GT09: Infância, Adolescência, Juventude e Direitos Humanos ANALISE DE ASPECTOS INFLUENCIADORES PARA A TRANSGREÇÃO JUVENIL BRASILEIRA A PARTIR DA TEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE Mykaely Daiany Lacerda Graduanda no Centro Universitário Dr. Leão Sampaio – UNILEÃO RESUMO:O presente estudo interessa-se, através de analises de teorias da criminologia, entender o processo de delinquência juvenil e as possíveis causas ensejadoras desse fenômeno. Buscando avaliar o cerneda discussão que é a dicotomia entre uma visão individualista, em que o criminoso não sofre influência externa e escolha praticar ou não o crime, e uma visão determinista, na qual o criminoso é visto como uma construção social e portando condicionado por elementos externos que podem encaminhar ao crime.Apreciando os fatorespsicológicos, sociológicos e psicopatológicos que são influencias externas sofridas pelo adolescente na construção dos valores, caráter e identidade na fase inicial da vida, que vai definir o papel do jovem como ator social e pode leva-lo ao conflito com a lei. Expondo as justificativas trazidas pelo texto base, Teoria da Subcultura Delinquente, que avalia a delinquência como consequência de um não enquadramento do indivíduo nas normas sociais vigentes, por não se sentir participante da cultura majoritária reproduzida pelo meio social em que está inserido. Complementada por vertentes traçadas por outras teorias criminológicas, como a Teoria da Anomia, que descreve o indivíduo que não se reconhece representado pelas normas vigentes e por isso define o seu próprio sistema de normas e ignora as normas implantadas pela sociedade e por isso é considerado delinquente. Entre outras teorias de analises criminológicas que têm por intuito comprovar que o ser humano é influenciado pelo ambiente em que vive, e que vários eventos e circunstancias podem contribuir para a formação do seu papel como ator social. Para que através das contestações levantadas por essas teorias em comparação com a realidade vivida pelos jovens brasileiros possamos analisar se essas causas também são o que determinam a transgressão juvenil conhecida no nosso pais.Tentando traçar um paralelo entre a semelhança dos aspectos levantados por essas teorias, para compreender os estímulos sofridos por esses jovens que é determinante para a ocorrência exorbitante de adolescentes em conflito com alei no Brasil. PALAVRAS CHAVE: Subcultura; delinquência; jovem. INTRODUÇÃO De acordo com os ensinamentos de Shecaria (2004)acriminologia é a ciência que estuda os motivos da transgressão. Não se interessando apenas em saber as consequências e qual é punição adequada ao criminoso, mas buscando saber quais as causas ensejadoras do crime para que a partir desse conhecimento possa estudar a prevenção.Os estudos iniciais 1 tinham como foco apenas o crime, indagando-se apenas as formas de punir e controlar esse fenômeno, não sendo cogitado o estudo sobre o criminoso. A ciência criminológica, também conhecida como pré-penal, ao surgir trouxe a ideia de que o crime deve ser encarado como um fenômeno comunitário. Investigar quais critérios e elementos ensejadores conduzem o indivíduo que vive em sociedade a configurar uma conduta criminosa. Uma das primeiras perspectivas que passou a se voltar não só para o estudo do crime e sim ao estudo do criminoso foi o pensamento social clássico.Shecaria (2004) apontaas ideias sociais de Rousseau, em “O contrato social”, no qual apresenta o criminoso como alguém que optou pelo mal, embora pudesse escolherobedecer às normas, como exemplo desse momento. Redefinir objeto de estudo para o criminoso fez com que ‘as chamadas teorias clássicas entendessem o criminoso como um pecador que optou pelo mal, embora pudesse respeitar a lei’ (SHECARIA, 2004).Essa visão clássica do conceito de criminoso foi ultrapassada pelas teorias criminológicas subsequentes,pois não entendiam mais a prática de crimes como meras escolhas individuais, sem que elementos, fatores externos tenham influência sobre o indivíduo. Para Shecaria (2004), contrapondo-se à visão clássica, outras correntes tentaram representar novas ordens de visão sobre o tema, como as teorias deterministas, que afirmavam que o criminoso era escravo da sua carga hereditária e genética ou processos causais alheios a sua vontade, que não lhe proporcionavam o arbítrio de escolher pela legalidade. Sob estas perspectivas o sujeito não era o centro do processo de formação do crime, mas os elementos que atuavam sobre ele, fossem processos biológicos, fossem sociais, “o livre-arbítrio era uma ilusão subjetiva, algo que pertencia a metafisica. O infrator era prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico) ou de processos causais alheios (determinismo social) ” (SHECARIA, 2004). Seguindo o mesmo raciocínio determinista, Shecaria(2004) ainda nos mostra a visão correcionalista, para qualo criminoso não era um ser forte como afirmado pelos positivistas, mas um deficiente, débil, cuja capacidade de responder por si mesmo era inexistente e por isso o estado deveria adotar uma postura de piedade e pedagógica. Tal qual as teorias deterministas, o livre-arbítrio era negado de forma absoluta, sem meios termos. Por outros fundamentos, o criminoso era visto como “um ser inferior, deficiente incapaz de dirigir por si mesmo-livremente-sua vida, cuja débil vontade requer uma eficaz e desinteressada intervenção tutelar do estado” (SHECARIA, 2004). 2 Aperspectiva elaborada pelo marxismo, mostrada por Shecaria(2004), introduziu uma análise a partir de elementos externos para verificação da ocorrência de criminalidade, o contexto social onde está inserido o criminoso – as classes. Mas ainda há um resquício de determinismo pois atribui a justificativa para transgressão à divisão estrutural das classes econômicas. Porém teve o mérito de introduzir, na discussão sobre a criminalidade, a influência de fatores alheios à vontade do agente, que será mantido por teorias subsequentes, em conjunto com outros fatores, por exemplo a cultura. O criminoso deixa de ser visto como um indivíduo insolado e sua conduta passa ser percebida como inserida no meio em que está e resultado de uma consciência coletiva. Tendo como fundamento essas teorias sociais e percebendo o quão substancial é conhecer a fundo os elementos geradores da criminalidade,interessa-nos buscar entender o fenômeno da delinquência juvenil no seu aspecto social. A abordagem deste trabalho parte da investigação sobrequais fatores podem ser levados em consideração como influentes no comportamento dos adolescentes em conflito com a lei. Interessa-nos, através de análise de fatores sociológicos, psicológicos e psicossociais, apreciar o fenômeno do crime por uma perspectiva prévia, estudando o criminoso e os fatores que recaem sobre ele, e não somente o crime, para que através da fonte do problema possamos vislumbrar os motivos ensejadores, pois acreditamos que somente a partir disso pode-se encontrar uma possível solução. Entendemos ser fundamental compreender todo o processo delinquencial buscando a fundo o cerne desse problema. Por isso, esse estudo dedicou-se a buscar, através de investigações a teorias criminológicas, em comparação com a realidade vivenciada pelos jovens em nosso pais, as causas influenciadoras da transgressão juvenil. O presente estudo utiliza uma revisão bibliográfica sobre teorias criminológicas que estudam o criminoso e o contexto em que está inserido. Tem por base bibliográfica a Teoria da Subcultura Delinquente,bem como outras teorias correlatas. Fez-se revisãoliteráriade artigos publicados nos últimos anos, que abordam os fatores psicológicos, sociológicos e psicopatológicos que influenciam na formação dos valores do indivíduo na fase infantojuvenil que vão determinar seu papel como ator social. ADOLESCÊNCIA-UMA DESCOBERTA O conceito de adolescência que conhecemos hoje é recente, só surgiu a partir do século XVIII,após vários acontecimentos históricos e modificação do relacionamento entre 3 pais e filhos. O pensamento iluminista deu suporte a renovação pedagógica, afirmou-se a importância da educação na modelagem do indivíduo. Na idade média não havia essa percepção, nem distinção entre a ideia de criança e adultos, a primeira estava apenas ligada a questão de dependência, quando cessado o período de dependência a criança já estava pronta para ser inserida na vida social, ou seja, vida adulta. A fase intermediária, a adolescência, não havia sido pensada ainda. Somente no século XIX, segundo Grossman (2011), foi consolidada a ideia de adolescência, e passou a ser interesse de estudo e começaram a assumir que esse período trabalhoso demandava cuidados especiais e proteção. Endossandoessa ideia, Coutinho afirma que “operíodo particular na vida de um indivíduo, situado entre a infância e a idade adulta, tem uma origem bastante recente na história social do Ocidente, e seu sentido atual só foi definitivamente consolidado no final do século XIX” (COUTINHO, 2005). As formações das culturas sociais humanas são anteriores ao surgimento da ideia de adolescência, bastante ressente. Portanto a tensão entre a forma de organização social e o surgimento de um conceito novo – adolescência – é fruto do movimento entre o estático e o dinâmico. Além das transformações biopsicológicas, a “saída da infância impõe ao sujeito um trabalho intensivo de elaboração do laço social a partir das referências simbólicas transmitidas pela cultura e representadas pelos ideais” (COUTINHO, 2005). A transmissão dos valores culturais ao adolescente está ligada ao fato da observação ou não das normas jurídicas do grupo social. A forma como o Estado lida com a transmissão e a assimilação dos valores culturais é o que determina como tratará os sujeitos sociais, responsabilizando-o ou não pela conduta anteriormente definida como delituosa. A adolescência é uma época de grandes transformações, definida como um período biopsicossocial, por órgãos como Organização Mundial de Saúde, Ministério da Saúde do Brasil (Ferreira, 2010). O entendimento dessa fase especial da vida reflete no ordenamento jurídico nacional. A Constituição Federal, no artigo 228,entende que as pessoas em desenvolvimento são aquelas que têm menos de 18 anos e, por isso, precisam serem submetidas a uma legislação especial.Disciplinando de forma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), no artigo 2, delimita dois períodos de desenvolvimento: aquelas que têm até doze anos de idade incompletos, que são consideradas crianças, e aquelas entre doze e dezoito anos de idade, que são adolescentes. 4 Teresa Ferreira (2010) traz o conceito de alguns autores que fazem a distinção entre puberdade e adolescência, para tanto levam em conta fatores biológicos e sociais. A puberdade compreende os fatores físicos e biológicos e seriam universais, tendo pouca variação de indivíduo para indivíduo, enquanto a adolescência refere-se aos componentes psicossociais e possuem uma maior variação, justamente por sofrer influência de fatores sociais que vão ser diferentes para cada indivíduo, porém, tem início no mesmo período. Diante disso, verifica-se que o processo de transformação está associado ao período especificamente, e a influência do ambiente que o jovem participa. Essas apreciações demonstram que o contexto sócio cultural vai influenciar diretamente na elaboração da trajetória futura do indivíduo. Segundo Ferreira (2010),Rousseauafirmava que diante de todas as mudanças corporais e cognitivas, esse período era o de maior instabilidade e conflito, seguidas de um processo psicológico e demandava um maior acompanhamento. A teoria psicossocial, proposta pela antropologia cultural, sugere que o ambiente influencia diretamente na formação da personalidade do indivíduo nessa fase vital, dependendo essencialmente do cenário em que estão inseridos. Quando o processo de transmissão das regras (ou laço) sociais não é executado de forma satisfatória, o adolescente não as observará. Para que a assimilação seja feita de forma adequada há necessidade de “diálogo, de explicações, não porque os pais não querem, mas sim porque a criança [ou adolescente] não deve, já que a submissão à lei precisa ser compreendida e não imposta pela força” (ROSA; LOPES, 2011). Se a cultura, com todos os seus valores e proibições não são transmitidos e assimilados, muito provavelmente serão descumpridas, sendo necessário o uso da força coercitiva para manutenção delas. SUBCULTURA DELINQUENTE A ideia de cultura possui um núcleo que precisa ser apreendido para que posamos discutir a formação das subculturas e aquelas qualificadas como delinquentes. Para François Laplatine (2012), cultura “é o conjunto de comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano [...], sendo essas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem e transmitidas ao conjunto dos seus membros” (LAPLATINE, 2012 – grifo no original). Na definição apresentada alguns elementos devem ser destacados, os quais merecem nossa atenção. 5 Primeiro, cultura não é algo único, mas representa um conjunto de formas que caracterizam um grupo. Não há que se falar em cultura quando as práticas são isoladas. É necessário que haja um compartilhamento entre os membros do grupo para que haja cultura. Os elementos materiais e imateriais fazem parte deste conjunto, já que não apenas o que se faz é cultura, mas o modo, o saber, que abrange as crenças e ideias. Laplatine (2012), no trecho cima, grifa dois termos adquiridas e transmitidas. O autor chama atenção para o fato de a cultura ser relativa, pois não é determinada em todos os seus níveis pela natureza, mas é um produto da interação humana, ou seja, exclusivo da natureza humana, se assim pudermos chamar. Cada grupo social, portanto, conforme os elementos que o cercam e sua interação social, produzirão a sua cultura. Ainda chama o autor atenção para o fato de a cultura ser transmitida entre os membros do grupo, ou seja, há uma perenidade, não é algo efêmero. Podemos tomar, portanto, a ideia de cultura como um conjunto de símbolos, valores, crenças, significados, atitudes, que são reproduzidos, compartilhados e aprendidos por uma determinada sociedade.O processo por meio do qual a cultura se enraíza e influência a personalidade do indivíduo, promovendo condutas específicas,é o fenômeno de socialização. Shecaria (2004),ao citar Marcuse (1997), nos explica que a chamada cultura de massa, é o principal agente de um consenso social manipulado que mascarava os reais interesses humanos. Tomando a ideia que há uma cultura predominante, o conceito de subcultura remete à presença de um subgrupo cultural dentro do grupo cultural superior, do qual adere a alguns valores contidos do sistema predominante, porém, como ressalta Shecaria (2004), com um sinal invertido, expressam sentimentos, crenças e valores singulares do seu grupo. Vale ressaltar que contracultura se difere de subcultura, a contracultura nega e confronta totalmente a cultura existente, pode ser exemplificada por movimentos sociais como os movimentos sociais, que tenta mudar os paradigmas solidificados na sociedade, enquanto a subcultura absorve alguns traços da cultura majoritária. Podemos entender, através das inferências de Shecaria (2004), que um subgrupo, advém de um sentimento de enjeitamento, desproteção, desamparo, que pode ser justificado por um conjunto de indivíduo não se sentiem representados pela cultura implantada como majoritária, ou surgir de uma revolta pela segregação de uma determinada classe social ou econômica, que tem dificuldade de acesso aos bens fundamentais.Não existe um motivo especifico para o surgimento de um subgrupo, apenas a discrição das circunstancias que acarretam esse surgimento. 6 De acordo com Shecaria (2004) o pensamento subcultural nasce no final dos anos 50 e se aprofunda nos anos 60. É o momento de surgimento do pensamento Anglo Saxo protestant, movimento de branco protestantes e anglo saxão, baseado num sistema de classes hierárquico, liderado pela elite norte americana.O contexto fez surgir um “choque entre a cultura e a estrutura social, que não fornecia as condições de acesso aos bens sociais para todos, cria uma espécie de desilusão” (SHECARIA, 2004). O modelo cultural dominante não dá respostas aos anseios de todos os membros da sociedade.Essas ideias ressaltaram a diferença e a segregação, desencadeando problemas movidos por jovens cansados com a não-acessibilidade aos valores consagrados por essa sociedade. Levando em conta o contexto acima, o que caracteriza a ideia de subcultura é a sensação de não pertencimento e deslocamento que algumas minorias desfavorecidas sentem a partir da busca continua de enquadramento nessa conjuntura, apesar de uma limitadíssima possibilidade oferecida para que isto ocorra. Diante desse fato, surge a necessidade de se opor a essas regras e valores. Quando a integração não ocorre “esta subcultura representa la solución de problemas de adaptación, para los cuales la cultura dominante no ofrece soluciones satisfactorias” (BARATTA, 2004, 70). É importante salientar que nem toda subcultura é delinquente. A transgressão surge como uma maneira de reconhecimento e em parte revolta. Ferreira (2010) diz que na fase da adolescência, onde existe um caos interior, em que o jovem está tentando identificar seu lugar na sociedade e seu papel no mundo, idade em que está desenvolvendo a formação da personalidade, caráter e valores, os sentimentos estão ampliados por questões biológicas e o indivíduo não se encaixa mais no mundo infantil, tão pouco no universo adulto, os conflitos existenciais e sensação de abandono e não pertencimento se afloram com mais facilidade. Sentem-se incompreendidos pela família, e diferentes do grupo social. Os grupos ao se sentirem excluídos do pacto social, os benefícios e privilégios que esses possuem, criam o seu subgrupo, de forma espontânea, formados por indivíduos que se identificam e passam a finalmente se sentirem acolhidos juntos, onde vigoram suas próprias regras, valores, critérios e crenças, que na maioria das vezes contrariam o consenso da moral vigente. As gangues que formam uma subcultura delinquente hostilizam os jovens que não fazem parte do grupo, o que demonstra a formação de um grupo que busca a aceitação e o compartilhamento apenas entre alguns. Jurandi Freire Costa (2006) justifica esse caos social como resposta à indiferença. O autor a divide em dois tipos: indiferença da sociedade para com o jovem e indiferença da elite 7 para com os menos abastados. Dessas situações algumas consequências, como, por exemplo, a tensão entre adolescentes e adultos, onde os adolescentes por não se reconhecerem dentro do pacto social, vão tentar ser reconhecidos fora ou contra ele. Os jovens como meio para chamar a atenção dos adultos associam-se para transgredir através de pequenos atos delitivos como a chamada “subcultura da diversão”(SHECAIRA, 2004), caracterizada pelas bebedeiras, festas e farras, associadas com embriaguez, direção nessa condição, vandalismo. Shecaria (2004) ainda mostra que grandes atos delinquentes podem fazer parte dessa forma de transgressão, como, por exemplo, podemos citar o caso de quatro adolescentes de classe média que atearam fogo no índio Galdino Jesus dos Santos, que dormia em uma parada de ônibus na cidade de Brasília, por pura diversão.Nos relatos os jovens afirmavam ter uma sensação de satisfação.Nesse caso, também chamado de “subcultura da classe média” (SHECAIRA, 2004), podemos observar a indiferença dos jovens para com minorias sociais e a busca por uma satisfação apenas entendida e valorizador pelos membros daquele pequeno grupo. A indiferença que há das elites em relação aos excluídos não é “via de mão única”, mas relação bilateral, ou seja, há uma mútua indiferença entre os grupos sociais. Nesse contexto, “a vida dos privilegiados deixa de ser vista como algo importante por aqueles que estão à margem da sociedade” (COSTA, 2006). A revolta dos menos favorecidos, em meio às disparidades sociais, irá ser direcionada aos privilegiados, como forma de reaver aquilo que também deveria lhe pertencer. Segundo Talcott Parsons (apud SHECARIA, 2004), existe um sistema de valores fundado na meritocracia que privilegia a ascensão social de determinados indivíduos, o que torna inacessível a alguns atingir determinados bens. Essas diferenças geram um conflito entre as classes e um abismo gigante entre elas, promovendo o surgimento de subculturas. No contexto do surgimento subcultural, segundo Shecaria (2004), os anos 50, pósSegunda Guerra, nos Estados Unidos da América (EUA), jovens de origens distintas, de classe social, etnias e raças diferentes competiam pelo mesmo status e aprovação do mesmo conjunto de regras, porém, não haviam sido igualmente preparados para que pudessem obter êxito. Essa arbitrariedade se demonstrava nas escolas, onde as crianças de classe média encontravam no ambiente escolar apenas um prolongamento da cultura que era transmitido em casa. 8 As pessoas da classe trabalhadora, menos favorecida socialmente, por exemplo, precisam lidar com os processos de aculturação e desaculturação. Pelo primeiro, segundo Assis (2011), entende-se a transmissão e submissão a uma cultura majoritária, conhecida como genuína e verdadeira, a um grupo menor a qual a cultura deste é desvalorizada pelo grupo superior. O segundo, ainda de acordo com Assis (2011), éjustamente a perda da cultura original e apropriação de uma outra cultura, no caso a majoritária.Esses dois processos ocorrem na sociedade nos espaços formais e informais de transmissão cultural. Um desses espaços podeser a escola, onde crianças e adolescentes entram em contato direito com valores, crenças e conhecimento que muitas vezes são conflitantes com aqueles ensinados em casa. Por esta razão, alguns jovens de estratos inferiores tinham uma maior possibilidade de se encontrarem frente a sentimentos de fracasso e humilhação, contrastante com a disseminada ética do sucesso. No Brasil não ocorre diferente, jovens de diferentes classes, que tem estrutura e condições de ensino extremamente desiguais, são cobrados e avaliados da mesma forma, esperando-se os mesmos resultados. Além de diversos bens e direitos que são negados aos jovens, como, por exemplo, moradia, lazer, saúde, saneamento, vestuário.A ausência de acesso, sobretudo de classes inferiores,e o sentimento de não representatividade e pertencimentopodem ser vistos como fatores de propensão à transgressão das normas sociais. TEORIA DA ANOMIA A teoria da anomia pode ser compreendida pela própria etimologia da palavra anomia que“significa ausência de lei” (SHECAIRA, 2004). Das acepções feitas por Durkheim e expostas por Shecaria (2004) sobre o tema, a que interessa ao contexto do nosso estudo, é existência de um conflito que dificulta a adaptação do indivíduo às normas e padrões sociais, o que resulta, muitas vezes em transgressão. São as crises de valores, causadoras das mudanças de comportamentos, que acarretam rupturas na coesão social. Apreciando a anomia no âmbito da subcultura, podemos relacionar ao fato de surgirem grupos dentro da sociedade que não apenas negam a existência de normas, por não se submeter a elas, mas propõem novas formas culturais. Há uma radicalização da ideia de anomia, pela formação de antinomias. Olhando pela perspectiva do pensamento do funcionalismo, apresentado por Durkheim (1893) que conceitua a sociedade como um todo orgânico, onde cada “órgão” depende 9 essencialmente de todos os outros para funcionar perfeitamente. Partindo dessa ideia, podemos afirmar que a ausência ou o conflito social de comportamento pode ser visto como a disfunção dos órgãos sociais. Quando um dos órgãos da “maquina social” está deficiente, existe uma disfunção. Esse raciocínio pressupõe que os indivíduos de uma sociedade estejam interligados pelas mesmas regras e valores vigentes no sistema social enos remete à ideia de consciência coletiva.Quando o sentimento de coletividade e pertencimento não é compartilhado por todos, estamos diante da disfunção, entendida aqui como o surgimento de uma subcultura.A ideia de criminoso como “aquele que em determinada sociedade, deixou de obedecer às leis do estado”(SHECAIRA, 2004) está ajustada a tal ideia, pois define o comportamento pelas normas culturais dominantes. O indivíduo que não reconhece as regras sociais dominantes constrói seus próprios conceitos e normas no grupo em que se reúne. Atua, conforme Shecaira (2004), de acordo com os valores moldados por eles, uma forma de organizar um universo interior que está estruturado com base em outros fundamentos. Se este não se reconhece inserido nas regras vigentes na sociedade, solidificadas por padrões distante da realidade do grupo discriminado, por queas seguir? Num giro copérnico, não se considera transgressor das leis, pois possui o seu sistema de regras as quais seguem e se identificam, adequando-se perfeitamente a essas. A subcultura delinquente é uma expressão da disfunção social, que é justamente a falha de funcionamento do corpo social, usando as palavras de Durkheim (1893), qual seja, o subgrupo que nega as leis socias dominantes, que não está em harmonia com os demais, a partir do conflito de valores, conhecimento e crenças. Em algumas situações, no rompimento das regras sociais, por exemplo as jurídicas, por meio da prática de crimes, os jovens praticam o ato não por acreditarem ser correto ou legal, mas apenas para manter a reputação frente ao grupo, onde se sente acolhido. Dois outros conceitos de Durkheim (1983), sociedade mecânica e sociedade orgânica, servem para entender o aspecto individualista das sociedades contemporâneas. As sociedades orgânicas são caracterizas por possuírem um enfraquecimento das relações coletivas, uma diminuição da esfera da consciência social, segundo o autor, é típica das sociedades contemporâneas. Esse conceito nos reporta novamente a ideia da indiferença, onde o indivíduo prioriza-se desprezando o seu semelhante. 10 A solidariedade mecânica, seria típica das sociedades arcaicas, caracterizam-se pela coletividade, chamada “solidariedade por semelhança” (SHECAIRA, 2004), os membros se assemelham por compartilharem dos mesmos sentimentos e valores, e por isso reconhecem um objetivo em comum. Aplicando esses conceitos às gangues e grupos de jovens transgressores das normas sociais, podemos entender que essas se assemelham a um tipo de solidariedade mecânica, pois agem conforme as suas regras particulares. Esses valores particulares formam a subcultura, que está em conflito com as regras gerais, aproximando-se do conceito de disfunção social do funcionalismo. A relação entre as teorias da subcultura delinquente, da anomia e do funcionalismo deixa claro como a interação entre os grupos sociais promove o surgimento de um modelo de comportamento predominante, ao mesmo tempo em que faz surgir conflitos e, portando, modos diversos de ação. Os adolescentes nesse contexto social, muitas vezes ao não se adequarem ao modelo cultural dominante, promovem rupturas, muitas vezes consideradas criminosas. Porém, outros aspetos do conflito entre adolescência e normas jurídicas precisam ser levados em consideração, pois relações psicossociais estão inseridas nesse contexto. INTERFERÊNCIA DOS FATORES PSICOSSOCIAIS De acordo com Ferreira (1997) a delinquência juvenil se refere ao comportamento dos jovens que realizam condutas reprováveis pela sociedade, que se encontram desajustados das normas grupais que foram acolhidas pela sociedade. Ferreira (2000) afirma que o desvio pode ser analisado como desavença em relação à norma. Porém, nem toda discordância significa transvio. O jovem pode apresentar discordância com as normas, mas não apresentar um comportamento que a infrinja, podem somente desafia-las ou questiona-las, as chamadas contracultura, e outros podem simplesmente estarem em conformidade com as leis e não apresentar nenhuma transgressão. Ferreira (2000) ainda afirma que as teorias do controlo socialjustificam esses acontecimentos de acordo com a vinculação que o indivíduo vai apresentar com as instituições formais e informais, as influências de laços sociais intensos podem desmotivarem os impulsos desviantes. Para essa teoria esses aspectos se dividem em internos e externos, onde no primeiro caso o jovem ao estar em conformidade com os preceitos recepcionados pelo grupo, experimentem um sentimento de aprovação. Enquanto no segundo caso, vai existir a reprovação e sanções das condutas desviantes. Se a intensidade dos laços sociais 11 diminuir, decresce também o sentimento de integração e a ação dos controlos internos e externos. Ao analisarmos as práticas tidas como transgressoras de alguns adolescentes é necessário ressaltar que esta pode surgir “na tentativa de organizar um conflito, no sentido de adequação e adaptação, a busca de solucionar o caos interior” (Benavente, 2002). No mesmo momento em que há rompimento com os valores culturas predominantes, há também a formação de um novo tipo de sociabilidade, em torno de outros ideais, nesse caso, subculturais. Considera-se visualizar a delinquência como estratégia de socialização, diz Ferreira (1997) onde o jovem, em grande parte dessas ocasiões, são vítimas dos fatores sociais que o cercam, como constelação familiar, sistema escolar, situação econômica e sociocultural. O adolescente está exposto àinfluência das ações dos outros membros da sociedade, que, em determinados contextos, podemconstituir um meio gerador de definições e de condutas contrária ao padrão cultural dominante.A relação de influência do meio no comportamento do crimino é apontada pela Teoria da Ecologia criminal, da Escola de Chicago, segundo Shecaira (2004). A debilidade nos vínculos instituições incumbidas de moldar os valores do jovem, como a família, escola, instituições religiosas podem contribui para o comportamento transgressor. Segundo Benavente (2002)as teorias da aprendizagem social, justificam a influência do ambiente no surgimento de comportamentos desviantes, evidenciando a interferência do grupo sobre os jovens, considerando como fatores de risco a existência de violência doméstica ou no bairro, o abuso de álcool, o envolvimento no tráfico de droga, a posse de arma e a associação com adolescentes e/ou adultos delinquentes. O jovem terá uma concepção distorcida dos valores, uma vez que o comportamento assimilado por ele, e os valores transmitidos, correspondem ao que está sendo reproduzido no ambiente em que se encontra, dessa forma o controle social será ineficaz. As ações são interpretadas pelo adolescente como modelos para seu própriocomportamento, e podem definir como favoráveis comportamentos delinquentes, uma vez que identificam reações favoráveis àquele comportamento no ambiente em que estão. No contexto de transmissão dos valores culturais predominantes, afamília é a instituição informal mais importante, de acordo com Biasoli-Alves(2004).É fundamental na determinação da formação da personalidade e pela primeira fase de socialização do indivíduo, quando ainda criança, além de influenciar significativamente o comportamento individual 12 através de ações e medidas educativas adotadas no âmbito familiar, que vão delinear as relações sociais do sujeito até a vida adulta. Ferreira (1997) reitera que o funcionamento adequado da família ajuda a inibir os impulsos desviantes, limitando a probabilidade de os comportamentos delinquentes ocorrerem. Nesse sentido quando a estrutura da família se desintegra ou se danifica, esta perde o poder de controle sobre o comportamento do filho, aumentando a probabilidade de transgressão. Não obstante, se no âmbito familiar existe a reprodução de comportamentos negativos, o convívio levará a assimilação de tal comportamento. Bem como a indiferença e falta de acompanhamento pela família na fase infanto-juvenil podem motivar comportamentos desviantes como forma de conseguir reconhecimento. Shecaira (2004) nos alerta que se a criança tem uma educação considerada “normal” (quando a família não faz parte do grupo de rompimento com os valore dominantes) dentro da família, suplementada pela educação formal oferecida pela escola terá uma certa resistência a incorporação de valores desviados. As investigações trazidas por Ferreira (1997) que relacionam a estratificação social, mostram que famílias de classe socioeconômica menos abastadas, apesar de valorizar a obediência em relação à autoridade, na medida em que valores como a obediência são recompensados nas situações de trabalho, tendem a exercer menos supervisão sobre os filhos do que os pais das classes economicamente mais elevadas. Esses estudos mostram que nessas circunstâncias os jovens de famílias desestruturadas, que não oferecem assistência emocional ou psicológica, tendem a transgredir, pois são mais facilmente influenciados por gangues e grupos de amigos infratores, encontrando apoio emocional e se sentindo acolhidos. Eventos estressores, no momento da formação da identidade do jovem, como o contato prematuro com o uso de substancias ilícitas, o ambiente do tráfico, da prostituição, pode intervir diretamente nas decisões tomadas futuramente. CONCLUSÃO Como foi exposto, a teoria da subcultura deixa claro que o sentimento de não adequação a cultura majoritária, pode ser fator determinante para a transgressão. As gangues seriam justamente subgrupos de jovens que não se sentem inseridos na realidade do grupo majoritário, que seria justamente a disfunção de um órgão da sociedade, como a analogia que foi abordada no estudo. Essa não adequação pode surgir por fatores culturais, econômicos, da disparidade entre classes sociais, da revolta pela incompreensão e indiferença da família nessa 13 fase em que o adolescente está em conflito interno e externo entre outros eventos estressores que podem desencadear o sentimento de exclusão e a tendência ao conflito com a lei. Esse estudo também reflete sobre a grande influência do ambiente na formação do indivíduo. A participação da família é crucial no desenvolvimento do adolescente. Bem como a ingerência da escola como instituição formal, que contribui diretamente para o contato do jovem com valores e princípios da sociedade. Todos esses aspectos têm-se que levar em consideração, uma vez que foi apresentado que a criminologia diz ser determinante conhecer os fatores geradores da criminalidade, para que se chegue ao cerne do problema e se busque uma solução. A teoria da Anomia nos apresenta a sensação de rejeição do sistema normativo. Aqui levantamos o princípio da isonomia resguardado pela nossa Carta magna. Será realmente que todos são tratados de acordo com suas desigualdades? Não é coerente que se as normas não foram feitas para atender a todos, os que não se sentem representados por elas continuem a respeitando por juízo de valor de outras pessoas que são indiferentes a esse grupo discriminado. Esse conflito de valores gera revolta e partir dele nasce a transgressão. Visto que o meio em que está inserido o indivíduo, como participante fundamental da construção da base psicológica e social, é substancial que este se sinta incorporado no cenário social. Para que tenha um desenvolvimento adequado, é importante que esteja diante de um ambiente saudável. É importante analisar quais os estímulos o jovem sofreu na fase de acentuado desenvolvimento – infância e adolescência –, uma vez que compreendendo esses estímulos e se pode compreender melhor o fenômeno social do conflito de adolescentes com a lei. Partindo de uma compreensão mais ampla a resposta social poderá ser dada conforme as garantias e direitos que a Constituição declara com fundamentais para os seres humanos. Com base nos fatos apontados, nota-se que é restrito interpretar o crime como um fato determinista, onde não exista nenhuma influência externa ou interna que possam interferir na desobediência à lei. Sobretudo no período da adolescência em que se aflora fatores biológicos intensificando sentimentos, como também perdura conflitos internos e externos. REFERÊNCIAS ASSIS, Olney Queiroz. KUMPEL, Frederico Vitor. Manual de Antropologia jurídica. 1° edição. Editora saraiva. 2011. 14 BARATTA, Alessandro. Criminología crítica y crítica del direito penal: introducción a la sociologia jurídico-penal. Tradução Álvaro Búnster. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2004. BENAVENTE, Renata. Análise Psicológica. Delinquência juvenil: Da disfunção social à psicopatologia. 4 (XX): 637-645. 2002. BIASOLI-ALVES, Z. M. M. Pesquisando e intervindo com famílias de camadas diversificadas. In: C. R. Althoff, I. Elsen & R. G. Nitschke (Orgs.).Pesquisando a família: olhares contemporâneos (pp. 91-106). Florianópolis: Papa-livro, 2004. COSTA, Jurandi Freire. Ética e indiferença. TV Globo. 2006. Entrevista cedida à TV globo para o Documentário Ser ou não ser?. COUTINHO, Luciana Gageiro. A adolescência na contemporaneidade: ideia cultural ou sintoma social. Pulsional – Revista de Psicanálise. Ano XVII, n. 181, mar 2005. DURKHEIM, Émile.A divisão do trabalho social, Lisboa, Editorial Presença, 1977. FERREIRA, Pedro.Sociologia, Problemas e Práticas. Controlo e identidade: a não conformidade durante a adolescência,n.33 Oeiras. Disponível em:http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S087365292000000200004Acesso em: set. 2000. FERREIRA, Pedro. Análise Social.Delinquência juvenil, família e escola,vol. XXXII (143), (4.º-5.º), 913-924.1997. FERREIRA, Teresa. FARIAS, Maria. SILVARES, Edwiges. Psicologia: Teoria e pesquisa. Adolescência através dos séculos. Vol. 26, n 2, pp. 227-234. Abr.-Jun. 2010. GROSSMAN, Eloisa. Artigo Original, Vol.7, n. 3. A construção do conceito de adolescente no ocidente. Jul. 2010. LAPLATINE, François. Aprender antropologia. Tradução Marie-Agnès Chauvel. Prefácio Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Brasiliense, 2012. ROSA, Alexandre Morais da; LOPES, Ana Christina Brito. Introdução crítica ao ato infracional: princípios e garantias constitucionais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. SHECAIRA, Sergio Salomão. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2004. 15 16