Políticas de discriminação positiva pelo território

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Políticas de discriminação positiva pelo território1
Carolina Zuccarelli2
I. Introdução
Diversos estudos na área do planejamento urbano têm sido desenvolvidos
focalizando o impacto das políticas sociais sobre o desenvolvimento urbano. Estes
estudos apontam para a importância em se tomar o território como importante unidade
de análise quando da elaboração das políticas públicas. Neste trabalho, interessa estudar
a maneira como a nova política pública educacional da cidade do Rio de Janeiro
interage com a dinâmica espacial da cidade.
O debate atual acerca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas públicas
brasileiras começa a ganhar especial atenção dos administradores públicos interessados
em elevar a qualidade da educação no país. Tendo a discussão se deslocado do acesso
para a qualidade de ensino, a demanda por políticas que permitam um incremento na
qualidade da educação vem aumentando sistematicamente.
As experiências na área de políticas públicas educacionais no Brasil são poucas,
mas possuem em comum algumas concepções recorrentes quando se trata de políticas
educacionais: construções de novos prédios e a condição do período integral nas
escolas. Foi o caso dos Cieps, concebidos no governo Brizola e que se espalharam pelo
estado do Rio de Janeiro nas décadas de 80 e 90 com a proposta de um ensino integral
em prédios construídos nas áreas de risco. Foi o caso também de outras escolas de
principio idêntico como os Ciacs, da era Collor, e os Ceus, implantado mais
recentemente em São Paulo pela prefeitura de Marta Suplicy. A despeito dos
investimentos feitos para este tipo de política, os projetos acabaram se perdendo na
troca de governos.
Lançado em agosto de 2009 pela prefeitura do Rio de Janeiro, o Programa
Escolas do Amanhã tem em comum com os programas acima apresentados a proposta
de ensino integral para alunos de 150 escolas consideradas em áreas de risco pela
secretaria municipal de educação. Se diferencia, no entanto – e pelo menos na proposta
1
Artigo apresentado no Seminário Governança Urbana e Desenvolvimento Metropolitano, de 01 a 03 de
setembro de 2010, em Natal / RN.
2
Mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ) e Pesquisadora do Observatório das
Metrópoles – bolsista TCT Faperj.
– pela ênfase na qualidade da educação e pela “abertura” dos muros da escola, visando
uma maior integração entre escola e vizinhança.
Com uma longa tradição em estudar a influência da vizinhança sobre o processo
educacional, países como Estados Unidos, Inglaterra e França despontam como
referência nessa área3. O que esses estudos apontam é que haveria algumas
características particulares a vizinhança que afetariam no resultado escolar de crianças e
jovens em idade de escolarização, tratando da relação entre a segregação urbana e suas
consequências sobre as oportunidades educacionais.
Dentre os mecanismos desencadeados por processos de segregação urbana que
influenciam no resultado educacional de estudantes, a violência urbana é um dos que
mais preocupam os formuladores de políticas públicas. De fato, após estudo que
constatou que nas áreas de violência do município do Rio de Janeiro as taxas de
abandono são maiores que o dobro das demais regiões, a secretaria municipal de
educação concluiu que seguir com a mesma metodologia das outras escolas da cidade
não seria possível, reconhecendo a violência como um fator importante que dificulta a
aprendizagem de crianças e jovens em idade de escolarização.
Neste artigo, pretendo discutir a maneira como a formulação de uma política
pública na área educacional deve levar em conta as características do território em
questão. A proposta é fazer uma análise da implementação do Projeto Escolas do
Amanhã, avaliando - através de índices criados pelo Observatório das Metrópoles e de
dados divulgados pela secretaria municipal de educação do Rio de Janeiro - os
pressupostos que determinaram a escolha das 150 escolas. O próximo passo seria o de
averiguar a eficácia do programa, possível apenas quando este já tiver completado ao
menos 01 ano de implementação nas escolas e as provas elaboradas pela secretaria,
aplicadas e divulgadas. Análises futuras dependeriam não apenas destes resultados, mas
também de estudos de caso acerca da implementação do programa em algumas das
escolas que compõem o Programa Escolas do Amanhã.
II. Segregação urbana e desigualdades de oportunidades
A globalização e a difusão dos ideais liberais, principalmente após a Segunda
Guerra Mundial, geraram mudanças nos modelos e paradigmas regulatórios que
3
Para estudos na Inglaterra, ver Ball, Bower & Gewirtz (1996); para Estados Unidos, ver Wilson (1987) ;
na França, Van Zanten (2001)
fundamentavam as políticas urbanas até então. Foram diversos os estudos que
analisaram as conseqüências destas mudanças sobre o processo de segregação urbana,
inclusive apontando para o aumento da segregação nas grandes cidades.
No caso específico do Rio de Janeiro, o modelo de organização social do
território tem como traço principal de sua geografia a combinação de dois princípios de
segregação residencial. De um lado, o clássico modelo Núcleo-Periferia, marcado por
profundas desigualdades sociais e no qual as distâncias físicas e a baixa acessibilidade
urbana separam territorialmente as classes e grupos sociais entre si e dos bens urbanos
promotores do bem-estar social. Este modelo é característico das cidades organizadas
em sociedades marcadas por extremas desigualdades sociais. Por outro lado, existe uma
forte presença de favelas em espaços privilegiados economicamente na cidade. Este
modelo parece aproximar grupos, classes sociais e bens urbanos no território, mas na
verdade trata-se de uma relação de proximidade física e distância social (Ribeiro e
Lago, 2000).
Conforme visto acima, diversos estudos já foram realizados buscando identificar
características particulares a vizinhança que afetariam o desempenho escolar de crianças
e jovens em idade de escolarização. A hipótese é de que alguns processos como a
segmentação do mercado de trabalho, o enfraquecimento dos regimes de bem-estar
social, as transformações territoriais decorrentes da liberalização do mercado de
trabalho, entre outros, gere uma tendência ao isolamento social dos segmentos mais
fragilizados em relação aos circuitos sociais e econômicos da cidade. Dessa forma, a
concentração territorial dos segmentos vulneráveis transforma-se em segregação urbana,
podendo “desencadear mecanismos de reprodução da pobreza e das desigualdades
sociais, tornando mais difícil a manutenção da sociedade como um coletivo de
indivíduos integrados sob os desejáveis princípios da equidade social.” (Ribeiro e
Kaztman, 2008, pp.17)
Diante dessa constatação, fica clara a existência de mecanismos invisíveis de
injustiça que atuam sobre crianças e adolescentes decorrentes da combinação de
famílias com frágeis laços com o mercado de trabalho; bairros com composição social
homogênea e isolamento territorial, sociocultural e político com o restante da cidade.
Wilson (1987) explicita a hipótese de que viver em uma vizinhança com alta
concentração de pobreza afeta negativamente as chances de vida de uma pessoa,
independente do nível de pobreza do indivíduo. As hipóteses do efeito vizinhança
estudadas pelo autor sugerem que viver em uma vizinhança pobre resulta, por exemplo,
numa redução do controle social e contribui para o isolamento social o que, por sua vez,
favorece baixos resultados educacionais assim como resultados ocupacionais. Nesse
sentido, o autor entende que a alta concentração territorial da pobreza acarreta, por um
lado, numa debilidade dos vínculos com o mercado de trabalho, atingindo os
trabalhadores de baixa qualificação, e por outro, num progressivo isolamento dos pobres
urbanos do restante da sociedade.
Além de examinar a relação entre segregação urbana e desigualdades de
oportunidades, o que se buscará ao longo do texto é analisar de que forma uma política
pública deve incorporar em seu projeto o território como importante unidade de análise.
As duas últimas décadas do século XX foram de grande importância para o
cenário da política pública educacional no Brasil. A década de 80 é o momento de
abertura democrática no país, após o período centralizador do regime militar. É nesse
primeiro momento, de garantia dos direitos sociais e individuais que tem início os
debates sobre o aumento e a garantia de recursos para a educação pública, que irão
comandar as reformas políticas nos últimos tempos.
Sabe-se que no campo das políticas públicas, existe um consenso de que a
política social dirigida às camadas mais fragilizadas deve focar territórios aonde vem
ocorrendo a concentração de desvantagens sociais, no qual o chamado “efeito
vizinhança” impede as camadas mais fragilizadas de acessar os recursos necessários à
integração social e ao bem-estar social. Vejamos então de que forma a Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro pensou o território quando da formulação do
Programa Escolas do Amanhã.
III. Programa Escolas do Amanhã
O Programa Escolas do Amanhã abrange 73 favelas, 150 escolas, 108 000
alunos. A ênfase na qualidade o ensino tem um de seus pilares na adoção do turno
integral, que mantém as crianças no colégio por sete horas e meia - quase o dobro do
turno normal. Assim, cursos adicionais como xadrez, música, dança e mecânica são
ministrados nas horas extras - sempre que possível, estabelecendo ligações com o
currículo regular. Mais importante, contudo, é o fato de que, no novo turno, os
estudantes passarão a receber reforço escolar, e ainda serão supervisionados, sempre
que necessário, na lição de casa.
Inovador neste caso é o fato do Programa Escolas do Amanhã enfatizar a
abertura dos “muros” da escola, reconhecendo a necessária integração entre escola e
vizinhança. É o que busca projetos como o “bairro educador” com a proposta de
transformar a comunidade em extensão do espaço escolar, ou seja, mobilizar os
potenciais da comunidade para ajudar na educação das crianças, especialmente no
contraturno.
Esta política parece levar em conta o caráter segregado do território carioca, uma
vez que investe em 150 escolas localizadas em áreas consideradas como de risco, na
maior parte em favelas.
Com isto, além de analisar a formulação da política, buscou-se estudar a forma
como os mecanismos relacionados à segregação urbana afetam a estratificação dos
estabelecimentos escolares. Escolas localizadas em lugares de privação econômica e
social possuem demandas diferenciadas daquelas situadas em locais de alto prestígio ou
que comportem uma parcela mais privilegiada da sociedade. Parece que essa demanda
diferenciada, conseqüência direta da segregação urbana e da estratificação escolar, foi
levada em conta pelos formuladores do Programa Escolas do Amanhã, ao selecionar
unidades em locais de baixo prestígio social e econômico.
Para realizar a análise foi feito um mapeamento de todas as escolas municipais
do Rio de Janeiro, utilizando informações oriundas do Censo 2000, Censos Escolares do
INEP e Prova Brasil de 2005, 2007 e 2009. As informações possibilitaram a criação de
tipologias que abarcassem características socioeconômicas dos territórios em relação
com o desempenho dos alunos do ensino fundamental municipal.4
O próximo passo foi realizar uma análise da experiência brasileira no campo das
políticas públicas na área educacional para depois aprofundar na atual política
educacional da cidade do Rio de Janeiro, o Programa Escolas do Amanhã.
A análise encaminhou o debate para a importância de políticas sociais que
incorporem em sua concepção a dimensão sócio-territorial da reprodução das
desigualdades e da pobreza urbana.
Dentre os mecanismos desencadeados por processos de segregação urbana que
influenciam no resultado educacional de estudantes, a violência urbana é um dos que
mais preocupam os formuladores de políticas públicas. De fato, o estudo comprovou
que todas as escolas do Amanhã estão próximas ou em áreas favelizadas tidas como
violentas. Mais especificamente, de acordo com a secretaria de educação, apenas nove
4
Mais adiante tratarei especificamente destas tipologias.
escolas ficam nos arredores das favelas, as demais estão situadas nas favelas.
As favelas são reconhecidamente territórios que concentram uma população
socieconomicamente mais homogênea e que conforma espaços cada vez mais isolados.
Para Ribeiro e Koslinski (2009), “as escolas são instituições que são discriminantes e
discriminatórias”, principalmente quando freqüentadas por alunos oriundos das camadas
populares: “São lugares onde a experiência cotidiana da população residente é
fortemente marcada pela desorganização e isolamento sociais decorrentes do
confinamento territorial e simbólico, da desconfiança nas interações sociais internas e
nas mantidas com os grupos sociais moradores do asfalto em vários âmbitos da
sociabilidade urbana, cujo fundamento é o estigma decorrente da criminalização desses
espaços” (Ribeiro e Koslinski, 2009, pp.364).
Em estudo sobre os impactos da violência criminal e da violência policial sobre
a sociabilidade dos moradores em favelas, Machado (2008) apresenta três
consequências nessa mudança de orientação da política pública: dinamiza e aumenta a
dinâmica de desorganizadora da vida social e de isolamento dessa população;
transforma as fronteiras, antes flexíveis e organizadas com base em uma geometria
variável, em fronteiras duras e unívocas; e, em terceiro lugar, cria e legitima uma
“ideologia” salvacionista, portadora de um projeto disciplinador como estratégia de
controle.
Ora, se a população destes territórios luta cotidianamente contra os efeitos
desorganizadores da vida social originados pela presença da criminalidade violenta e
pela política de contenção, contrapor-se às tendências ao isolamento sócio-territorial é
mais difícil por implicar em interagir com instituições cujas regras de funcionamento
esta população pouco conhece. Talvez a exceção seja a escola, muita das vezes uma
espécie de ilha num mar de pobreza e recursos redundantes.5
Se um dos projetos previstos no Escolas do Amanhã envolve justamente
mobilizar os potenciais da comunidade para ajudar na educação das crianças,
especialmente no contraturno, há de se pensar em como mobilizar potenciais em lugares
caracterizados por privação de todo o tipo de serviço, seja público ou privado.
O Programa Escolas do Amanhã também reconhece a violência como um fator
importante que dificulta a aprendizagem de crianças e jovens em idade de escolarização.
5
Recursos homogêneos que conduzem à obtenção, quase sempre, das mesmas informações (Granovetter,
1983).
Como já visto, a secretaria municipal de educação optou em estabelecer sua nova
política nas áreas violentas do município do Rio de Janeiro.
Para a análise da geografia da divisão social da cidade onde estão localizadas as
150 escolas, foi utilizada a tipologia sócio-espacial6 como uma valiosa ferramenta
analítica para a investigação da possível associação entre a regularidade de certos
fenômenos com as características singulares de cada meio social. No mapa abaixo é
possível notar que as Escolas do Amanhã de fato estão em áreas de favela – apenas 6%
ficam em áreas próximas a favelas - e também que se concentram em áreas de tipologia
inferior. Foi estipulado um raio de 1.500 metros a partir de cada escola que participa do
Programa para averiguar as características do meio social onde elas estão inseridas. A
análise mostrou que 80,3% das Escolas do Amanhã ficam em tipologia do tipo baixo,
enquanto 13,6% se localizam na de tipo médio e apenas 10,6% na tipologia do tipo alta.
Mapa 01: Escolas do Amanhã
Fonte: Observatório das Metrópoles
6
A tipologia sócio-ocupacional se caracteriza, de maneira sucinta, com uma hierarquização social do
espaço construída a partir de variáveis relativas à ocupação das pessoas residentes na metrópole
fluminense
O mapa e os dados apresentados acima apresentam indícios para se afirmar que a
escolha da Secretaria Municipal de Educação possui um caráter fortemente territorial. A
importância de intervenções públicas que levem em consideração aspectos territoriais
não é questionada, pelo contrário, tem sido o caminho mais recorrente tomado pelos
formuladores de políticas urbanas. No entanto, vias de regra, no senso comum técnico
das políticas habitacionais as favelas são pensadas como espaços sociais homogêneos.
As propostas de integrar os espaços desprivilegiados à cidade consolidada não levam
em consideração as diferenças internas da estrutura e da organização social destes
espaços. É o que parece acontecer quando o Programa Escolas do Amanhã propõe
estabelecer relações mais consolidadas com o entorno da escola quando estes territórios,
na prática, são ausentes de ativos7 que estimulem as potencialidades do território em
questão.
Vejamos agora algumas análises a respeito da atual situação das Escolas do
Amanhã no que diz respeito ao desempenho escolar. Esta análise é importante, pois
possibilitará comparações futuras, principalmente quando a Secretaria já estiver
divulgado os dados da avaliação de 2010, período em que todos as escolas já terão sido
contempladas pelo projeto.
Uma comparação entre o desempenho das escolas que fazem parte do projeto e
as demais da rede municipal mostra um dado que nos parece evidente: as que compõem
o grupo do Escolas do Amanhã tem uma média inferior as demais escolas da rede, como
mostra o gráfico abaixo, feito com base no IDEB8:
7
8
Segundo Kaztman (2001) recursos que geram recursos
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB (INEP/MEC) contempla dois fatores
importantes: fluxas escolares e médias de desempenho nas avaliações, obtidos através do Censo Escolar e
da avaliação oficial conhecida como Prova Brasil, respectivamente. Ele é um indicador sintético que
busca estabelecer uma relação entre a avaliação do Prova Brasil e o índice de aprovação da escola,
fazendo uma ponderação que resultaria numa forma de avaliar a qualidade da escola tanto no tocante à
retenção de conhecimento, quanto à taxa média de aprovação (Haddad, 2007).
Fonte: IDEB
Estes tipos de avaliação podem ser tomados como uma importante ferramenta
para a ação política. O IDEB tem como um de seus objetivos fornecer dados que
permitam comparar estabelecimentos e/ou sistemas escolares, apontando aqueles que
mais necessitariam de apoio ou de medidas corretivas. (Costa & Koslinski, 2008).
Vejamos então se o índice foi levado em conta na escolha das 150 contempladas com o
Programa Escolas do Amanhã.
A primeira análise é referente as 150 piores escolas do município do Rio de
Janeiro, medido através do IDEB 2009. O destaque é dado para as 42 Escolas do
Amanhã, em vermelho no mapa. De uma maneira geral, nota-se que as 150 piores
escolas cariocas se localizam majoritariamente na tipologia de clima educativo9 do tipo
baixo, como mostra o mapa a seguir.
Mapa 02: 150 piores escolas do município do Rio de Janeiro
9
Para construir a tipologia “Clima educativo” foi utilizada a variável média de escolaridade domiciliar
dos adultos acima de 25 anos de idade (Ribeiro, Rodrigues e Correa, 2008).
Fonte: Observatório das Metrópoles
A associação entre o desempenho e a escolaridade dos responsáveis já é há
muito tempo estudada pela sociologia da educação. Essas pesquisas apontavam para o
fato de que as vantagens econômicas tinham um efeito menor sobre o desempenho
escolar do que fatores socioculturais tais como nível de instrução, atitudes e aspirações
dos pais, hábitos lingüísticos, clima familiar, entre outros.
Sabendo da importância da família como parceira para a realização das
atividades de formação escolar, as Escolas do Amanhã contam com o projeto “mãe
comunitária”, mães que apóiam as atividades intra-escolares. Atuam na hora do recreio,
monitorando as ações e orientando o comportamento dos alunos e suas relações,
identificam aqueles que deixaram de freqüentar a escola e buscam atuar no sentido de
mobilizar alunos e familiares sobre a importância da escola.
Como conseqüência, é de se esperar que as 150 melhores escolas do município
do Rio de Janeiro se localizem em áreas com clima educativo de melhor qualidade. De
fato, é o que acontece. Como mostra o mapa abaixo, as 150 melhores escolas cariocas se
concentram na tipologia do tipo médio. O que surpreendente, no entanto, é o fato de
dentre as 150 melhores escolas cariocas, nove serem Escolas do Amanhã.
Mapa 03: 150 melhores escolas do município do Rio de Janeiro
Fonte: Observatório das Metrópoles
Com base nesses dados, pode-se afirmar que a política social da Secretaria de
Educação do município do Rio de Janeiro leva em consideração os aspectos territoriais
cariocas. Quer dizer, o desempenho escolar de algumas das Escolas do Amanhã pode
ser satisfatório, mas o que conta para o programa é o fato destas escolas estarem em
áreas violentas.
Para exemplificar o que tem sido dito, foi destacado algumas áreas do mapa para
reconhecer e discriminar as diferenças da população e de seus territórios, superando as
concepções abstratas e homogeneizadoras da divisão social da cidade. O que se nota,
mais uma vez, é que de fato as Escolas do Amanhã estão em áreas de favela e situadas
em tipologias do tipo baixo.
Mapa 04: Escolas do Amanhã - zona oeste
Fonte: Observatório das Metrópoles
Conforme se vê no mapa, existe uma alta concentração das Escolas do Amanhã
na região da zona oeste, principalmente em Bangu e Senador Camará, o que exemplifica
bem a estratégia do Programa: escolas em áreas próximas de favela, em regiões muito
pobres.
A tabela abaixo apresenta os bairros com as maiores concentrações de Escolas
do Amanhã.
Bangu
12
Bonsucesso
9
Paciência
7
Santa Cruz
7
Senador Camará
7
Campo Grande
5
Cidade de Deus
5
Irajá
5
Penha
5
Estes bairros, que possuem maior concentração de escolas participando do
Programa Escolas do Amanhã, são reconhecidamente lugares afastados dos centros
urbanos, homogeneamente pobres e com alto índice de violência urbana. Como a
proposta do Programa é justamente melhorar o ensino em lugares de privação como
esses, a seleção das unidades participantes obedece rigorosamente ao critério da
violência urbana.
O Programa Escolas do Amanhã teve início em agosto de 2009, com uma boa
repercussão na sociedade. De fato, o Programa ratifica a importância da instituição
escolar atuar como importante mediadora entre os conflitos existentes nas comunidades,
especialmente elaborando estratégias para evitar a influência de traficantes e milicianos.
IV. Considerações Finais
As experiências de territorialização de políticas públicas são, muitas das vezes,
caracterizadas pela ausência de uma análise social sistemática e adequada do conjunto
da cidade. Se, por um lado as políticas públicas, junto com a ação do estado, afetam a
organização espacial das cidades, por outro, a organização espacial das cidades,
principalmente a distribuição da população por status socioeconômico, gera demandas
especiais por serviços públicos.
Esses aspectos devem ser levados em consideração quando se formula uma
política pública que está baseada em características territoriais. As complexidades de
análise das questões territoriais para a intervenção estatal são grandes e os instrumentos
de intervenção sobre uma realidade pode variar significativamente de um lugar para
outro.
A importância de intervenções públicas que levem em consideração aspectos
territoriais não é questionada, pelo contrário, tem sido o caminho mais recorrente
tomado pelos formuladores de políticas urbanas. Brandão, no entanto, alerta para o risco
de transformar o território em um grande regulador autômato de relações. Atribuiria-se
ao território poder de decisão, desde que dotado do adequado grau de densidade
institucional e comunitária. Para o autor: “A necessidade da “territorialização” das
intervenções públicas é tomada como panacéia para todos os problemas do
desenvolvimento. Assevera-se, de forma velada ou explícita, que todos os atores sociais,
econômicos e políticos estão cada vez mais plasmados, “diluídos” (subsumidos), em um
determinado recorte territorial. Na verdade, parece existir uma opção por substituir o
Estado (“que se foi”) por uma nova condensação de forças sociais e políticas (abstrata)
que passa a ser chamada de território.”
Nesse sentido, ainda que se considere o território como unidade fundamental
para a elaboração das políticas públicas, não queremos aqui incentivar o território como
o único regulador das relações sociais. As complexidades de análise das questões
territoriais para a intervenção estatal são grandes e os instrumentos de intervenção sobre
uma realidade pode variar significativamente de um lugar para outro.
Por fim, ressalto a importância e a pertinência em estudar fenômenos da
destituição social e a possibilidade de evitar que a condição socieconômica seja
determinante na trajetória de alunos que se concentram em territórios cada vez mais
homogêneos, em situação de vulnerabilidade.
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