Modelagem do Conhecimento, Sistemas Especialistas e o Projeto SEAMED Autor: Filipo Studzinski Perotto – [email protected] graduando ligado aos Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (UFRGS) e Instituto de Informática (UFRGS) Orientadora: Dra. Rosa Maria Vicari – [email protected] Professora do Instituto de Informática (UFRGS) Resumo Esse artigo apresenta a utilidade das técnicas de modelagem de conhecimento e dos sistemas especialistas, baseando-se na experiência do projeto SEAMED, desenvolvido no Instituto de Informática da UFRGS, que trabalha com Sistemas Especialistas para a Área Médica implementando algoritmos de Redes Bayesianas. Abstract This article presents knowledge modeling techniques and expert systems, thinking about your utility, and referencing the SEAMED project experience, developed in the Institute of Computer Science of UFRGS. SEAMED is a Expert System for the Medical Area, using Bayesian Network algorithms. Palavras-chave: Inteligência Artificial, Representação do Conhecimento Incerto, Informática Médica, Sistema de Apoio à Decisão. Introdução A Inteligência Artificial, uma vez constituída como Ciência Cognitiva, busca compreender e propor mecanismos de raciocínio e conhecimento. Muitos tipos de Sistemas Adaptativos (que precisam conhecer o meio em que se encontram para decidir sua ação de acordo com seus objetivos) serviram de modelo para esses estudos, mas a inspiração maior dessa ciência é, sem dúvida, o próprio ser humano. “A mente incomoda e interessa-nos muito como mistério e desafio” [Coelho]. Como também é uma ciência ligada à Informática, ao longo dos anos, muitas técnicas foram desenvolvidas para responder a necessidades específicas em trabalhos que requeriam algum tipo de inteligência. A intenção deste artigo é mostrar as possibilidades que se abrem com o uso de algumas dessas técnicas, e visionar alguns benefícios que podem trazer à ciência e à sociedade como um todo. Trataremos, mais especificamente, de Modelagem de Conhecimento, Sistemas Especialistas, e, feitas essas explanações, abordaremos o Projeto SEAMED (Sistemas Especialistas para a Área Médica), realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seguindo esse caminho, tentaremos mostrar que técnicas de modelagem de conhecimento servem tanto à comunidade científica, por fornecer métodos para uma descrição formal de seus modelos de domínios específicos do conhecimento, quanto para o uso em sistemas especialistas, difusores de serviços e conhecimento especializado. Considerações sobre o Conhecimento Científico Seriam necessárias muitas páginas para definir adequadamente esse conceito (o Conhecimento Científico) tendo em vista tudo o que a Filosofia da Ciência já discutiu ao longo de muitos anos, então aqui vamos apenas fazer algumas considerações importantes. Se fizermos um resumo das teorias epistemológicas de autores clássicos da filosofia racionalista da ciência, concluiremos que o empreendimento científico, em alguma medida, está associado ao processo teorização a partir da análise de evidências empíricas [Giddens]. A ciência é o conhecimento estruturado, que tem por objeto, uma (hipotética) realidade universal [Prado Jr], por isso funda-se em evidências empíricas (adquiridas através da experiência sensível) para construir modelos que reflitam e expliquem o funcionamento da realidade, ou de frações específicas da realidade. O ser humano trabalha com a expectativa de que a realidade possua um funcionamento regular, buscando, assim, leis de regularidade e modelos explicativos do mundo. Esses modelos não podem ser logicamente confirmados, mas apenas refutados quando da ocorrência de casos que contradigam o modelo (contra-exemplos) [Popper]. A proposição de modelos e de hipóteses é um processo criativo dos cientistas. Essas criações (conjecturas) em geral ocorrem por processos indutivos, onde, a partir da observação de casos particulares, propõe-se leis gerais. Ainda assim, como já dissemos, a indução não confirma a verdade de uma hipótese. Não há meios para fazer isso, portanto a ciência não é verificacionista [Popper]. Os modelos propostos possuem dimensões metafísicas, um conjunto de convicções que não podem ser testadas empiricamente. Esses modelos, então, constituem-se em paradigmas, e, tratando-se de história da ciência, poderão conviver com contradições e anomalias [Khun]. O conhecimento científico avança, portanto através da análise teórica de evidências empíricas e a formulação de novas hipóteses dentro dos paradigmas, a fim de validar o paradigma frente às evidências, e através da proposição de novos paradigmas, que possuam maior poder heurístico que os anteriores [Lakatos]. Dentro dessa perspectiva da filosofia da ciência, a modelagem do conhecimento ganha mais valor, na medida em que a ciência é vista como conhecimento estruturado, e técnicas de modelagem do conhecimento podem ser instrumentos muito interessantes para a descrição do raciocínio de um cientista. Uma vez que um modelo está devidamente formalizado, numa linguagem formal, e que essa linguagem é conhecida pela comunidade científica, tem-se uma ferramenta para o ensino e aprendizagem. O processo de ensino e aprendizagem, no interior de um paradigma, ocorre pela transmissão aos novos cientistas (os estudantes) dos procedimentos, métodos, problemas e modelos que o paradigma incorpora [Khun]. Assim, os novos cientistas precisam, entre outras coisas, compreender como se dá o raciocínio dos velhos cientistas, que variáveis estão envolvidas, que respostas eles procuram e como as interpretam (o modelo proposto pelo paradigma). Quando tiverem aprendido esta lição, os novos cientistas estarão preparados para utilizar o conhecimento na solução de problemas práticos, para desenvolver novas hipóteses, “lapidando” ainda mais as teorias do paradigma, ou mesmo para propor novos paradigmas que superem os existentes. Modelagem de Conhecimento e Sistemas Especialistas Sistemas Especialistas são softwares caracterizados por simularem o raciocínio de um especialista em seu âmbito (domínio) do conhecimento. Descrever adequadamente um pequeno conjunto de saberes de uma pessoa sobre um aspecto específico da realidade já é tarefa para bastante trabalho. Por isso os sistemas especialistas são geralmente feitos sobre domínios bastante restritos e bem definidos do conhecimento. Sua construção se dá através de um processo que envolve “extrair” o conhecimento do especialista (as variáveis que considera no raciocínio, a maneira com que infere através dessas variáveis) e utilizá-lo como base para o sistema, que baseado em formalismos previamente definidos, poderá simular o raciocínio do especialista. [Keller] O ser humano processa as informações do seu cotidiano dentro de modelos que, pela amplitude e complexidade, são difíceis de serem compreendidos e formalizados [Rich]. Ainda assim, a teoria não impede que um dia se possa construir sistemas artificiais inteligentes que possam “apreender” um número maior de aspectos da realidade, e, assim, trabalhar com domínios de conhecimento mais amplos. Em meados da década de 1960, começava-se a pesquisa na área de Engenharia do Conhecimento, envolvendo as técnicas de constru ção desses softwares que mais tarde viriam a chamar-se sistemas especialistas. Desde lá muito progresso foi feito visando dois critérios: melhorar a qualidade da inferência sobre o conhecimento modelado (ou seja, encontrar maneiras mais adequadas para simu lar o raciocínio), e melhorar os métodos de modelagem do conhecimento em si, no sentido de torná-los mais fáceis, mais intuitivas, mais simples. Os sistemas especialistas derivam seu poder de muito conhecimento específico do domínio, e por isso, a modelagem do conhecimento é uma parte muito importante no seu desenvolvimento. Justifica-se, então, as inúmeras pesquisas que buscam formalismos que permitam modelar de forma mais simples estruturas de raciocínio mais complexas, e que não imponham limitações à modelagem. Formalismos O formalismo mais simples usado para modelar o conhecimento é o de regras de produção. Ele foi utilizado por sistemas especialistas de muito êxito da década de 1970, como por exemplo o MYCIN [Shortliffe], um programa que faz o diagnóstico de doenças infecciosas. As regras de produção são construções que permitem, a partir da constatação de certas premissas, chegar a conclusões (ver exemplo no Quadro 1). Um conjunto de várias regras de produção permitem a estruturação de um modelo de raciocínio mais complexo, pois as regras podem ser encadeadas (ou seja, as conclusões de uma regra podem servir como premissa para outra). Se: F I <a tintura do organismo for gram-positiva>, e <a morfolgia do organismo for coccus>, e <a conformação de crescimento do organismo for conglomerados> Então: <a identidade do organismo é estafilococos> Quadro 1 – Exemplo de uma Regra do MYCIN [Rich] Um sistema especialista baseado em regras de produção funciona da seguinte maneira: o usuário fornece o valor booleano de algumas evidências; estas evidências são usadas no processo de inferência para a constatação de novas evidências; no fim o programa fornece todas as conclusões a que pode chegar a partir das evidências iniciais. Os anos seguintes mostrariam a necessidade dos sistemas especialistas de tratarem conhecimento incerto (quando as evidências de entrada e as conclusões não podem ser expressas com certeza, mas apenas com um índice de probabilidade) e indeterminado (quando algumas evidências não são fornecidas). Assim surgiram formalismos que se utilizam de lógica nebulosa (fuzzy) em vez de lógica booleana, baseando-se em métodos de raciocínio probabilístico. Esses formalismos permitem, por exemplo, que o usuário do sistema responda às evidências numa escala gradativa, com valores entre 0 e 100% (incerteza), e também estipulam regras ou padrões para tratar uma evidência não informada, ou seja, quando a resposta é “não sei” (indeterminação). Porém, a modelagem do conhecimento feita através de regras de produção é pouco estruturada. Sistemas maiores, que necessitam de um número muito grande de regras, tornam o trabalho de modelagem mais difícil, e resultam em modelos menos compreensíveis. No final da década de 1980, houve um aumento do interesse por abordagens probabilísticas para a modelagem de conhecimento, a partir de estudos que mostraram em se considerando o relacionamento causal e a independência (condicional) entre variáveis do domínio, é necessário representar apenas as probabilidades condicionais entre variáveis diretamente dependentes (e não mais entre todas as variáveis) [Pearl]. Neste momento ocorre o aparecimento das Redes Bayesianas, um formalismo baseado em representações gráficas das dependências probabilísticas do domínio da aplicação. Esse formalismo torna mais natural representar os diferentes pesos de influência de uma variável na outra, além de tratar incerteza e indeterminação com base em princípios matemáticos fundamentados e modelar o conhecimento do especialista de uma forma mais clara e intuitiva. Redes Bayesianas A teoria matemática da probabilidade fornece meios para descrever e manipular o conhecimento incerto. Um de seus resultados mais úteis é o teorema de Bayes, que mostra uma maneira de calcular a probabilidade de um evento em particular, dado algum conjunto de observações que tenhamos feito. Uma rede bayesiana constitui-se num grafo orientado, onde cada nó representa uma variável, e cada arco representa uma relação de dependência probabilística (a influência que uma variável tem em relação à outra). Esse conjunto de variáveis e suas inter-relações são adquiridas junto a um especialista, que, desta maneira, estará descrevendo um modelo do domínio, segundo suas experiências e conhecimentos. [Ladeira.a] Seja: Prob(A e B) = Prob(A) * Prob(B), P(Hi | E) = a probabilidade da hipótese Hi ser verdadeira, dada a evidência E, P(E | Hi) = a probabilidade de observarmos a evidência E, dado que a hipótese Hi é verdadeira, P(Hi) = a probabilidade a priori de Hi ser verdadeira na ausência de evidências específicas, e k = o número de hipóteses possíveis O teorema declara então que: P(Hi | E) = . P(E | Hi) * P(Hi) . ∑ P(E | Hn) * P(Hn) Quadro 2 – Teorema de Bayes [Rich] Haverá uma relação de influência entre as variáveis, e assim, a alteração do valor de alguma variável (evidência) será propagada pela rede, alterando o valor de outras. Essa propagação ocorre de acordo com um algoritmo que se utiliza do Teorema de Bayes. A Rede Bayesiana pode ser vista, então, como uma “grande equação” que precisa manter-se verdadeira. Quando o valor de uma variável muda, as outras mudam adequadamente a fim de se adaptar e manter a coerência das relações. No exemplo (Figura 1), podemos observar um domínio simples modelado a partir de uma Rede Bayesiana. Trata-se de um problema didático (um exemplo hipotético), que lida com o diagnóstico da Hepatite. Possui três variáveis: Febre, Icterícia e Hepatite. Observe-se que as variáveis Febre e Icterícia estão associadas a tabelas de estados que indicam suas probabilidades a priori. As probabilidades a priori são o elemento responsável pelo tratamento da indeterminação. Quando o usuário não disser, ou não souber dizer o valor de uma evidência, a Rede Bayesiana usará, na inferencia, essa probabilidade a priori, que foi definida pelo especialista como uma espécie de “valor padrão”. A variável Hepatite está associada a uma tabela de estados que descreve sua relação probabilística com as variáveis anteriores. Assim descreve-se que a evidenciação de Febre e Icterícia tem influência definida sobre o diagnóstico da Hepatite. O valor dessa variável vai ser definido conforme o valor das evidências, e esse comportamento é que fica descrito nessa tabela de estados. O especialista, durante a modelagem da rede, indicará, para cada combinação de respostas das evidências relacionadas a esse diagnóstico, um valor de resultado. A inferência que ocorre na rede durante uma consulta se dá, então, por algoritmos multiplicativos, que vão propagando as probabilidades e definindo os valore finais dos diagnósticos. Figura 1 – Exemplo de um domínio modelado através de Redes Bayesianas O formalismo de Redes Bayesianas permite que se façam tanto Redes de Diagnóstico quanto Redes Causais, ou ainda Redes Mistas [Jensen]. A Rede do exemplo anterior (Figura 1) é uma Rede de Diagnóstico. Esse tipo de rede funciona da seguinte forma: o usuário (do sistema especialista) vai indicar que evidências ele observou no caso analisado, e o sistema concluirá a presença ou ausência de certos diagnósticos. Dando um exemplo (para deixar mais claro o conceito), uma rede de diagnóstico modelada para descobrir a presença de um certo vírus no organismo de uma pessoa terá como evidências variáveis com os sintomas, por exemplo “febre”, “dor”, e como diagnóstico possível a “presença do vírus”. As Redes Causais, diferentemente, são aquelas em que o usuário constata um diagnóstico, e quer que o sistema lhe responda quais são as causas mais prováveis. Também para exemplificar imaginemos um sistema especialista que trata das casas de queda de folhas num pomar. Haverá uma variável diagnóstico “queda de folhas” e variáeis causais associadas a esse diagnóstico, como “seca”, “doenças”. Nas Redes de Diagnóstico o usuário diz as evidências e o sistema responde o diagnóstico. Nas redes causais o usuário diz qual é o diagnóstico, e o sistema responde as possíveis causas. Para os fins deste artigo interessam-nos às Redes de Diagnóstico. Um software que implemente redes bayesianas funciona como um sistema especialista na medida em que faz o raciocínio inferencial a partir do modelo do domínio (o conhecimento) e das evidências fornecidas como entrada pelo usuário. A utilização deste método para a constatação de diagnósticos, requer que consideremos algumas variáveis da rede como as evidências de entrada (perguntas a serem respondidas em uma consulta), e algumas como diagnósticos de saída (respostas que o sistema dará, de acordo com a propagação). O Projeto SEAMED e sua Motivação O projeto SEAMED, constitui-se no desenvolvimento de uma ferramenta computacional que permita a modelagem de um problema (através de redes bayesianas de diagnóstico), e a consulta simples de diagnósticos para problemas já modelados. A pesar de ser bastante genérico, o sistema foi projetado para atender problemas da medicina e para ser usado por médicos. Buscou-se, portanto, facilidade na entrada dos dados, uma interface visual intuitiva, e uma linguagem similar ao da área médica. Assim, construiu-se uma ferramenta que auxilia os médicos na indicação de diagnósticos em domínios específicos, através do conhecimento adquirido junto a especialistas, e representado na rede probabilística. [Perotto] Pode-se atribuir quatro formas em que o SEAMED (software) torna-se um instrumento valioso: 1) Como ferramenta de modelagem de conhecimento, 2) como Sistema Especialista de Apoio à Decisão, 3) como meio de difusão de modelos entre comunidades científicas específicas, no caso, as comunidades médicas, e 4) como ferramenta para auxiliar na formação dos médicos residentes. A primeira (que é motivação de qualquer sistema especialista) é permitir levar o conhecimento especializado (serviços ou procedimentos que não são de domínio comum) à comunidades que não o tem disponível. Por exemplo, a orientação de diagnósticos médicos em comunidades que só tem à disposição um clínico geral. Se este tiver a disposição um sistema que modele domínios especializados da medicina, poderá prever o diagnóstico de doenças que, sem este auxílio, não conseguiria prever, e então, encaminhar o paciente aos cuidados corretos. A segunda é a facilidade para a modelagem do conhecimento, devida à interface do software, e à própria estrutura formal inerente ao modelo de Redes Bayesianas. Por usar uma representação gráfica (grafo), e permitir a descrição apenas das influências relevantes entre as variáveis (não sendo necessário descrever a relação de todas as variáveis com todas), fica mais fácil e intuitivo para o especialista (seja ele de qualquer área técnica ou científica) formalizar seu método de raciocínio. Por exemplo, a equipe de médicos especialistas do Hospital X poderá descrever seus procedimentos de constatação de diagnósticos numa Rede Bayesiana. O procedimento formalizado poderá, então, ser analisado pelo próprios médicos com mais facilidade, a fim de que seja melhor compreendido e aprimorado. A terceira é a possibilidade de que um domínio pesquisado e modelado por uma certa comunidade científica seja acessado, num formato claro e bem-embasado (como uma Rede Bayesiana), por outra comunidade científica (de outra parte do mundo talvez). Assim teremos mais uma metodologia para a comparação entre procedimentos, modelos e teorias científicas, propiciando o progresso das pesquisas. Por exemplo, os procedimentos de diagnóstico de uma certa doença no Hospital X poderão ser consultados pelo Hospital Y, possibilitando uma clara comparação entre ambos. A quarta é sua utilização como ferramenta de ensino. Assim os estudantes terão mais uma forma de acesso ao modelo de conhecimento proposto por seus professores, podendo compreendê-lo pelo uso de uma linguagem formal comum e conhecida (proposta pelo software). O software, assim, coloca-se como uma espécie de metalinguagem (linguagem utilizada para conhecer ou criticar estruturas e relações de outra linguagem ou sistema de significações), que, uma vez conhecida da comunidade científica, facilita a exposição dos modelos por parte dos especialistas, para que sejam compreendidos pelos estudantes. Características do Software Desenvolvido O SEAMED procura apresentar uma interaface intuitiva para facilitar a modelagem e a consulta. Há uma janela específica (Figura 2) para a construção do grafo da rede bayesiana, que é parte do processo de modelagem. Nela o usuário (especialista) insere um nó para representar cada variável que julgue relevante no domínio. Estas podem ser evidências de entrada, variáveis intermediárias ou diagnósticos de saída. As arestas entre os nós são as influências entre as variáveis. Figura 2 – Janela de Definição do Grafo da Rede Bayesiana Há uma tabela de estados para cada variável. Nela, o especialista irá informar como se dá exatamente a influência dos nós-pai sobre os nós-filho. No exemplo (Figura 3) temos a tabela de estados de uma variável que possui dois estados (“sim” e “não”) e dois nós como pai. Seus pais também possuem dois estados cada um (“sim” e “não”). Assim, a tabela divide-se em 4 colunas, uma para cada combinação de valores dos nóspai. O especialista indica como comporta-se a variável em questão, considerando cada uma das quatro combinações (hipóteses), ou seja P(sim | sim, sim), P(sim | sim, não), P(sim | não, sim) e P(sim | não, não). Note-se que que a soma dos valores em cada coluna é 1. Figura 3 – Tabela de estados da variável Figura 4 – Janela de Entrada de Valores das Evidências Durante a Consulta, as variáveis de avaliação (que estão relacionadas, por exemplo, a observação de alguma evidência num exame) aparecem classificadas de acordo com o seu grupo de avaliação. O usuário (médico) indica a existência da evidência através de probabilidade (Lógica Fuzzy). Por exemplo, a evidência “febre” em um problema de diagnóstico médico, poderá receber valores entre 0 e 100%, de acordo com a crença da existência dessa evidência no caso. A Janela de Consulta (Figura 4) traz a lista de evidências e a barra valoração (0 – 100%) para que o usuário indique sua observação sobre o caso, durante uma consulta ao sistema. Quando se trata de modelos com muitas variáveis, recursos para estruturar e classificar os dados, são bastante úteis como forma de organização do conhecimento, tornando mais clara sua compreensão pelo usuário. O SEAMED permite que cada variável da rede seja classificada de acordo com os critérios do especialista. Funciona como uma árvore de diretórios, aos quais os nós estão associados, não importando o papel que tenham dentro da rede bayesiana propriamente, mas sim a semântica que tenham no domínio. Por exemplo, os nós “sopro sistólico” e “estalido meso-sistólico” (da rede bayesiana modelada para cardiopatias congênitas) estão ligados a diagnósticos diferentes, porém estão na mesma classe semântica de “exame de ausculta”. Além disso, é bastante importante que um sistema especialista, ao detectar um diagnóstico, possa “explicar” os caminhos que usou para chegar a ele. Por isso, numa consulta, o SEAMED além de responder quais são os possíveis diagnósticos, diz qual o valor de certeza atingidas para cada um deles. Também disponibiliza ao especialista a possibilidade de incluir textos com a descrição de cada variável e textos explicando cada uma das relações entre as variáveis. Na Janela de Resultados (Figura 5), o programa mostra as conclusões feitas a partir da propagação ocorrida na rede, de acordo com as entradas fornecidas pelo usuário (médico), que são as probabilidades dadas aos diagnósticos, a indicação dos diagnósticos mais prováveis e um laudo contendo a descrição desses diagnósticos e explicações associadas. Figura 5 – Janela de Resultados Redes Múltipla-Secionadas e Diagramas de Influência A última versão do SEAMED incluiu algoritmos para a interação entre várias Redes Bayesianas, na forma de agentes. É um formalismo descrito como Redes Bayesianas Múltipla-Secionadas. Um ser humano, ao raciocinar em grandes domínios, analisa de forma “natural” as informações que utiliza, concentrando-se em porções específicas do domínio e usando as conclusões oriundas desta análise para selecionar qual a próxima porção que analisará. [Xiang], [Ladeira.b]. Assim ocorre em muitos domínios da medicina. Pela interdependência existente entre sistemas do corpo humano, patologias em um órgão podem produzir impactos sobre outros órgãos relacionados. Por exemplo, o desempenho cardíaco afeta o desempenho pulmonar e do fígado e vice-versa. Nesse contexto, pode-se aumentar a utilidade de uma aplicação de apoio a cardiopatias congênitas caso se disponha de um meio de relacionar as informações disponíveis nesse domínio com o domínio de patologias pulmonares ou do fígado. No caso das redes bayesianas, trata-se de encontrar, em redes distintas, nós que tenham o mesmo significado, e então, uni-los, unindo também as redes. Esse processo deve ser feito de acordo com certas regras [Ladeira.b] para que o conhecimento modelado não seja distorcido. Abre-se a possibilidade de se construir sistemas especialistas “mais inteligentes”, na medida em que poderão consultar não só a um domínio específico, mas a um modelo de conhecimento que une inúmeros domínios. O exemplo (Figura 6) mostra redes bayesianas unidas em uma única rede, numa janela do SEAMED. Pode-se fazer analogia a uma “reunião de especialistas”. Cada rede modela um domínio restrito (é um especialista), mas o algoritmo permite que trabalhem juntos, coordenando as variáveis que utilizam em comum. Também estão sendo acrescentadas no software, outras estruturas que transformam as Redes Bayesianas em Diagramas de Influência. Esses recursos fazem da rede bayesiana não só um indicador de diagnósticos mas também associa certos processos algorítmicos a ela, que são disparados junto com a propagação de probabilidades pela rede. Um diagrama de influência é uma extensão de uma rede bayesiana para trabalhar com tomada de decisão [Zhang]. Ele inclui novas estruturas, os nós de ação e os nós de decisão. Os nós de ação funcionam como os nós comuns de probabilidade, mas que apenas representam uma decisão a ser tomada. Estes nós são colocados como um nó-pai da rede, e apresentam os diferentes resultados para cada caso de decisão. Por exemplo, num sistema de tratamento médico, poderíamos prever os resultados de um tratamento, usando um nó de ação relacionado com a decisão de “usar ou não um certo medicamento”. Já os nós de utilidade têm a função de permitir fazer cálculos com outras variáveis, externas a rede, variando de acordo com a propagação das probabilidades. Por exemplo, pode-se associar uma variável “custos” a uma rede, que vai sendo modificada conforme o valor de certas evidências. Figura 6 – Redes Bayesianas trabalhando em conjunto Alguns Resultados Práticos, Conclusões e Conjecturas O desenvolvimento de Sistemas Especialistas, e a pesquisa e o estudo de técnicas, métodos e ferramentas que auxiliem sua construção podem ser muito úteis para a sociedade. Sistemas Especialistas para a Área Médica são um recurso que melhoram a qualidade dos serviços médicos, além de difundir o conhecimento de domínios específicos da medicina. Na construção do SEAMED foi utilizado um domínio real como exemplo de mo delagem: o diagnóstico de cardiopatias congênitas. Essa parte do projeto foi desenvolvida junto a especialistas do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre. A aquisição dos dados envolveu metodologias específicas de engenharia do conhecimento. Entrevistas feitas junto aos especialistas onde, a partir de uma lista de sinais, sintomas, e exames subsidiários, buscava-se definir os processos cognitivos usados para verificar os diagnósticos. O procedimento da entrevista foi pedir para o médico descrever, para cada diagnóstico possível, os "caminhos" que o fariam chegar a ele, dando um índice de importância para a relação do diagnóstico com cada variável. A seguir, durante alguns meses o modelo foi testado através da comparação entre os diagnósticos que ele sugeria, e o que os médicos, em casos reais, detectavam. Após algumas “lapidações”, o modelo passou a apresentar resultados muito bons. Por conseqüência, durante o desenvolvimento da ferramenta computacional SEAMED, também desenvolveu-se um modelo de diagnóstico de cardiopatias congênitas. O SEAMED, mostrou-se, nessas experiências, uma ferramenta que atende às expectativas tanto de um bom sistema especialista quanto de uma boa ferramenta de modelagem de conhecimento. Além disso, está sendo construído como uma ferramenta genérica, capaz de tratar qualquer tipo de domínio descrito como rede probabilística. A conclusão que me parece mais importante de tudo isso é a de que com o SEAMED pode-se demonstrar como a tecnologia pode permitir um avanço do próprio conhecimento, como pode ajudar a acelerar o processo científico, e isso leva-nos a algumas conjecturas. Uma dessas conjecturas relaciona-se com uma proposta feita ao nosso grupo pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (um dos maiores hospitais do país). O que queriam, ao procurar-nos era um sistema que automatiza-se os procedimentos hospitalares, no sentido de que, esses seriam formalizados (como redes bayesianas) e dariam apoio ao médico em todos os passos do tratamento clínico, desde a indicação de exames a serem feitos, quanto ao próprio diagnóstico das doenças. O software implementado atualmente não poderia fazer isso, mas estaria no caminho. Seria preciso incluir novas funcionalidades, como o tratamento de um caso que vai se desenrolando conforme passam os dias (considerar o tempo), além de elementos específicos para poder descrever completamente tudo que é possível acontecer em um procedimento médico, aconselhando em cada passo, o próximo passo a ser dado (sem, no entanto, obrigar os médicos a dá-lo, caracterizando um sistema de apoio à decisão), bem como fazer o sistema compreender “automaticamente” certos resultados de exames, que conforme vão sendo registrados nos bancos de dados do hospital, já disparam novos eventos e alertam os médicos responsáveis. É a proposta de um gerenciamento inteligente dos procedimentos hospitalares. Além de toda a utilidade prática, também (e muito importante) está o fato de os procedimentos estarem descritos formalmente, sendo mais fácil de sofrerem críticas, análises e comparações com outros procedimentos. Nesse mesmo sentido também é possível conjecturar a possibilidade de se estabelcer uma ferramenta padronizada e gratuita (por exemplo, o SEAMED), que, havendo-se um projeto específico para isso, por exemplo, teria seu uso incentivado em todos os hospitais e universidades de medicina do país. Assim criariase um padrão de descrição dos procedimentos, trazendo aquelas mesmas facilidades já mencionadas. Enfim, todo o projeto que trate do conhecimento em si naturalmente se insinua como um novo horizonte para as atividades humanas que se baseiam em informação e raciocínio. O SEAMED significa exatamente isso, e podemos começar a pensar nesse caminho. Referências Bibliográficas [Coelho, 1999] COELHO, Helder. Sonho e Razão. 2ªed. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1999. [Giddens, 1989] GIDDENS, Anthony. “Comte, Popper e o Positivismo”. In Política, sociologia e teoria social. São Paulo: UNESP, 1989. [Prado Jr, 1984] PRADO JR., Caio. O que é Filosofia. Brasilia: Ed. Brasiliense, 1984. 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