CIRURGIA PENIANA – FIMOSE E HIPOSPADIA Leticia Microsoft [Escolha a data] CIRURGIA PENIANA – FIMOSE E HIPOSPADIA AUTORIA: SBU PARTICIPANTES: Jose Carlos Truzzi, Ricardo Simões, Antonio Silvinato, Wanderley Bernardo Descrição do método de coleta de evidência: A Diretriz foi elaborada a partir da elaboração de questões clínicas relevantes e relacionadas à cirurgia peniana para fimose e hipospádia. As questões foram estruturadas por meio do P.I.C.O. (Paciente, Intervenção ou Indicador, Comparação e Outcome), permitindo gerar estratégias de busca da evidência nas principais bases primárias de informação científica (Medline/Pubmed, Embase, Lilacs/Scielo, Cochrane Library). A evidência recuperada foi selecionada a partir da avaliação crítica utilizando instrumentos (escores) discriminatórios: JADAD e GRADE para Ensaios Clínicos Randomizados e New Castle Otawa scale para estudos observacionais. Após definir os estudos potenciais para sustento das recomendações, estes foram graduados pela força da evidência e grau de recomendação segundo a classificação de Oxford (disponível em www.cebm.net), incluindo a evidência disponível de maior força. Sumário dos graus de recomendação e força de evidência: A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência C: Relatos de casos (estudos não controlados). D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais. Conflito de interesse: Nenhum conflito de interesse declarado. Objetivo: Descrever as principais recomendações para cirurgia peniana: fimose e hipospádia. FIMOSE Introdução A verdadeira definição de fimose ou estenose prepucial é confusa na literatura. Podemos defini-la como um enrijecimento na parte distal do prepúcio, que impede a sua retração. Consiste em um estreitamento congênito ou adquirido da abertura prepucial, caracterizada por um prepúcio não retrátil, sem aderências, que pode causar acúmulo de secreção, podendo resultar em irritação e balanites. Em casos extremos, este estreitamento pode se tornar uma obstrução verdadeira, interferindo na micção, podendo causar, subsequentemente, pressão retrógrada à bexiga, ureteres e rins. O prepúcio é uma estrutura que ao nascimento é quase sempre aderente à glande, firme e não retrátil. Esta aderência resulta de haver uma camada comum de epitélio escamoso entre a glande e a camada interna, mucosa, do prepúcio que continua firme e aderente até que a descamação se desfaça. Estes processos acontecem gradualmente e tornam-se quase completos em torno dos três anos de idade. Assim, o prepúcio cobre completamente a glande durante o período em que a criança ainda não apresenta controle esfincteriano, protegendo a glande ao evitar o contato direto com fraldas ou roupas. Oster demonstrou que, nos recémnascidos masculinos, o prepúcio é retrátil somente em 4%, aos seis meses, em 20%, aos três anos, em 50% e aos 17 anos, em 99%1(D). Desta maneira, a fimose no recémnascido é fisiológica e se apresenta como uma estrutura tubular2(D), e o prepúcio imaturo não deve ser retraído para higiene ou por qualquer outra razão. Mesmo nas crianças maiores e adolescentes, a fimose dita fisiológica pode cursar sem problemas como obstrução, dor ou hematúria. Nesta faixa etária, não deve ser confundida com o prepúcio redundante. A fimose verdadeira ou patológica é menos comum e associada a um anel cicatricial esbranquiçado não retrátil. Os sintomas incluem disúria, sangramento e, ocasionalmente, retenção urinária e enurese. Estratégia de busca (phimosis OR phimoses OR preputial adhesion OR abnormalities/foreskin) 1ª seleção: 1398 Principais fatores de exclusão: estudos não relacionados ao PICO, artigos em outras línguas que não português, inglês ou espanhol. 2ª seleção: 10 Quais as principais diferenças entre fimose congênita e adquirida? Estas duas entidades, congênita e adquirida, são baseadas na idade e fisiopatologia. Ambas se referem à dificuldade ou à incapacidade de retrair o prepúcio distal sobre a glande. Uma vez que o prepúcio possa ser retraído de tal maneira que a glande se exteriorize completamente, não se trata de fimose. Existem, porém, situações intermediárias, com retração parcial e aderências bálano-prepuciais, e a retração total, mas com uma área de estreitamento do prepúcio, no corpo peniano, levando a um aspecto de ampulheta. Outra situação associada às aderências prepuciais é a presença de “pérolas” brancas, cistos de esmegma, sob o prepúcio, devido às escamas epiteliais retidas, que se resolvem espontaneamente. A fimose adquirida está associada à retração prepucial forçada. Esta forma de retração não é recomendada e acarreta várias fissuras longitudinais na abertura prepucial distal. O resultado, quando este prepúcio é levado novamente à sua posição normal, é uma cicatrização circular com a formação de um tecido fibrótico. Irritações químicas, como a dermatite amoniacal, urina residual ou a infecção secundária por colonização do esmegma, também são causas de fimose adquirida. Estas formas também se apresentam com baloneamento à micção, desconforto miccional e bálano-postites de repetição. Quando há indicação de tratamento para fimose? A postectomia ou a posteoplastia tem sido o tratamento tradicional para fimose, porém, não é mais a única opção atualmente. A circuncisão no recém-nascido é um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos executados até nossos dias, e feito ainda como ritual ou cosmética. É considerado o quinto procedimento mais comum nos Estados Unidos3(D). Atualmente, a circuncisão neonatal de rotina não é recomendada, nem condenada pela Academia Americana de Pediatria (AAP)4(D). Uma das indicações da circuncisão seria a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis. Porém, não há um consenso em relação a todas elas, já que devemos separar as de origem viróticas e as não viróticas. Há evidências recentes de que os homens não circuncidados correm um risco maior de infecção por HIV adquiridas sexualmente, do que os homens circuncidados. A circuncisão neonatal promoveria certa proteção contra esta doença5(B). A circuncisão realizada durante a infância parece diminuir o risco de câncer de pênis, enquanto a tardia não promoveria esta proteção6(C). Fimose e processos irritativos crônicos relacionados a pouca higiene podem estar associados ao carcinoma epidermóide (escamoso) de pênis. As contraindicações gerais ou as não recomendadas são: nos prematuros, e nas anomalias congênitas penianas, como hipospádias, epispádias, chordée sem hipospádia, pênis coberto e no embutido. Sem dúvida, a intervenção cirúrgica não é necessária para todas as crianças com aderências bálano-prepuciais ou com prepúcio não retrátil. Existem apenas algumas indicações médicas para a circuncisão: Fimose verdadeira que é aquela que se apresenta como uma cicatriz esbranquiçada e é rara antes dos cinco anos de idade; Bálano postites recorrentes que são episódios recorrentes de eritema e inflamação prepucial, às vezes, com corrimento purulento, que não respondem ao tratamento com compressas mornas, e antibioticoterapia local ou sistêmica. A cirurgia é indicada após os dois anos de idade ou em crianças com controle esfincteriano diurno; Infecções recorrentes do trato urinário, a menor incidência de infecção do trato urinário (ITU) em lactentes masculinos circuncidados sugere que é possível uma infecção ascendente a partir do prepúcio7(C). A postectomia pode ser oportuna nos casos de ITU recorrente e em anormalidade do trato urinário, anatômico, ou naqueles com disfunção vésicoesfincteriana, que fazem cateterismo uretral intermitente limpo. Um estudo multicêntrico, examinando pacientes com refluxo vésico-ureteral e história prénatal de hidronefrose, refere uma diferença estatística importante em 63% dos meninos não circuncidados com refluxo e ITU, comparados com 19% dos circuncidados, ambos os grupos em quimioprofilaxia. Estes achados sugerem que a remoção do prepúcio pode proteger contra as ITUs nos meninos com refluxo8(C) e, possivelmente, também em alguns casos de anomalias obstrutivas; e no adolescente que ainda não conseguir expor completamente sua glande pode ter uma masturbação dolorosa e dificuldades da penetração no início da atividade sexual. Quais os possíveis tratamentos para fimose? Se a fimose causa obstrução do trato urinário, o paciente deve ser encaminhado ao urologista, que fará uma postectomia ou outra técnica cirúrgica referida, como plastia prepucial, ou até mesmo dilatar a abertura prepucial sem remover tecido. Alguns recomendam o uso de cremes esteróides como tratamento efetivo não invasivo, mesmo nas fimoses adquiridas9(C). Assim, o tratamento da fimose pode ser conservador ou cirúrgico. • Tratamento conservador: na última década, houve o advento do uso tópico de medicamentos e anti-inflamatórios esteroides e não esteróides para o tratamento dos prepúcios ditos não retráteis. O tratamento inicial com aplicação tópica de corticosteróides pode ser indicado devido à sua baixa morbidade, por ser indolor, não traumático e principalmente pelo baixo custo. A literatura tem demonstrado a eficiência do tratamento tópico com esteroides para aliviar a estenose prepucial. Este tratamento se baseia no efeito da aceleração do crescimento e expansão do prepúcio, que ocorre normalmente ao longo de vários anos e que geralmente resulta no alívio espontâneo da condição não retrátil10(D). • Tratamento cirúrgico: a postectomia clássica consiste na retirada parcial ou completa do prepúcio com a aproximação das margens da pele à borda mucosa restante do prepúcio. Uma alternativa cirúrgica à postectomia clássica em pacientes mais jovens é a utilização de aparelhos e dispositivos plásticos. Recomendações: 1. Fimose pode ser congênita ou adquirida 2. A postectomia é o tratamento tradicional. 3. A circuncisão de rotina não é recomendada. 4. As contraindicações para realização de procedimento cirúrgico para correção da fimose são: nos prematuros, e nas anomalias congênitas penianas, como hipospádias, epispádias, chordée sem hipospádia, pênis coberto e no embutido. 5. As indicações para circuncisão são: fimose verdadeira, bálano postites recorrentes, infecções do trato urinário recorrentes, masturbação dolorosa e/ou dificuldades de penetração. HIPOSPÁDIA Introdução As hipospádias são má formações uretrais, nas quais o meato externo se posiciona em qualquer ponto da face ventral do cilindro uretral. Ocorrem em ambos os sexos, sendo que no masculino não provocam incontinência urinária, mas coexistem com outras má formações penianas, algumas funcionalmente muito importantes. Dentre elas, há a estenose do meato e a presença de um tecido fibroso no sulco intercavernoso inferior, chamado corda ventral ou “chordee”, que podem interferir com a ereção, micção e ejaculação normais. O “chordee” faz com que, em ereção, a haste peniana descreva uma ventroflexão que dificulta ou impede a penetração vaginal. A glande pode ter a forma cônica habitual, porém, geralmente se encontra fendida e achatada. Na maioria dos casos, o prepúcio se apresenta redundante com aspecto de um capuz dorsal (capuchão). A exceção é o megameato, uma variante que ocorre em cerca de 6% das hipospádias distais, sendo que nestes casos o prepúcio é normal (MIP). As hipospádias são as más formações mais comuns da genitália externa masculina e estima-se que ocorra atualmente em cerca de um a cada 125 meninos nascidos vivos11(C). Podem ser classificadas quanto à localização do meato uretral: anteriores (glandar, coronal e subcoronal); médias (peniana distal, médio peniana, peniana proximal); posteriores (penoscrotal, escrotal, perineal). As formas distais (anterior e média) são as mais comuns, sendo responsáveis por 80% de todos os casos. A incidência de má formações associadas às hipospádias distais não é diferente daquela da população geral, razão pela qual seria desnecessária uma investigação formal do trato urinário em crianças com esse grau de ectopia do meato. Estratégia de busca (hipospádia) AND (therapy/broad) 1ª seleção: 828 Principais fatores de exclusão: estudos não relacionados ao PICO, artigos em outras línguas que não português, inglês ou espanhol. 2ª seleção: 16 Qual o tratamento indicado para hipospádia, forma distal? O tratamento da hipospádia é cirúrgico e seu objetivo é retificar o pênis e posicionar o meato uretral o mais distal possível, permitindo um fluxo urinário direcionado. A cirurgia visa também melhorar o aspecto cosmético do pênis, corrigindo o capuz dorsal e dando à glande um aspecto cônico. Qual é o melhor momento para a realização do procedimento cirúrgico para correção da hipospádia distal? O desenvolvimento emocional, cognitivo e da imagem corporal pode ser afetado por uma anomalia genital e por sua cirurgia reconstrutiva. O reconhecimento da genitália pela criança começa após os 18 meses de vida, sendo também após essa idade que a criança se torna menos cooperativa. Existem ainda evidências de que a época da cirurgia é um fator importante na satisfação pessoal com o resultado ao longo do tempo. Dessa forma, o período entre 6 e 18 meses é o mais adequado para a cirurgia de hipospádia, considerando-se o ponto de vista psicológico da criança e dos responsáveis11(C). Problemas comportamentais pós-operatórios, como agressividade, regressão, terror noturno e ansiedade, são mais comuns entre um e três anos de vida. A partir dos quatro a cinco meses, o risco anestésico não é fator limitante para a indicação do tratamento cirúrgico, assim como não o é o tamanho do pênis. O crescimento peniano é pequeno nos primeiros anos de vida, fazendo com que a espera não traga nenhuma vantagem para o cirurgião. Como é realizado o preparo pré-operatório para cirurgia da hipospádia distal? O planejamento adequado da técnica cirúrgica que será utilizada inicia com a avaliação pré-operatória cuidadosa da genitália, para se identificar a posição do meato uretral, presença ou ausência de curvatura ventral, tamanho do pênis, quantidade e qualidade da pele do prepúcio e presença dos testículos no escroto. Quando o cirurgião considerar o tamanho peniano ou glandar pequeno ou houver tecido insuficiente para o tipo de cirurgia proposta, pode-se indicar o uso de terapia hormonal prévia. Esse tratamento pode ser feito por estímulo androgênico com gonadotrofina coriônica ou suplementação androgênica com testosterona. O uso de hormônios previamente à correção da hipospádia, além de aumentar o tamanho peniano, aumenta a quantidade de pele no prepúcio e proporciona uma melhora na vascularização desse tecido. Ainda não existe um consenso na literatura sobre quando, em qual dose e qual via de administração. A testosterona pode ser usada de duas formas: 1) intramuscular: duas doses de 25 mg, seis e três semanas antes da cirurgia ou em dose única 30 dias antes da mesma; 2) tópica: na forma de creme a 2% (diidrotestosterona, enantato ou propionato de testosterona), aplicado diariamente na genitália, durante um mês antes da cirurgia. A dose preconizada de gonadotrofina coriônica é de 250 UI, em meninos menores que um ano e 500 UI ntramuscular, em meninos entre um a cinco anos, duas vezes por semana, durante cinco semanas. Quais são os princípios cirúrgicos gerais para correção da hipospádia distal? Instrumental : o uso de magnificação ótica (2,5 vezes oumais) proporciona melhor visualização do tecido e maior precisão e delicadeza nas suturas. O manuseio cuidadoso do tecido é fundamental para o sucesso cirúrgico. Dessa forma, o uso de instrumental que não lesa o tecido, é essencial. Tesouras e porta-agulhas delicadas, pinças com dentes de 0,5 mm e afastadores tipo garras são mais adequados e dão mais precisão para utilização com fios de sutura mais finos. A escolha do fio varia entre os diversos cirurgiões, no entanto, recomenda-se que seja absorvível, de preferência monofilamentar e de calibre 6-0 ou 7-0. Antibiótico: antibiótico de amplo espectro deve ser administrado horas antes da cirurgia e a seguir em doses profiláticas, enquanto permanecer o cateter uretral. O uso de antibiótico na correção cirúrgica da hipospádia diminui a incidência de infecção e de complicações pós-operatórias, como fístulas e estenose de meato. Hemostasia: a hemostasia adequada é fundamental, já que o pênis é um órgão ricamente vascularizado e o sangramento em crianças pequenas requer um controle rigoroso. Além disso, o sangue pode atrapalhar a visualização dos tecidos a serem manipulados. Por isso, o uso de torniquete na base do pênis pode ser indicado e este deve ser liberado com intervalos máximos de 30 minutos. A injeção de epinefrina (1:100.000) sob a linha de incisão também pode ser usada. A hemostasia deve ser feita de maneira bastante cuidadosa, pois a formação de hematomas pode comprometer o resultado cirúrgico. A cauterização deve ser feita preferencialmente com bisturi bipolar ou com ponteira em agulha, diminuindo assim a lesão dos tecidos adjacentes. Qual a melhor técnica cirúrgica utilizada na correção das hipospádias distais? Curvatura peniana (chordee): a curvatura peniana ventral ocorre em cerca de 15% das hipospádias distais. A sua correção (ortofaloplastia) pode ser realizada mediante a liberação da pele, das fáscias, elevação ou ressecção da placa uretral, enxertos de tecidos na região ventral do corpo cavernoso, plicatura dorsal12,13(D). Como os tecidos da região ventral do pênis não são displásicos, o cirurgião pode escolher qual dessas estratégias usar. Geralmente, o uso de apenas um ponto de plicatura da albugínea dos corpos cavernosos, às 12 horas, oposto ao local da maior curvatura é seguro. Para facilitar a visualização do grau da curvatura peniana, o uso de ereção artificial intra-operatória pode ser útil. Essa ereção pode ser feita pelo garroteamento da base do pênis e injeção intracavernosa de solução salina (soro fisiológico 0,9%). Essa injeção pode ser feita lateralmente em um dos corpos cavernosos ou, preferencialmente, pela punção através da glande. Placa uretral: é a faixa de tecido que se estende do meato uretral até a extremidade da glande. Recomenda-se a sua preservação, visto que as cirurgias que a incorporam têm índices menores de complicações. O formato e a largura da placa uretral parecem influenciar o resultado nos casos de tubularização da mesma com incisão longitudinal mediana (técnica de Snodgrass) ou sem (técnica de ThierschDuplay). Prepucioplastia: de uma forma geral, a circuncisão faz parte da reconstrução da hipospádia. Entretanto, dependendo do aspecto do prepúcio, ele pode ser reconstruído, proporcionando um aspecto mais anatômico ao pênis. Não há uma técnica única para a reconstrução cirúrgica das hipospádias, visto que cada caso tem características próprias14(A)15,16(B)17-21(C). As formas mais distais de hipospádia são as mais desafiadoras em termos da escolha da melhor técnica cirúrgica a ser empregada, pois, muitas vezes, o aspecto cosmético é o principal motivo da indicação cirúrgica. Recomenda-se a realização da cirurgia em um único tempo. Alguns princípios de sutura podem adicionar melhora ao resultado cirúrgico. Sendo assim, o uso de sutura contínua sem cruzar o fio e, eventualmente, com dois planos de sutura na neouretra podem reduzir o índice de complicações pósoperatórias. Recomenda-se que a passagem da agulha durante a sutura seja subepitelial. Além disso, o uso adicional de retalho de dartos, do tecido esponjoso adjacente ou de túnica vaginal para cobrir a neouretra, se interpondo entre a sutura da uretra e da pele ou glande é um fator importante na proteção da sutura, consequentemente, diminuindo o índice de fístulas. Quais as possibilidades de técnicas cirúrgicas para correção da hipospádia distal? GAP (procedimento de aproximação glandar) Este procedimento foi desenvolvido para pacientes que apresentam hipospádia glandar ou coronal com o meato fixo e com sulco glandar largo e profundo22(C). Os principais candidatos à técnica de GAP são aqueles com megameato. Esta técnica mantém a luz uretral adequada, com mínima mobilização da glande e com taxas de complicações muito baixas. Isto é feito por meio da desepitelização da glande lateral e proximal ao meato, tubularização da placa uretral e sutura da glande sobre a neouretra. Técnica de Snodgrass (TIP – incisão e tubularização da placa uretral) Essa técnica vem sendo amplamente usada em hipospádias anteriores e médio peniana e até em alguns casos de hipospádias posteriores23(D). Após a individualização da placa uretral, separando-a da glande, e uma mobilização lateral das asas da glande, a placa uretral é reparada lateralmente e uma incisão longitudinal de relaxamento é feita em sua linha média. A profundidade dessa incisão varia de acordo com o aspecto da placa uretral (achatada ou com sulco mais profundo), mas normalmente é feita até próximo ao corpo cavernoso. Após essa fase, um cateter é posicionado na uretra até a bexiga e a placa uretral é tubularizada sobre ele. Depois, a glande é suturada envolvendo a neouretra. O ponto de sutura mais importante na tubularização da placa uretral é o primeiro (distal), visto que ele que vai marcar a margem ventral do neomeato. Ele deve ser colocado ao nível da metade da glande para evitar estenose do meato. A glandoplastia deve ser feita com aproximação do tecido glandar abaixo do neomeato. MAGPI (Avanço do meato e glandoplastia) Pode ser usado para correção principalmente de hipospádias glandares e alguns casos de hipospádias coronais24(C). O objetivo desta cirurgia é avançar o meato uretral para uma posição mais distal na glande, sem a necessidade de tubularização da uretra, e reconfigurar a glande abaixo do meato. Para um bom resultado com a técnica de MAGPI é necessário que o meato e a pele ao seu redor sejam bastante móveis. MIV (M-invertido e glandoplastia em V) Este procedimento é aplicado em pacientes com hipospádia glandar ou coronal com pele parameatal complacente para permitir a mobilização do meato. Esta técnica transfere a porção ventral do meato para uma posição mais distal e a glande é suturada sobre a uretra, de uma maneira bastante semelhante ao MAGPI. Técnica de avanço uretral Esta técnica depende de uma mobilização extensa da uretra, através do descolamento de sua porção dorsal de junto dos corpos cavernosos, deslocando-a para uma porção mais distal, a fim de se obter uma anastomose livre de tensão com a região distal da glande. Para cada 1 cm de distância a ser reconstruída, 4 cm de uretra normal deve ser liberada, ou seja, uma relação de 1:4. Desta forma, pode-se maximizar o uso desta técnica, evitando-se assim complicações relacionadas à mobilização uretral. As principais complicações desse procedimento são a estenose e a retração do meato25(C). Técnica de Mathieu Consiste na confecção de um retalho de pele na porção proximal ao meato. Esse retalho é dobrado por sobre a placa uretral e suturado às suas bordas, fazendo assim a neouretra. Esse retalho não pode ser muito estreito e deve ser bastante vascularizado para evitar isquemia do mesmo. Um dos inconvenientes desse procedimento é que o novo meato fica na posição horizontal, com aparência de “boca de peixe”. Técnica de Barcat Para solucionar o problema da posição do neomeato após a cirurgia com a técnica de Mathieu, Barcat criou essa modificação que confecciona um meato com aparência mais natural. Nessa técnica, a placa uretral é descolada do pênis e a glande é seccionada dorsalmente. Assim, a neouretra pode ser colocada mais profundamente na glande, com excelente resultado cosmético. A principal complicação é a formação de fístula uretro-cutânea. Retalho em ilha “onlay” A técnica mantém o princípio de deixar a placa uretral intacta. Nesse procedimento, um retalho de prepúcio da região dorsal é confeccionado baseado no comprimento da placa uretral. Esse retalho é, então, cuidadosamente dissecado, para manter o seu suprimento sanguíneo, e depois rodado ventralmente para ser posicionado sobre a placa uretral e suturado a esta. Como são definidas as hipospádias proximais? As hipospádias penianas são atribuídas a falhas no processo de fusão das lâminas uretrais, na face ventral do tubérculo genital, e podem ser consideradas como um indício de feminização. Equivale dizer que quanto mais posteriores, geralmente se acompanham de haste peniana pequena, acentuada ventroflexão, bifidez escrotal, vícios de migração testicular e presença de divertículo mülleriano na uretra prostática. A genitália masculina com estas características sugere a feminina, ou seja, exibem um aspecto ambíguo. Serão consideradas como tal as penianas proximais, as escrotais e perineais. Nas últimas, o meato uretral externo está posicionado ao nível da rafe mediana do escroto ou no períneo, casos em que a fenda perineal confere um aspecto vulviforme à genitália. Se alguma das gonadas não for palpada, pensar na possibilidade de estado intersexual. Quais são as possibilidades cirúrgicas de correção de hipospádia proximal? No que se refere à ventroflexão peniana, as variantes técnicas para corrigi-la são poucas e de forma simplificada pode-se dizer que a retificação pode ser conseguida pelo alongamento da face ventral ou encurtamento da dorsal. Quando o grau de curvatura é pequeno, o pregueamento da albugínea dorsal dos corpos cavernosos, corporoplastia à Nesbit ou modificações, retifica a haste peniana com pequeno comprometimento do seu comprimento. Quando o grau de ventroflexão é grande, a corda situada no sulco intercavernoso inferior pode ser ressecada ou incisada transversalmente. O pênis que foi retificado pelo alongamento da face ventral fica com uma área cruenta na mesma, a qual deverá ser recoberta, seja por tecidos próximos, retalhos, ou distantes enxertos. Ao contrário das técnicas de retificação peniana, há inúmeras alternativas para construir-se a neouretra. Assim é que já foram utilizados tecidos pediculados, ou não, de diferentes procedências. Dentre os não pediculados, enxertos, podem ser citados os procedentes de pele genital ou extragenital, veias, artérias, ureter, apêndice cecal e, recentemente, mucosa vesical ou oral. Aqueles com pedículo vascular, retalhos, são originários de tecidos da proximidade, ou seja, do prepúcio, da pele da bolsa testicular ou da túnica vaginal parietal do testículo. A correção das hipospádias proximais com os tecidos acima referidos pode ser feita em um,dois ou três tempos cirúrgicos. Não há consenso entre os autores na preferência pelos retalhos ou pelos enxertos, quanto à procedência dos mesmos e também no que se refere ao número de tempos cirúrgicos. A tendência atual é corrigi-las em tempo único, mas se por um lado são inegáveis os atrativos desta proposta, é inegável também que implicam em maiores riscos de complicações e devem ser reservadas apenas aos cirurgiões com experiência no tratamento destas más formações. O prepúcio redundante dorsal pode ser usado para recobrimento da área cruenta ventral sob a forma de retalho à Blair (1933), ficando a construção da neouretra para um tempo posterior, quando aquele tecido de origem prepucial será tubularizado para construir todo cilindro uretral. Embora seja mais segura, a correção em dois tempos cirúrgicos não está imune a complicações, sendo as fístulas as mais frequentes. Objetivando ainda dar proteção à neouretra, imaginouse usar tecidos da vizinhança, fossem eles originários do prepúcio, do escroto ou mesmo da vaginal parietal do testículo. Uma das variáveis disponíveis foi proposta por Duckett, em 1970, e consistia na obtenção de um retalho do prepúcio redundante dorsal, demarcando um retângulo na sua face ventral que era tubularizado e rodado para a área cruenta resultante da exérese da corda ventral. Numa segunda proposta, o retângulo da face ventral não era tubularizado, mas suturado a um outro equivalente, criado na placa uretral de forma a construir os 360º da circunferência da neouretra. Este princípio, conhecido atualmente como “onlay”, é dos mais antigos na correção das hipospádias posteriores. A literatura americana descreve os procedimentos de rotação de retalhos do tipo “calha” como “flip-flap”, mas com características muito semelhantes aos referidos como “onlay”, onde a circunferência da neouretra é construída por dois hemicilindros, de retalhos ou enxertos. Destes, têm sido preferidos os de mucosa originários da cavidade oral. Nas hipospádias proximais, é difícil conseguir a retificação peniana sem manipular a placa uretral, razão pela qual pensamos ser mais prudente corrigi-las em dois tempos cirúrgicos; num primeiro, retifica-se a haste peniana e num segundo, constrói-se a neouretra. Com esta revisão, pretendemos mostrar que os obstáculos foram lentos e progressivamente sendo superados até os dias de hoje e podemos afirmar que os resultados são plenamente satisfatórios, com um índice de revisões cirúrgicas da ordem de 20% dos casos de hipospádias proximais. No entanto, impõe-se reconhecer as limitações de cada técnica. As hipospádias proximais podem coexistir com divertículos dos derivados müllerianos, que podem ou não ser retirados. Qual a conduta adequada diante de formas multioperadas de hipospádias proximais? A abordagem destes casos deve receber uma atenção e um tratamento individualizados. Os recursos hoje disponíveis, no que se refere à associação de princípios consagrados, da obtenção de enxertos, particularmente os mucosos, e da proteção da neouretra com tecidos de vizinhança fazem com que os resultados sejam mais satisfatórios. Qual a melhor maneira de realizar derivação urinária nas hipospádias proximais? É prudente fazer derivação urinária com cateter maleável nas correções das hipospádias proximais. Parece-nos que a sonda uretral causa menos espasmos do que aquelas de cistostomia e deve permanecer o tempo necessário para que a micção possa ser feita com o mínimo de desconforto, o que depende da evolução da cirurgia realizada. Caso se faça a opção pelo uso de cateter uretral, prefere-se o de silicone, que pode ser deixado aberto em dupla fralda26(A). O curativo recomendado deve ser contensivo e não compressivo, pelo risco de sofrimento tecidual. Pode ser feito com esparadrapo, material elástico ou mesmo com material transparente. Exceto neste caso há que se manter exposta a extremidade da glande para se monitorar a vitalidade dos tecidos. Não recomendamos a troca precoce de curativo, exceto se houver hematoma importante ou sofrimento tecidual. Recomendações: 1. O procedimento cirúrgico para hipospádia deve ser realizado entre 6 e 18 meses de idade. 2. Quando o cirurgião considerar o tamanho peniano ou glandar pequeno ou houver tecido insuficiente para o tipo de cirurgia proposta, pode-se indicar o uso de terapia hormonal prévia. 3. Antibiótico de amplo espectro deve ser administrado horas antes da cirurgia e a seguir em doses profiláticas, enquanto permanecer o cateter uretral. 4. Não há uma técnica única para a reconstrução cirúrgica das hipospádias distais. 5. A correção das hipospádias proximais pode ser feita em um, dois ou três tempos cirúrgicos. REFERÊNCIAS 1. Oster J. Further fate of the foreskin. Incidence of preputial adhesions, phimosis, and smegma among Danish schoolboys. Arch Dis Child 1968;43:200-3. 2. Dewan PA, Tieu HC, Chieng BS. Phimosis: is circumcision necessary? J Paediatr Child Health 1996;32:285-9. 3. Agency for Healthcare Research and Quality. Most common surgical procedures in the United States. 2002. Disponível em: http://wwwahcprgov. 4. Lannon CM, Bailey A, Fleischman A, Shoemaker C, Swanson J. Circumcision debate. Task Force on Circumcision, 1999-2000. Pediatrics 2000;105(3 Pt 1):641-2. 5. Lavreys L, Rakwar JP, Thompson ML, Jackson DJ, Mandaliya K, Chohan BH, et al. 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