralização nas dinâmicas individuais.Os principais valores retomados
foram o respeito pela dignidade da pessoa humana, a individualização, a promoção
ativa do beneficiário e a autodeterminação.Esses princípios baseavam-se no
neotomismo, na filosofia de São Tomas de Aquino, o primeiro fundamento teórico a
subsidiar o Serviço Social.
È importante asseverar que a proposta fenomenológica não permaneceu por muito
tempo no centro das discussões e produção do Serviço Social. Até porque oferecia
apenas um caráter emblemático ao recolocar e legitimar o tradicionalismo, não
apresentando uma alternativa eficiente à prática institucional. A própria dinâmica das
relações sociais propiciaram que uma outra perspectiva ganhasse força no interior do
Serviço Social.
Assim, a perspectiva de intenção de ruptura emerge dentro da estrutura universitária a
partir da década de setenta. Sua formulação inicial é realizada pela Universidade
Federal de Minas Gerais, permanecendo marginal até o final da década, quando
ultrapassa as barreiras acadêmicas, rebatendo nos fóruns da categoria profissional.
Um dos motivos para que a intenção de ruptura se resguardasse por tanto tempo
dentro dos muros da universidade foi por que colidia com a ordem burguesa em todos
os seus aspectos. No plano teórico-cultural, essa perspectiva confrontava-se com a
autocracia burguesa porque negava as teorias que a legitimavam, como o positivismo.
No plano político, concepções de cidadania, participação, democracia, entre outros,
defendidos por ela, também cotejavam a institucionalidade da ditadura. E, no plano
profissional, o perfil de profissional apresentado por esta nova perspectiva se chocava
com o perfil “moderno” de profissional requisitado para a manutenção do regime
ditatorial.
Somente com a evidência da crise da ditadura e com o apontamento da classe
operária no cenário político, impostando uma nova dinâmica a resistência democrática,
que esta tendência pôde transcender o ambiente universitário.
Diferente das outras perspectivas que se fizeram presentes no
processo de renovação da profissão, a intenção de ruptura se propôs construir-se sob
bases novas, rompendo com todas as formas de tradicionalismos presentes na história
do Serviço Social.A inscrição de cursos de Serviço Social (graduação e pós-graduação)
no circuito universitário e a deslanchada da produção acadêmica foram fatores
decisivos para que isso ocorresse.
O Projeto de Intenção de Ruptura não surgiu do nada. Há indícios de elementos que
caracterizavam uma possível herança na virada dos anos cinqüenta quando o Serviço
Social sofre os efeitos do período populista e inicia um processo de negação do
tradicionalismo. Porém, o golpe de abril e toda a repercussão do mesmo nos mais
diversos setores constituintes da sociedade, problematizaram a incidência do projeto de
intenção de ruptura no interior da profissão.
Os vetores erosivos que estavam presentes no Serviço Social que operavam desde a
década de cinqüenta assinalavam que a profissão começava a receber influências das
lutas sociais, apontando problematizações para o tradicionalismo. Com o inicio do
processo de democratização da sociedade brasileira, o Serviço Social, pela primeira
vez, de forma expressiva, atende as vontades sociais de forma a criar condições de
vinculá-los a projeções societárias pertinentes.
NETTO (2002, p. 261), afirma que a perspectiva de intenção de ruptura teve três
momentos distintos: o de sua emersão, de sua consolidação acadêmica e de sua
expansão à categoria profissional.
A emergência se efetivou no período entre 1972 e 1975, por um grupo de jovens
profissionais que ganhou hegemonia no curso de Serviço Social da Universidade
Federal de Minas Gerais, formulando o famoso “Método de Belo Horizonte”.
Belo Horizonte foi um lócus propício para a realização deste evento devido a sua
história de participação e reivindicação popular. Ali, nos finais dos anos cinqüenta
estiveram presentes raízes importantes dos movimentos sindicais e populares
eclodindo na luta dos trabalhadores do Quadrilátero Ferrífero, além da tradição do
movimento estudantil na universidade.
Todos esses elementos somados com a particularidade daquela academia (jovens
profissionais recém formados, imantados pela direção intelectual de Leila Lima dos
Santos e Ana Maria Quiroga) possibilitaram uma conjuntura fecunda para a emersão da
Intenção de Ruptura dentro da profissão. Diante desta conjuntura, estes profissionais
elaboraram o “Método de Belo Horizonte”.Porém, esse processo foi interrompido em
1975, quando seus principais formuladores foram demitidos, impedindo a sua
continuidade. Com esta crise, a divulgação deste método foi discreta, aparentando um
possível encerramento.
O que aconteceu foi uma transferência do núcleo de incidência desta perspectiva,
repontando para a produção acadêmica. No final dos anos setenta e no primeiro terço
da década de oitenta, há uma recuperação da intenção de ruptura que se configurava
em Belo Horizonte. Profissionais de outras universidades do país, que se dedicavam à
pós-graduação e à pesquisa passaram a seguir esta tendência em suas produções. È
importante enfatizar que estes acontecimentos foram fortalecidos com a crise da
ditadura emergente no início da década de oitenta.
O período de consolidação acadêmica pode-se ser distinguido em dois momentos. O
primeiro verifica-se a predominância de elaborações teórica como críticas as outras
correntes da renovação profissional e a utilização predominante de comentadores das
obras marxistas. Na segunda, percebe-se um amadurecimento da produção, com a
utilização das próprias obras marxistas. Forma-se assim, um acúmulo teórico que
oferece forças para a consolidação do Projeto de Intenção de Ruptura, e que possibilita
a sua expansão para os fóruns da categoria profissional.
A partir dos anos de 1982-1983, período em que há um favorecimento por conta da
conjuntura da transição democrática, é verificados a inserção dos protagonismos desta
perspectiva nos fóruns profissionais e seu rebatimento na formulação de uma
identidade profissional. Identifica-se como parte da construção deste novo perfil de
profissional, a elaboração do Currículo Mínimo de 1982 e do Código de Ética de 1986.
No plano da Formação Profissional, havia uma grande insatisfação por parte do corpo
discente e docente em relação à formação profissional, no período que a perspectiva
de intenção de ruptura se consolidou. Essa insatisfação adivinha principalmente pela
defasagem que o currículo aprovado no ano de 1970 apresentava em relação às
reflexões realizadas em torno da Renovação do Serviço Social, que se fez presente no
Brasil e na América Latina a partir da década de sessenta. Essa defasagem se
apresentava principalmente pela fragmentação do Serviço Social nos métodos
tradicionais de Caso, Grupo e Comunidade; pela omissão de disciplinas que
fundamentam o conhecimento de homem e de sociedade; pela dificuldade de interrelação teórico-prática, e pela concepção distorcida do próprio Serviço Social.
(PEREIRA, 1984, p. 17)
Neste sentido, fez-se necessário à revisão do currículo Mínimo de 1970, buscando
superar as debilidades teóricas e metodológicas que o marcavam, e adequando suas
reflexões à nova conjuntura brasileira e a nova compreensão teórica do Serviço Social.
Inicia-se um amplo movimento no interior das unidades de ensino, por parte dos
docentes e discentes, em torno da qualidade do mesmo. Esses questionamentos são
motivados principalmente por uma redefinição das diretrizes da formação profissional
do Assistente Sociais, dos seus conteúdos e objetivos, assim também como uma crítica
das estruturas curriculares, dos estágios, da supervisão e da pedagogia de ensino.
Essas reivindicações foram sendo canalizadas pela Associação Brasileira de Ensino de
Serviço Social (ABESS), que, a partir de 1975 impulsionou suas convensões nacionais
em prol da redefinição de um novo currículo mínimo para o Serviço Social.
A XX Convensão nacional da ABESS, realizada na cidade de Belo Horizonte, entre os
dias 4 e 9 de setembro de 1979, tratou especificamente da revisão curricular nos cursos
de Serviço Social, destacando o currículo Mínimo como garantia para a unidade na
formação profissional.
Passa-se a pensar em um Currículo pleno, na tentativa de superar os obstáculos
dispostos pelo próprio currículo mínimo. Assim, no ano de 1979, a proposta do
Currículo Mínimo resulta como produto da XXI Convensão Nacional realizada na cidade
de Natal, sendo referendada pelo Conselho Federal de Educação em 1982. (YASBEK,
1984, p. 32)
O tema da reformulação e revisão curricular também passou a ser tomado como
bandeira de luta do Movimento Estudantil em Serviço Social ( MESS) ,tendo como
estância máxima de representação o Encontro Nacional de Estudantes de Serviço
Social (ENESS).
A conjuntura característica da década de noventa foi marcada por transformações
significativas dos padrões de produção e acumulação flexível, com profundas
modificações na dinâmica internacional capitalista, implicando numa estruturação dos
Estados nacionais. Este por sua vez, orientado pela ideologia neoliberal tem os seus
fundos reorientados em favor dos grandes oligopólios, diminuindo os investimentos
estatais nas políticas sociais.
Com o acúmulo de produção cientifica, amadurecimento político e teórico, o Serviço
Social vê na década de noventa a consolidação de seu projeto ético-político
Profissional, iniciado na década de oitenta. Este projeto tem como centralidade a
liberdade, justiça, igualdade econômica e social, entre outros valores éticos que foram
condensados, a partir da revisão do Código de Ética de 1986, no Código de Ética de
1993.
Baseados nestes princípios éticos e na maturidade teórica que o Serviço Social alcança
neste período, as Diretrizes Curriculares de 96 são construídas com o princípio de
totalidade, redimensionando e condensando algumas disciplinas no sentido de propiciar
uma formação profissional que possibilita a compreensão da totalidade da realidade.
Hoje, as Diretrizes Curriculares direcionam a formação profissional de acordo com um
Projeto Ético-político profissional, caracterizado pelo comprometimento com a classe
trabalhadora.
CONCLUSÃO : Ao estudar a formação profissional, não importa qual seja a profissão
e qual é a realidade em que ela está inserida, não se pode compreendê-la isolada da
realidade social, política e econômica. Isso porque as profissões respondem a realidade
que está posta, segundo os agentes da sociedade, sejam eles, o Estado, os
movimentos populares e a classe burguesa.
Como foi observado, desde a origem da profissão, a formação profissional responde a
um modelo de profissional que se instaura de acordo com as forças sociais de cada
momento histórico.
Neste sentido a “formação profissional possibilita o acesso às informações
sistematizadas de ordem teórica, metodológica e ideológica, julgadas necessárias para
o exercício futuro da atividade” ( NICOLAU, 2004, p.92)
Assim, as profissões, estando estas integradas a uma realidade dinâmica, estão em
constantes mudanças. Essas mudanças repercutem na formação profissional, que
constantemente fazem as suas reformulações, de forma a responder as exigências da
sociedade, ou seja, buscando melhor desempenhar a função social da profissão.
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