Universo visual - Retina - Hospital Humberto Castro Lima

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Junho de 2012
ARTIGO
Prevalência e fatores associados à cegueira legal em diabéticos do tipo
2 em um Serviço de Oftalmologia, Bahia, Brasil
Alexandre Campelo Ramiro
Preceptor do Departamento de Retina e Vitreo do Hospital Humberto de Castro Lima; Mestre em
Medicina pela EBMSP (Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública)
Co-autores:
Jorge Rocha, Luis Claudio Lemos Correia, Armênio Costa Guimarães
Introdução
As alterações oriundas da retinopatia diabética consistem na principal causa de cegueira legal em
países desenvolvidos, nos pacientes entre 20-64 anos, população economicamente ativa(1). Os
estudos multicêntricos realizados sobre retinopatia diabética foram oriundos de países, onde os
indivíduos têm alto poder aquisitivo e ampla acessibilidade aos serviços de saúde.
A dificuldade de um controle glicêmico rigoroso desde o diagnóstico do DM tipo 2 (DM2) nos pacientes
mais pobres favorece ao surgimento bem mais precoce das complicações microvasculares e
macrovasculares gerando o afastamento definitivo desses pacientes de suas atividades laborativas e
conseqüentemente onerando bastante o estado brasileiro(2,3,4,5).
A prevalência do aparecimento de qualquer estágio da retinopatia diabética após 20 anos de DM2 é
aproximadamente de 60%. E que existem fatores diretamente associados a retinopatia diabética:
duração do DM, controle glicêmico e nefropatia diabética; e os não associados diretamente:
hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemias,doenças cardiovasculares e obesidade(6,7,8). No
entanto, ainda não está descrita os fatores relacionados ao desenvolvimento de cegueira legal em
diabéticos do tipo 2(9), principalmente em pacientes provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
O objetivo desse estudo é descrever a prevalência de cegueira legal em diabéticos do tipo 2 em um
serviço de Oftalmologia Bahia,Brasil e analisar fatores associados à presença de cegueira legal nesse
grupo de pacientes.
Métodos
Foi realizado estudo transversal no IBOPC - Instituto Brasileiro de Oftalmologia e Prevenção a
Cegueira em Salvador, Bahia, Brasil no período de janeiro a junho de 2008. A população alvo foi os
pacientes diabéticos tipo 2 encaminhados ao serviço de oftalmologia e a população acessível foi os
pacientes novos atendidos no ambulatório de retina do IBOPC .Foram incluídos os pacientes com
diagnóstico informado de DM2 ,que estivessem em tratamento farmacológico e com idade entre 20 e
74 anos. Excluíram-se os pacientes com glaucoma ou hipertensão ocular, definido por paciente com
PIO > 21 mmHg ,com ou sem uso de colírios antiglaucomatosos ou dano glaucomatoso no nervo
óptico; pacientes com oclusão vasculares; pacientes com neuropatia de qualquer natureza; pacientes
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com opacidade de meios – corneal ou cristaliniana e os que não concordarem com o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foram incluídos dados como duração do DM, uso de hipoglicemiante oral e/ou insulina, doenças
associadas(HAS, DAC, DCbV, nefropatia, tabagismo), medicações outras e identificava-se a classe
social do paciente através do instrumento da ABEP-CCEB(10). Exame físico com peso, altura, IMC,
circunferência abdominal e identificação de amputação de extremidades. Foi realizada uma análise
laboratorial que constou de hemograma completo, glicemia de jejum, hemoglobina glicosilada
(HbA1C), perfil lípidico (colesterol total, HDL-C, LDL-C e triglicérides) e renal (uréia, creatinina, Na+ e
K+).
O exame oftalmológico incluiu a obtenção da acuidade visual com a melhor correção óptica (Snellen e
ETDRS), tonometria de aplanação, biomicroscopia. O exame do fundo de olho foi realizado sob
midríase incluindo: oftalmoscopia binocular indireta e biomicroscopia de fundo. A retinopatia diabética
foi classificada através dos critérios do ETDRS(11): ausência de retinopatia diabética, retinopatia
diabética não proliferativa(RDNP) leve, moderada, severa ,muito severa e retinopatia diabética
proliferativa (RDP). Foi definido como cegueira legal, os pacientes com melhor correção com visão
igual/inferior a 20/200 (Snellen) ou igual/superior a 1,0(ETDRS).
A fim da obtenção do cálculo amostral, estimou-se uma prevalência de 12% para cegueira legal, com
uma precisão de ± 06% nesta estimativa e alfa de 05%, foram necessários 103 pacientes. Este valor
foi obtido utilizando o programa PEPI (Sample). As variáveis dependentes foram visão útil e cegueira
legal. Foi utilizado o teste do qui-quadrado para comparar frequências entre 02 grupos (variáveis
categóricas) e o teste t de Student para comparar variáveis numéricas que apresentem distribuição
normal e Mann Whitney quando a distribuição fosse assimétrica. Após a realização desses testes
estatísticos, as variáveis com p < 0,10 na análise univariada foram inseridas como co-variáveis em
análise de regressão logística, tendo cegueira legal como variável dependente, a fim de identificar os
preditores independentes.
Este projeto foi submetido a parecer da Comissão de Ética do IBOPC, apenas iniciando o trabalho
após sua aprovação.
Resultados
Foram estudados 103 pacientes com idade média 58 ± 9 anos, sexo masculino representava 45%, a
raça não branca 87%, a classe social (ABEP) C- 45,3%, D-E 54,7%(não houve classe A e B), a
duração do DM do tipo 2 foi de 13 ± 8 anos. As características da população estudada encontram-se
na tabela 1. A prevalência de cegueira legal em pacientes com DM tipo 2 atendidos no IBOPC, Bahia,
Brasil foi de 18% com IC 95% ( 11% – 26%).
Os pacientes foram divididos em visão útil e cegueira legal conforme pode ser observado na tabela 2.
Os pacientes com classe social D-E apresentavam maior chance de cegueira quando comparados aos
pacientes da classe C (p=0,003). Os legalmente cegos apresentavam maior duração do DM tipo 2 [18
± 9 anos(p=0,003)], pior controle glicêmico- glicemia 205 ± 84 mg/dl (p=0,01) e hemoglobina
glicosilada 9,9 ± 1,7% (p<0,001) ,usavam mais insulina para o controle do DM 53% (p=0,025),maior
chance de lesão renal – microalbuminúria 245 (83-614) mg/24 hs (p<0,001) creatinina sérica 1,6 ±
0,9mg/dl (p<0,001) e de ter um membro inferior amputado 42%(p<0,001).
Após a realização de regressão logística (análise multivariada), as variáveis que permaneceram
independentes, a despeito dos três modelos rodados, mantendo a significância estatística foram:
microalbuminúria (p=0,005) e amputação de membro inferior(p=0,005), conforme modelo da tabela 3.
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Discussão
A prevalência de cegueira legal encontrada nesse estudo é maior do que as descritas na
literatura dos países desenvolvidos(12-16). Assim como o tempo entre o diagnóstico referido, as
alterações iniciais da retinopatia diabética e a evolução para sua forma mais grave – retinopatia
diabética proliferativa, a qual culmina com a perda da visão útil(17).
O nível sócio-econômico dos pacientes dividiu-se entre as classes sociais C, D e E, refletindo a
grande maioria da população nordestina, com seu grau de informação precário sobre o
desenvolvimento e conseqüências da retinopatia diabética e seu difícil acesso a assistência
médica multidisciplinar – clínico/endocrinologista, oftalmologista e nutricionista de vital
importância para minorar as alterações micro/macrovasculares do DM tipo 2 sobre os diversos
órgãos .
Dados antropométricos como sexo, raça, índice de massa corpórea e circunferência abdominal
não demonstraram significância estatística para o desfecho – cegueira legal. Assim como doença
coronariana, cerebrovascular, hipertensão arterial e tabagismo. Foi questionado o uso de
medicações: AAS (ácido acetil salcílico), IECA- inibidor da enzima de conversão do angiotensina
I, sinvastatina , hipoglicemiante oral, , sem que apresentassem significância estatística . O uso de
insulina, entretanto, foi associado com maior chance de cegueira (p=0.025) , provavelmente
relacionado a maior dificuldade de controle glicêmico e/ou gravidade da doença desse grupo de
pacientes.
De acordo com os estudos multicêntricos(6,7,18,19) já realizados sobre o desenvolvimento da
retinopatia diabética, a duração do DM tipo 2 foi primordial para a evolução para cegueira legal,
com o tempo médio de 18 ± 9 anos (p=0,003), assim como o pobre controle glicêmico, aferidos
pela glicemia 205 ± 84 mg/dl (p=0.01) e hemoglobina glicosilada HBA1C 9,9 ± 1,7 %(p=0,002), e
nefropatia diabética, avaliados pela microalbuminúria 245 (83-614) mg/24hs (p<0,001) e a
creatinina sérica 1,6 ± 0,9 (p<0,0001). Após a análise multivariada, o pobre controle glicêmico
perdeu a força de associação independente de outros fatores como microalbuminúria e membro
amputado, os quais os mantiveram. Isso possivelmente devido a correlação quase que linear e
diretamente proporcional entre os níveis elevados de hemoglobina glicada com a progressão e
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evolução da retinopatia diabética, porém quando avaliado o desfecho – cegueira legal, muitos
dos pacientes que passaram descontrolados e descompensados por longa data, já apresentavam
um controle glicêmico satisfatório no corte do estudo, seja por uso de medicações,
hipoglicemiantes orais ou insulina, ou mesmo por necessidade de diálise, peritoneal ou
hemodiálise, o que justificaria essa diminuição da força de associação. Já a creatinina sérica
elevada, demonstrou que as lesões microvasculares retiniana e renal acontecem
concomitantemente a nível sistêmico, contudo esse marcador perdeu força de associação na
análise multivariada, provavelmente devido que apesar que sua elevação denote uma lesão
terminal renal, insuficiência renal, o uso de procedimentos filtrantes externos ocasionam extrema
redução desse marcador, incompatibilizando como um fator independente das outras variáveis.
Os valores de microalbuminúria nos pacientes com cegueira legal tiveram uma mediana quase 10
vezes maior dos que os pacientes com visão útil, reforçando e muito o poder estatístico dessa
associação.
Todos os pacientes responderam a um questionário da ABEP, o qual correlacionou a renda
familiar com grau de instrução, estratificando em classes sócio-econômicas. Observou-se que
quando se comparou pacientes de classe D-E com os de classe C, aqueles apresentavam uma
maior associação com cegueira legal (p=0,003), denotando quanto mais pobre e menos instruído
for o paciente com DM tipo 2, maior será a força da associação para o mesmo se tornar cego. Os
estudos realizados(20,21) previamente não observaram associação do nível sócio-econômico
com severidade do diabetes, e a justificativa para esse fato foi que as taxas glicêmicas elevadas
não destoaram entre os diversos grupos desses estudos. O motivo observado para a existência
de uma associação tão forte entre as classes sociais no que tange à presença de cegueira legal
ou não, deve-se ao fato do limiar de pobreza observado em tais classes não permitir a aquisição
de medicações quando essas faltam nos postos de saúde e para obtenção de uma alimentação
mais adequada para sua doença. Também se nota com muita clareza que o diabetes não é o
problema mais urgente nessa casta sócio-econômica. As classes sócio-econômicas C, D e E
refletem a grande maioria da população nordestina, com seu grau de informação precário sobre o
desenvolvimento e conseqüências da retinopatia diabética, além do seu difícil acesso a
assistência médica multidisciplinar – clínico/endocrinologista, oftalmologista e nutricionista de vital
importância para minorar as alterações micro/macrovasculares do DM tipo 2 sobre os diversos
órgãos. Durante a execução do trabalho, evidenciou-se a dificuldade de acompanhamento dos
pacientes devido a ausência de condições financeiras para locomoção de sua residência para a
Fundação Bahiana de Desenvolvimento as Ciências (FBDC), localizado em Brotas, onde se
situava o laboratório para obtenção dos dados bioquímicos , assim como para levar os exames
para averiguação no IBOPC. Esse fato corrobora no pensamento que os pacientes submetidos a
esse estudo estão no limite de uma condição de dignidade financeira, passando por problemas
gravíssimos no que tange educação, saúde, moradia e transporte. A perda da sua força de
associação na análise multivariada deve-se ao fato do tamanho amostral relativamente pequeno.
Um estudo realizado com “N” maior comprovaria sem dúvida essa tese. Também, torna-se notória
que a duração do DM2 não se tornou estatisticamente significante para o desfecho pela amostra
reduzida.
A presença de membro inferior amputado associado a cegueira legal decorrente de DM tipo 2, 08
pacientes dos 19 com cegueira legal, deve-se principalmente ao descontrole metabólico e
pressórico , associado ao deficiente nível de higiene e da dificuldade de acesso ao tratamento
clínico/cirúrgico, a fim de evitar que uma simples ferida evolua para necrose e gangrena,
condições imperativas para a necessidade de exérese do dedo, pé ou perna acometido(s).
A promoção e prevenção do diabetes e suas complicações avaliadas nesse serviço de
oftalmologia Bahia, Brasil, demonstraram-se que estas estão aquém das expectativas mínimas
aceitáveis para a real necessidade existente no âmbito da saúde dos pacientes pobres
diabéticos. Há a necessidade de implementação de políticas para o diagnóstico precoce,
acompanhamento nutricional e laboratorial, tratamento farmacológico e de alta complexidade a
fim de diminuir a prevalência da cegueira legal, e o seu ônus para o estado e para vida da família
e do cidadão com diabetes (22,23).
Conclusão
Apesar das limitações de um estudo transversal, o oftalmologista do Brasil, que atende o SUS,
deve ter em mente que devido ao diagnóstico tardio, ao exíguo controle glicêmico, precário nível
de instrução que é obtido com os pacientes de classes sociais mais pobres (D-E), as alterações
da retinopatia diabética desenvolvem-se de maneira mais precoce e rápida demorando muito
menos tempo para a evolução para cegueira legal.
Conclui-se que a microalbuminúria deve fazer parte dos exames laboratoriais solicitados pelo
oftalmologista para os pacientes com retinopatia diabética, pois seus níveis elevados e fora dos
parâmetros da normalidade estão associados com uma maior chance de evolução da retinopatia
diabética, assim como uma maior chance de cegueira legal. A presença de membro amputado
também deve alertar ao oftalmologista da associação desta com um desfecho desfavorável no
âmbito visual.
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