DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL O amadurecimento das premissas do capitalismo no Brasil Os primórdios do amadurecimento capitalista brasileiro, embora tímidos, tiveram lugar no último quartel do século XIX. Uma condição fundamental para tanto foi, primeiramente, o surgimento de um mercado de trabalho característico do capitalismo, baseado no assalariamento da mão-de-obra, decorrente da maciça imigração de trabalhadores europeus (e, posteriormente, japoneses), da Abolição e da derrocada de outras estruturas précapitalistas. Outro requisito foi o processo parcial de mudança ideológica na elite brasileira, caracterizado por clamores cada vez mais robustos em favor da industrialização do País. Tais apelos foram a resposta de uma parte da classe dominante às recorrentes crises da economia tradicional observadas no final do século XIX. Fatores internos e externos que estimularam o desenvolvimento da indústria brasileira Indubitavelmente, a ação governamental desempenhou um importante papel no nascimento da indústria brasileira, conquanto, em grande parte das vezes, de maneira involuntária, pois guiada por outros objetivos (sobretudo fiscais). Já na primeira metade do século XIX, a elevação da tarifa alfandegária, após o término do acordo comercial com a Inglaterra, tivera um relevante efeito protecionista. Outro fator importante, à época, foi a concessão de subsídios à incipiente indústria têxtil local, somada ao efeito demonstrativo do avançado setor industrial inglês. Maiores estímulos à indústria foram concebidos na última década do século XIX. Impostos protecionistas sobre a importação de produtos manufaturados, redução nas taxas cobradas sobre a importação de bens de capital e matérias-primas, além da concessão de outros benefícios com a nova lei de proteção à indústria, constituíram incentivos ao fortalecimento da atividade industrial brasileira. Mais tarde, na primeira década do século XX, uma nova crise de superprodução cafeeira (a qual diminuiu a atratividade da mesma, liberando capitais para serem investidos na indústria) e a eclosão da Primeira Guerra Mundial (que gerou escassez interna de produtos importados, incentivando a produção local desses) representaram condições favoráveis para o desenvolvimento industrial interno. Cabe ressaltar, igualmente, a importância dos investimentos estrangeiros dirigidos diretamente à indústria ou a atividades subsidiárias, como a construção de ferrovias e companhias de eletricidade. Os primeiros grupos industriais brasileiros A maior parte dos primeiros industriais brasileiros era oriunda do grupo de comerciantes importadores e exportadores de origem estrangeira, assim como dos empresários-imigrantes chegados ao Brasil no final do século XIX. Outra parcela desses industriais provinha da elite fundiária brasileira, ligada à atividade cafeeira (comerciantes e latifundiários). As regiões pioneiras no desenvolvimento industrial no Brasil A localização inicial das primeiras fábricas brasileiras deu-se, principalmente, no Nordeste e no Sudeste do País. Os primeiros teares modernos foram instalados em São Paulo, no começo da década de 1870. Nessa mesma época, a agroindústria nordestina do açúcar começou a modernizar-se, com a introdução de usinas, ao mesmo tempo em que avançadas refinarias de açúcar e algumas manufaturas eram construídas nas províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. Imprescindível para o nascimento da indústria nessas regiões foi a participação dos investimentos estrangeiros, a exemplo dos créditos ingleses direcionados para as primeiras refinarias modernas de açúcar no Nordeste. Na região Sudeste, o fator mais importante do avanço industrial consistiu nos estímulos gerados pela expansão cafeeira, tanto no que se refere aos recursos provenientes da comercialização do café na praça do Rio de Janeiro, como também aos capitais dirigidos à região Oeste de São Paulo, em vista da concentração de novas plantações, novas linhas férreas e grande massa de imigrantes europeus. As grandes divergências entre cafeicultores e industriais, a força política de cada um dos grupos Durante a Primeira República, o predomínio político esteve nas mãos da elite fundiária e do grande capital comercial ligado à exportação e importação do café. Esses grupos orientaram a política econômica do Estado brasileiro de forma a atender aos seus interesses econômicos imediatos. Contudo, as intervenções na economia defendidas por esses grupos hegemônicos respondiam, por vezes, também aos interesses da burguesia industrial nascente, revelando algum grau de complementaridade entre as demandas desses distintos grupos sociais. Um exemplo são as políticas de desvalorização da moeda nacional aplicadas à época, as quais interessavam tanto aos grupos ligados ao café (pois incentivavam as exportações desse produto) como aos industriais (porquanto serviam de proteção à indústria local, ao encarecer o valor das mercadorias importadas). O papel desempenhado pelos investimentos estrangeiros no processo de industrialização brasileiro De maneira geral, a participação do capital estrangeiro no início da industrialização – meados do século XIX – foi limitada, e os investimentos dirigiram-se eminentemente para a infra-estrutura e para o setor financeiro. Nesse período, capitais britânicos e franceses foram importantes na modernização da indústria açucareira. O afluxo de capitais estrangeiros para o Brasil tornou-se mais intenso após a Primeira Guerra Mundial, e tais investimentos tiveram um papel relevante na diversificação da estrutura industrial, com participação significativa na maioria das indústrias criadas a partir da década de 1920. O quadro de forças político-econômicas no final da década de 1930 A elite latifundiária cafeeira, notadamente aquela baseada em São Paulo, possuía, ainda na década de 1930, um considerável domínio sobre as intervenções na economia brasileira. Mesmo a constituição de um sólido grupo de fazendas pertencentes a imigrantes não era ainda capaz de retirar o poder das mãos dessa elite. Entretanto, essa primazia do setor cafeeiro já não era absoluta (como o demonstram algumas medidas governamentais contrárias ao interesse dos fazendeiros), e adquiria uma importância cada vez maior a influência políticoeconômica exercida pelo setor urbano-industrial paulista. Os efeitos da Grande Depressão sobre a política econômica brasileira A política econômica brasileira caracterizava-se por ser, até a Revolução de 30, orientada basicamente pelo objetivo de proteger as exportações de café. Após a perda da hegemonia cafeeira, a qual se refletiu integralmente na constituição do Estado Novo, o estímulo governamental voltou-se para o avanço do processo de industrialização do País. Nesse contexto, a Grande Depressão representou o “canto de cisne” da proteção ao café. Com o grande esfriamento do mercado internacional, tornou-se impossível, para o governo, persistir na política de retenção dos estoques de café. Além disto, a política de defesa do produto viu-se comprometida pela manutenção de uma política cambial inadequada (baseada na conversibilidade mil-réis/ouro e na livre mobilidade de capitais). A conjugação desses fatores terminou por inviabilizar a política governamental de sustentação dos preços do café, amparada na estocagem do produto financiada por empréstimos externos. O mercado interno após a Grande Depressão Devido à queda no nível de renda provocado pela Grande Depressão, parte da demanda antes satisfeita por importações dirigiu-se para o mercado interno. A consistência desse novo movimento possibilitou a passagem para uma situação em que esse mercado interno tornou-se o principal fator dinâmico da economia brasileira, determinando a taxa de investimento e o ritmo do processo de formação de capital. De fato, ao analisarem-se os dados relativos ao período 1929-1937, observa-se que o aumento da renda nacional foi induzido, em essência, pelo próprio mercado interno. O processo de industrialização por substituição de importações (PSI) O processo de substituição de importações está relacionado ao deslocamento do centro dinâmico da economia, o qual migra do setor externo para o investimento realizado nos setores voltados para o mercado interno. O termo “substituição de importações”, entretanto, não se refere somente ao início da produção interna de bens antes importados (devido a dificuldades na importação dos mesmos), mas também envolve a mudança qualitativa na composição da pauta de importações de um país. A partir da instalação, em uma economia, de indústrias produtoras de determinadas mercadorias, torna-se necessária a importação de matérias-primas, bens intermediários e bens de capital imprescindíveis para a continuidade do processo produtivo, o que altera a lista de produtos importados por esse país. Industrialização restringida O termo “industrialização restringida” refere-se ao processo de industrialização observado no Brasil, durante o período que se estende do início dos anos 30 até a implantação do Plano de Metas no governo Juscelino Kubitschek. Essa industrialização teria sido limitada, pois a implantação dos setores produtores de bens de capital e de bens intermediários teria sido obstaculizada pela insuficiência das bases técnicas e financeiras da acumulação capitalista no Brasil. Assim sendo, em função do parco desenvolvimento do setor de bens de produção, o processo de interação e interdependência entre os setores de bens de consumo e o de bens de produção – condição fundamental para a efetiva autonomia do processo de desenvolvimento industrial – teria se constituído de maneira incompleta. Projeto Nacional durante o Estado Novo O projeto nacional proposto pelo Estado Novo consistia em atribuir ao Estado a função de induzir o desenvolvimento industrial, evidenciando assim o enfraquecimento político da oligarquia cafeeira. A indução estatal do desenvolvimento da indústria brasileira deveria ser realizado através de três canais básicos: pela criação de órgãos reguladores da atividade econômica, pela implementação de uma nova legislação trabalhista e pela produção direta de determinadas mercadorias, como o aço na Cia. Siderúrgica de Volta Redonda. Este último canal respondia à impossibilidade de se constituir, no País, grandes indústrias de bens de produção sem a intervenção estatal, em virtude da fragilidade dos capitais nacionais e do desinteresse das empresas multinacionais nesse tipo de investimento. O Plano de Metas (JK) O Plano de Metas representou a primeira experiência efetiva brasileira de planejamento estatal, e foi implementado no período 1956-1960. Contemplava, além de amplos projetos estatais de infra-estrutura, a articulação de substanciais quantias de investimentos privados de origem externa e interna. No seu conjunto de 31 metas havia um ambicioso conjunto de objetivos setoriais, e as áreas de energia, transporte, siderurgia e refino de petróleo constituíram as prioridades em relação à parcela de investimentos alocada. O Plano buscava, também, estimular a expansão e a diversificação do setor secundário, e foram criados grupos executivos a fim de possibilitar a formulação conjunta de políticas industriais. No que tange às fontes de financiamento do Plano de Metas, este se apoiava principalmente na expansão dos meios de pagamento e do crédito (através de empréstimos do BNDE) e na tomada de empréstimos do exterior. De maneira geral, o Plano de Metas é considerado bem-sucedido quanto à sua formulação e implementação. Sob uma perspectiva macroeconômica, as taxas de crescimento anual do PIB e da renda per capita superaram as expectativas dos próprios formuladores. No que se refere às metas setoriais previstas, a avaliação do Plano também é positiva: em sua maioria, foram alcançadas boas taxas de realização em relação às previsões, evidenciando-se um robusto crescimento nas taxas de investimento industrial (liderado pelo avanço no departamento produtor de bens de capital e no departamento produtor de bens de consumo duráveis). A estrutura industrial brasileira a partir do Plano de Metas A significativa elevação na taxa de crescimento industrial decorrente do Plano de Metas apoiou-se em um tripé formado pelas empresas estatais, pelo capital privado estrangeiro e, em menor escala, pelo capital privado nacional. A hegemonia do capital externo era uma condição necessária para a efetiva implementação do Plano, em razão do caráter extremamente ambicioso do projeto face às condições de financiamento estatal e de capitais privados. O capital internacional tornou-se, assim, dominante na produção manufatureira interna, desempenhando um papel importante no processo então iniciado de oligopolização da economia brasileira. A importância do capital estatal e estrangeiro no Brasil a partir do Plano de Metas No processo de desenvolvimento industrial representado pelo Plano de Metas, coube ao setor público a provisão de insumos básicos (como aço e energia), além da montagem da infra-estrutura básica em áreas como transportes e comunicações. Por outro lado, com os estímulos embutidos no Plano de Metas para a atuação de capitais externos no processo de desenvolvimento industrial, esses capitais passaram a ser dominantes em diversas áreas da indústria, desempenhando um papel importante no processo então iniciado de oligopolização da economia brasileira. As empresas multinacionais que chegaram ao Brasil nessa época participaram ativamente em setores como a construção naval, a siderurgia e o automobilístico, dominando amplamente a produção industrial no Brasil – especialmente os setores mais dinâmicos da indústria de transformação. A presença do capital estrangeiro na economia brasileira, impulsionada com a execução do Plano, tornou-se ainda mais substancial ao longo da década de 1990. O fechamento inicial da economia brasileira aos fluxos comerciais O fechamento inicial da economia brasileira aos fluxos comerciais foi uma decorrência inevitável da tentativa de proteger a indústria nacional e de realizar uma industrialização por substituição de importações no País. A reserva de mercado imposta pelo Estado em diversos setores da produção interna representou o fechamento às importações de produtos com similar nacional, ao mesmo tempo em que se fazia necessário atrair os capitais estrangeiros para o País, a fim de possibilitar o financiamento de projetos desenvolvimentistas como o Plano de Metas. Desta forma, o aparente paradoxo representado pelo fechamento aos fluxos comerciais e abertura aos fluxos de investimentos insere-se no contexto mais amplo do projeto nacional de desenvolvimento dominante à época. A presença do capital estrangeiro no Brasil, atualmente, não sustenta a afirmação de que a economia brasileira é fechada com relação aos fluxos comerciais. Os capitais externos possuem uma penetração significativa, tanto no que diz respeito aos fluxos comerciais, como em relação aos fluxos de investimentos. As empresas multinacionais são responsáveis por mais da metade da produção de bens de consumo duráveis no País, e são importantes também nos setores de bens de capital e de consumo não-duráveis. Situação semelhante é encontrada no âmbito financeiro, com relação ao qual os dados – índices como o grau de abertura financeira – mostram uma grande abertura da economia brasileira aos fluxos de capital internacionais. ANOS 1967 e 1970: O MILAGRE ECONÔMICO As diferentes interpretações sobre a crise econômica de 1962 – 1967 Diversas são as tentativas de explicação da crise de 1962-1967. A escola estruturalista baseia a sua argumentação no conceito de crise cíclica do capitalismo, considerando a queda na taxa de investimento a partir de 1962 como uma decorrência natural da conclusão de um substancial conjunto de investimentos representado pelo Plano de Metas. A economia, operando com um grau considerável de capacidade ociosa, levariam algum tempo para absorver essas novas inversões, desestimulando a consecução de novos empreendimentos. A essas dificuldades, somam-se fatores como o recrudescimento da inflação (que reduzia a demanda por bens de consumo assalariado) e as políticas contracionistas de estabilização de preços, como o Plano Trienal. Outras interpretações conferem algum papel explicativo ao contexto político da época. Enquanto Mário H. Simonsen atribui a queda nos investimentos à instabilidade política pré1964, Francisco de Oliveira, embora reconheça a importância fundamental do contexto político, identifica no contraste existente entre um padrão de acumulação baseado na produção de bens duráveis e a frágil estrutura do setor de produção de bens de capital a origem da crise brasileira do período. Paul Singer é outro autor que destaca o papel exercido pela instabilidade política (esta, por sua vez, decorrente em grande medida dos efeitos do processo inflacionário), impasse que teria levado ao golpe militar. Todas as correntes de pensamento mencionadas apontam fatores importantes para a deflagração e aprofundamento da crise, a qual não pode ser explicada isoladamente – conforme proposto por alguns autores – pela recessão derivada do Plano Trienal. Aspectos políticos influenciaram a política econômica durante o período 1962 – 1967 As alternâncias da política econômica entre 1962-1967 refletiram as mudanças no contexto político vigente em cada subperíodo. O Plano Trienal foi uma resposta política do governo ao recrudescimento da inflação e à difícil situação do balanço de pagamentos do País. A instabilidade política da época impediu a implementação efetiva das tentativas de estabilização econômica propostas. O golpe militar de 1964 representou a derrocada do Estado Populista no Brasil (impulsionador maior do PSI), mas o regime autoritário manteve o discurso desenvolvimentista e de comprometimento com a retomada do crescimento econômico. Em contraste com a postura nacionalista de governos anteriores, como o de Getúlio Vargas, o regime militar optou pelo aumento da abertura brasileira aos capitais externos e pelo aprofundamento da oligopolização na economia, em uma inserção internacional através do modelo de capitalismo dependente e associado. Os objetivos do Plano Trienal, de Celso Furtado, os instrumentos utilizados para sua implementação e seus resultados O Plano Trienal foi elaborado para combater a aceleração inflacionária e a situação delicada do balanço de pagamentos, no final de 1962, buscando retomar a trajetória de desenvolvimento econômico do Brasil. A orientação do plano foi eminentemente ortodoxa, o que é atestado pelos instrumentos utilizados: de um lado, a política de contenção dos gastos públicos; de outro, a restrição de liquidez. Pressões sindicais e políticas inviabilizaram o prosseguimento das medidas implementadas, pelo que os resultados do plano não foram exitosos, havendo uma redução do PIB per capita em 1963 e a manutenção da inflação em um patamar elevadíssimo. O PAEG sobre e as causas da inflação brasileira As elevadas taxas de inflação eram decorrência, segundo os formuladores do PAEG, do excesso de demanda verificado na economia. Este diagnóstico, notadamente monetarista, identificava a monetização dos déficits públicos, a expansão creditícia e os aumentos salariais excessivos como as causas fundamentais da demanda superaquecida. Os principais objetivos do PAEG Os objetivos do PAEG inseriam-se no discurso desenvolvimentista defendido pelas autoridades governamentais. De maneira geral, buscava-se retomar o crescimento econômico, por meio do incentivo ao aumento dos investimentos, estabilização inflacionária (esta, tornada prioritária), redução drástica do déficit público e diminuição das desigualdades regionais. No cenário externo, a prioridade foi atribuída à normalização das relações com os organismos internacionais. As principais transformações institucionais efetuadas pelo PAEG O governo autoritário impôs um conjunto de transformações institucionais à economia brasileira. No âmbito monetário-financeiro, implantou-se uma reforma bancária que formou a estrutura básica do sistema financeiro no Brasil (com a criação do Banco Central, da correção monetária e do BNH, entre outros). Implementou-se, também, uma profunda reforma tributária, aumentando-se a arrecadação – através da mudança na distribuição dos tributos e da utilização de fundos parafiscais – e centralizando-a no governo federal. O déficit público viu-se reduzido, igualmente, pelo novo esquema de financiamento do setor público, amparado primeiramente nas ORTN e, mais tarde, nas Letras do Tesouro Nacional. Pode-se dizer que o PAEG atingiu de maneira razoável seus objetivos imediatos, embora a um custo elevado para a maior parte dos trabalhadores assalariados. A tendência inflacionária da economia foi controlada (a inflação foi reduzida ao patamar de 20% ao ano), e as reformas institucionais do plano desempenhariam um papel importante no crescimento econômico futuro. Todavia, a contração econômica no curto-prazo atingiu duramente setores como os trabalhadores assalariados e as pequenas e médias empresas, revelando-se de alto custo social. A economia mundial no pós-guerra A economia mundial vivenciou, entre o pós-guerra e meados dos anos 1970, um período de robusto crescimento, no qual foram observados os chamados “milagres econômicos” em países como Japão, Alemanha, Espanha e Formosa. As elevadas taxas de crescimento econômico estimularam uma intensificação dos fluxos comerciais e de capitais financeiros, tornando possível o surgimento de ondas de industrialização mesmo em países subdesenvolvidos, como o Brasil. O financiamento externo durante o milagre econômico brasileiro Caso o financiamento externo do “milagre” fosse realmente necessário, as contas externas do Brasil deveriam mostrar a existência de grandes déficits em transações correntes não financiados pelo ingresso de capitais de risco, de forma que os recursos tomados em empréstimo do exterior servissem para saldar esses déficits e não para o aumento das reservas internacionais do País. No entanto, a situação verificada no período é distinta: o balanço de pagamentos apresentava-se praticamente equilibrado; adicionalmente, o sistema financeiro nacional, especialmente o privado, não se caracterizava por oferecer grande parte de seus financiamentos para o setor produtivo. Assim, a explicação mais plausível para o intenso ritmo de crescimento da dívida externa brasileira parece estar na substancial diminuição das taxas de juros reais relativas aos recursos externos, o que fez desse tipo de empréstimo uma opção extremamente atrativa para os agentes brasileiros. A evolução dos indicadores sociais durante o milagre econômico O enorme crescimento econômico observado durante o “milagre” não se refletiu na melhora das condições de bem-estar da população brasileira. Os indicadores sociais deterioraram-se nitidamente, e verificou-se um brutal aumento na concentração da renda entre o início e o fim desse período. A exclusão social decorrente de fatores como a diminuição do salário mínimo real e a maior intensidade de trabalho pode ser ilustrada pelo agravamento das condições de saúde da maior parte da população, evidenciada em acontecimentos como o crescimento da taxa de mortalidade infantil no período. Os limites estruturais do crescimento dependente Uma limitação básica do modelo de crescimento adotado no Brasil entre 1968 e 1973 consistia no notável aumento das importações de bens de capital, refletindo o subdesenvolvimento do departamento I da economia nacional e as desproporcionalidades setoriais geradas pelo “milagre”. Essas desproporcionalidades – caracterizadas essencialmente pela fragilidade dos setores produtores de bens de capital e de bens intermediários – ocasionaram o ressurgimento dos déficits comerciais e de pressões inflacionárias. Os demais focos de tensões inflacionárias advinham da retomada dos aumentos salariais (em virtude da maior demanda por mão-de-obra) e da redução da disponibilidade de alimentos e matériasprimas no mercado interno (devido ao impulso oferecido à agricultura de exportação). Outro problema do modelo adotado residia no crescente endividamento externo utilizado para financiar os mencionados déficits em transações correntes, mesmo após a ocorrência do primeiro choque do petróleo – cujos efeitos foram percebidos como temporários pelas autoridades governamentais da época. ANOS 1970 E 1980: CRISE E INFLAÇÃO As razões provocaram a saída de Simonsen e a volta de Delfim Netto ao comando da economia A mudança no comando da política econômica, com a substituição de Simonsen por Delfim Netto, refletia o desenrolar de uma incessante batalha com respeito a qual deveria ser o novo rumo da economia brasileira no limiar dos anos 1980. Para Simonsen, o governo deveria promover um ajuste fiscal importante, efetuando-se cortes nos investimentos não-prioritários; além disto, no setor externo, a prioridade deveria ser a melhoria na conta de transações correntes e a retomada do controle do endividamento externo. No entanto, a ideologia desenvolvimentista de Delfim Netto prevaleceu, priorizando-se a retomada do crescimento econômico capaz de legitimar o regime autoritário. Assim, optou-se pela tentativa de reedição do “milagre econômico”, mesmo em um contexto de crise internacional. A retomada do crescimento conduzida por Delfim Netto em 1979-1983 Delfim Netto implementou, no final de 1979, uma política econômica heterodoxa, a qual previa o aumento na indexação dos salários, prefixações defasadas das correções monetária e cambial, controle dos juros e uma maxidesvalorização da moeda nacional, da ordem de 30%. A atuação do governo foi direcionada para a manutenção dos investimentos nos setores de energia, insumos básicos e exportação (notadamente a agricultura). Como conseqüência do substancial aquecimento da economia, criou-se uma forte pressão sobre o balanço de pagamentos, e as dificuldades para sanar os déficits terminaram por ocasionar a reversão da política macroeconômica já no final de 1980. As principais características da recessão no período 1981 – 1983 A recessão brasileira entre 1981 e 1983 teve um elevado custo social. A queda de 3% no PIB em 1981 – decorrente da adoção de uma política contracionista, com redução do gasto público, aumento da tributação e diminuição da liquidez e do crédito – e o crescimento medíocre de 1,1% em 1982 provocaram uma redução da renda per capita brasileira. O objetivo fundamental da recessão implementada consistia em alcançar superávits comerciais cada vez maiores, compensando-se assim o pagamento do crescente serviço da dívida externa (que aumentava o déficit da conta de serviços). Com o choque externo representado pela moratória mexicana, aumentaram as pressões sobre o balanço de pagamentos, e em 1983 o PIB cairia 2,8% (pois o crescimento econômico viu-se subordinado ao compromisso de melhoria das contas externas assumido perante o FMI, em 1982), havendo uma retração significativa em setores como o de bens de capital. Durante todo o período 1981-1983, a inflação apresentouse em elevação contínua, provocando a corrosão dos salários, os quais eram reajustados de maneira defasada. A recessão desse período infligiu uma perda de 11% à renda per capita nacional. O que caracteriza um período de estagflação? O termo estagflação denota uma situação econômica em que se combinam a estagnação – isto é, PIB declinante ou inalterado – e a inflação – ou seja, preços crescentes. Foi uma situação característica dos países dependentes da importação de petróleo, logo após os choques de preços do produto em 1973 e 1979. Os principais fatores que explicam a retomada do crescimento a partir de 1984 Em primeiro lugar, a recuperação verificada na economia dos EUA favoreceu o aumento das exportações brasileiras. Outro fator importante foi o crescimento da renda agrícola, em virtude da alta nos preços dos produtos primários e do incremento da produção para o mercado interno. Por outro lado, a pequena recuperação salarial de 1984 permitiu o aumento da produção de bens não-duráveis. O crescimento da dívida externa brasileira a partir dos anos 1960 O endividamento crescente do Brasil como o exterior, a partir da segunda metade da década de 60, foi uma conseqüência direta do processo de inserção internacional do País. Em virtude da grande disponibilidade de capitais externos, a realização do “milagre econômico” foi acompanhada por um aumento contínuo da tomada de empréstimos no mercado internacional (utilizados notadamente para o acúmulo de reservas, já que o crescimento econômico alcançado no período foi financiado, em sua maior parte, por recursos internos). Embora as taxas de juros vigentes à época fossem extremamente atrativas para os tomadores de empréstimos, como o Brasil, surgia o problema do aumento natural desses custos conforme crescia o montante total da dívida. Logo após o período do “milagre”, a elevação do endividamento externo brasileiro deveuse principalmente à implementação do II PND, cujo conjunto de investimentos foi financiado eminentemente por recursos externos. Ademais, os substanciais déficits em conta corrente gerados por choques externos (como o primeiro choque do petróleo) reforçaram a opção por esse tipo de endividamento. No final da década de 1970, era evidente que tal endividamento tornara-se um processo auto-alimentado, pois o aumento da dívida bruta fazia-se a juros flutuantes cada vez maiores, ao ponto de o pagamento desses juros representar quase 50% do déficit em conta corrente entre 1977 e 1978. A situação agravou-se ainda mais a partir de 1979, com o segundo choque do petróleo, devido à elevação dos juros internacionais e à piora no cenário do comércio internacional (deterioração dos termos de troca, aumento do protecionismo e diminuição dos fluxos comerciais), ocasionando uma queda abrupta nas exportações brasileiras. O desequilíbrio externo como determinante da crise fiscal do Estado e da escalada inflacionária no país O processo de deterioração das contas externas do País foi acompanhado por uma situação similar no âmbito das contas internas. Na verdade, o aumento da dívida interna seria causado pela elevação da dívida externa. O excesso na entrada de recursos ao Brasil derivada do processo de endividamento teria forçado a sua esterilização por meio da emissão de títulos públicos por parte do Estado brasileiro, elevando assim a dívida interna e configurando o agravamento da situação fiscal. À medida que o pagamento do serviço da dívida se refletia em um recrudescimento do desequilíbrio externo, ocorria a desvalorização da moeda nacional e, conseqüentemente, o aumento da inflação; neste contexto, o descontrole da emissão de moeda constituiria um processo endógeno. O processo de estabilização da dívida externa brasileira A estatização da dívida brasileira apresenta-se como um reflexo da facilidade que as empresas estatais possuíam para obter financiamento externo, ocasionando uma contínua elevação da participação dessas empresas nas captações totais. Tal endividamento foi utilizado de maneira crescente pelo governo para possibilitar o fechamento do balanço de pagamentos e, posteriormente, para retomar o acúmulo de reservas. Internamente, a promulgação de uma legislação que buscava estimular as captações externas privadas, a qual possibilitava a transferência dos encargos dos débitos externos (correção cambial, principal e juros) das instituições financeiras e empresas não-financeiras para o Banco Central, significou a complementação do processo de estatização da dívida externa, provocando assim um profundo desequilíbrio estrutural no setor público brasileiro. As principais características do processo de especulação financeira na economia brasileira a partir do final dos anos 1970 A “ciranda financeira” observada no Brasil, intensificada a partir de meados da década de 1970, terminou por associar os interesses do capital produtivo com os do capital especulativo. Os lucros excessivos das grandes empresas públicas e privadas passaram a ser destinados, em parcela cada vez maior, à especulação nos mercados financeiros, conduzindo a situações nas quais essas empresas apresentavam resultados financeiros superiores aos operacionais. Adicionalmente, os títulos públicos (protegidos dos efeitos da inflação) tornaramse os ativos determinantes das taxas de remuneração mínimas do mercado financeiro; com a escalada inflacionária, a rentabilidade desejada pelos agentes para esses títulos passou a incorporar estimativas cada vez maiores de inflação, tornando a correção monetária um mecanismo propagador do aumento dos preços. As implicações da existência de grande especulação financeira sobre a economia Em primeiro lugar, a crescente especulação financeira realizada no País transformou a correção monetária em um mecanismo alimentador da inflação, em vista das estimativas inflacionárias cada vez maiores efetuadas pelos agentes econômicos e exigidas nos títulos públicos. Por outro lado, os capitais direcionados para a especulação financeira constituíam excedentes que poderiam ser aplicados (mas não o eram) em investimentos produtivos, estabelecendo-se uma situação na qual o sistema financeiro brasileiro era incapaz de atuar como financiador do setor produtivo, representando assim um óbice à consolidação de formas capitalistas mais desenvolvidas no Brasil. Por último, a oligopolização desse sistema financeiro propiciou o seu hiperdesenvolvimento, contribuindo para o processo de concentração de renda e de poder político. TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL E POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO Os Planos de Estabilização A partir de que momento a inflação tornou-se um problema crônico no Brasil? O processo de aceleração inflacionária, iniciado em meados dos anos 1970, tornou-se efetivamente crônico logo nos primeiros anos da década de 1980. O caráter assumido pela inflação brasileira revelou-se inercial, e eventos como a maxidesvalorização do cruzeiro em 1983 possibilitaram o estabelecimento de um patamar inflacionário da ordem de 200% ao ano. Após o malogrado Plano Cruzado, as taxas de inflação recrudesceram de maneira intermitente, configurando-se uma situação de hiperinflação no final de 1989. As diferenças fundamentais entre o diagnóstico de inflação feito pelos inercialistas e os diagnósticos dos economistas monetaristas e Keynesianos As teorias monetarista e keynesiana assumem que a inflação é devida, em princípio, a problemas de demanda, tornando-se mais elevada nos momentos de expansão da economia. Como, para a escola monetarista, a inflação é acelerada pelo aumento da quantidade nominal de moeda acima do aumento da renda nacional, as políticas de controle inflacionário deveriam pautar-se pela execução de um ajuste fiscal e pela implementação de políticas monetárias contracionistas. No caso da escola keynesiana, também surge a necessidade de se implantar políticas fiscal e monetária contracionistas, a fim de corrigir o excesso de demanda agregada com relação à oferta (situação esta que, no entender dos keynesianos, ocasiona o surgimento da inflação). Em contraste com essa visão, a teoria inercialista – inspirada no trabalho de Ignácio Rangel sobre o problema – vê a inflação como o resultado dos desequilíbrios da economia, os quais se manifestam por meio da recessão, e não como uma conseqüência do crescimento excessivo da demanda. A existência de oligopólios torna-se um elemento acelerador da inflação, uma vez que esses agentes podem relutar em aceitar diminuições na sua renda real, aumentando seus preços mesmo em épocas de recessão; o conflito distributivo desempenha, desta maneira, o papel central na teoria inercialista da inflação. Contrariamente ao pensamento dos monetaristas, a oferta de moeda constitui, para os inercialistas, uma decorrência da inflação existente (ou seja, é endógena), e não a causa desse processo. Entre os economistas comprometidos com o desenvolvimento da teoria inercialista da inflação, podemos citar Yoshiaki Nakano, Luís Carlos Bresser Pereira, André Lara Resende, Francisco Lopes, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Adroaldo Moura da Silva e Eduardo Modiano, entre outros. As controvérsias em relação às políticas antinflacionárias Na visão de Bresser e Nakano, os fatores aceleradores da inflação são o aumento dos salários médios reais e/ou das margens de lucro acima do aumento de produtividade, as desvalorizações reais da moeda, o aumento no custo dos bens importados e a elevação dos impostos. O fator mantenedor da inflação, em essência, é o conflito distributivo verificado entre empresas, burocratas e trabalhadores, com o intuito de cada parte de manter – e, eventualmente, aumentar – sua parcela na renda nacional. Contribuiriam ainda, para a manutenção do patamar inflacionário, a indexação formal da economia e a presença de setores oligopolizados. No que se refere aos fatores sancionadores da inflação, estes seriam os aumentos na oferta nominal de moeda (pois, em situações de inflação elevada, essa oferta tornar-se-ia endógena) e o déficit público. As estratégias antinflacionárias da Nova República anteriores ao Plano Cruzado Inicialmente, duas propostas para combater a inflação inercial apresentavam-se: de um lado, a montagem de um sistema de prefixação gradual, com orientações de reajustes de preços declinantes por parte dos agentes econômicos; por outro lado, propunha-se também um congelamento geral e rápido de todos os preços da economia, com tabelas de conversão formuladas para a eliminação da inércia inflacionária (proposta esta que, durante algum tempo, foi defendida por economistas como Francisco Lopes, entre outros). Uma terceira proposição, conhecida como Larida (em virtude dos nomes de seus formuladores, André Lara Resende e Pérsio Arida), contemplava a realização de uma reforma monetária que permitisse, durante um breve período, a convivência entre duas moedas. A nova moeda desempenharia o papel de uma âncora nominal, alcançando-se a estabilização quando da eliminação da moeda antiga, e o ajuste seria neutro em termos distributivos. Bresser e Nakano possuíam, por sua vez, uma proposta semelhante à de Francisco Lopes, priorizando os reajustes defasados de preços e o controle do conflito distributivo existente na economia brasileira de então. O fracasso do Plano Cruzado Os primeiros momentos da Nova República caracterizaram-se pela mera adoção de medidas de austeridade fiscal e monetária no combate ao problema crônico da inflação. Após o primeiro ímpeto de políticas restritivas isoladas, lançou-se mão de mecanismos como o congelamento de preços na gestão fazendária de Francisco Dornelles, além de minidesvalorizações do cruzeiro e modificações contínuas nas correções monetária e cambial. Tais medidas fracassaram inapelavelmente, a exemplo das intervenções promovidas por Dílson Funaro (alterações nas regras de indexação e contenção dos aumentos das tarifas públicas), evidenciando a inadequação da estratégia gradualista para a obtenção da estabilidade das taxas mensais de inflação. Outros planos heterodoxos de estabilização – Bresser e Verão – também falharam na tentativa de debelar o processo inflacionário Primeiramente, pode-se apontar a explosão do consumo e a despoupança – ocasionadas pela abrupta elevação dos salários reais após a decretação do Plano Cruzado – como elementos desestabilizadores dessa estratégia antiinflacionária. Ademais, o congelamento revelou-se de difícil manutenção por conta de fatores como as pressões de demanda geradas, as defasagens das tarifas públicas e a “maquiagem” de produtos. O congelamento da taxa de câmbio também constituiu um elemento desestabilizador, na medida em que impulsionou a perda de reservas internacionais e dificultou o pagamento do serviço da dívida externa. O Plano Bresser padeceu, logo de início, de falta de credibilidade junto ao público, devido ao fato de contemplar, tal como o Plano Cruzado, um congelamento de preços. Pressões inflacionárias advindas do desequilíbrio de alguns preços relativos e dos superávits na balança comercial contribuíram para o fracasso do Plano, aliadas à ausência de uma reforma tributária efetiva e à queda do investimento decorrente de taxas reais de juros positivas. As precárias condições políticas para a manutenção das medidas implementadas também ocasionaram o insucesso do Plano Verão em reduzir o ritmo dos aumentos de preços. A elevação dos juros requerida em razão da precoce retomada inflacionária redundou na impossibilidade de diminuição do déficit fiscal, e a autorização para alguns aumentos de preços – somados à desvalorização da moeda nacional – significaram, finalmente, o ocaso do congelamento imposto. TEORIA DA INFLAÇÃO INERCIAL E POLÍTICAS DE ESTABILIZAÇÃO Os Planos de Estabilização A partir de que momento a inflação tornou-se um problema crônico no Brasil? O processo de aceleração inflacionária, iniciado em meados dos anos 1970, tornou-se efetivamente crônico logo nos primeiros anos da década de 1980. O caráter assumido pela inflação brasileira revelou-se inercial, e eventos como a maxidesvalorização do cruzeiro em 1983 possibilitaram o estabelecimento de um patamar inflacionário da ordem de 200% ao ano. Após o malogrado Plano Cruzado, as taxas de inflação recrudesceram de maneira intermitente, configurando-se uma situação de hiperinflação no final de 1989. As diferenças fundamentais entre o diagnóstico de inflação feito pelos inercialistas e os diagnósticos dos economistas monetaristas e Keynesianos As teorias monetarista e keynesiana assumem que a inflação é devida, em princípio, a problemas de demanda, tornando-se mais elevada nos momentos de expansão da economia. Como, para a escola monetarista, a inflação é acelerada pelo aumento da quantidade nominal de moeda acima do aumento da renda nacional, as políticas de controle inflacionário deveriam pautar-se pela execução de um ajuste fiscal e pela implementação de políticas monetárias contracionistas. No caso da escola keynesiana, também surge a necessidade de se implantar políticas fiscal e monetária contracionistas, a fim de corrigir o excesso de demanda agregada com relação à oferta (situação esta que, no entender dos keynesianos, ocasiona o surgimento da inflação). Em contraste com essa visão, a teoria inercialista – inspirada no trabalho de Ignácio Rangel sobre o problema – vê a inflação como o resultado dos desequilíbrios da economia, os quais se manifestam por meio da recessão, e não como uma conseqüência do crescimento excessivo da demanda. A existência de oligopólios torna-se um elemento acelerador da inflação, uma vez que esses agentes podem relutar em aceitar diminuições na sua renda real, aumentando seus preços mesmo em épocas de recessão; o conflito distributivo desempenha, desta maneira, o papel central na teoria inercialista da inflação. Contrariamente ao pensamento dos monetaristas, a oferta de moeda constitui, para os inercialistas, uma decorrência da inflação existente (ou seja, é endógena), e não a causa desse processo. Entre os economistas comprometidos com o desenvolvimento da teoria inercialista da inflação, podemos citar Yoshiaki Nakano, Luís Carlos Bresser Pereira, André Lara Resende, Francisco Lopes, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Adroaldo Moura da Silva e Eduardo Modiano, entre outros. As controvérsias em relação às políticas antinflacionárias Na visão de Bresser e Nakano, os fatores aceleradores da inflação são o aumento dos salários médios reais e/ou das margens de lucro acima do aumento de produtividade, as desvalorizações reais da moeda, o aumento no custo dos bens importados e a elevação dos impostos. O fator mantenedor da inflação, em essência, é o conflito distributivo verificado entre empresas, burocratas e trabalhadores, com o intuito de cada parte de manter – e, eventualmente, aumentar – sua parcela na renda nacional. Contribuiriam ainda, para a manutenção do patamar inflacionário, a indexação formal da economia e a presença de setores oligopolizados. No que se refere aos fatores sancionadores da inflação, estes seriam os aumentos na oferta nominal de moeda (pois, em situações de inflação elevada, essa oferta tornar-se-ia endógena) e o déficit público. As estratégias antinflacionárias da Nova República anteriores ao Plano Cruzado Inicialmente, duas propostas para combater a inflação inercial apresentavam-se: de um lado, a montagem de um sistema de prefixação gradual, com orientações de reajustes de preços declinantes por parte dos agentes econômicos; por outro lado, propunha-se também um congelamento geral e rápido de todos os preços da economia, com tabelas de conversão formuladas para a eliminação da inércia inflacionária (proposta esta que, durante algum tempo, foi defendida por economistas como Francisco Lopes, entre outros). Uma terceira proposição, conhecida como Larida (em virtude dos nomes de seus formuladores, André Lara Resende e Pérsio Arida), contemplava a realização de uma reforma monetária que permitisse, durante um breve período, a convivência entre duas moedas. A nova moeda desempenharia o papel de uma âncora nominal, alcançando-se a estabilização quando da eliminação da moeda antiga, e o ajuste seria neutro em termos distributivos. Bresser e Nakano possuíam, por sua vez, uma proposta semelhante à de Francisco Lopes, priorizando os reajustes defasados de preços e o controle do conflito distributivo existente na economia brasileira de então. O fracasso do Plano Cruzado Os primeiros momentos da Nova República caracterizaram-se pela mera adoção de medidas de austeridade fiscal e monetária no combate ao problema crônico da inflação. Após o primeiro ímpeto de políticas restritivas isoladas, lançou-se mão de mecanismos como o congelamento de preços na gestão fazendária de Francisco Dornelles, além de minidesvalorizações do cruzeiro e modificações contínuas nas correções monetária e cambial. Tais medidas fracassaram inapelavelmente, a exemplo das intervenções promovidas por Dílson Funaro (alterações nas regras de indexação e contenção dos aumentos das tarifas públicas), evidenciando a inadequação da estratégia gradualista para a obtenção da estabilidade das taxas mensais de inflação. Outros planos heterodoxos de estabilização – Bresser e Verão – também falharam na tentativa de debelar o processo inflacionário Primeiramente, pode-se apontar a explosão do consumo e a despoupança – ocasionadas pela abrupta elevação dos salários reais após a decretação do Plano Cruzado – como elementos desestabilizadores dessa estratégia antiinflacionária. Ademais, o congelamento revelou-se de difícil manutenção por conta de fatores como as pressões de demanda geradas, as defasagens das tarifas públicas e a “maquiagem” de produtos. O congelamento da taxa de câmbio também constituiu um elemento desestabilizador, na medida em que impulsionou a perda de reservas internacionais e dificultou o pagamento do serviço da dívida externa. O Plano Bresser padeceu, logo de início, de falta de credibilidade junto ao público, devido ao fato de contemplar, tal como o Plano Cruzado, um congelamento de preços. Pressões inflacionárias advindas do desequilíbrio de alguns preços relativos e dos superávits na balança comercial contribuíram para o fracasso do Plano, aliadas à ausência de uma reforma tributária efetiva e à queda do investimento decorrente de taxas reais de juros positivas. As precárias condições políticas para a manutenção das medidas implementadas também ocasionaram o insucesso do Plano Verão em reduzir o ritmo dos aumentos de preços. A elevação dos juros requerida em razão da precoce retomada inflacionária redundou na impossibilidade de diminuição do déficit fiscal, e a autorização para alguns aumentos de preços – somados à desvalorização da moeda nacional – significaram, finalmente, o ocaso do congelamento imposto. ABERTURA COMERCIAL E O GOVERNO COLLOR O início da discussão sobre a abertura comercial na América Latina O esgotamento do modelo de substituição de importações representou o principal estímulo para as discussões acerca da abertura comercial nos países latino-americanos, atribuindo a esse último processo uma aura de inevitabilidade. Desde o início dos anos 1980, a liberalização começou a pautar as políticas econômicas, de uma maneira geral, na maioria dos países em desenvolvimento. Na América Latina, assistiu-se a uma generalização da abertura comercial das economias a partir da segunda metade da década de 1980, embora alguns países, como Chile, Argentina, México e Venezuela, já tivessem alguma experiência no que se refere a tentativas de abertura de suas economias desde a década de 1970. As peculiaridades da abertura da economia brasileira A abertura comercial brasileira, iniciada efetivamente em 1988, intensificou-se a partir de 1990. O esgotamento do modelo de substituição de importações – aliado ao crescimento insatisfatório das exportações nacionais e o marcado atraso tecnológico de diversos setores da economia – e a crescente desregulamentação dos mercados internacionais desempenharam um papel impulsionador desse processo, evidenciado por fatores como o notável declínio das alíquotas nominais médias de importação. Ao contrário do ocorrido em diversos outros países em desenvolvimento que abriram suas economias, não houve o cuidado, no Brasil, de se adaptar os fatores de competitividade sistêmica, obrigando-se as empresas brasileiras a enfrentar a concorrência externa em um ambiente de juros e tributação elevados, carência de infra-estrutura e burocracia excessiva. Os efeitos positivos e negativos da abertura comercial brasileira Os consumidores brasileiros certamente beneficiaram-se da reestruturação industrial verificada a partir da abertura comercial, desfrutando de uma maior disponibilidade de bens e serviços, menores preços e tecnologias mais avançadas. Contudo, a condução do processo de abertura colocou os empresários nacionais em condições de desvantagem perante a concorrência externa, em virtude de elementos como as altas taxas de juros internas e a excessiva carga tributária, provocando a falência de muitas dessas firmas e queda no nível de emprego. As principais características dos planos de estabilização Collor I e II Tanto o Plano Collor I como o Collor II provocaram uma retração da atividade econômica, em razão das medidas de contração fiscal e monetária adotadas. Ambos optaram pela utilização do congelamento de preços e salários e da unificação das datas-base de reajustes salariais, além da implantação de medidas que visavam a diminuição dos gastos das empresas estatais e com o funcionalismo público. O Plano Collor I, no entanto, constituiu uma tentativa de estabilização mais abrangente, lançando mão também do confisco de depósitos à vista e de aplicações financeiras e instituindo o câmbio flutuante. O PLANO REAL E SEUS DESDOBRAMENTOS As principais características das três fases de implementação do Plano Real A primeira fase de implementação do Plano Real consistiu no estabelecimento do equilíbrio das contas do governo, pois o equilíbrio fiscal era considerado, pela equipe econômica, uma condição essencial para a estabilização da economia (e, conseqüentemente, para o início de um processo de desenvolvimento sustentado de longo prazo). Esta primeira fase, implantada com o Programa de Ação Imediata, foi caracterizada pela promulgação de medidas que visavam a redução dos gastos federais, aumento da receita tributária, reformulação das relações entre o governo federal e os demais níveis de governo, maior controle das empresas e bancos estatais e aperfeiçoamento do programa de privatizações. A segunda fase do Plano Real baseou-se na implementação de um índice monetário denominado URV, o que representava a indexação generalizada da economia brasileira. Pretendia-se, assim, restaurar a função – perdida devido ao recrudescimento inflacionário – de unidade de conta da moeda, servindo como referência para preços e salários, e constituindo um processo de eliminação da memória inflacionária. O critério de neutralidade distributiva fundamentou a implantação da URV, cuja adoção era voluntária por parte dos agentes econômicos. Finalmente, a etapa decisiva do Plano consistiu na introdução da nova moeda, o Real. O valor desta moeda foi inicialmente protegido por uma série de medidas, como limites constitucionais para as emissões e fixação de um teto máximo para a taxa de câmbio. As maiores virtudes e vulnerabilidades do Plano Real A reforma do padrão monetário e a ampla disseminação da URV exerceram um importante papel didático, favorecendo análises mais criteriosas dos custos por parte dos agentes econômicos, elemento este fundamental para a deflagração de um processo de eliminação da memória inflacionária. Além disso, os salários passaram a ser recebidos pelos trabalhadores em uma moeda com poder de compra relativamente constante, minimizando-se assim a deterioração (inevitável em um cenário de inflação alta) do poder de compra desses agentes entre dois reajustes. Por outro lado, uma das vulnerabilidades do Plano residia na necessidade de um efetivo ajuste fiscal, elemento que se tornava de árdua implementação devido à falta de entusiasmo inicial, por parte da classe política e demais esferas de governo, em relação a uma agenda ambiciosa de reconstrução da capacidade de financiamento público. Ademais, conforme verificou-se posteriormente, a valorização do Real exacerbou os problemas para o fechamento do balanço de pagamentos (estimulando as importações em detrimento das exportações), e a incapacidade financeira do Estado fragilizava sobremaneira o arcabouço da política econômica. Diferentemente do ocorrido com outros planos de estabilização adotados no Brasil, o Plano Real não incluiu o congelamento de preços. Outra virtude encontrada em sua formulação, a qual também diferencia o Plano Real de seus predecessores, foi a utilização do princípio da neutralidade distributiva como guia para a reforma monetária, evitando-se as distorções provocadas pelas tentativas anteriores de estabilização (como no caso dos contratos anteriormente estabelecidos e da conversão dos salários) e a retomada inflacionária em razão da explosão do consumo. Objetivo previsto no Plano Real O objetivo mais premente, representado pelo controle das elevadas taxas de inflação mensal, foi alcançado com profundo sucesso, possuindo um impacto altamente positivo sobre o poder de compra da população. O decorrente aumento do consumo viu-se impulsionado também pelos incrementos efetivos na massa salarial e pela melhora inicial do nível de emprego. Inicialmente, houve também um satisfatório crescimento do PIB, distribuído por diversos setores da economia. Avaliação do Plano Real O Plano Real pode ser considerado um dos mais bem-sucedidos programas de estabilização brasileiros. O elemento mais visível desse êxito é o controle das taxas de inflação, fato que tornou o ambiente econômico mais estável e previsível – favorecendo as decisões de investimento dos agentes – e teve efeitos benéficos sobre o acesso ao crédito e sobre o poder de compra da população. Todavia, embora as taxas de crescimento do PIB tenham sido satisfatórias inicialmente, a vulnerabilidade externa da economia brasileira impediu a retomada do crescimento sustentado. A restrição externa transformou-se no principal óbice ao crescimento da economia brasileira, agravada no início pela sobrevalorização cambial e pela abertura comercial. Ademais, as altas taxas de juros vigentes no País representaram – e ainda representam – um entrave significativo para o aumento dos investimentos. A sustentabilidade do Plano Real e a retomada do crescimento econômico sustentado (este o objetivo mais fugidio) dependem, fundamentalmente, do aprofundamento das reformas implementadas no âmbito estrutural, nas áreas fiscal-tributária, patrimonial, financeira e administrativa. Não há dúvida quanto ao fato de que a estabilização acarreta desafios consideráveis, como a alteração do perfil do mercado consumidor, aumento do coeficiente de importações, privatizações e a concorrência internacional enfrentada pelas empresas nacionais. No entanto, claramente, o ambiente macroeconômico brasileiro tende a acentuar as dificuldades mencionadas. A insuficiência da poupança interna aparece, nesse contexto, como um dos grandes obstáculos para a expansão dos investimentos; estes são desestimulados, também, pelas altas taxas de juros praticadas no País. Da mesma maneira, o desequilíbrio externo, provocado pela combinação de diversos fatores, tem sido um elemento recorrente entre as dificuldades encontradas para a retomada do crescimento, fato evidenciado pelos efeitos internos – vultosa perda de reservas e necessidade de socorro do FMI – das crises asiática (1997) e russa (1998).