O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO
O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL
O amadurecimento das premissas do capitalismo no Brasil
Os primórdios do amadurecimento capitalista brasileiro, embora tímidos, tiveram lugar
no último quartel do século XIX. Uma condição fundamental para tanto foi, primeiramente, o
surgimento de um mercado de trabalho característico do capitalismo, baseado no
assalariamento da mão-de-obra, decorrente da maciça imigração de trabalhadores europeus
(e, posteriormente, japoneses), da Abolição e da derrocada de outras estruturas précapitalistas. Outro requisito foi o processo parcial de mudança ideológica na elite brasileira,
caracterizado por clamores cada vez mais robustos em favor da industrialização do País. Tais
apelos foram a resposta de uma parte da classe dominante às recorrentes crises da economia
tradicional observadas no final do século XIX.
Fatores internos e externos que estimularam o desenvolvimento da indústria brasileira
Indubitavelmente, a ação governamental desempenhou um importante papel no
nascimento da indústria brasileira, conquanto, em grande parte das vezes, de maneira
involuntária, pois guiada por outros objetivos (sobretudo fiscais). Já na primeira metade do
século XIX, a elevação da tarifa alfandegária, após o término do acordo comercial com a
Inglaterra, tivera um relevante efeito protecionista. Outro fator importante, à época, foi a
concessão de subsídios à incipiente indústria têxtil local, somada ao efeito demonstrativo do
avançado setor industrial inglês.
Maiores estímulos à indústria foram concebidos na última década do século XIX. Impostos
protecionistas sobre a importação de produtos manufaturados, redução nas taxas cobradas
sobre a importação de bens de capital e matérias-primas, além da concessão de outros
benefícios com a nova lei de proteção à indústria, constituíram incentivos ao fortalecimento da
atividade industrial brasileira. Mais tarde, na primeira década do século XX, uma nova crise de
superprodução cafeeira (a qual diminuiu a atratividade da mesma, liberando capitais para
serem investidos na indústria) e a eclosão da Primeira Guerra Mundial (que gerou escassez
interna de produtos importados, incentivando a produção local desses) representaram
condições favoráveis para o desenvolvimento industrial interno. Cabe ressaltar, igualmente, a
importância dos investimentos estrangeiros dirigidos diretamente à indústria ou a atividades
subsidiárias, como a construção de ferrovias e companhias de eletricidade.
Os primeiros grupos industriais brasileiros
A maior parte dos primeiros industriais brasileiros era oriunda do grupo de comerciantes
importadores e exportadores de origem estrangeira, assim como dos empresários-imigrantes
chegados ao Brasil no final do século XIX. Outra parcela desses industriais provinha da elite
fundiária brasileira, ligada à atividade cafeeira (comerciantes e latifundiários).
As regiões pioneiras no desenvolvimento industrial no Brasil
A localização inicial das primeiras fábricas brasileiras deu-se, principalmente, no Nordeste
e no Sudeste do País. Os primeiros teares modernos foram instalados em São Paulo, no
começo da década de 1870. Nessa mesma época, a agroindústria nordestina do açúcar
começou a modernizar-se, com a introdução de usinas, ao mesmo tempo em que avançadas
refinarias de açúcar e algumas manufaturas eram construídas nas províncias do Rio de Janeiro
e São Paulo. Imprescindível para o nascimento da indústria nessas regiões foi a participação
dos investimentos estrangeiros, a exemplo dos créditos ingleses direcionados para as
primeiras refinarias modernas de açúcar no Nordeste. Na região Sudeste, o fator mais
importante do avanço industrial consistiu nos estímulos gerados pela expansão cafeeira, tanto
no que se refere aos recursos provenientes da comercialização do café na praça do Rio de
Janeiro, como também aos capitais dirigidos à região Oeste de São Paulo, em vista da
concentração de novas plantações, novas linhas férreas e grande massa de imigrantes
europeus.
As grandes divergências entre cafeicultores e industriais, a força política de cada um
dos grupos
Durante a Primeira República, o predomínio político esteve nas mãos da elite fundiária e
do grande capital comercial ligado à exportação e importação do café. Esses grupos
orientaram a política econômica do Estado brasileiro de forma a atender aos seus interesses
econômicos imediatos. Contudo, as intervenções na economia defendidas por esses grupos
hegemônicos respondiam, por vezes, também aos interesses da burguesia industrial nascente,
revelando algum grau de complementaridade entre as demandas desses distintos grupos
sociais. Um exemplo são as políticas de desvalorização da moeda nacional aplicadas à época,
as quais interessavam tanto aos grupos ligados ao café (pois incentivavam as exportações
desse produto) como aos industriais (porquanto serviam de proteção à indústria local, ao
encarecer o valor das mercadorias importadas).
O
papel
desempenhado
pelos
investimentos
estrangeiros
no
processo
de
industrialização brasileiro
De maneira geral, a participação do capital estrangeiro no início da industrialização –
meados do século XIX – foi limitada, e os investimentos dirigiram-se eminentemente para a
infra-estrutura e para o setor financeiro. Nesse período, capitais britânicos e franceses foram
importantes na modernização da indústria açucareira. O afluxo de capitais estrangeiros para o
Brasil tornou-se mais intenso após a Primeira Guerra Mundial, e tais investimentos tiveram um
papel relevante na diversificação da estrutura industrial, com participação significativa na
maioria das indústrias criadas a partir da década de 1920.
O quadro de forças político-econômicas no final da década de 1930
A elite latifundiária cafeeira, notadamente aquela baseada em São Paulo, possuía, ainda
na década de 1930, um considerável domínio sobre as intervenções na economia brasileira.
Mesmo a constituição de um sólido grupo de fazendas pertencentes a imigrantes não era ainda
capaz de retirar o poder das mãos dessa elite. Entretanto, essa primazia do setor cafeeiro já
não era absoluta (como o demonstram algumas medidas governamentais contrárias ao
interesse dos fazendeiros), e adquiria uma importância cada vez maior a influência políticoeconômica exercida pelo setor urbano-industrial paulista.
Os efeitos da Grande Depressão sobre a política econômica brasileira
A política econômica brasileira caracterizava-se por ser, até a Revolução de 30, orientada
basicamente pelo objetivo de proteger as exportações de café. Após a perda da hegemonia
cafeeira, a qual se refletiu integralmente na constituição do Estado Novo, o estímulo
governamental voltou-se para o avanço do processo de industrialização do País.
Nesse contexto, a Grande Depressão representou o “canto de cisne” da proteção ao café.
Com o grande esfriamento do mercado internacional, tornou-se impossível, para o governo,
persistir na política de retenção dos estoques de café. Além disto, a política de defesa do
produto viu-se comprometida pela manutenção de uma política cambial inadequada (baseada
na conversibilidade mil-réis/ouro e na livre mobilidade de capitais). A conjugação desses
fatores terminou por inviabilizar a política governamental de sustentação dos preços do café,
amparada na estocagem do produto financiada por empréstimos externos.
O mercado interno após a Grande Depressão
Devido à queda no nível de renda provocado pela Grande Depressão, parte da
demanda antes satisfeita por importações dirigiu-se para o mercado interno. A consistência
desse novo movimento possibilitou a passagem para uma situação em que esse mercado
interno tornou-se o principal fator dinâmico da economia brasileira, determinando a taxa de
investimento e o ritmo do processo de formação de capital. De fato, ao analisarem-se os dados
relativos ao período 1929-1937, observa-se que o aumento da renda nacional foi induzido, em
essência, pelo próprio mercado interno.
O processo de industrialização por substituição de importações (PSI)
O processo de substituição de importações está relacionado ao deslocamento do
centro dinâmico da economia, o qual migra do setor externo para o investimento realizado nos
setores voltados para o mercado interno. O termo “substituição de importações”, entretanto,
não se refere somente ao início da produção interna de bens antes importados (devido a
dificuldades na importação dos mesmos), mas também envolve a mudança qualitativa na
composição da pauta de importações de um país. A partir da instalação, em uma economia, de
indústrias produtoras de determinadas mercadorias, torna-se necessária a importação de
matérias-primas, bens intermediários e bens de capital imprescindíveis para a continuidade do
processo produtivo, o que altera a lista de produtos importados por esse país.
Industrialização restringida
O termo “industrialização restringida” refere-se ao processo de industrialização
observado no Brasil, durante o período que se estende do início dos anos 30 até a implantação
do Plano de Metas no governo Juscelino Kubitschek. Essa industrialização teria sido limitada,
pois a implantação dos setores produtores de bens de capital e de bens intermediários teria
sido obstaculizada pela insuficiência das bases técnicas e financeiras da acumulação
capitalista no Brasil. Assim sendo, em função do parco desenvolvimento do setor de bens de
produção, o processo de interação e interdependência entre os setores de bens de consumo e
o de bens de produção – condição fundamental para a efetiva autonomia do processo de
desenvolvimento industrial – teria se constituído de maneira incompleta.
Projeto Nacional durante o Estado Novo
O projeto nacional proposto pelo Estado Novo consistia em atribuir ao Estado a função
de induzir o desenvolvimento industrial, evidenciando assim o enfraquecimento político da
oligarquia cafeeira. A indução estatal do desenvolvimento da indústria brasileira deveria ser
realizado através de três canais básicos: pela criação de órgãos reguladores da atividade
econômica, pela implementação de uma nova legislação trabalhista e pela produção direta de
determinadas mercadorias, como o aço na Cia. Siderúrgica de Volta Redonda. Este último
canal respondia à impossibilidade de se constituir, no País, grandes indústrias de bens de
produção sem a intervenção estatal, em virtude da fragilidade dos capitais nacionais e do
desinteresse das empresas multinacionais nesse tipo de investimento.
O Plano de Metas (JK)
O Plano de Metas representou a primeira experiência efetiva brasileira de planejamento
estatal, e foi implementado no período 1956-1960. Contemplava, além de amplos projetos
estatais de infra-estrutura, a articulação de substanciais quantias de investimentos privados de
origem externa e interna. No seu conjunto de 31 metas havia um ambicioso conjunto de
objetivos setoriais, e as áreas de energia, transporte, siderurgia e refino de petróleo
constituíram as prioridades em relação à parcela de investimentos alocada. O Plano buscava,
também, estimular a expansão e a diversificação do setor secundário, e foram criados grupos
executivos a fim de possibilitar a formulação conjunta de políticas industriais. No que tange às
fontes de financiamento do Plano de Metas, este se apoiava principalmente na expansão dos
meios de pagamento e do crédito (através de empréstimos do BNDE) e na tomada de
empréstimos do exterior.
De maneira geral, o Plano de Metas é considerado bem-sucedido quanto à sua
formulação e implementação. Sob uma perspectiva macroeconômica, as taxas de crescimento
anual do PIB e da renda per capita superaram as expectativas dos próprios formuladores. No
que se refere às metas setoriais previstas, a avaliação do Plano também é positiva: em sua
maioria, foram alcançadas boas taxas de realização em relação às previsões, evidenciando-se
um robusto crescimento nas taxas de investimento industrial (liderado pelo avanço no
departamento produtor de bens de capital e no departamento produtor de bens de consumo
duráveis).
A estrutura industrial brasileira a partir do Plano de Metas
A significativa elevação na taxa de crescimento industrial decorrente do Plano de Metas
apoiou-se em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado estrangeiro e, em
menor escala, pelo capital privado nacional. A hegemonia do capital externo era uma condição
necessária para a efetiva implementação do Plano, em razão do caráter extremamente
ambicioso do projeto face às condições de financiamento estatal e de capitais privados. O
capital internacional tornou-se, assim, dominante na produção manufatureira interna,
desempenhando um papel importante no processo então iniciado de oligopolização da
economia brasileira.
A importância do capital estatal e estrangeiro no Brasil a partir do Plano de Metas
No processo de desenvolvimento industrial representado pelo Plano de Metas, coube
ao setor público a provisão de insumos básicos (como aço e energia), além da montagem da
infra-estrutura básica em áreas como transportes e comunicações. Por outro lado, com os
estímulos embutidos no Plano de Metas para a atuação de capitais externos no processo de
desenvolvimento industrial, esses capitais passaram a ser dominantes em diversas áreas da
indústria, desempenhando um papel importante no processo então iniciado de oligopolização
da economia brasileira. As empresas multinacionais que chegaram ao Brasil nessa época
participaram ativamente em setores como a construção naval, a siderurgia e o automobilístico,
dominando amplamente a produção industrial no Brasil – especialmente os setores mais
dinâmicos da indústria de transformação. A presença do capital estrangeiro na economia
brasileira, impulsionada com a execução do Plano, tornou-se ainda mais substancial ao longo
da década de 1990.
O fechamento inicial da economia brasileira aos fluxos comerciais
O fechamento inicial da economia brasileira aos fluxos comerciais foi uma decorrência
inevitável da tentativa de proteger a indústria nacional e de realizar uma industrialização por
substituição de importações no País. A reserva de mercado imposta pelo Estado em diversos
setores da produção interna representou o fechamento às importações de produtos com similar
nacional, ao mesmo tempo em que se fazia necessário atrair os capitais estrangeiros para o
País, a fim de possibilitar o financiamento de projetos desenvolvimentistas como o Plano de
Metas. Desta forma, o aparente paradoxo representado pelo fechamento aos fluxos comerciais
e abertura aos fluxos de investimentos insere-se no contexto mais amplo do projeto nacional de
desenvolvimento dominante à época.
A presença do capital estrangeiro no Brasil, atualmente, não sustenta a afirmação de que
a economia brasileira é fechada com relação aos fluxos comerciais. Os capitais externos
possuem uma penetração significativa, tanto no que diz respeito aos fluxos comerciais, como
em relação aos fluxos de investimentos. As empresas multinacionais são responsáveis por
mais da metade da produção de bens de consumo duráveis no País, e são importantes
também nos setores de bens de capital e de consumo não-duráveis. Situação semelhante é
encontrada no âmbito financeiro, com relação ao qual os dados – índices como o grau de
abertura financeira – mostram uma grande abertura da economia brasileira aos fluxos de
capital internacionais.
ANOS 1967 e 1970: O MILAGRE ECONÔMICO
As diferentes interpretações sobre a crise econômica de 1962 – 1967
Diversas são as tentativas de explicação da crise de 1962-1967. A escola estruturalista
baseia a sua argumentação no conceito de crise cíclica do capitalismo, considerando a queda
na taxa de investimento a partir de 1962 como uma decorrência natural da conclusão de um
substancial conjunto de investimentos representado pelo Plano de Metas. A economia,
operando com um grau considerável de capacidade ociosa, levariam algum tempo para
absorver essas novas inversões, desestimulando a consecução de novos empreendimentos. A
essas dificuldades, somam-se fatores como o recrudescimento da inflação (que reduzia a
demanda por bens de consumo assalariado) e as políticas contracionistas de estabilização de
preços, como o Plano Trienal.
Outras interpretações conferem algum papel explicativo ao contexto político da época.
Enquanto Mário H. Simonsen atribui a queda nos investimentos à instabilidade política pré1964, Francisco de Oliveira, embora reconheça a importância fundamental do contexto político,
identifica no contraste existente entre um padrão de acumulação baseado na produção de bens
duráveis e a frágil estrutura do setor de produção de bens de capital a origem da crise
brasileira do período. Paul Singer é outro autor que destaca o papel exercido pela instabilidade
política (esta, por sua vez, decorrente em grande medida dos efeitos do processo inflacionário),
impasse que teria levado ao golpe militar. Todas as correntes de pensamento mencionadas
apontam fatores importantes para a deflagração e aprofundamento da crise, a qual não pode
ser explicada isoladamente – conforme proposto por alguns autores – pela recessão derivada
do Plano Trienal.
Aspectos políticos influenciaram a política econômica durante o período 1962 – 1967
As alternâncias da política econômica entre 1962-1967 refletiram as mudanças no
contexto político vigente em cada subperíodo. O Plano Trienal foi uma resposta política do
governo ao recrudescimento da inflação e à difícil situação do balanço de pagamentos do País.
A instabilidade política da época impediu a implementação efetiva das tentativas de
estabilização econômica propostas. O golpe militar de 1964 representou a derrocada do Estado
Populista no Brasil (impulsionador maior do PSI), mas o regime autoritário manteve o discurso
desenvolvimentista e de comprometimento com a retomada do crescimento econômico. Em
contraste com a postura nacionalista de governos anteriores, como o de Getúlio Vargas, o
regime militar optou pelo aumento da abertura brasileira aos capitais externos e pelo
aprofundamento da oligopolização na economia, em uma inserção internacional através do
modelo de capitalismo dependente e associado.
Os objetivos do Plano Trienal, de Celso Furtado, os instrumentos utilizados para sua
implementação e seus resultados
O Plano Trienal foi elaborado para combater a aceleração inflacionária e a situação
delicada do balanço de pagamentos, no final de 1962, buscando retomar a trajetória de
desenvolvimento econômico do Brasil. A orientação do plano foi eminentemente ortodoxa, o
que é atestado pelos instrumentos utilizados: de um lado, a política de contenção dos gastos
públicos; de outro, a restrição de liquidez. Pressões sindicais e políticas inviabilizaram o
prosseguimento das medidas implementadas, pelo que os resultados do plano não foram
exitosos, havendo uma redução do PIB per capita em 1963 e a manutenção da inflação em um
patamar elevadíssimo.
O PAEG sobre e as causas da inflação brasileira
As elevadas taxas de inflação eram decorrência, segundo os formuladores do PAEG,
do excesso de demanda verificado na economia. Este diagnóstico, notadamente monetarista,
identificava a monetização dos déficits públicos, a expansão creditícia e os aumentos salariais
excessivos como as causas fundamentais da demanda superaquecida.
Os principais objetivos do PAEG
Os objetivos do PAEG inseriam-se no discurso desenvolvimentista defendido pelas
autoridades governamentais. De maneira geral, buscava-se retomar o crescimento econômico,
por meio do incentivo ao aumento dos investimentos, estabilização inflacionária (esta, tornada
prioritária), redução drástica do déficit público e diminuição das desigualdades regionais. No
cenário externo, a prioridade foi atribuída à normalização das relações com os organismos
internacionais.
As principais transformações institucionais efetuadas pelo PAEG
O governo autoritário impôs um conjunto de transformações institucionais à economia
brasileira. No âmbito monetário-financeiro, implantou-se uma reforma bancária que formou a
estrutura básica do sistema financeiro no Brasil (com a criação do Banco Central, da correção
monetária e do BNH, entre outros). Implementou-se, também, uma profunda reforma tributária,
aumentando-se a arrecadação – através da mudança na distribuição dos tributos e da
utilização de fundos parafiscais – e centralizando-a no governo federal. O déficit público viu-se
reduzido, igualmente, pelo novo esquema de financiamento do setor público, amparado
primeiramente nas ORTN e, mais tarde, nas Letras do Tesouro Nacional.
Pode-se dizer que o PAEG atingiu de maneira razoável seus objetivos imediatos,
embora a um custo elevado para a maior parte dos trabalhadores assalariados. A tendência
inflacionária da economia foi controlada (a inflação foi reduzida ao patamar de 20% ao ano), e
as reformas institucionais do plano desempenhariam um papel importante no crescimento
econômico futuro. Todavia, a contração econômica no curto-prazo atingiu duramente setores
como os trabalhadores assalariados e as pequenas e médias empresas, revelando-se de alto
custo social.
A economia mundial no pós-guerra
A economia mundial vivenciou, entre o pós-guerra e meados dos anos 1970, um
período de robusto crescimento, no qual foram observados os chamados “milagres
econômicos” em países como Japão, Alemanha, Espanha e Formosa. As elevadas taxas de
crescimento econômico estimularam uma intensificação dos fluxos comerciais e de capitais
financeiros, tornando possível o surgimento de ondas de industrialização mesmo em países
subdesenvolvidos, como o Brasil.
O financiamento externo durante o milagre econômico brasileiro
Caso o financiamento externo do “milagre” fosse realmente necessário, as contas
externas do Brasil deveriam mostrar a existência de grandes déficits em transações correntes
não financiados pelo ingresso de capitais de risco, de forma que os recursos tomados em
empréstimo do exterior servissem para saldar esses déficits e não para o aumento das
reservas internacionais do País. No entanto, a situação verificada no período é distinta: o
balanço de pagamentos apresentava-se praticamente equilibrado; adicionalmente, o sistema
financeiro nacional, especialmente o privado, não se caracterizava por oferecer grande parte
de seus financiamentos para o setor produtivo. Assim, a explicação mais plausível para o
intenso ritmo de crescimento da dívida externa brasileira parece estar na substancial
diminuição das taxas de juros reais relativas aos recursos externos, o que fez desse tipo de
empréstimo uma opção extremamente atrativa para os agentes brasileiros.
A evolução dos indicadores sociais durante o milagre econômico
O enorme crescimento econômico observado durante o “milagre” não se refletiu na
melhora das condições de bem-estar da população brasileira. Os indicadores sociais
deterioraram-se nitidamente, e verificou-se um brutal aumento na concentração da renda entre
o início e o fim desse período. A exclusão social decorrente de fatores como a diminuição do
salário mínimo real e a maior intensidade de trabalho pode ser ilustrada pelo agravamento das
condições de saúde da maior parte da população, evidenciada em acontecimentos como o
crescimento da taxa de mortalidade infantil no período.
Os limites estruturais do crescimento dependente
Uma limitação básica do modelo de crescimento adotado no Brasil entre 1968 e 1973
consistia
no
notável
aumento
das
importações
de
bens
de
capital,
refletindo
o
subdesenvolvimento do departamento I da economia nacional e as desproporcionalidades
setoriais geradas pelo “milagre”. Essas desproporcionalidades – caracterizadas essencialmente
pela fragilidade dos setores produtores de bens de capital e de bens intermediários –
ocasionaram o ressurgimento dos déficits comerciais e de pressões inflacionárias. Os demais
focos de tensões inflacionárias advinham da retomada dos aumentos salariais (em virtude da
maior demanda por mão-de-obra) e da redução da disponibilidade de alimentos e matériasprimas no mercado interno (devido ao impulso oferecido à agricultura de exportação). Outro
problema do modelo adotado residia no crescente endividamento externo utilizado para
financiar os mencionados déficits em transações correntes, mesmo após a ocorrência do
primeiro choque do petróleo – cujos efeitos foram percebidos como temporários pelas
autoridades governamentais da época.
ANOS 1970 E 1980: CRISE E INFLAÇÃO
As razões provocaram a saída de Simonsen e a volta de Delfim Netto ao comando da
economia
A mudança no comando da política econômica, com a substituição de Simonsen por
Delfim Netto, refletia o desenrolar de uma incessante batalha com respeito a qual deveria ser o
novo rumo da economia brasileira no limiar dos anos 1980. Para Simonsen, o governo deveria
promover um ajuste fiscal importante, efetuando-se cortes nos investimentos não-prioritários;
além disto, no setor externo, a prioridade deveria ser a melhoria na conta de transações
correntes e a retomada do controle do endividamento externo. No entanto, a ideologia
desenvolvimentista de Delfim Netto prevaleceu, priorizando-se a retomada do crescimento
econômico capaz de legitimar o regime autoritário. Assim, optou-se pela tentativa de reedição
do “milagre econômico”, mesmo em um contexto de crise internacional.
A retomada do crescimento conduzida por Delfim Netto em 1979-1983
Delfim Netto implementou, no final de 1979, uma política econômica heterodoxa, a qual
previa o aumento na indexação dos salários, prefixações defasadas das correções monetária e
cambial, controle dos juros e uma maxidesvalorização da moeda nacional, da ordem de 30%. A
atuação do governo foi direcionada para a manutenção dos investimentos nos setores de
energia, insumos básicos e exportação (notadamente a agricultura). Como conseqüência do
substancial aquecimento da economia, criou-se uma forte pressão sobre o balanço de
pagamentos, e as dificuldades para sanar os déficits terminaram por ocasionar a reversão da
política macroeconômica já no final de 1980.
As principais características da recessão no período 1981 – 1983
A recessão brasileira entre 1981 e 1983 teve um elevado custo social. A queda de 3%
no PIB em 1981 – decorrente da adoção de uma política contracionista, com redução do gasto
público, aumento da tributação e diminuição da liquidez e do crédito – e o crescimento
medíocre de 1,1% em 1982 provocaram uma redução da renda per capita brasileira. O objetivo
fundamental da recessão implementada consistia em alcançar superávits comerciais cada vez
maiores, compensando-se assim o pagamento do crescente serviço da dívida externa (que
aumentava o déficit da conta de serviços). Com o choque externo representado pela moratória
mexicana, aumentaram as pressões sobre o balanço de pagamentos, e em 1983 o PIB cairia
2,8% (pois o crescimento econômico viu-se subordinado ao compromisso de melhoria das
contas externas assumido perante o FMI, em 1982), havendo uma retração significativa em
setores como o de bens de capital. Durante todo o período 1981-1983, a inflação apresentouse em elevação contínua, provocando a corrosão dos salários, os quais eram reajustados de
maneira defasada. A recessão desse período infligiu uma perda de 11% à renda per capita
nacional.
O que caracteriza um período de estagflação?
O termo estagflação denota uma situação econômica em que se combinam a
estagnação – isto é, PIB declinante ou inalterado – e a inflação – ou seja, preços crescentes.
Foi uma situação característica dos países dependentes da importação de petróleo, logo após
os choques de preços do produto em 1973 e 1979.
Os principais fatores que explicam a retomada do crescimento a partir de 1984
Em primeiro lugar, a recuperação verificada na economia dos EUA favoreceu o
aumento das exportações brasileiras. Outro fator importante foi o crescimento da renda
agrícola, em virtude da alta nos preços dos produtos primários e do incremento da produção
para o mercado interno. Por outro lado, a pequena recuperação salarial de 1984 permitiu o
aumento da produção de bens não-duráveis.
O crescimento da dívida externa brasileira a partir dos anos 1960
O endividamento crescente do Brasil como o exterior, a partir da segunda metade da
década de 60, foi uma conseqüência direta do processo de inserção internacional do País. Em
virtude da grande disponibilidade de capitais externos, a realização do “milagre econômico” foi
acompanhada por um aumento contínuo da tomada de empréstimos no mercado internacional
(utilizados notadamente para o acúmulo de reservas, já que o crescimento econômico
alcançado no período foi financiado, em sua maior parte, por recursos internos). Embora as
taxas de juros vigentes à época fossem extremamente atrativas para os tomadores de
empréstimos, como o Brasil, surgia o problema do aumento natural desses custos conforme
crescia o montante total da dívida.
Logo após o período do “milagre”, a elevação do endividamento externo brasileiro deveuse principalmente à implementação do II PND, cujo conjunto de investimentos foi financiado
eminentemente por recursos externos. Ademais, os substanciais déficits em conta corrente
gerados por choques externos (como o primeiro choque do petróleo) reforçaram a opção por
esse tipo de endividamento. No final da década de 1970, era evidente que tal endividamento
tornara-se um processo auto-alimentado, pois o aumento da dívida bruta fazia-se a juros
flutuantes cada vez maiores, ao ponto de o pagamento desses juros representar quase 50% do
déficit em conta corrente entre 1977 e 1978. A situação agravou-se ainda mais a partir de
1979, com o segundo choque do petróleo, devido à elevação dos juros internacionais e à piora
no cenário do comércio internacional (deterioração dos termos de troca, aumento do
protecionismo e diminuição dos fluxos comerciais), ocasionando uma queda abrupta nas
exportações brasileiras.
O desequilíbrio externo como determinante da crise fiscal do Estado e da escalada
inflacionária no país
O processo de deterioração das contas externas do País foi acompanhado por uma
situação similar no âmbito das contas internas. Na verdade, o aumento da dívida interna seria
causado pela elevação da dívida externa. O excesso na entrada de recursos ao Brasil derivada
do processo de endividamento teria forçado a sua esterilização por meio da emissão de títulos
públicos por parte do Estado brasileiro, elevando assim a dívida interna e configurando o
agravamento da situação fiscal. À medida que o pagamento do serviço da dívida se refletia em
um recrudescimento do desequilíbrio externo, ocorria a desvalorização da moeda nacional e,
conseqüentemente, o aumento da inflação; neste contexto, o descontrole da emissão de
moeda constituiria um processo endógeno.
O processo de estabilização da dívida externa brasileira
A estatização da dívida brasileira apresenta-se como um reflexo da facilidade que as
empresas estatais possuíam para obter financiamento externo, ocasionando uma contínua
elevação da participação dessas empresas nas captações totais. Tal endividamento foi
utilizado de maneira crescente pelo governo para possibilitar o fechamento do balanço de
pagamentos e, posteriormente, para retomar o acúmulo de reservas. Internamente, a
promulgação de uma legislação que buscava estimular as captações externas privadas, a qual
possibilitava a transferência dos encargos dos débitos externos (correção cambial, principal e
juros) das instituições financeiras e empresas não-financeiras para o Banco Central, significou
a complementação do processo de estatização da dívida externa, provocando assim um
profundo desequilíbrio estrutural no setor público brasileiro.
As principais características do processo de especulação financeira na economia
brasileira a partir do final dos anos 1970
A “ciranda financeira” observada no Brasil, intensificada a partir de meados da década
de 1970, terminou por associar os interesses do capital produtivo com os do capital
especulativo. Os lucros excessivos das grandes empresas públicas e privadas passaram a ser
destinados, em parcela cada vez maior, à especulação nos mercados financeiros, conduzindo
a situações nas quais essas empresas apresentavam resultados financeiros superiores aos
operacionais. Adicionalmente, os títulos públicos (protegidos dos efeitos da inflação) tornaramse os ativos determinantes das taxas de remuneração mínimas do mercado financeiro; com a
escalada inflacionária, a rentabilidade desejada pelos agentes para esses títulos passou a
incorporar estimativas cada vez maiores de inflação, tornando a correção monetária um
mecanismo propagador do aumento dos preços.
As implicações da existência de grande especulação financeira sobre a economia
Em primeiro lugar, a crescente especulação financeira realizada no País transformou a
correção monetária em um mecanismo alimentador da inflação, em vista das estimativas
inflacionárias cada vez maiores efetuadas pelos agentes econômicos e exigidas nos títulos
públicos. Por outro lado, os capitais direcionados para a especulação financeira constituíam
excedentes que poderiam ser aplicados (mas não o eram) em investimentos produtivos,
estabelecendo-se uma situação na qual o sistema financeiro brasileiro era incapaz de atuar
como financiador do setor produtivo, representando assim um óbice à consolidação de formas
capitalistas mais desenvolvidas no Brasil. Por último, a oligopolização desse sistema financeiro
propiciou o seu hiperdesenvolvimento, contribuindo para o processo de concentração de renda
e de poder político.
TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL E POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO
Os Planos de Estabilização
A partir de que momento a inflação tornou-se um problema crônico no Brasil?
O processo de aceleração inflacionária, iniciado em meados dos anos 1970, tornou-se
efetivamente crônico logo nos primeiros anos da década de 1980. O caráter assumido pela
inflação brasileira revelou-se inercial, e eventos como a maxidesvalorização do cruzeiro em
1983 possibilitaram o estabelecimento de um patamar inflacionário da ordem de 200% ao ano.
Após o malogrado Plano Cruzado, as taxas de inflação recrudesceram de maneira intermitente,
configurando-se uma situação de hiperinflação no final de 1989.
As diferenças fundamentais entre o diagnóstico de inflação feito pelos inercialistas e os
diagnósticos dos economistas monetaristas e Keynesianos
As teorias monetarista e keynesiana assumem que a inflação é devida, em princípio, a
problemas de demanda, tornando-se mais elevada nos momentos de expansão da economia.
Como, para a escola monetarista, a inflação é acelerada pelo aumento da quantidade nominal
de moeda acima do aumento da renda nacional, as políticas de controle inflacionário deveriam
pautar-se pela execução de um ajuste fiscal e pela implementação de políticas monetárias
contracionistas. No caso da escola keynesiana, também surge a necessidade de se implantar
políticas fiscal e monetária contracionistas, a fim de corrigir o excesso de demanda agregada
com relação à oferta (situação esta que, no entender dos keynesianos, ocasiona o surgimento
da inflação).
Em contraste com essa visão, a teoria inercialista – inspirada no trabalho de Ignácio
Rangel sobre o problema – vê a inflação como o resultado dos desequilíbrios da economia, os
quais se manifestam por meio da recessão, e não como uma conseqüência do crescimento
excessivo da demanda. A existência de oligopólios torna-se um elemento acelerador da
inflação, uma vez que esses agentes podem relutar em aceitar diminuições na sua renda real,
aumentando seus preços mesmo em épocas de recessão; o conflito distributivo desempenha,
desta maneira, o papel central na teoria inercialista da inflação. Contrariamente ao pensamento
dos monetaristas, a oferta de moeda constitui, para os inercialistas, uma decorrência da
inflação existente (ou seja, é endógena), e não a causa desse processo.
Entre os economistas comprometidos com o desenvolvimento da teoria inercialista da
inflação, podemos citar Yoshiaki Nakano, Luís Carlos Bresser Pereira, André Lara Resende,
Francisco Lopes, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Adroaldo Moura da Silva e Eduardo Modiano,
entre outros.
As controvérsias em relação às políticas antinflacionárias
Na visão de Bresser e Nakano, os fatores aceleradores da inflação são o aumento dos
salários médios reais e/ou das margens de lucro acima do aumento de produtividade, as
desvalorizações reais da moeda, o aumento no custo dos bens importados e a elevação dos
impostos. O fator mantenedor da inflação, em essência, é o conflito distributivo verificado entre
empresas, burocratas e trabalhadores, com o intuito de cada parte de manter – e,
eventualmente, aumentar – sua parcela na renda nacional. Contribuiriam ainda, para a
manutenção do patamar inflacionário, a indexação formal da economia e a presença de setores
oligopolizados. No que se refere aos fatores sancionadores da inflação, estes seriam os
aumentos na oferta nominal de moeda (pois, em situações de inflação elevada, essa oferta
tornar-se-ia endógena) e o déficit público.
As estratégias antinflacionárias da Nova República anteriores ao Plano Cruzado
Inicialmente, duas propostas para combater a inflação inercial apresentavam-se: de um
lado, a montagem de um sistema de prefixação gradual, com orientações de reajustes de
preços declinantes por parte dos agentes econômicos; por outro lado, propunha-se também um
congelamento geral e rápido de todos os preços da economia, com tabelas de conversão
formuladas para a eliminação da inércia inflacionária (proposta esta que, durante algum tempo,
foi defendida por economistas como Francisco Lopes, entre outros). Uma terceira proposição,
conhecida como Larida (em virtude dos nomes de seus formuladores, André Lara Resende e
Pérsio Arida), contemplava a realização de uma reforma monetária que permitisse, durante um
breve período, a convivência entre duas moedas. A nova moeda desempenharia o papel de
uma âncora nominal, alcançando-se a estabilização quando da eliminação da moeda antiga, e
o ajuste seria neutro em termos distributivos. Bresser e Nakano possuíam, por sua vez, uma
proposta semelhante à de Francisco Lopes, priorizando os reajustes defasados de preços e o
controle do conflito distributivo existente na economia brasileira de então.
O fracasso do Plano Cruzado
Os primeiros momentos da Nova República caracterizaram-se pela mera adoção de
medidas de austeridade fiscal e monetária no combate ao problema crônico da inflação. Após o
primeiro ímpeto de políticas restritivas isoladas, lançou-se mão de mecanismos como o
congelamento
de
preços
na
gestão
fazendária
de
Francisco
Dornelles,
além
de
minidesvalorizações do cruzeiro e modificações contínuas nas correções monetária e cambial.
Tais medidas fracassaram inapelavelmente, a exemplo das intervenções promovidas por
Dílson Funaro (alterações nas regras de indexação e contenção dos aumentos das tarifas
públicas), evidenciando a inadequação da estratégia gradualista para a obtenção da
estabilidade das taxas mensais de inflação.
Outros planos heterodoxos de estabilização – Bresser e Verão – também falharam na
tentativa de debelar o processo inflacionário
Primeiramente, pode-se apontar a explosão do consumo e a despoupança –
ocasionadas pela abrupta elevação dos salários reais após a decretação do Plano Cruzado –
como
elementos
desestabilizadores
dessa
estratégia
antiinflacionária.
Ademais,
o
congelamento revelou-se de difícil manutenção por conta de fatores como as pressões de
demanda geradas, as defasagens das tarifas públicas e a “maquiagem” de produtos. O
congelamento da taxa de câmbio também constituiu um elemento desestabilizador, na medida
em que impulsionou a perda de reservas internacionais e dificultou o pagamento do serviço da
dívida externa.
O Plano Bresser padeceu, logo de início, de falta de credibilidade junto ao público,
devido ao fato de contemplar, tal como o Plano Cruzado, um congelamento de preços.
Pressões inflacionárias advindas do desequilíbrio de alguns preços relativos e dos superávits
na balança comercial contribuíram para o fracasso do Plano, aliadas à ausência de uma
reforma tributária efetiva e à queda do investimento decorrente de taxas reais de juros
positivas. As precárias condições políticas para a manutenção das medidas implementadas
também ocasionaram o insucesso do Plano Verão em reduzir o ritmo dos aumentos de preços.
A elevação dos juros requerida em razão da precoce retomada inflacionária redundou na
impossibilidade de diminuição do déficit fiscal, e a autorização para alguns aumentos de preços
– somados à desvalorização da moeda nacional – significaram, finalmente, o ocaso do
congelamento imposto.
TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL E POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO
Os Planos de Estabilização
A partir de que momento a inflação tornou-se um problema crônico no Brasil?
O processo de aceleração inflacionária, iniciado em meados dos anos 1970, tornou-se
efetivamente crônico logo nos primeiros anos da década de 1980. O caráter assumido pela
inflação brasileira revelou-se inercial, e eventos como a maxidesvalorização do cruzeiro em
1983 possibilitaram o estabelecimento de um patamar inflacionário da ordem de 200% ao ano.
Após o malogrado Plano Cruzado, as taxas de inflação recrudesceram de maneira intermitente,
configurando-se uma situação de hiperinflação no final de 1989.
As diferenças fundamentais entre o diagnóstico de inflação feito pelos inercialistas e os
diagnósticos dos economistas monetaristas e Keynesianos
As teorias monetarista e keynesiana assumem que a inflação é devida, em princípio, a
problemas de demanda, tornando-se mais elevada nos momentos de expansão da economia.
Como, para a escola monetarista, a inflação é acelerada pelo aumento da quantidade nominal
de moeda acima do aumento da renda nacional, as políticas de controle inflacionário deveriam
pautar-se pela execução de um ajuste fiscal e pela implementação de políticas monetárias
contracionistas. No caso da escola keynesiana, também surge a necessidade de se implantar
políticas fiscal e monetária contracionistas, a fim de corrigir o excesso de demanda agregada
com relação à oferta (situação esta que, no entender dos keynesianos, ocasiona o surgimento
da inflação).
Em contraste com essa visão, a teoria inercialista – inspirada no trabalho de Ignácio
Rangel sobre o problema – vê a inflação como o resultado dos desequilíbrios da economia, os
quais se manifestam por meio da recessão, e não como uma conseqüência do crescimento
excessivo da demanda. A existência de oligopólios torna-se um elemento acelerador da
inflação, uma vez que esses agentes podem relutar em aceitar diminuições na sua renda real,
aumentando seus preços mesmo em épocas de recessão; o conflito distributivo desempenha,
desta maneira, o papel central na teoria inercialista da inflação. Contrariamente ao pensamento
dos monetaristas, a oferta de moeda constitui, para os inercialistas, uma decorrência da
inflação existente (ou seja, é endógena), e não a causa desse processo.
Entre os economistas comprometidos com o desenvolvimento da teoria inercialista da
inflação, podemos citar Yoshiaki Nakano, Luís Carlos Bresser Pereira, André Lara Resende,
Francisco Lopes, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Adroaldo Moura da Silva e Eduardo Modiano,
entre outros.
As controvérsias em relação às políticas antinflacionárias
Na visão de Bresser e Nakano, os fatores aceleradores da inflação são o aumento dos
salários médios reais e/ou das margens de lucro acima do aumento de produtividade, as
desvalorizações reais da moeda, o aumento no custo dos bens importados e a elevação dos
impostos. O fator mantenedor da inflação, em essência, é o conflito distributivo verificado entre
empresas, burocratas e trabalhadores, com o intuito de cada parte de manter – e,
eventualmente, aumentar – sua parcela na renda nacional. Contribuiriam ainda, para a
manutenção do patamar inflacionário, a indexação formal da economia e a presença de setores
oligopolizados. No que se refere aos fatores sancionadores da inflação, estes seriam os
aumentos na oferta nominal de moeda (pois, em situações de inflação elevada, essa oferta
tornar-se-ia endógena) e o déficit público.
As estratégias antinflacionárias da Nova República anteriores ao Plano Cruzado
Inicialmente, duas propostas para combater a inflação inercial apresentavam-se: de um
lado, a montagem de um sistema de prefixação gradual, com orientações de reajustes de
preços declinantes por parte dos agentes econômicos; por outro lado, propunha-se também um
congelamento geral e rápido de todos os preços da economia, com tabelas de conversão
formuladas para a eliminação da inércia inflacionária (proposta esta que, durante algum tempo,
foi defendida por economistas como Francisco Lopes, entre outros). Uma terceira proposição,
conhecida como Larida (em virtude dos nomes de seus formuladores, André Lara Resende e
Pérsio Arida), contemplava a realização de uma reforma monetária que permitisse, durante um
breve período, a convivência entre duas moedas. A nova moeda desempenharia o papel de
uma âncora nominal, alcançando-se a estabilização quando da eliminação da moeda antiga, e
o ajuste seria neutro em termos distributivos. Bresser e Nakano possuíam, por sua vez, uma
proposta semelhante à de Francisco Lopes, priorizando os reajustes defasados de preços e o
controle do conflito distributivo existente na economia brasileira de então.
O fracasso do Plano Cruzado
Os primeiros momentos da Nova República caracterizaram-se pela mera adoção de
medidas de austeridade fiscal e monetária no combate ao problema crônico da inflação. Após o
primeiro ímpeto de políticas restritivas isoladas, lançou-se mão de mecanismos como o
congelamento
de
preços
na
gestão
fazendária
de
Francisco
Dornelles,
além
de
minidesvalorizações do cruzeiro e modificações contínuas nas correções monetária e cambial.
Tais medidas fracassaram inapelavelmente, a exemplo das intervenções promovidas por
Dílson Funaro (alterações nas regras de indexação e contenção dos aumentos das tarifas
públicas), evidenciando a inadequação da estratégia gradualista para a obtenção da
estabilidade das taxas mensais de inflação.
Outros planos heterodoxos de estabilização – Bresser e Verão – também falharam na
tentativa de debelar o processo inflacionário
Primeiramente, pode-se apontar a explosão do consumo e a despoupança –
ocasionadas pela abrupta elevação dos salários reais após a decretação do Plano Cruzado –
como
elementos
desestabilizadores
dessa
estratégia
antiinflacionária.
Ademais,
o
congelamento revelou-se de difícil manutenção por conta de fatores como as pressões de
demanda geradas, as defasagens das tarifas públicas e a “maquiagem” de produtos. O
congelamento da taxa de câmbio também constituiu um elemento desestabilizador, na medida
em que impulsionou a perda de reservas internacionais e dificultou o pagamento do serviço da
dívida externa.
O Plano Bresser padeceu, logo de início, de falta de credibilidade junto ao público,
devido ao fato de contemplar, tal como o Plano Cruzado, um congelamento de preços.
Pressões inflacionárias advindas do desequilíbrio de alguns preços relativos e dos superávits
na balança comercial contribuíram para o fracasso do Plano, aliadas à ausência de uma
reforma tributária efetiva e à queda do investimento decorrente de taxas reais de juros
positivas. As precárias condições políticas para a manutenção das medidas implementadas
também ocasionaram o insucesso do Plano Verão em reduzir o ritmo dos aumentos de preços.
A elevação dos juros requerida em razão da precoce retomada inflacionária redundou na
impossibilidade de diminuição do déficit fiscal, e a autorização para alguns aumentos de preços
– somados à desvalorização da moeda nacional – significaram, finalmente, o ocaso do
congelamento imposto.
ABERTURA COMERCIAL E O GOVERNO COLLOR
O início da discussão sobre a abertura comercial na América Latina
O esgotamento do modelo de substituição de importações representou o principal
estímulo para as discussões acerca da abertura comercial nos países latino-americanos,
atribuindo a esse último processo uma aura de inevitabilidade. Desde o início dos anos 1980, a
liberalização começou a pautar as políticas econômicas, de uma maneira geral, na maioria dos
países em desenvolvimento. Na América Latina, assistiu-se a uma generalização da abertura
comercial das economias a partir da segunda metade da década de 1980, embora alguns
países, como Chile, Argentina, México e Venezuela, já tivessem alguma experiência no que se
refere a tentativas de abertura de suas economias desde a década de 1970.
As peculiaridades da abertura da economia brasileira
A abertura comercial brasileira, iniciada efetivamente em 1988, intensificou-se a partir
de 1990. O esgotamento do modelo de substituição de importações – aliado ao crescimento
insatisfatório das exportações nacionais e o marcado atraso tecnológico de diversos setores da
economia – e a crescente desregulamentação dos mercados internacionais desempenharam
um papel impulsionador desse processo, evidenciado por fatores como o notável declínio das
alíquotas nominais médias de importação. Ao contrário do ocorrido em diversos outros países
em desenvolvimento que abriram suas economias, não houve o cuidado, no Brasil, de se
adaptar os fatores de competitividade sistêmica, obrigando-se as empresas brasileiras a
enfrentar a concorrência externa em um ambiente de juros e tributação elevados, carência de
infra-estrutura e burocracia excessiva.
Os efeitos positivos e negativos da abertura comercial brasileira
Os consumidores brasileiros certamente beneficiaram-se da reestruturação industrial
verificada a partir da abertura comercial, desfrutando de uma maior disponibilidade de bens e
serviços, menores preços e tecnologias mais avançadas. Contudo, a condução do processo de
abertura colocou os empresários nacionais em condições de desvantagem perante a
concorrência externa, em virtude de elementos como as altas taxas de juros internas e a
excessiva carga tributária, provocando a falência de muitas dessas firmas e queda no nível de
emprego.
As principais características dos planos de estabilização Collor I e II
Tanto o Plano Collor I como o Collor II provocaram uma retração da atividade
econômica, em razão das medidas de contração fiscal e monetária adotadas. Ambos optaram
pela utilização do congelamento de preços e salários e da unificação das datas-base de
reajustes salariais, além da implantação de medidas que visavam a diminuição dos gastos das
empresas estatais e com o funcionalismo público. O Plano Collor I, no entanto, constituiu uma
tentativa de estabilização mais abrangente, lançando mão também do confisco de depósitos à
vista e de aplicações financeiras e instituindo o câmbio flutuante.
O PLANO REAL E SEUS DESDOBRAMENTOS
As principais características das três fases de implementação do Plano Real
A primeira fase de implementação do Plano Real consistiu no estabelecimento do
equilíbrio das contas do governo, pois o equilíbrio fiscal era considerado, pela equipe
econômica, uma condição essencial para a estabilização da economia (e, conseqüentemente,
para o início de um processo de desenvolvimento sustentado de longo prazo). Esta primeira
fase, implantada com o Programa de Ação Imediata, foi caracterizada pela promulgação de
medidas que visavam a redução dos gastos federais, aumento da receita tributária,
reformulação das relações entre o governo federal e os demais níveis de governo, maior
controle das empresas e bancos estatais e aperfeiçoamento do programa de privatizações.
A segunda fase do Plano Real baseou-se na implementação de um índice monetário
denominado URV, o que representava a indexação generalizada da economia brasileira.
Pretendia-se, assim, restaurar a função – perdida devido ao recrudescimento inflacionário – de
unidade de conta da moeda, servindo como referência para preços e salários, e constituindo
um processo de eliminação da memória inflacionária. O critério de neutralidade distributiva
fundamentou a implantação da URV, cuja adoção era voluntária por parte dos agentes
econômicos.
Finalmente, a etapa decisiva do Plano consistiu na introdução da nova moeda, o Real. O
valor desta moeda foi inicialmente protegido por uma série de medidas, como limites
constitucionais para as emissões e fixação de um teto máximo para a taxa de câmbio.
As maiores virtudes e vulnerabilidades do Plano Real
A reforma do padrão monetário e a ampla disseminação da URV exerceram um
importante papel didático, favorecendo análises mais criteriosas dos custos por parte dos
agentes econômicos, elemento este fundamental para a deflagração de um processo de
eliminação da memória inflacionária. Além disso, os salários passaram a ser recebidos pelos
trabalhadores em uma moeda com poder de compra relativamente constante, minimizando-se
assim a deterioração (inevitável em um cenário de inflação alta) do poder de compra desses
agentes entre dois reajustes. Por outro lado, uma das vulnerabilidades do Plano residia na
necessidade de um efetivo ajuste fiscal, elemento que se tornava de árdua implementação
devido à falta de entusiasmo inicial, por parte da classe política e demais esferas de governo,
em relação a uma agenda ambiciosa de reconstrução da capacidade de financiamento público.
Ademais, conforme verificou-se posteriormente, a valorização do Real exacerbou os problemas
para o fechamento do balanço de pagamentos (estimulando as importações em detrimento das
exportações), e a incapacidade financeira do Estado fragilizava sobremaneira o arcabouço da
política econômica.
Diferentemente do ocorrido com outros planos de estabilização adotados no Brasil, o
Plano Real não incluiu o congelamento de preços. Outra virtude encontrada em sua
formulação, a qual também diferencia o Plano Real de seus predecessores, foi a utilização do
princípio da neutralidade distributiva como guia para a reforma monetária, evitando-se as
distorções provocadas pelas tentativas anteriores de estabilização (como no caso dos
contratos anteriormente estabelecidos e da conversão dos salários) e a retomada inflacionária
em razão da explosão do consumo.
Objetivo previsto no Plano Real
O objetivo mais premente, representado pelo controle das elevadas taxas de inflação mensal,
foi alcançado com profundo sucesso, possuindo um impacto altamente positivo sobre o poder
de compra da população. O decorrente aumento do consumo viu-se impulsionado também
pelos incrementos efetivos na massa salarial e pela melhora inicial do nível de emprego.
Inicialmente, houve também um satisfatório crescimento do PIB, distribuído por diversos
setores da economia.
Avaliação do Plano Real
O Plano Real pode ser considerado um dos mais bem-sucedidos programas de
estabilização brasileiros. O elemento mais visível desse êxito é o controle das taxas de
inflação, fato que tornou o ambiente econômico mais estável e previsível – favorecendo as
decisões de investimento dos agentes – e teve efeitos benéficos sobre o acesso ao crédito e
sobre o poder de compra da população. Todavia, embora as taxas de crescimento do PIB
tenham sido satisfatórias inicialmente, a vulnerabilidade externa da economia brasileira impediu
a retomada do crescimento sustentado. A restrição externa transformou-se no principal óbice
ao crescimento da economia brasileira, agravada no início pela sobrevalorização cambial e
pela abertura comercial. Ademais, as altas taxas de juros vigentes no País representaram – e
ainda representam – um entrave significativo para o aumento dos investimentos.
A sustentabilidade do Plano Real e a retomada do crescimento econômico sustentado
(este o objetivo mais fugidio) dependem, fundamentalmente, do aprofundamento das reformas
implementadas no âmbito estrutural, nas áreas fiscal-tributária, patrimonial, financeira e
administrativa. Não há dúvida quanto ao fato de que a estabilização acarreta desafios
consideráveis, como a alteração do perfil do mercado consumidor, aumento do coeficiente de
importações, privatizações e a concorrência internacional enfrentada pelas empresas
nacionais. No entanto, claramente, o ambiente macroeconômico brasileiro tende a acentuar as
dificuldades mencionadas. A insuficiência da poupança interna aparece, nesse contexto, como
um dos grandes obstáculos para a expansão dos investimentos; estes são desestimulados,
também, pelas altas taxas de juros praticadas no País. Da mesma maneira, o desequilíbrio
externo, provocado pela combinação de diversos fatores, tem sido um elemento recorrente
entre as dificuldades encontradas para a retomada do crescimento, fato evidenciado pelos
efeitos internos – vultosa perda de reservas e necessidade de socorro do FMI – das crises
asiática (1997) e russa (1998).
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