- Rede Mãos Dadas

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Como Cuidar dos que Cuidam:
dicas para a igreja local
Edgar e Sara Chagas
Ao lermos o Novo Testamento e acompanharmos os relatos do ministério de Jesus vemos que ele
percorria cidades e povoados, indo ao encontro das pessoas. O vemos ensinando, pregando o
Evangelho e curando todo o tipo de doença. Ele vê, ouve e se compadece das pessoas. Jesus está
sempre próximo do povo, convive com a comunidade a sua volta e tem claro qual é a sua missão,
conforme Ele mesmo descreveu em Lucas 4:18-19.
Entendemos que como Igreja de Cristo na terra somos chamados a darmos continuidade a essa missão
e à obra de Cristo no mundo. Afinal, “se alguém está em Cristo é nova criação... tudo isso provém de
Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação”
(II Coríntios 5:17-19). Paulo, ao falar da Igreja, usa a metáfora do Corpo de Cristo. Neste corpo existe
unidade, mas também diversidade: apesar de ser um corpo, tem muitos membros com funções
múltiplas (1). Neste contexto, Cristo como Senhor da Igreja, presenteia-a com uma multiplicidade de
dons e talentos (I Coríntios 12:1). Estes, sendo usados, não atrofiam. A diversidade enriquece um
grupo, torna mais significativa a comunhão, favorece a ajuda mútua (2) e impulsiona a missão.
Neste sentido a missão é tanto ampla quanto trabalhosa. O Senhor entendeu que seriam necessárias as
pessoas mais diversas com os mais variados dons e talentos para levá-la adiante, e que os mesmos
teriam que trabalhar dentro do espírito de unidade.
Na sociedade altamente sofisticada e complexa em que vivemos, a sua Igreja tornou-se, em alguns
lugares, algo tão sofisticado e tão cheio de burocracia que a simplicidade e a finalidade da missão já
foram até relegadas a segundo plano. Há Igrejas tão ocupadas em manter seus programas, suas
estruturas e seus “rituais” que às vezes não tem mais um olhar focado para o fim maior (a missão). A
conseqüência disso muitas vezes é que alguns setores da missão deixam de receber a devida atenção
(infelizmente temos que colocar que isso é pior ainda se essa missão tem a ver com pessoas mais
simples e carentes – a quem o próprio Jesus na sua declaração de missão deu prioridade – Lucas 4:18).
Não queremos aqui afirmar que a igreja faz isso de propósito, mas acaba acontecendo com o
andamento do seu dia a dia. Nisso, aqueles que estão envolvidos em serviços que muitas vezes não são
vistos pela maioria dos membros da igreja local, são por vezes esquecidos e acaba-se achando natural
sua atuação, sem que haja uma preocupação maior com o cuidado desses obreiros. Propomos abaixo
um “checklist” para resgatar a atenção para algumas áreas que a Igreja deve dar atenção se quer
fortalecer a sua missão e cuidar dos seus obreiros para que estes encontrem no convívio com os irmãos
e irmãs o apoio que necessitam para tal.
1. Adequação das estruturas
A estrutura deve estar a serviço da missão e não a missão a serviço da estrutura e isso inclui não só a
organização e os programas como também o uso dos espaços físicos. “Cada geração, ao confrontar-se
com as suas responsabilidades peculiares, como testemunhas do evangelho para o seu tempo, deverá
provar as estruturas eclesiásticas, verificando a sua eficácia para a tarefa que lhe incumbe realizar,
procedendo aos ajustes e adaptações indispensáveis, sem se deixar deter pelo receio das coisas novas,
pelo zelo das tradições ou pelo conservadorismo apático e sem propósito”. Palavras sábias de Hélcio
da Silva Lessa (3), que tem atuado durante anos como agente social. Nossos espaços físicos são
consagrados ao Senhor, mas não para virarem mausoléus que só podem ser usados uma vez por
semana para atividades “espirituais”. Diante dos desafios atuais de transformação da nossa sociedade,
a igreja é também desafiada a se adequar, mantendo a compreensão que cada parte da missão, seja ela
evangelização ou ação social, é espiritual e que toda a missão é de Deus. Mantenhamos claro o que é
meio e o que é fim. O agente social cristão precisa sentir este apoio e entendimento da igreja local.
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2. Contextualização da mensagem
Contextualizar a mensagem significa torná-la inteligível para a comunidade na qual a igreja local está
inserida. Quer dizer conscientemente envolver-se em missão dentro do contexto social, cultural,
político e econômico que cerca a igreja. Talvez nem sempre a condição econômica daqueles que
cercam a igreja será igual à dos que freqüentam. Muitas vezes será necessário, nas palavras do Hélcio,
“um esforço inteligente e insistente no sentido de vencermos a nossa alienação e levarmos a nossa
gente a uma compreensão razoável da realidade em que se debate e sofre o povo brasileiro. Isso nos
permitirá uma visão mais realista não só da sociedade a qual ministramos, como da própria igreja, que
é integrada por povo também...” (4).Com a sua liturgia, linguagem e suas tradições muitas vezes a
igreja tem se tornado descontextualizada, ou transmite a mensagem de Cristo dessa forma. O agente
social cristão precisa perceber claramente que a sua igreja fala a mesma língua (ou pelo menos
entende) do povo com quem o agente social trabalha. Caso contrário, a igreja corre o risco de
desenvolver uma ação social desassociada da sua comunhão e não a partir da mesma, e o agente social
de sentir que o seu trabalho não é reconhecido ou não vale a pena porque não há lugar para as pessoas
a quem ele ministra diariamente na comunidade de fé.
Se a missão está sendo cumprida, o evangelho sendo pregado através da evangelização e ação social,
espera-se ter novas pessoas chegando à igreja. Estas pessoas, estranhos aos nossos costumes e jargões
precisam sentir-se aceitas e incluídas na comunidade de fé o que de fato acontecerá na medida em que
há contextualização da mensagem na igreja como um todo.
3.Divulgação do Trabalho
Esta é uma questão importantíssima na qual a igreja local pode apoiar fortemente e isso pode se dar
em dois momentos:
a) Para dentro da igreja:
Conscientizar os membros da igreja da amplitude da missão que está sendo cumprida pela igreja
através de mural, fotos, boletins internos, apresentações de crianças e adolescentes nos cultos da
igreja, etc. Estas informações podem incluir dificuldades, projetos, resultados ou mesmo necessidades
existentes tais como: recursos humanos (voluntários), recursos materiais (doações de roupas, objetos,
material didático, alimentação, etc), recursos financeiros (campanhas, programações especiais para
captação, etc)
b) Para fora da igreja:
Informar a comunidade o que a igreja está fazendo como parte da sua missão e criar oportunidades de
ajuda para as necessidades do trabalho por parte da comunidade.
O apoio da igreja local nestas áreas é essencial e isso ajuda o agente social cristão a sentir que o seu
trabalho é parte da missão da igreja local.
4. Educação Cristã:
O desafio da educação cristã hoje na vida da Igreja que ampara o agente social passa pela abordagem
de temas relacionados com os desafios sociais atuais e as alternativas cristãs que podem ser
desenvolvidas a partir de uma reflexão bíblica. Uma das grandes formas da igreja apoiar o agente
social é com treinamento, seja investindo em cursos, seja disponibilizando material. Muitas vezes a
Igreja tem amplo material, tem uma escola dominical muito bem estruturada e pessoas capacitadas
para ensinar em cada classe. É necessário que este “know-how” seja passado para os/as educadores/as,
os/as monitores/as, e que este material seja disponibilizado para uso nos programas sociais também.
Infelizmente muitas vezes trabalhamos na igreja por “feudos” e não compartilhamos os recursos
básicos que temos à disposição. E aqui cabe uma observação: acharíamos óbvio uma igreja ter uma
evangelização forte nos seus programas sociais, já que o mesmo faz parte da evangelização, mas não
devemos nos iludir que isso seja verdade. Encontramos duas situações: a) A primeira onde os cristãos
ficam tão incomodados com a situação social da pessoa que se beneficia da ação social que acham que
o serviço prestado “em nome de Jesus” já é suficiente; b) A segunda, onde os cristãos estão tão
preocupados em não fazer proselitismo que deixam de falar as verdades bíblicas e contar a história da
salvação que o atendido precisa ouvir, conhecer e aceitar a fim de ser transformado (que é o propósito
da missão).
De fato esta situação já havia sido identificada há uns 12 anos atrás pela Compassion International que
possui um sistema de apadrinhamento de crianças só com projetos evangélicos, e que investiu
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fortemente na implantação de um programa de educação cristã em seus programas conveniados, pois
via que esta parte dos programas estava sendo deficitária.
Sim, essa é com certeza uma área onde a igreja local pode apoiar fortemente o agente social, sem
esquecer, obviamente, a contextualização da mensagem mencionada anteriormente.
5. Grupo de apoio e mentoria:
A realidade do agente social cristão que trabalha com crianças e adolescentes em situação de risco é
bastante pesada e carece muitas vezes do reconhecimento quanto ao desgaste emocional, físico e
espiritual pelo qual o agente passa. É necessário que diante desses desafios o agente social possa
encontrar na Igreja o espaço seguro onde ele pode lidar diante de Deus e dos irmãos em Cristo com as
suas carências, seus medos, sua agressividade e todo o conjunto de emoções que afloram no viver de
um cotidiano desafiador, estressante, e por vezes tenso das demandas e pressões envolvidas com a sua
atuação.
A Igreja, sensível a esta realidade presente na sua comunidade, pode tomar iniciativas concretas com a
formação um serviço de capelania para os agentes sociais ou com a formação de pequenos grupos que
trabalhem estas questões numa abordagem de mentoria, por meio de relações de confiança que podem
ser construídas e que levem a um ambiente de prestação de contas e compartilhamento de vivências a
partir da reciprocidade das relações. Em grupos pequenos formados com o objetivo de crescimento
espiritual e apoio mútuo na comunhão do Espírito Santo e à luz da Palavra, o agente poderá ser
confrontado com as suas próprias limitações, e mesmo tomar consciência das implicações da sua
própria história para as reações que ele apresenta nas diferentes situações da sua atuação.
Iniciativas assim abrem para a Igreja amplos caminhos de amparo efetivo ao agente social. Neste
contexto podem ser trazidos para a discussão temas como discriminação, deveres, família, identidade,
deslealdade, solidariedade, valores (verdade, honestidade...) vida, cidadania. Estes são alguns
exemplos das questões que fazem parte da realidade cotidiana daqueles que trabalham no resgate de
crianças e adolescentes em risco. Temas assim sempre podem ser abordados do ponto de vista
relacional, do ponto de vista social e do ponto de vista bíblico. Abordagens assim se constituem numa
capacitação bíblica contextualizada do agente social para enfrentar os desafios inerentes ä sua atuação
e ajudá-lo também nas suas tarefas como educador cristão.
6. Investimento na missão
O investimento que a igreja vai fazer na missão, tanto de recursos financeiros como humanos deve ser
planejado a curto, médio e longo prazo desde o início. Através das aprovações de orçamento e
deliberações das diferentes competências a igreja local pode designar verbas especificamente para a
ação social independente de ter ou não um programa na sua igreja local. Quando a igreja passa a ter
um programa, e tem claro o investimento planejado, aqueles que lideram o mesmo podem concentrarse (desde que o investimento seja suficiente) na missão de fato e não precisam dividir esforços entre
missão e arrecadação para garantir a qualidade das ações desenvolvidas.
Quanto aos recursos humanos, é importante a igreja local lembrar que precisa sempre ter novos
profissionais prontos para trabalharem na ação social. Seria interessante a igreja estar promovendo
encontros com outras igrejas e entidades evangélicas, de tempos em tempos, sobre a ação social a fim
de informar o que está sendo feito pela igreja local, compartilhar experiências com outros irmãos e
irmãs nesta área de atuação, além de usar estes momentos para o despertamento de vocações e
mobilizar futuros voluntários.
Estas atitudes por parte da igreja mostram a valorização do trabalho do agente social cristão e fazem
com que o mesmo se sinta apoiado para ir adiante na missão.
7. Intercessão
Intercessão pela missão que está sendo realizada em nome do Senhor Jesus. Isso é importantíssimo, e
com toda certeza, muitas igrejas teriam mais êxito na missão e menos agentes sociais cristãos
desanimados, ou mesmo sentindo-se derrotados, se tivessem a certeza de que são apoiados por um
grupo fiel de intercessores. A intercessão pode ser tanto geral como específica. É tão importante
interceder pelo trabalho que está sendo realizado (pela ajuda no pagamento da conta de luz que vai
vencer ou pela ação impactante de Deus na vida de um dos atendidos que esteja passando por uma
situação difícil) como pelos trabalhadores que estão envolvidos (a saúde física, emocional e espiritual
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do agente social, a sua vida pessoal e familiar). Com certeza a igreja local pode e dever cobrir a
missão com oração incluindo suas diferentes atividades e pessoas envolvidas.
8. Celebração / agradecimento
É importante a igreja celebrar a caminhada da missão expressa na ação social, pois isso não só valoriza
o trabalho que já vem sendo realizado, como também valoriza o obreiro, que sente estar contribuindo
para a missão.
Será que as igrejas locais não poderiam estar sendo mais inclusivas também na celebração das suas
festas, incluindo os atendidos nos nossos programas sociais? Será que não poderiam até criar algumas
celebrações específicas promovidas por alguns departamentos da igreja local (como grupo de jovens,
grupo de estudo bíblico, sociedade de senhoras, etc) com as crianças e adolescentes que estão sendo
alcançados a fim de aumentar o vínculo e derrubar as barreiras que às vezes existem na Igreja por falta
de conhecimento pessoal daquelas crianças e suas tristes histórias, a fim de que um número maior dos
atendidos seja não só ganho para o reino, mas engajado também na missão? Estas ações empreendidas
pela igreja seriam complementares àquelas em que o agente social atua mais diretamente, e fariam
com que o mesmo não ficasse com todo o “fardo” da evangelização e inclusão dos atendidos na
comunidade de fé.
Estas são apenas algumas propostas para nossa reflexão. Provavelmente vocês poderão pensar em
outras que estarão relacionadas com a sua situação específica, mas fica aqui um alerta: se o agente
social cristão não recebe o apoio necessário e o cuidado pastoral da igreja local, bem como a nutrição
para sua vida espiritual que é tão necessária diante dos desafios diários que enfrenta, ele dificilmente
poderá ministrar de forma adequada às crianças e adolescentes em situação de risco e o resultado
disso, com certeza, será o comprometimento da missão!
Sara e Edgar Chagas trabalham com a Obra Social do Exército de Salvação no Brasil.
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(1) Beulke, Gisele, Diaconia em Situação de Fronteira, Ed. Sinodal 2001
(2) Idem.
(3) Lessa, Hélcio da Silva, Um programa de Ação Social - Missão da Igreja e Responsabilidade Social, Juerp 1987.
(4) Idem
Mãos Dadas
Revista de Apoio aos que trabalham pela dignidade de nossas crianças e adolescentes.
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