António Ramalho RASTREIO OFTALMOLÓGICO EM PERINATOLOGIA INTRODUÇÃO O exame oftalmológico do recém nascido (RN) merece uma atenção especial, não só pelo seu interesse em despistar eventuais anomalias oculares, mas igualmente porque permite diagnosticar diversas patologias sistémicas com repercussão ocular. Permite também estabelecer alguns conselhos genéticos, dado que cerca de 80% das cegueiras da infância são geneticamente determinadas (1). Entre as particularidades e limitações deste exame, não podemos deixar de referir a ausência de qualquer colaboração por parte dos recém-nascidos e o facto, igualmente importante, da função visual não ter ainda atingido o desenvolvimento completo. As indicações do exame oftalmológico precoce nos recém-nascidos estão referenciadas: • aos RN prematuros (especialmente os RN prematuros submetidos a oxigenoterapia) • aos RN sujeitos a traumatismos obstétricos ou anóxia neo-natal. Em idades posteriores, o exame oftalmológico deverá efectuar-se aquando da presença de doenças sistémicas, com repercussão ocular e/ou quando o médico de família ou os familiares são alertados por uma visão aparente, um estrabismo ou uma aparência anómala dos globos oculares. HISTÓRIA CLÍNICA 1. ANAMNESE O exame deve seguir um protocolo estabelecido, iniciando-se por uma recolha de informação, com uma incidência especial sobre: - Gravidez, onde se pesquisará a medicação eventualmente efectuada, possíveis episódios febris, lesões dérmicas, doenças venéreas ou outras infecções. 1 António Ramalho - Parto, destacando-se pela sua importância, a idade gestacional, o peso ao nascimento, o índice de Apgar, traumatismos obstétricos, episódios anóxicos, convulsões, tentativas de reanimação, e caso tenha sido efectuado, a duração e o nível de oxigénio suplementar. - Após o Parto, onde se devam referir, não só eventuais doenças subsequentes que tenham ocorrido, mas igualmente a medicação que tenha sido administrada. 2. EXAME OFTALMOLÓGICO A) Acuidade Visual A retina central nos RN é imatura, tendo diversos estudos estabelecido que a acuidade visual máxima nos 2 primeiros meses de vida é cerca de 20/400. Além disso, a avaliação da visão em recém-nascidos é difícil devido à sua falta de atenção constante. Nesta idade o RN não responde a “alvos” acomodativos, mas pode interpretar-se como evidência de visão o facto do RN seguir a face, movimentar a cabeça em direcção a uma fonte luminosa ou para a janela (2). B) Reflexo Fotomotor O exame da pupila é um exame muito importante no RN. Deve incluir : - a observação da sua simetria, do seu contorno - a existência e qualidade do reflexo fotomotor directo e consensual. A ausência, ou uma grande limitação do reflexo fotomotor evoca uma lesão localizada ao nível do globo ocular ou das vias ópticas anteriores. C) Movimentos Oculomotores e Movimentos Palpebrais Nas primeiras semanas de vida, a posição dos olhos é muito variável. Enquanto alguns RN são ortofóricos, a maioria exibe uma exotropia intermitente ou constante, a qual desaparecerá em alguns meses. Em idades inferiores a 3 meses, é difícil afirmar a existência dum estrabismo, dado ser normal nesta idade uma incoordenação oculomotora. No entanto, se o desvio persistir além da idade de 6 meses, ele é seguramente patológico (3). 2 António Ramalho Nos RN, observa-se frequentemente, quando diminui a intensidade luminosa, uma retracção não patológica das pálpebras acompanhadas dum movimento ocular para baixo, um quadro semelhante aos “olhos em pôr-do-sol”, típico da hidrocefalia. Este aspecto desaparecerá aos 3-6 meses de idade. O nistagmo optocinético deverá igualmente ser observado. Basicamente, consiste na introdução dum tambor a atravessar lentamente o campo visual da criança, permitindo detectar a existência dum nistagmo cujo componente rápido é oposto ao trajecto do tambor. D) Exame à Lâmpada de Fenda Nos RN, o segmento anterior ocular é melhor examinado com uma lâmpada de fenda portátil. Além de permitir estudar a córnea, a profundidade da câmara anterior, a íris, o cristalino, permite também constatar a persistência de restos da membrana pupilar (membrana de Wachendorf). A medição da tensão intraocular efectua-se, dum modo geral, sempre que a córnea se apresenta turva e aumentada de diâmetro (megalocórnea). E) Exame do Fundo Ocular O colírio midriático utilizado e necessário para a realização deste exame deverá ser completamente seguro e possuir uma semi-vida curta. Em caso algum, na tentativa de abrir as pálpebras com os dedos, se deverá exercer qualquer pressão indirecta sobre os olhos, dado que a vascularização papilar do RN é frágil, e deste modo poder levar a interpretações erradas de atraso de mielinização ou atrofia óptica. Devem estudar-se diversos elementos, segundo uma determinada ordem: • Mácula – O RN apresenta a mácula como uma zona escura, de limites indefinidos e sem reflexo foveolar. Só ao fim do 1.º ano é que a mácula assume as características do adulto (3). • Papila ou Disco óptico – Uma papila facilmente observada num RN poderá levar a una suspeita forte de eventual ambliopia, dada a dificuldade que constitui a sua observação. A papila apresenta uma coloração rosa pálido, bordos bem delimitados e com uma escavação reduzida ou ausente. 3 António Ramalho • Vasos Sanguíneos – São observados no que se refere ao calibre arterial, à coloração das veias e à eventual persistência de vestígios do sistema hialoideu. • Retina – A sua coloração é habitualmente pálida nesta idade. A exposição do limite mais anterior da vascularização da retina necessita, habitualmente, duma depressão escleral. É neste limite que se desenvolve a Retinopatia da permaturidade. F) Exame sob Anestesia Geral É necessário: - em presença duma megalocórnea - duma córnea opaca - quando existem dúvidas sobre o fundo ocular. SEMIOLOGIA GERAL 1) ANOMALIAS DO TAMANHO DOS GLOBOS OCULARES a) Ciclopia – Caracteriza-se pela presença dum olho único, usualmente localizado na região mediana. Raramente acontece isolada. Associa-se com diversas patologias sistémicas ou cranianas graves (trisomia 13 e delecção do braço curto do cromossoma 18). É incompatível com a vida (4). b) Anoftalmia – É a ausência de globo ocular (ausência de formação das vesículas ópticas). As pálpebras, os cílios, as conjuntivas e os músculos extraoculares são normais, pois não derivam embriologicamente da neuroectoderme. Pode ser hereditária, tipo autossómica recessiva ou induzida por drogas (Talidomida). Ocasionalmente está associada com o S. Trisomia 13 (1). c) Globo Ocular Quístico Congénito – De etiologia desconhecida, representando uma paragem de desenvolvimento da vesícula óptica. d) Microftalmia – Corresponde a olhos de pequeno tamanho, mas cujos componentes, no entanto, podem ser normais.O tamanho do globo ocular é cerca de 2/3 do tamanho normal. O comprimento normal é cerca de 24 mm, e o 4 António Ramalho olho com microftalmia tem cerca de 16-18.5 mm. Usualmente é bilateral e associado com hipermetropias graves (superior a 6 dioptrias), esferofaquia e catarata (2). A variedade mais grave desta patologia é a microftalmia com quisto, usualmente localizado inferiormente. e) Colobomas – Anomalia congénita, resultante do deficiente encerramento da fenda fetal. Os colobomas podem ser completos (envolvem todas as estruturas relacionadas com o encerramento da fenda fetal: no disco óptico, na retina, na coróide, no corpo ciliar, na íris e no cristlino) ou parciais (íris). São usualmente bilaterais, podendo envolver a coróide, a retina, o nervo óptico, o corpo ciliar e a íris. 2) ANOMALIAS DA PÁLPEBRA E DA ÓRBITRA a) Criptoftalmia ou Ablefaria – Malformação rara, autossómica recesssiva, caracterizada pela ausência de desenvolvimento das pálpebras. O olho pode ser normal, excepto pela ausência duma verdadeira córnea, causada pela fusão entre a córnea e a pele suprajacente. Noutros casos, o olho apresenta-se gravemente desorganizado. b) Colobomas da Pálpebra – São as malformações palpebrais mais frequentes. São uni ou bilaterais, e localizam-se quer na pálpebra superior, quer na pálpebra inferior. São fendas ou entalhes triangulares, surgindo isolados ou associados a um sindroma malformativo: Síndrome de Goldenhar (displasia aurículo-ocular e vertebral) e Síndrome de Franceschetti (disostose mandíbulo-facial). As crianças habitualmente adaptam-se sem complicações da exposição crónica da córnea, razão pela qual se atrasa o tratamento cirúrgico reparador até aos 12-18 meses (1). 5 António Ramalho c) Epicantus – Patologia hereditária, autossómica dominante, caracterizada pela presença duma prega de pele em forma de crescente, a qual se inicia na pálpebra superior e cobre o ângulo interno normal da fenda palpebral. É característica da raça Mongol, estando igualmente presente no Síndrome de Down. O Epicantus inverso tem uma origem e trajecto oposto do epicantus comum. d) Epiblefaron – É uma patologia hereditária, autossómica dominante, e sem qualquer significado, a não ser a associação com um entropion. Consiste numa prega de pele, de disposição horizontal, na pálpebra inferior e que corre paralela ao bordo palpebral. e) Anquiloblefaron – É uma ausência de separação entre o bordo palpebral superior e inferior. O tratamento é cirúrgico, dependendo da gravidade da situação. f) Blefarofimose – Consiste numa diminuição simétrica do tamanho da fenda palpebral. É um aspecto característico do Síndrome de Waadenburg. g) Ptose – De etiologia genética ou traumática, é devida à falência de desenvolvimento completo do músculo elevador da pálpebra superior. A associação com uma pupila miótica sugere o diagnóstico de Síndrome de Horner. O tratamento da ptose congénita é cirúrgico. Usualmente efectua-se a sua correcção pelos 3-4 anos de idade, excepto a indicação precoce de cirurgia na ptose unilateral e completa. 6 António Ramalho Uma variedade rara de ptose congénita é o Síndrome de Marcus Gunn, caracterizado pela elevação das pálpebras em ptose quando o doente abre a sua boca. h) Entropion e Ectropion – No entropion, o bordo das pálpebras volta-se para dentro, levando o contacto dos cílios com o globo ocular. Localiza-se frequentemente na pálpebra interior. O ectropion caracteriza-se pelo virar para fora do bordo palpebral. Ambas as patologias têm um tratamento cirúrgico. I) Distiquíase – É uma patologia hereditária, autossómica dominante, caracterizada pela presença duma segunda fila de pestanas, associada a uma ausência de glândulas de Meibomius. Apresenta-se como uma fonte constante de irritação, erosões e úlceras da córnea. O tratamento consiste numa excisão cirúrgica ou na electrolise individual dos folículos pilosos. J) Angiomas da Pálpebra – São angiomas tuberosos ou soub-cutâneos, caracterizados por aumentarem de tamanho com o choro. A probabilidade de extensão intraorbitária impõe a realização de uma T.A.C. Embora ocorra uma regressão espontânea, habitualmente, pelos 5-6 anos de idade, deve proceder-se ao seu tratamento se houver algum risco de ambliopia (3). L) Quisto Epidermóide – Localização habitual na cauda do supracílio. A palpação é mobilizável em relação aos planos profundos. A exerese deverá ser sistemática devido ao risco de erosão progressiva dos ossos. M) Tumores Orbitários da Criança – Apresenta-se, classicamente, como uma exoftalmia, unilateral e pouco redutível. O exame local deverá apreciar as características da exoftalmia e a sua influência sobre a visão e a motilidade ocular. 7 António Ramalho O exame geral deverá incidir sobre a pesquisa de sinais cutâneos da Neurofibromatose de Recklinghausen, palpação do abdómen e das fossas lombares. Na criança, ao contrário do adulto, estes tumores nascem da órbita. Raramente resultam duma propagação orbitária dum tumor da vizinhança, ou duma metástase. Os tumores primitivos são dominados pelos sarcomas orbitários, os quais são caracterizados pela sua rapidez de evolução. N) Traumatismos Orbito-Palpebrais – Os hematomas orbito-palpebrais reabsorvemse, em regra, espontaneamente. A drenagem cirúrgica, habitualmente rara, é apenas necessária no Síndrome de compressão do nervo óptico. A delgadez das paredes orbitárias da criança, por outro lado, torna-a facilmente exposta a fracturas e perfurações. A fractura do canal óptico, muito rara, traduz-se normalmente, por cegueira homolateral, com midríase e fundo do olho normal. A descompensação cirúrgica pode ser tentada, mas a recuperação irá depender sobretudo do estado do nervo óptico (2). 3) ANOMALIAS DO SISTEMA LACRIMAL A patologia mais frequente encontrada na criança é a obstrução do canal nasolacrimal. Usualmente atribuída à presença de restos epiteliais na porção inferior do canal. O RN apresenta os olhos cronicamente “colados” e exsudação purulenta. Habitualmente a repermeabilização destas vias lacrimais ocorre até aos seis meses de idade. Quando tal não se verifica está indicada a realização duma sondagem das vias lacrimais (4). 4) CONJUNTIVITES A maioria das conjuntivites bacterianas infantis são banais e respondem favoravelmente a uma antibioterapia local. A excepção é a conjuntivite a gonococos do RN, que surge normalmente entre as 24-48 horas de vida, e é caracterizada por um edema palpebral bilateral, quemose intensa e exsudação serosanguinolenta, que rapidamente se torna purulenta (1). 8 António Ramalho As conjuntivites virais epidémicas são igualmente de bom prognóstico, excepto a conjuntivite lenhosa, a qual pode deixar graves sequelas corneanas. 5) PATOLOGIAS DA CÓRNEA A) Infecção – Qualquer irritação da córnea traduz-se por uma fotofobia e lacrimejo, com blefaroespasmo. A queratite dentrítica herpética é a lesão infecciosa da córnea mais frequente. B) Glaucoma Congénito – Os glaucomas congénitos podem ser primários (disgenésias, por anomalias do desenvolvimento embrionário do ângulo iridocorneano) ou secundárias a uma patologia congénita, ocular ou geral. O glaucoma congénito primitivo consiste numa patologia grave, rara e habitualmente bilateral. Existe ao nascimento em 1/3 dos casos e surge no decurso do 1.º ano de vida em 88% dos casos. A sua clínica (fotofobia com lacrimejo, aumento das dimensões e turvação da córnea, hipertonia à palpação digital) necessita ser conhecida por todos, pois somente uma cirurgia precoce poderá evitar a cegueira (3). Os glaucomas secundários a uma patologia congénita ocular ou geral (tumores de sobrecarga trabecular, bloqueio pupilar por oclusão do ângulo e sinéquias inflamatórias) têm um quadro clínico semelhante ao do glaucoma congénito, mas o seu mecanismo e tratamento são totalmente diferentes. C) Mucopolissacaridoses – Entre as formas que apresentam opacificação da córnea, encontram-se: D. de Hurler, S. de Maroteaux-Lamy, D. Scheie e a D. Morquio. D) Distrofias da Córnea – Usualmente hereditárias e bilaterais, existindo sob diversas formas. A idade de descoberta é variável, tal como a perda de acuidade visual. E) Traumatismo Corneano – O traumatismo pelo fórceps pode estar na origem dum edema e turvação da córnea, com estrias finas corneanas. A lesão da córnea é devido à aplicação do fórceps sobre o olho e compressão directa da globo ocular entre o fórceps e o pavimento da órbita. 9 António Ramalho A gravidade desta patologia é função directa da sua localização em relação ao eixo óptico. F) AUSÊNCIA DE CÓRNEA – É uma anomalia congénita, extremamente rara, em que a córnea é substituída por tecido fibroso escleral. Habitualmente associado a ausência de câmara anterior e cristalino. G) MEGALOFTALMO ANTERIOR – Consiste no aumento do tamanho do segmento anterior do globo ocular, mantendo-se normal a pressão intraocular. H) MICROCORNEA – Caracteriza-se por uma córnea com um diâmetro inferior a 11 mm. Pode estar isolada ou associada a colobomas, persistência da membrana pupilar, microfaquia, cataratas congénitas. I) ANOMALIAS DA SUPERFICIE DA CÓRNEA – Caracterizam-se por afectar as duas superfícies da córnea e se classificarem em: - córnea plana - queratoglobo - queratocone J) OPACIDADES CÓRNEA LOCALIZADAS - LEUCOMA CONGÉNITO - EMBRIOTOXON ANTERIOR (ou arco juvenil) - EMBRIOTOXON POSTERIOR DIFUSAS - ESCLEROCÓRNEA CONGÉNITA - ESTAFILOMA ANTERIOR CONGÉNITO 6) – ANOMALIAS DA IRIS A) Anirídia – Doença hereditária, autossómica dominante, usualmente bilateral. A ausência de íris é raramente completa, ocorrendo frequentemente em associação com o Tumor de Wilms. É rara. 10 António Ramalho B) – Membrana Pupilar Persistente – a paragem de regressão da porção anterior da cobertura vascular do cristalino, em qualquer estádio do seu desenvolvimento. Embora seja frequentemente encontrada, só raramente interfere com a visão. C) Anisocoria – Quando as pupilas são de diferentes tamanhos. Doença hereditária, autossómica dominante, ocorrendo em cerca de 25% de indivíduos normais (3). Deverá sempre ser diferenciada de diversas patologias neurológicas. D) Heterocromia – É uma doença hereditária, autossómica dominante, consistindo numa diferença de coloração entre as duas íris. E ) Colobomas íris – Podem ser totais ( se envolvem 1 quadrante ) ou parciais ( entalhe do bordo pupilar ) . São relativamente frequentes (1/6000 casos). Associação com membrana pupilar persistente . 7) UVEITES As uveites anteriores isoladas são raras no RN (observam-se unicamente pelos 4-5 anos no decurso da artrite reumatóide juvenil). Contrariamente, as corioretinites (dominadas pela retinocoroidite a toxoplasma e a citomegalovitus) são comuns nesta idade (1). 8) ANOMALIAS DO CRISTALINO A) Catarata – As cataratas congénitas são as que surgem antes ou imediatamente após o nascimento. Classificam-se habitualmente segundo a sua morfologia e clínica B) Esferofaquia – É uma patalogia hereditária, autossómica recessiva, caracterizada pela presença dum cristalino esférico e pequeno (micro-esfero-faquia), e com potencialidade de poder causar glaucoma por bloqueio pupilar. C) Lenticone – É uma protusão axial cónica da superfície anterior ou posterior do cristalino. Patologia hereditária, autossómica dominante ou recessiva D) Umbilicação – É o oposto do lenticone, ou seja, uma depressão da superfície do cristalino. 11 António Ramalho E) Ectopia Lentis – Geralmente bilateral. Pode ocorrer isolada ou associada habitualmente com um Sindroma dismórfico (S. Marfan, S. Marchesani, Homocistinúria). Clinicamente, manifesta-se por uma acuidade visual má, iridodonésis e complicação eventual por glaucoma. F) Coloboma – É um entalhe, mais ou menos profundo do bordo do cristalino. Associa-se habitualmente com défice das fibras zonulares. 9) LEUCOCÓRIA A pupila branca ou “leucocoria” testemunha uma opacidade situada atrás da íris. O exame biomicroscópico permite: 1) não confundir com as opacidades corneanas da área central (Anomalia Peters) 2) precisar algumas características clínicas (situação, forma, extensão, eventual vascularização, conexões com o cristalino e vítreo) 3) precisar outros elementos clínicos (uni ou bilateral, tamanho ocular normal ou ligeiramente menor). As causas mais comuns de leucocória, após as cataratas, são as doenças tumorais e a retinopatia da permaturidade. A) Cataratas – Compreende as cataratas congénitas e pós-natais. As cataratas congénitas são caracterizadas clinicamente pela presença de uma pupila branca, o sinal digito-ocular, um estrabismo (formas unilaterais) ou um nistagmo (formas bilaterais). Sob o ponto de vista etiológico, destacam-se a hereditariedade, embriofetopatias (rubéola, toxoplasmose congénita, varicela, herpes, gripe) e s. malformativos. B) Retinopatia da Prematuridade – A retinopatia dos prematuros (RP) é devida à oclusão dos vasos periféricos da retina da criança prematura, consequência duma concentração muito elevada de oxigénio. A isquémia local resultante estará associada com o desenvolvimento subsequente de proliferação neovascular. O aumento de sobrevida de crianças de baixo peso ao nascimento leva, paralelamente, a um aumento de incidência da RP. Em crianças com um peso ao nascimento de 750 gramas ou menos, 9 em cada 10 desenvolverá RP (4). As publicações mais recentes sobre esta patologia, no entanto, parecem demonstrar que o oxigénio não será a única causa na génese de RP, apontandose para uma etiologia multifactorial. 12 António Ramalho A informação obtida pelo estudo CRYO-ROP mostra que o tratamento (criocoagulação, fotocoagulação e vitrectomia) é benéfico. O estudo demonstrou que 50% sofrem uma diminuição dos resultados desfavoráveis após o tratamento, relativamente aos não tratados (2). C) Retinoblastoma – É o tumor ocular mais frequente na infância, com um desenvolvimento bilateral espontaneamente através em 25-35% duma dos mutação casos. genética O ou Tumor surge apresenta uma hereditariedade autossómica dominante. Ocorre em 25% de crianças com S. de delecção do cromossoma 13q-(4). O tumor apresenta uma potencialidade de propagação ao longo do nervo óptico ou uma disseminação metastática. Clinicamente pode manifestar-se por uma pupila branca, estrabismo e/ou complicações evolutivas. O diagnóstico é confirmado pelo achado radiológico de calcificações intraoculares. D) Persistência do Vítreo Primitivo – Unilateral em 90% dos casos, resultando da falência de regressão espontânea dos sistema vascular hialóideu e da túnica vascular lentis (2). Caracteriza-se pela presença de pupila branca em olho microftálmico. O diagnóstico coloca-se em presença de alongados processos ciliares inseridos numa massa fibrovasculat retrolenticular. E) Displasia da Retina - Patologia bilateral, caracterizada pela presença duma pupila branca, em olho microftálmico. F) Descolamento da Retina Os descolamentos idiopáticos são raros nas crianças. As etiologias mais comuns nas crianças são os traumas oculares, os tumores, inflamações, doenças vasculares e heredodegenerescências vitreoretinianas. 10) MALFORMAÇÕES CONGÉNITAS DA ESCLERÓTICA A) ESCLERÓTICA AZUL- A esclerótica apresenta uma coloração azulada, uniforme, cor essa devida ao pigmento da uvea. B) ECTASIA CONGÉNITA DA ESCLERA – É uma ectasia peripapilar, no fundo da qual se encontra o disco óptico. 13 António Ramalho 11) OUTRAS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DA ACUIDADE VISUAL A) Hemorragias Retinianas – São relativamente frequentes e consequência habitual do traumatismo obstétrico. Só há risco de ambliopia se ocorrer numa localização macular. B) Lesões Nervo Óptico – As patologias predominantes são a aplasia ou hiplopasia papilar. As atrofias ópticas precoces, são raras, podendo surgir no quadro da Osteopetrose de Albers-Schonberg, nas cranioestenoses e na hidrocefalia. C) Heredodegenerescências Corio-retinianas – A amaurose congénita de Leber é uma das patologias sempre a considerar em presença duma criança cega. Inicialmente, o fundo ocular é normal, excepto uma ligeira fragilidade vascular. Só posteriormente é que surge o aspecto clínico de retinopatia pigmentar. O diagnóstico é realizado com a existência duma extinção do ERG. D) Aplasia ou hipoplasia da mácula – São raras e ocorrem geralmente associadas a malformações congénitas como a microftalmia e os colobomas. 13 )ANOMALIAS DOS VASOS DA RETINA – Segundo a classificação de Duke-Elder, consideram-se os seguintes tipos : - anomalias de ramificação vascular - anomalias de trajecto - tortuosidades vasculares - dilatações venosas congénitas - cruzamentos vasculares anormais - direcção anormal vasos - vasos aberrantes da mácula - ansas vasculares no vítreo - anastomoses arterio-venosas congénitas - aneurismas congénitos CONCLUSÃO Um exame oftalmológico sistemático e bem orientado, permite detectar, entre outras, as patologias oculares responsáveis pela cegueira na infância, e que são por ordem decrescente: - degenerescências corio-retinianas e maculopatias 14 António Ramalho - atrofia óptica - catarata - glaucoma - tumor da retina -microftalmias e anomalias congénitas, colobomatosas ou não. Por outro lado, é importante salientar que, na ausência de anomalias visíveis do globo ocular, o comportamento da criança poderá pressupor uma alteração visual major, nomeadamente: a ausência de interesse aparente em relação ao mundo exterior, a ausência de perseguição dos objectos grandes e coloridos, e ausência duma reacção à luz mesmo intensa. BIBLIOGRAFIA 1- Mandrerieux N., Dufier J., Examen et sémiologie général du Nourrison, Encyclopédie Médico-Chirurgicale, Paris, 21765A10, 1072: 1-18. 2- Fontaine M., Ophthalmologie du Nouveau-né et du Nourrison, Sémeiologie général et diagnostic, Encyclopédie Médico-Chirurgicale, Paris, 21765A10, 1072: 1-18.. 3- Isenberg S., The eye of the Neonate, American Academy of Ophthalmology; Vol. VII, Módule 1, 1989: 1-19. 4- Scheie H., Albert D., Texbook of Ophthalmology, W. B. Saunders Company, Philadelphia, 9th edition, 1977: 1-44. 15