Arq Bras Cardiol 2001; 77: 509-14. e cols ArtigoSouza Original Tonometria gástrica no pós-operatório Avaliação da Perfusão Esplâncnica com a Utilização da Tonometria Gástrica no Pós-Operatório Imediato de Cirurgia Cardíaca em Crianças Renato Lopes de Souza, Werther Brunow de Carvalho, Miguel Angel Maluf, Antonio Carlos Carvalho São Paulo, SP Objetivo - Estudo clínico prospectivo, não randomizado, para avaliar a perfusão esplâncnica através do pH intramucoso no pós-operatório de cirurgia cardíaca e observar a evolução dos pacientes durante a internação. Métodos - Foram estudadas 10 crianças, em pósoperatório imediato de cirurgia cardíaca eletiva, com utilização de circulação extracorpórea, nas quais foi colocado um tonômetro gástrico e realizadas medidas seqüenciais do pH intramucoso, sem dobutamina (T0) e com aumentos para 5 (T1) e 10 (T2) mcg/kg/min. , e também medidas do pH intramucoso na admissão e com 4, 8, 12 e 24h após a internação. Resultados - Os pacientes apresentaram um aumento dos valores de pH intramucoso com 10mcg/kg/min.: 7,19± 0,09 (T0); 7,16±0,13(T1) e 7,32±0,16(T2)), (p=0, 103). Durante a internação, o pH mostrou os seguintes valores: 7,20±0,13 (na admissão); 7,27±0,16 (após 4h); 7,26±0,07 (após 8h); 7,32±0,12 (após 12h) e 7,38± 0,08 (após 24h), (p=0,045). Não houve óbitos e nenhum paciente desenvolveu disfunção de múltiplos órgãos e sistemas. Conclusão - Foi observada elevação e normalização do pH intramucoso após uso de dobutamina. O pH intramucoso é uma monitorização de fácil execução e sem complicações nas crianças em pós operatório de cirurgia cardíaca. Palavras-chaves: pH, perfusão esplâncnica, dobutamina, tonometria gástrica, cirurgia cardíaca pediátrica Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina Correspondência: Renato Lopes de Souza – Praça Louveira, 12 – 03080-050 São Paulo, SP – E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 31/8/00 Aceito em 31/1/01 No paciente grave, o mecanismo básico e inicial de lesão orgânica é a hipóxia tecidual ou celular. Quando ocorre falta de oxigênio, a taxa de hidrólise de adenosina trifosfato (ATP) excede a taxa de síntese, com conseqüente queda do pH. Com o baixo fornecimento de oxigênio, o organismo mobiliza as fontes anaeróbicas de energia para suprir a demanda energética das células e manter sua integridade 1. Nessas situações, a produção de CO2 em todos os tecidos está diretamente relacionada à taxa de consumo de O2. A diminuição do pH intracelular parece ser crucial no processo de deterioração da célula, sendo esta informação fundamental para o diagnóstico do início da anaerobiose; seria interessante identificar os tecidos que mais precocemente estão sujeitos a hipóxia e acidose, assim como maneiras factíveis de determinar essa acidose 2. O uso de medidas regionais é essencial na hipótese de que essas áreas possam ser marcadores precoces da hipoperfusão sistêmica. Outros marcadores do metabolismo celular podem ser usados, como o lactato arterial, que também é uma medida sistêmica, muitas vezes de elevação tardia, porque o fígado tem grande capacidade de oxidação do lactato 3. As medidas globais nos fornecem poucas informações sobre a utilização e necessidades de oxigênio em nível tecidual 4. A tonometria gástrica contrasta com a falta de sensibilidade de alguns métodos invasivos de avaliação sistêmica da oxigenação. A medida do pH intramucoso vem sendo avaliada como método minimamente invasivo, capaz de fornecer informação da inadequada oxigenação tecidual, de forma precoce, mesmo em circunstâncias onde o paciente apresenta-se clinicamente estável.. Entretanto, o pH intramucoso necessita mais estudos para estabelecer seu valor crítico, onde o consumo de O2 se torna dependente do transporte 5. Acredita-se que, aproximadamente, 50-60% dos pacientes no período pós operatório de grandes cirurgias e 80% dos pacientes internados em unidades de cuidados intensivos possam desenvolver, transitoriamente, alguns episódios de disóxia (desequilíbrio entre oferta e consumo de oxi- Arq Bras Cardiol, volume 77 (nº 6), 509-14, 2001 509 Souza e cols Tonometria gástrica no pós-operatório Arq Bras Cardiol 2001; 77: 509-14. gênio), que não são diagnosticados por que aparentemente estes pacientes estão normais, ou seja, sem alterações hemodinâmicas detectáveis pelos métodos convencionais e seus mecanismos compensatórios assim os mantém 6. Nosso objetivo neste estudo foi identificar as alterações do pH intramucoso durante a evolução dos pacientes no período de pós operatório imediato de cirurgia cardíaca em crianças estáveis, clinicamente, e se existe alteração da perfusão gastrintestinal com o uso de doses crescentes de dobutamina. Métodos O protocolo para o estudo foi aprovado pela comissão de ética da Universidade e um consentimento por escrito foi obtido dos pais ou responsáveis. O estudo clínico, prospectivo, não randomizado, foi realizado na unidade de cuidados intensivos pediátrica, incluindo apenas pacientes submetidos à cirurgia cardíaca eletiva com circulação extracorpórea, e excluídos os com qualquer contra-indicação de passagem de sonda nasogástrica. Foram avaliadas 10 crianças com média de idade de 41,3±25,1 meses, média de peso de 12,12±2,98kg e média de estatura de 92,2±13,53cm. As cardiopatias congênitas e suas respectivas correções cirúrgicas são apresentadas na tabela I. Os pacientes não foram divididos em grupos de cardiopatias cianogênicas ou acianogênicas. Os pacientes receberam como medicação pré anestésica midazolam ou ketamina. A indução foi feita com máscara de oxigênio e isoflurane na concentração de, no máximo, 1%. Foi feito bloqueio neuromuscular com pancurônio e a manutenção da anestesia com fentanil. Os pacientes foram medicados, antes do inicio da cirurgia e durante o pós operatório, com ranitidina na dose de 3mg/Kg/dia intravenosa de 8 em 8h 7. A circulação extracorpórea foi realizada com fluxo não pulsátil e os pacientes foram submetidos à hipotermia leve ou normotermia. Foram locadas, no centro cirúrgico, sondas de tonometria NGS Catheter Trip (gastric tonometer and sump - Tonometrics, Inc., Worcester, MA, USA). Após assegurada a localização da sonda no estômago, pela ausculta e, posteriormente, com radiografia, foram infundidos 2,5ml de solução salina 0,9% (soro fisiológico) no balão do tonômetro (fig. 1). Fig. 1 – Sonda de tonometria gástrica. No cálculo do pH intramucoso, foi padronizada a utilização de aparelho de gasometria Radiometer Copenhagen ABL 330. O cálculo do pH intramucoso foi feito utilizandose a medida da pCO2 da solução salina (pCO2ss), corrigido com o tempo de equilíbrio recomendado pelo fabricante, e o bicarbonato arterial (HCO3 art.) na equação de HendersonHasselbalch. À admissão na unidade de cuidados intensivos pediátrica, foi normalizada a temperatura dos pacientes e colocados em ventilação mandatória intermitente. Foram realizadas medidas de pH intramucoso até a retirada da sonda, fato que Tabela I – Distribuição dos pacientes quanto a idade, peso, estatura, cardiopatias congênitas e respectivas correções cirúrgicas realizadas Idade Meses Peso kg Estatura cm 87 36 22 68 24 74 26 27 32 17 17,2 12 11,3 14,5 10,4 16,8 9,8 10,1 10 9,1 115 92 85 106 85 112 83 82 82 80 Diagnósticos Correções cirúrgicas Insuficiência mitral Plastia de válvula mitral Dupla via de entrada de VE e bandagem de artéria pulmonar Derivação Cavo-pulmonar bidirecional Origem anômala de coronária esquerda Reimplante de artéria coronária esquerda na aorta CIV Ventriculoseptoplastia Atresia tricúspide Ib Ampliação da CIA e cavopulmonar bidirecional Dupla via de saída de VE + CIV + EP Correção total com tubo VD-TP Dupla via de saída de VD + EP Atriosseptectomia e shunt central aorto-pulmonar CIV residual em PO de Tetralogia de Fallot Fechamento de CIV residual CIV Ventriculoseptoplastia CIV Ventriculoseptoplastia VE- ventrículo esquerdo; VD- ventrículo direito; TP- tronco de pulmonar; EP- estenose de artéria pulmonar; CIV- comunicação interventricular; CIA- comunicação interatrial. 510 Arq Bras Cardiol 2001; 77: 509-14. Souza e cols Tonometria gástrica no pós-operatório ocorreu após a extubação ou o início da alimentação enteral. Nenhum dos pacientes foi extubado ou recebeu alimentação enteral nas primeiras 24h de internação. A conduta do médico assistente não foi influenciada pelos resultados da tonometria, já que este não tinha conhecimento dos resultados. As primeiras medidas foram realizadas sem droga (imediatamente após admissão), com 5 e 10mcg/kg/min de dobutamina, aguardando-se tempo de 90min após alteração da administração da droga para realização das medidas. Após internação na unidade de cuidados intensivos pediátrica, foram comparadas as medidas, todas realizadas com os pacientes recebendo dobutamina (exceto na admissão), nos seguintes tempos: admissão, 4, 8, 12 e 24h. A monitorização destes pacientes foi realizada com parâmetros clínicos (diurese, freqüência cardíaca, FR, enchimento capilar, gradiente térmico), eletrocardiograma, pressão arterial média invasiva, pressão venosa central e oximetria de pulso. O efeito da administração da dobutamina foi analisado comparando-se as variáveis em três condições distintas: sem dobutamina, com 5 e com 10mcg/kg/min. Para tal análise utilizou-se a prova de Friedman (χ²r). Adotou-se o nível de significância de 0,05 (α=5%). Resultados Os valores e a média de pH intramucoso nas três condições (sem droga, com 5 e 10mcg/kg/min de dobutamina) são mostrados na tabela II. Os valores não mostraram diferença estatisticamente significante (p=0,103), porém os pacientes apresentaram uma tendência ao aumento do pH intramucoso. O tempo médio de circulação extracorpórea e de anóxia foi de 62,4min e 43,5min, respectivamente. A cirurgia foi realizada com hipotermia leve em cinco pacientes e normotermia nos outros cinco com um pH intramucoso ao final da circulação extracorpórea semelhante nesses pacientes (7,25±0,07 com hipotermia e 7,27±0,09 com normotermia). Durante a evolução na unidade de cuidados intensivos pediátrica, os valores médios do pH intramucoso encontram-se na tabela III. Os pacientes apresentaram um aumento significante do pH intramucoso, quando comparado Tabela III - Valores e Médias do pHi durante a internação. pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi (Média±D.P) Admissão Após 4h Após 8h 7,21 7,13 7,09 7,15 7,45 7,00 7,37 7,19 7,27 7,16 7,20± 0,13* 7,55 7,37 7,10 7,18 7,57 7,19 7,29 7,16 7,14 7,19 7,27± 0,16 7,30 7,22 7,26 7,40 7,36 7,24 7,19 7,22 7,16 7,30 7,26± 0,07 Após 12h Após 24h 7,21 7,31 7,29 7,50 7,53 7,33 7,36 7,13 7,25 7,29 7,32± 0,12 * 7,44 7,35 7,54 7,30 7,43 7,33 7,23 7,41 7,38 7,39 7,38± 0,08 * Admissão ≠ (12h = 24h). com o pH intramucoso na admissão, a partir de 12h, medida que permaneceu estável com 24h (p=0,0459) (fig. 2). Os pacientes mantiveram quadro hemodinâmico estável, com níveis adequados de saturação de hemoglobina e não apresentaram acidose metabólica ou respiratória, sendo a média dos valores de hematócrito de 33%. Apenas três pacientes apresentaram hipotensão transitória que, em dois deles, foi acompanhada de distúrbios de ritmo cardíaco (ritmo juncional ou bradicardia) no pós operatório imediato. Nenhum paciente apresentou insuficiência renal, desenvolveu disfunção de múltiplos órgãos e sistemas ou faleceu. Todos os casos foram retirados da ventilação pulmonar mecânica sem intercorrências e receberam alta da unidade de cuidados intensivos pediátrica após 6 a 8h da extubação. O tempo mínimo de internação na unidade foi de um dia e máximo de três dias. Discussão Durante os estados de choque ocorre perda do mecanismo de autoregulação esplâncnica e tanto os mediadores humorais como neurais, produzem uma vasoconstrição seletiva com conseqüente isquemia esplâncnica. É importante salientar que o trato gastrointestinal tem funções endócrinas, metabólicas, imunológicas e de barreira, além de papel na absorção de alimentos e, portanto, não pode mais ser visto como um órgão passivo. A isquemia e reperfusão intesti- Tabela II – valores e média do PHI de 10 crianças em três condições: sem dobutamina, com 5mcg/kg/min e com 10mcg/kg/min Sem dobutamina 5 mcg/kg/min 10 mcg/kg/min pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi pHi 7,32 7,09 7,06 7,09 7,29 7,18 7,23 7,20 7,34 7,18 7,27 7,01 7,10 7,05 7,26 7,14 7,28 7,08 7,42 7,04 7,26 7,52 7,55 7,17 7,29 7,30 7,55 7,37 7,18 7,08 (Média±D.P) 7,17± 0,11 7,14± 0,11 7,35± 0,15 χ²r = 4,55 p=0,103 Fig. 2 - Representação gráfica da elevação e normalização do pHi dos 10 pacientes durante as primeiras 24h de internação na unidade de cuidados intensivos pediátrica. 511 Souza e cols Tonometria gástrica no pós-operatório nal podem resultar em aumento da permeabilidade, permitindo a translocação bacteriana ou de toxinas com invasão para a circulação portal. A inadequada perfusão hepática faz com que haja uma diminuição da depuração das bactérias e seus produtos. A isquemia intestinal pode ser uma causa importante no desenvolvimento de disfunção de múltiplos órgãos e óbito em pacientes graves 8. A utilização da medida do pH intramucoso para prognóstico de complicações pós-cirúrgicas foi estudada por Fiddian-Green e Baker 9. O pH intramucoso foi medido em 85 pacientes no pós operatório de cirurgias cardíacas eletivas, sendo comparado com outros métodos de monitorização. A alta sensibilidade do método fez com que os autores recomendassem a utilização do pH intramucoso para diminuir os riscos de complicações, sem aumentar os riscos para o paciente. Em estudos realizados por Mythen e Webb 10,11, num total de 51 casos, houve aumento no número de complicações em cirurgias eletivas, com aumento dos custos hospitalares, em pacientes com baixo pH intramucoso gástrico no intraoperatório, sendo que 14 desenvolveram complicações (sete com disfunção de múltiplos órgãos) e seis faleceram. Durante e após circulação extracorpórea, ocorre um aumento de mediadores que causam vasoconstrição, principalmente dos níveis circulantes de angiotensina II, hormônio responsável por vasoconstrição esplâncnica seletiva, podendo potencialmente alterar o pH intramucoso. Gaer e cols. 12 compararam as alterações da tonometria gástrica com a utilização de fluxo pulsátil e não pulsátil, encontrando uma redução na perfusão gastrointestinal, com acidose gástrica intramucosa e desenvolvimento de complicações no pós operatório. Landow e cols. 13 observaram uma queda do pH intramucoso durante a circulação extracorpórea, mantida mesmo após o reaquecimento. Os dados de literatura citados são referentes a adultos; em nosso estudo, selecionamos crianças em pós operatório imediato de correção de cardiopatias congênitas com circulação extracorpórea, para observar e avaliar a aplicabilidade desse tipo de monitorização, bem como para caracterizar a evolução desta variável (pH intramucoso) no pós operatório imediato. A definição de uma curva normal de comportamento é o primeiro passo para, posteriormente, definir-se seu papel e real benefício de sua utilização em casos complicados. A reposição volêmica pode não ser suficiente para manter a perfusão intestinal e melhorar o pH intramucoso no período pós operatório imediato de cirurgias cardíacas. Os agentes adrenérgicos parecem ter um papel importante na melhora da circulação esplâncnica e reversão da acidose intramucosa, e parece ser a dobutamina um agente efetivo na melhora do fluxo sangüíneo esplâncnico 14. O suporte inotrópico, geralmente, é necessário após cirurgia cardíaca, particularmente, quando a isquemia miocárdica é prolongada. Na unidade de cuidados intensivos pediátrica, a grande maioria das crianças utiliza dobutamina no período imediato do pós operatório até sua estabilização hemodinâmica, sempre após correção da volemia, da hemoglobina e de acidose metabólica, quando necessário. Neste estudo, tentamos 512 Arq Bras Cardiol 2001; 77: 509-14. avaliar se, com aumentos progressivos da droga, teríamos uma melhor resposta de normalização do fluxo esplâncnico nas primeiras horas de admissão na unidade de cuidados intensivos pediátrica. Além da utilização do pH intramucoso como método diagnóstico, alguns autores sugerem o uso desta monitorização na avaliação e triagem terapêutica. Comparando a administração de dobutamina e a administração de concentrado de glóbulos em 21 pacientes sépticos, Silverman e Tuma 15 concluíram que a dobutamina, melhor que o concentrado de glóbulos, deveria ser administrada para reverter a acidose intramucosa. A dobutamina parece, também, prevenir a redução do fluxo sangüíneo intestinal durante endotoxemia; portanto, seu uso profilático pode limitar a isquemia intestinal e prevenir o desenvolvimento de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas 16. Hernández e cols. 17 obtiveram melhora do pH intramucoso usando dobutamina em pacientes com síndrome da resposta inflamatória sistêmica e choque, do que com uso de amrinona. Os efeitos da dobutamina na perfusão intestinal em pós operatório cardíaco, segundo Parviainen e cols. 18, podem não ser uniformes. Em seu trabalho, relatam que a dobutamina aumentou o débito cardíaco, fluxo esplâncnico e o transporte (TO2) sistêmico e esplâncnico de oxigênio, mas não foi alterado o consumo de O2 esplâncnico (resultando em redução da extração de O2 sistêmica e regional). O pH intramucoso não diferiu entre os grupos controle e débito cardíaco normal, mas caiu no grupo com baixo débito cardíaco, sugerindo uma alteração da distribuição de fluxo dentro do território esplâncnico. Em nosso material, vários pacientes mantiveram o pH intramucoso baixo (pHi<7,32), sem alterações clínicas importantes, mesmo após reposição volêmica inicial com plasma ou albumina e até concentrado de glóbulos. Os pacientes apresentaram aumento do pH intramucoso com aumento progressivo da dobutamina, porém os valores não foram estatisticamente significantes. Na dose de 5mcg/kg/min, não houve um aumento do pH intramucoso que, com 10mcg/kg/min de dobutamina, atingiu um valor considerado normal (7,32), podendo traduzir assim uma recuperação do fluxo sangüíneo intestinal, quer pela recuperação espontânea da circulação extracorpórea, quer pela utilização de inotrópico; como não utilizamos subgrupos com e sem dobutamina, não temos condições de definir se houve real benefício com a utilização da droga. Nem todos os autores concordam que as drogas inotrópicas tenham este efeito de melhora do pH intramucoso. Uusaro e cols. 19 em um estudo, sugerem que os pacientes em pós operatório não complicado possam tolerar pH intramucoso baixo por pouco tempo, sem posteriores complicações, já outro estudo, concluiu que a dobutamina parece melhorar a perfusão esplâncnica no pós operatório imediato de cirurgia cardíaca 20. Niinikoski e Kuttila 21 relataram em seu estudo que da inicial no pH intramucoso, após cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. Diminuição que atingiu valores mínimos no final da cirurgia e durante as três primeiras horas de Arq Bras Cardiol 2001; 77: 509-14. Souza e cols Tonometria gástrica no pós-operatório internação na unidade de cuidados intensivos pediátrica e, posteriormente, apresentaram uma melhora lenta do pH intramucoso, semelhante à nossa experiência. Em alguns estudos, no pós-operatório, mesmo com o uso de substâncias inotrópicas e vasodilatadoras, não foi observada normalização do pH intramucoso após 24h da admissão 22,23. Rey e cols. 24, analisando pH intramucoso em crianças no pós operatório, observaram que a diminuição do pH intramucoso precedia complicações hemodinâmicas, enquanto que Casado-Flores e cols. 25 verificaram maior mortalidade nos pacientes com pH intramucoso menor que 7,30 na admissão. Em nosso trabalho, os pacientes apresentaram estabilização do pH intramucoso após 12h da chegada na unidade de terapia intensiva, todos recebendo dobutamina. Nenhum deles, apesar dos valores iniciais baixos de pH intramucoso, apresentou disfunção de múltiplos órgãos ou faleceu. Portanto, ainda existem muitas indagações a serem feitas, como, por exemplo, por quanto tempo podem ser mantidos os níveis baixos de pH intramucoso sem maiores conseqüências? Kirton e cols. 26, em 19 pacientes vítimas de trauma, observaram que os sobreviventes que não conseguiam normalizar o pH intramucoso nas primeiras 24h tinham aumento no tempo global de internação hospitalar e no tempo de internação na unidade de terapia intensiva. A monitorização do pH intramucoso gástrico poderia, portanto, beneficiar os pacientes com risco de desenvolver baixo débito cardíaco ou choque e, também, aqueles em que a monitorização de variáveis hemodinâmicas não seja possível 27. Esta experiência permitiu-nos concluir que a tonome- tria é uma técnica segura, de fácil execução e sem complicações, mesmo na população pediátrica. Resumindo, a monitorização hemodinâmica com tonometria gástrica é, pela literatura, um procedimento valioso no pós operatório imediato de cirurgia cardíaca em crianças. Em nossos pacientes, o pH intramucoso elevou-se para valores normais após 12h da cirurgia cardíaca, mostrando provável regularização do fluxo sangüíneo na região gástrica. As medidas hemodinâmicas invasivas fornecem-nos mais dados e maior segurança para mudanças nas dosagens das drogas inotrópicas e vasoativas, no entanto existem dificuldades importantes para uso regular em pediatria. Talvez a tonometria gástrica possa melhorar a titulação dessas drogas no paciente pediátrico com instabilidade hemodinâmica grave. Como em nossa amostra não tivemos casos de disfunção de múltiplos órgãos ou baixo débito cardíaco, não pudemos avaliar as alterações de pH intramucoso neste tipo de paciente. Os nossos resultados podem, no entanto, servir de guia para delinear como se comporta o pH intramucoso em pós operatório imediato de cirurgia cardíaca em crianças que evoluem bem. A dobutamina pode ser, em parte, a responsável pela melhora da circulação esplâncnica, diminuindo, assim, os riscos de complicações no pós-operatório, mas conclusões adequadas necessitam de estudos direcionados a fim de definir o seu papel. Estudos clínicos controlados, randomizados, com protocolos terapêuticos acompanhados pela monitorização do pH intramucoso devem ser realizados antes da sua utilização rotineira em pacientes pediátricos em pós operatório de cirurgia cardíaca. Referências 1. Gutierrez G. Cellular energy metabolism during hypoxia. Crit Care Med 1991; 19: 619-26. 2. Grum CM. Tissue oxygenation in low flow states and during hypoxemia. Crit Care Med 1993; 21: S44-S9. 3. Astiz ME, Rackow EC. Assessing perfusion failure during circulatory shock. Crit Care Clin 1993; 9: 299-312. 4. 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