Relatório de Vivência e Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) GUSTAVO FILIPOWSKI PSICOLOGIA UNICENTRO O VER-SUS sendo um projeto do Ministério da Saúde tem como objetivo levar estudantes, representante de comunidades tradicionais e participantes de movimentos sociais para conhecerem a realidade do SUS. O VER-SUS ocorre em todo o país, nas mais diferentes realidades, fazendo com que seja uma vivência rica culturalmente. O VER-SUS na cidade da Lapa, o qual vivenciei, ocorreu do dia 30 de janeiro ao dia 8 de fevereiro. Ficamos esses dias alojados no Assentamento do Contestado, que faz parte do Movimento Sem Terra. Eram 32 integrantes do grupo, dos quais 24 eram viventes, 6 facilitadores e 2 apoiadores. Desses dez dias, os três primeiros foram de capacitação: na sexta-feira (30 jan.) houve uma roda de discussão sobre Afeto com a psicóloga Michele Cervo, na qual discutimos sobre as relações humanas, sobre a diversidade de culturas, e também sobre a necessária flexibilidade do profissional diante da sua demanda com foco na área da saúde. No sábado (31 jan.) pela manhã tivemos uma conversa com a Amélia e a Pâmella, que trabalham na secretária de saúde da Lapa, e elas nos explicaram um pouco de como o SUS atua na cidade, nos mostrando como ela rica territorialmente e dessa forma há comunidades a 60km do centro e como o munícipio tem dificuldade para atingir/cobrir todos os pontos. Com o Ney, um dos responsáveis pelo assentamento do MST, ele nos esclareceu muitas dúvidas sobre o Movimento e sobre o modo de vida que os assentados levam. A tarde discutimos Saúde com os psicólogos Gustavo Zambenedetti e Paula Marques, foram esclarecidas dúvidas sobre o que significa o termo saúde, redução de danos, saúde ampliada, HIV/aids DST, contextualização da criação do SUS, interdisciplinaridade dos profissionais, também sobre atuar com as mais variadas demandas, atuação num ambiente com infraestrutura precária, entre outros temas. A noite o grupo assistiu o documentário “O veneno está na mesa 2”, que trata dos agrotóxicos utilizados nas plantações brasileiras, e mostrando o número altíssimo de veneno ingerido por cada brasileiro, cerca de 5 litros por ano. No domingo (01 fev.) pela manhã discutimos a privatização da saúde com o Bernardo Pilloto e Alteridade e Saúde com o psicólogo Jefferson Cassiel; durante a tarde debatemos Consciência Negra com Isabela da Cruz representante de uma comunidade Quilombola, discutindo as relações humanas e as diferentes formas de preconceito e racismo. E Movimento Estudantil com o Guilherme Borgo. Foram formadas 3 equipes, numa média de 11 pessoas cada, cada uma passando por Postos de saúde e comunidades diferentes. Para que nossa vivência pudesse abranger o máximo da realidade do SUS na Lapa. Na segunda-feira (02 fev.), a equipe 2, em qual eu era um dos integrantes, visitou a Unidade de Saúde do Capão Bonito, que engloba 146 famílias (360 pessoas), conversamos com uma enfermeira e duas agentes comunitárias de saúde. Elas relataram que há 75 hipertensos na comunidade e que não tem conhecimento de casos de HIV/aids e outras doenças sexualmente transmissíveis. No período da tarde fomos à Câmara dos Vereadores, onde foi explicado o projeto VER-SUS e pudemos participar um pouco sobre as lutas do município. Na terça-feira (03 fev.) nosso grupo foi em um Faxinal, debatemos com duas médicas e com a população local, há nessa comunidade 2700 prontuários; e um dos pontos tratados pelas médicas é que infelizmente é feita medicina curativa, pois há muita dificuldade para se fazer prevenção, isto porque há atendimento médico apenas uma vez por semana. Uma das médicas participa do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB), e a outra tem naturalidade portuguesa e atua pelo Programa Mais Médicos. A médica portuguesa comentou que está fazendo uma pesquisa na área de doenças provenientes do uso de agrotóxicos nas lavouras, e disse que está tentando conscientizar alguns moradores dos riscos dos venenos utilizados. A médica brasileira relatou que seu grande sonho era trabalhar na área de cirurgia oncológica, acreditando que assim se sentiria satisfeita fazendo algo muito bom para a população, mas conta que trabalhar na atenção básica está sendo de grande satisfação, e que hoje tem um novo olhar para seu futuro profissional. Outro ponto relevante comentado pelas médicas é que elas procuram aproveitar o máximo dos poucos recursos que tem para dar um bom atendimento à população. Durante a tarde, visitamos duas famílias do Assentamento Contestado, conhecemos a produção agroecológica, na qual utilizam técnicas de produção sem agrotóxicos. Conversamos também sobre saúde ampliada, que a medicina curativa não é o melhor método de promoção de saúde. E aprendemos muito sobre alimentação saudável, como os alimentos ingeridos fazem parte da nossa saúde. Conhecemos também uma plantação em forma de mandala que segundo o agroecologista tem uma relação com os astros que potencializa a produção. Na quarta-feira visitamos um posto ESF (Estratégia de Saúde da Família) na Vila São José, que fica na região urbana da Lapa. Lá conversamos com uma médica e com uma agente comunitária de saúde, as duas nos explicaram como funciona o “postinho” comentaram que é feito o Hiperdia mensalmente, e que após a reforma, que aumentou de tamanho o posto, ficou mais tranquilo trabalhar com a demanda do local. Foi relatado que por haver uma casa de prostituição perto, muitas mulheres procuravam atendimento, algumas com DST e as quais são encaminhadas para a UPA para que fizessem os testes de HIV/aids, sífilis e hepatites. Visitamos a casa de dois pacientes, um deles com fortes sequelas de um derrame cerebral e por isso necessitava de atendimento em casa, e a outra paciente era uma senhora que a alguns meses tinha quebrado a perna e por isso necessitava de visita para verificar se tinha melhorado. Depois visitamos o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) da cidade e em menos de 20 minutos tivemos que interromper a conversa pois a enfermeira e a motorista da ambulância receberam uma ocorrência para levar uma criança da UPA até um hospital em São José dos Pinhais. Conhecemos também a Central de Agendamentos, onde conhecemos um pouco sobre como funciona os agendamentos das especialidades, vimos a dificuldade para as servidoras públicas, pois em apenas duas marcam todos os exames da cidade. No fim da tarde os organizadores e facilitadores do VER-SUS fizeram uma mística (recreação) na “Gruta do Monge” um lugar muito bonito, onde antigamente um monge vivia nas grutas do morro. Lá com um visual muito bonito, fizemos uma atividade de interação entre os participantes, foi muito momento muito marcante e que emocionou todos. Na quinta-feira visitamos a Vigilância Epidemiológica, conversamos com duas técnicas em enfermagem e ali são feitas: notificações, campanhas de vacinação, campanhas de prevenção entre outras. As campanhas ainda são feitas majoritariamente no centro da cidade, mas tem se lutado para que as ESF consigam promover mais ações nas comunidades afastadas. A Lapa está entre as 5 melhores cidades da 2º Regional na função de notificações epidemiológicas. Na cidade há aproximadamente 47 pessoas com aids, desses 40 buscam a medicação em Curitiba, mesmo a cidade tendo os remédios necessários, isso se dá por ainda vivermos em uma sociedade muito preconceituosa. Ainda há pessoas que acreditam que a aids seja uma doença ligada ao homossexualismo, ideia que já foi comprovada como falsa. Assim, muitos sentem, medo, vergonha de serem reconhecidos como soro positivo, até porque a cidade é pequena, e a chance de alguém reconhecer o paciente é alta. Em 2013 houveram 10 casos de óbito infantil e em 2014 esse número caiu para 4, essa é uma luta do município, que esse número baixe para 0. Depois fomos na Central odontológica, que fica na região urbana, lá há tratamento odontológica todos os dias, um turno que começa às 8 da manhã e outro que se inicia as 13 horas, funciona por ordem de chegada. Tem atendimento especial para crianças de 1 a 5 anos uma vez por semana. Cada dentista trata 6 pacientes e um com emergência. Na Central, há 6 auxiliares de dentista, 2 a 3 dentistas diariamente e 3 técnicos odontológicos. Nos bairros é feito atendimento uma vez por semana, mas como vimos, há algumas comunidades que tem atendimento odontológico uma vez por mês e outras que a população precisa se deslocar para a Central para ter atendimento. A maior dificuldade nessa área, é que a cidade só faz atendimentos primários na área odontológica, então quando um paciente necessita de qualquer atendimento secundário tem que procurar um serviço privado, o que dificulta com que a comunidade carente tenha acesso a saúde bocal, pois nem o deslocamento para cidades próximas o município faz. Visitamos também o Centro da Mulher, que fica junto com a ESF do tamanqueiro, lá é feito planejamento familiar; atendimento ginecológico; lidam com a violência contra a mulher, fazendo um trabalho de acolhimento, respeitando a mulher quanto a seu desejo de denunciar ou não; com os casos de aids/hiv é notificado, e repassado para a vigilância sanitária; ainda o número de partos com cesárea é maior, mas na maternidade já está sendo feito o projeto de parto humanizado; fazem também prevenção de câncer de colo de útero; outra prevenção muito significativa, foi que a equipe levou até os presídios os testes rápidos, para hiv/aids, sífilis e hepatites, houverem resultado de soros positivos, mas a agente não soube informar o valor preciso; não há nenhum tratamento específico para mulheres soro positivo grávidas, ou mulheres soro positivo possíveis mães posteriormente. Na sexta-feira, construímos a devolutiva para os servidores públicos e para toda população da Lapa. Depois tivemos uma roda de conversa com as assistentes sociais da cidade, as quais contaram um pouco do trabalho que vem fazendo na cidade, da dificuldade de moradores do meio rural que se mudam para o centro da cidade buscando uma vida melhor, mas dificilmente conseguem uma estabilidade econômica. Há três programas na cidade com o objetivo de promover promoção e prevenção da saúde: Programa Nosso Bairro Melhor, Programa Mulheres em Ação e Comunidade em Movimento. Que são feitos da interação dos profissionais com a população. E relataram que as denúncias contra a violência aumentaram muito, isso se dá pelo fato de programas como esses estarem atuando na cidade. A devolutiva foi entregue as 14 horas, nela fizemos uma apresentação cultural e depois uma roda de discussão sobre os principais temas trabalhados na vivência. Vários profissionais estavam presentes, responsáveis pela secretária de saúde, agentes comunitárias de saúde, psicólogas, nutricionistas, servidores do caps, prefeita; haviam também usuários do caps, entre outros usuários do SUS. Nos últimos dois dias, montamos uma carta destinada as comunidades que visitamos, aos servidores que conhecemos, agradecimentos ao Assentamento do Contestado, e a todos os moradores da Lapa. Foi escrito também um relatório em grupo, unindo todos os relatos das três equipes. E conversamos sobre os pontos positivos e negativos da vivência, pontuando possíveis melhorias, e acentuando qualidades que devem permanecer nas vivências. A vivência como experiência pessoal foi de um valor incomensurável, jamais esperava que seria tão rica, o contato com as comunidades afastadas me fez ter um olhar mais cuidadoso com a população, vemos que o SUS não é nem um pouco perfeito, que muita coisa precisa melhorar, mas enquanto o poder público, tanto federal, estadual e municipal, não se mobilizam com o estado em que muitos brasileiros se encontram, nós profissionais, ou futuros profissionais da saúde devemos fazer nossa parte. Infelizmente muitas vezes sem nenhuma infraestrutura, materiais básicos, equipes defasadas, temos que dar o nosso melhor, pois quem está ao nosso alcance é o povo brasileiro, que pagam seus impostos e por direito merecem ter assistência em saúde. Dessa forma, é necessária mobilização social, para que os furos nos cobres públicos acabem, pois quem sofre com isso são as pessoas que mais necessitam de atendimento.