O que esperar do “amanhã”? Nestes tempos sombrios, é imperativo refletirmos sobre o “amanhã”. O que teremos quando a crise passar? “O amanhã” da Independência foi a entrega do comando do Brasil ao filho do monarca da metrópole, o Poder Moderador, a permanência do escândalo da escravidão. Com a proclamação da República não foi diferente: seguiram-se o coronelismo, a ditadura do Estado Novo, um breve período democrático e o golpe civil-militar de 1964. A redemocratização ocorreu sem um completo acerto de contas com o passado autoritário. Houve avanços? Obviamente, e não foram poucos: garantia das liberdades públicas e dos direitos sociais, estabilização econômica, redução da desigualdade social. Entretanto, tudo foi construído em bases frágeis e as conquistas encontram-se ameaçadas. Especificamente no campo político, a Constituição de 1988 nos legou eleições diretas, instrumentos para punição dos corruptos etc., mas o patrimonialismo continua a ser um componente estrutural do Estado brasileiro e a soberania popular permanece bloqueada por interesses privados nacionais e internacionais. Além disso, a sociedade segue infantilizada: personalizamos o bem e o mal, simplificamos o que é complexo, esperamos por um salvador da pátria, seja um líder político carismático ou um juiz redentor da corrupção. Será que a tendência do “amanhã” da crise atual será repetir o “ontem” da história brasileira? Passada a turbulência, as estruturas de dominação, desigualdade social e limitação da soberania popular permanecerão íntegras, ou mesmo reforçadas? Parece ser esse o cenário mais provável se o debate seguir concentrado na troca do comando do Poder Executivo e a mobilização social restrita às passeatas, sem que sejam atacadas as raízes desta crise e ocorra o envolvimento de todo o povo em uma prática política diuturna. Entretanto, é preciso conservar a esperança. Boaventura de Sousa Santos escreve que devemos realizar uma análise “radical da política do possível, sem ceder a uma política do impossível”, de maneira que a “ação conformista” seja substituída por uma “ação-com-clinamen”, criando-se “condições que maximizam a probabilidade” de ocorrer o inesperado. E o que mais precisamos hoje é que o inesperado aconteça. Porém, para tanto, é necessária muita disposição para o diálogo, para a construção coletiva e para o aprendizado com processos sociais contrahegemônicos, como a recente ocupação das escolas paulistas pelos estudantes. Murilo Gaspardo Professor de Teoria do Estado da UNESP/Franca – SP. Doutor em Direito do Estado pela USP. Contato: [email protected]. Artigo publicado originalmente no “Estadão Noite”, em 17/03/2016. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,analise---o-que-esperar-doamanha,10000021909.