Mecanismo de Transmissão da Política Monetária

Propaganda
Mecanismo de Transmissão da Política Monetária: uma abordagem micro-macro
integrada1
André de Melo Modenesi
Professor Adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ)
Pesquisador do CNPq
Camila Cabral Pires-Alves
Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas do Instituto Três Rios,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ITR/UFRRJ)
Vice-Economista Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
Abstract
In line with the orthodox theory, the major central banks have the transmission mechanism of
monetary policy emphasizing the role of aggregate demand conditions, omitting the
microeconomic factors in determining inflation. This omission can be misleading and the
monetary authority must take into account such factors when setting the basic interest rate.
Otherwise, the price dynamics in response to a monetary impulse can take different path from
that expected by the central bank. It is reasonable to consider that, in general, oligopolistic
sectors (with greater market power) tend to be more inflation for at least two reasons: i) have a
greater ability to pass price increases to the cost, and ii) may be relatively immune to
contractionary effects of PM, since it does not necessarily compete via price. Thus, the reaction
to a price shock in areas with different levels of market power should result in a differential
response by the central bank.
Key Words: Monetary Policy Transmition Mechanism; Inflation; Market Structure
Resumo
Em linha com a teoria ortodoxa, os principais bancos centrais apresentam o mecanismo de
transmissão da política monetária privilegiando o papel das condições de demanda agregada,
omitindo-se os fatores microeconômicos na determinação da inflação. Essa omissão pode ser
enganosa e a autoridade monetária deve levar em conta fatores dessa natureza ao fixar a taxa
básica de juros. Caso contrário, a dinâmica dos preços em resposta a um impulso monetário
pode assumir trajetória distinta daquela esperada pelo banco central. É razoável considerar que,
em geral, setores oligopolizados (com maior poder de mercado) tendem a ser mais
inflacionários por pelo menos duas razões: i) têm maior capacidade de repassar para os preços
aumentos de custo; e ii) podem ser relativamente imunes aos efeitos contracionistas da PM,
visto que não necessariamente concorrem via preço. Assim, a reação a um choque de preço em
setores com diferentes níveis de poder de mercado deveria resultar em uma resposta
diferenciada por parte do banco central.
Palavras Chave: Mecanismo de Transmissão da Política Monetária; Inflação; estruturas de
mercado
1
Os autores agradecem a contribuição de Norberto Montani Martins, Mestrando do IE/UFRJ.
Introdução
Com a popularização do regime de metas de inflação (RMI), a partir da década
de 1990, o interesse pelo estudo do chamado mecanismo de transmissão da política
monetária (PM) se intensificou. O RMI é uma estratégia de condução da política
monetária marcado pela busca da estabilidade de preços, obtida pelo uso exclusivo da
taxa básica de juros. Portanto, o entendimento de como variações nos juros afetam o
nível geral de preços é um pré-requisito fundamental para o uso desse regime.
De uma forma geral, e em linha com a teoria ortodoxa convencional, os
principais bancos centrais – como, por exemplo, o Banco Central do Brasil (BCB),
Banco da Inglaterra (BOE) e o Banco Central Europeu (BCE) – apresentam esse
mecanismo privilegiando o papel das condições de demanda agregada e, portanto,
omitindo-se a relevância dos fatores microeconômicos na determinação da inflação.
Esse fato resulta, em larga medida, da assunção da hipótese de neutralidade da moeda,
como expresso pelo BOE:2
Monetary policy works largely via its influence on aggregate demand in the economy.
It has little direct effect on the trend path of supply capacity. Rather, in the long run,
monetary policy determines the nominal or money values of goods and services – that
is, the general price level. An equivalent way of making the same point is to say that in
the long run, monetary policy in essence determines the value of money—movements in
the general price level indicate how much the purchasing power of money has changed
over time. Inflation, in this sense, is a monetary phenomenon (BOE, 1999: 162).
O problema é que independentemente do debate sobre a neutralidade da moeda –
i.e., mesmo aceitando-se essa hipótese – a omissão dos fatores microeconômicos no
processo de formação de preços pode ser enganosa. A autoridade monetária deve levar
em conta fatores dessa natureza ao fixar a taxa básica de juros. Caso contrário, a
dinâmica dos preços em resposta a um impulso monetário pode assumir trajetória
distinta daquela esperada pelo banco central.
Em linha com o chamado modelo Estrutura-Conduta-Desempenho, é razoável
considerar que, em geral, setores oligopolizados em que há maior poder de mercado
tendem a ser mais inflacionários por pelo menos duas razões: i) têm maior capacidade
de repassar para os preços aumentos de custo; e ii) podem ser relativamente imunes aos
efeitos contracionistas da PM, visto que não necessariamente concorrem via preço.
Assim, a reação a um choque de preço em setores com diferentes níveis de poder de
mercado3 deveria resultar em uma resposta diferenciada por parte do banco central.
O objetivo desse artigo é chamar atenção para essa importante falha cometida
pelos principais BC. Assim, pretende-se contribuir para uma melhor descrição do
mecanismo de transmissão da PM, que incorpore devidamente os fatores
microeconômicos na evolução da inflação. São quatro seções, além dessa introdução e
das considerações finais. Na primeira, é apresentada descrição convencional desse
2
A este respeito o BCB postula que: “Ao longo dos últimos anos começou a se formar um consenso,
entre os economistas e bancos centrais, de que o objetivo principal da política monetária deve ser a
obtenção e manutenção da estabilidade de preços... é importante notar que a política monetária produz
efeitos reais apenas no curto e médio prazo, ou seja, no longo prazo a moeda é neutra. O único efeito
existente no longo prazo é sobre o nível de preços da economia (Relatório de Inflação, v. 1, nº 1, jun.
1999: 89).
3
O grau de poder de mercado é definido por diversos fatores, tais como: número de empresas e
concentração do mercado; existência de barreiras à entrada; grau de abertura ao comércio exterior; e
substitutibilidade do produto.
1
mecanismo. Na segunda seção, são tratadas as teorias microeconômicas de formação de
preços, com destaque para o paradigma Estrutra-Conduta-Desempenho. Na terceira
seção é apresentada a visão de Keynes e dos pós keynesianos sobre o processo
inflacionário, que destaca a importância dos mark ups na formação dos preços. Assim,
constitui-se uma forma de se combinar os condicionantes microeconômicos com os de
ordem macroeconômica na determinação do nível geral de preços, formando-se espécie
de embrião de abordagem micro-macro integrada. Em seguida, é apresentada a literatura
empírica que leva em conta os fatores microeconômicos – e as estruturas de mercado –
na análise do processo inflacionário. Por fim, são apresentadas as considerações finais,
propondo-se uma descrição do mecanismo de transmissão que incorpora tanto o lado da
demanda quanto o da oferta, ou os fatores de custo – ignorados pela teoria
convencional.
1. Mecanismos de Transmissão da Política Monetária: a visão convencional da
formação de preços no nível macroeconômico
A literatura convencional elenca fundamentalmente cinco canais através dos
quais a PM pode afetar a variação do nível geral de preços: i) a estrutura a termo da taxa
de juros; ii) o crédito; iii) as expectativas; iv) o preço dos ativos; e v) a taxa de câmbio
(Mishkin, 1995; 1996).
As decisões de investimento e de consumo de bens duráveis são pautadas pela
estrutura a termo da taxa de juros. Uma redução da Selic, ao se propagar para as taxas
de juros de médio e longo e prazo, induz uma elevação do investimento e do consumo
(notadamente de bens duráveis) que, por sua vez, gera ampliação da demanda agregada,
pressionando o nível geral de preços para cima. A figura 1 sintetiza a visão
convencional do processo de formação de preços no nível macroeconômico, conforme o
BCB (1999).
FIGURA 1 – Mecanismo de Transmissão da Política Monetária: abordagem
macroeconômica convencional
Taxas de Mercado
Preço dos Ativos
SELIC
Investimento
Privado
Consumo
de
Bens Duráveis
Demanda
Agregada
Inflação
Expectativas
Exportações
Líquidas
Crédito
Choques
Externos
Taxa de Câmbio
Preços
Externos
Fonte: BCB (1999).
O canal do crédito funciona da seguinte forma: ao diminuir a taxa de juros e
elevar o volume de reservas bancárias, o BCB faz aumentar a quantidade de recursos
2
disponíveis para empréstimos. Caso exista demanda por crédito reprimida, haverá uma
expansão dos empréstimos bancários. Assim, haverá um aumento dos gastos com
investimento e consumo de bens duráveis, determinando uma ampliação da demanda
agregada e, finalmente, pressionando o nível geral de preços para cima.
O terceiro canal de transmissão da PM é o das expectativas. Variações na Selic
influenciam as expectativas quanto ao comportamento futuro da economia que, por sua
vez, afetam as decisões correntes dos agentes econômicos quanto aos níveis de
investimento poupança e consumo.
Variações nos preços dos ativos financeiros, ao alterar o estoque de riqueza dos
agentes econômicos, podem influenciar as decisões de consumo. Uma redução da taxa
básica de juros, ao estimular o crescimento econômico, aumenta a expectativa de lucro
das empresas gerando, provavelmente, uma elevação no preço das ações. Além disso, o
preço dos títulos (pré-fixados) aumenta. Diante de volume maior de riqueza financeira,
decorrente do aumento do valor dos títulos e das ações, é possível que os agentes
econômicos se disponham a gastar mais. Dessa forma, uma redução da Selic, ao
incentivar o consumo – por meio do efeito riqueza – também amplia a demanda
agregada, pressionando para cima o nível geral de preços.
Finalmente, uma desvalorização cambial tende a elevar a inflação na medida em
que aumenta as exportações líquidas ao tornar as importações menos competitivas,
deslocando a demanda de produtos importados para similares nacionais; isto tende a
reduzir a competição externa, possibilitando que os produtores domésticos formem (ou
aumentem) os preços com mais liberdade.
Resumindo, de acordo com o BCB, variações na taxa Selic se transmitem para a
inflação por meio dos cinco canais acima. Através desses canais, um estímulo monetário
influencia as decisões de investimento, poupança e consumo de bens duráveis e as
exportações líquidas que, por sua vez, afetam a demanda agregada e, por fim, o nível
geral de preços (Meltzer, 1995; Mishkin, 1995; 1996; Bogdanski et. al, 2000).
A descrição convencional desse mecanismo omite o papel crucial desempenhado
por fatores microeconômicos – regras de formação de preço, estruturas de mercado e
padrões de concorrência etc. – na determinação do nível geral de preços. É justamente
aqui que se encontra a necessidade de uma abordagem integrada entre os determinantes
microeconômicos e macroeconômicos do nível geral de preços.
2. Teorias Microeconômicas de Formação de Preços
A teoria microeconômica tradicional explora o processo de formação de preço
formulada, com base no problema de maximização de lucros e de acordo com as
estruturas de mercado – ou seja, em respeito ao número de empresas e se o produto é
homogêneo ou diferenciado. Como se sabe, nos extremos, estão os mercados em
concorrência perfeita – para os quais valem as hipóteses de informação perfeita,
produtos homogêneos , número grande de firmas (atomístico) e livre entrada e saída – e
do outro o monopólio - no qual uma única firma detém a capacidade de produção de
determinado produto. Além desses dois casos extremos, há ainda uma configuração
intermediária híbrida, conhecida como concorrência monopolística, que combina um
grande número de firmas com a produção de bens levemente diferenciados.
3
Em concorrência perfeita, os preços são determinados pelo mercado, ou de
forma exógena à decisão da empresa, que, aceitas as hipóteses de um mercado nesta
configuração, não seria capaz de individualmente afetar a decisão de preço ou
quantidade das concorrentes. A demanda enfrentada pela firma é perfeitamente elástica
e, de acordo com a regra de maximização de lucros, as empresas decidem o quanto
produzir, tendo em vista o preço determinado pelo mercado e sua igualdade ao custo
marginal de produção.
No monopólio, seguindo os pressupostos da análise marshalliana de equilíbrio,
uma única firma produz um determinado produto, o que faz com que a sua decisão de
preço ou produção dependa substancialmente da elasticidade de sua demanda e de seu
custo marginal. Nesse tipo de estrutura, a empresa considera o efeito negativo de um
aumento no preço na sua receita, via uma conseqüente redução da demanda. A regra de
bolso do monopolista, se assim pode-se dizer, seria tal que:
P  Cmg
1

P
Ed
(1)
De onde se conclui que:
P
Cmg
1
1
Ed
(2)
Sendo assim, quanto menor a elasticidade da demanda (Ed), mantendo-se
constante o custo marginal (CMg), maior a margem praticada pelo monopolista em
relação ao seu preço (P) e maior o nível de preço cobrado. Deslocamentos da demanda
têm efeitos variados a depender do custo marginal e da elasticidade da demanda. Da
mesma forma, um efeito de um imposto ou de variações no custo e o quanto será
repassado ao consumidor, dependerá da elasticidade da demanda. A variação do preço
no caso do monopólio pode ser inclusive superior ao aumento do CMg.
No caso da concorrência monopolística, devida a leve diferenciação de produtos,
as empresas enfrentam curvas de demanda positivamente inclinadas, o que sugere a
presença de algum grau de poder de mercado. Nessa configuração de mercado, assim
como no monopólio, as empresas decidem preços considerando o efeito de tal decisão
na receita, sendo, portanto, capazes de aferir lucros econômicos positivos no curtoprazo. No longo prazo, prevalecem os mecanismos “disciplinadores” da concorrência,
pela livre entrada e saída de empresas.
Uma análise mais realista das estruturas de mercado, no que se refere ao número
de empresas que concorrem na mesma dimensão, trouxe a necessidade de entender o
processo de formação de preços para mercados em que atuam poucas empresas ou,
conhecidamente, os oligopólios. Tais estruturas, tendo em vista a importância de
economias de escala na formação dos lucros e o natural processo de concentração, se
4
configuram como sendo as mais representativas no estudo atual das estruturas
industriais.
A formação de preços em mercados oligopolísticos é naturalmente desafiadora.
Assim como no monopólio e na concorrência monopolística, a empresa considera o
efeito de uma alteração na política de preços para a sua receita. Entretanto, como o
número de rivais é reduzido nesta configuração de mercado, a interdependência das
ações das empresas se torna fato relevante. Sendo assim, as empresas consideram a
reação de suas rivais frente a uma mudança nos seus preços. Os esquemas de
precificação são nesse caso mais complexos e surgem temas associados a diversos
esquemas de precificação, como liderança, ou mesmo o estudo da possibilidade de
equilíbrios cooperativos, que admitam alguma forma de coordenação (tácita ou
explícita).
A teoria dos jogos constitui o instrumento teórico mais importante para as
assertivas da teoria tradicional acerca da formação de preços em mercados
oligopolísticos. Sem entrar a fundo no tema, no caso dos equilíbrios de Nash nãocooperativos, prevalecem até hoje nas abordagens mais tradicionais: os modelos de
Bertrand - para mercados de bens diferenciados - e de Cournot - para bens homogêneos.
Já em equilíbrios cooperativos, a questão que se põe é a sustentação da coordenação ou
colusão em jogos repetidos. Vejamos essa questão de forma mais detalhada.
Antes do desenvolvimento da visão tradicional a partir do ferramental da Teoria
dos Jogos, a visão estruturalista contribuiu profundamente para a avaliação e percepção,
pela Teoria da Organização Industrial, dos fatores que atuam sobre o processo de
concorrência e que influenciam as ações das firmas. Os autores adeptos deste enfoque
estrutural, cuja origem está nas contribuições de J. Bain (1951 e 1956) e Sylos-Labini
(1956)4, têm como hipótese central a noção de que as estruturas possuem papel principal
na determinação do tipo de concorrência, bem como na formação de preço pelas firmas
atuantes em um determinado mercado.
Nessa linha, o modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD), criado por
Edward S. Manson (1939) e posteriormente testado e incrementado por diversos outros
autores5, foi o que com maior sucesso conseguiu descrever e identificar as variáveis que
afetam a performance econômica das empresas.
Como o próprio nome sugere, o paradigma ECD estabelece que o desempenho
de um determinado mercado é decorrência das condutas das firmas que o compõem,
sendo que tais condutas são fortemente influenciadas pela estrutura do mercado em que
atuam, ou seja, pelos parâmetros estruturais6 do ambiente competitivo em que tais
4
Quanto à obra de Bain (1956), segundo Possas (1990, p.90), seu grande feito foi trazer as barreiras à entrada
para primeiro plano da análise de estrutura de mercado e de formação de preços. A preocupação fundamental
do autor foi mostrar o papel e a natureza das barreiras à entrada na sua formulação da teoria dos preços-limites.
Já Sylos-Labini (1956) seguiu na mesma linha de Bain (1956) com a exposição de um modelo simplificado,
cujas hipóteses incluíam um mercado em oligopólio, com produto homogêneo, tecnologia acessível, economias
de escala significativas, entre outras.
5
Posteriormente ao trabalho pioneiro de Bain (1951), outros autores se preocuparam em examinar
empiricamente a hipótese estruturalista básica de associação entre a lucratividade média e o nível de
concentração do mercado.
6
O caráter estrutural de tais parâmetros decorre, basicamente, destes não poderem ser facilmente
alterados pelas estratégias das próprias firmas. Entretanto, isso não quer dizer que tais parâmetros sejam
imutáveis ao longo do tempo. Deve-se ressaltar, todavia, que estas relações foram alvo de críticas
5
firmas se inserem. A principal virtude do modelo ECD baseia-se na capacidade deste
estabelecer relações de causalidade entre as variáveis destes três níveis, colocando os
elementos da estrutura do mercado como o ponto de partida destas relações. Assim, de
acordo com essa visão, a estrutura é relevante para explicar a conduta que, no âmbito da
discussão aqui pretendida, é representada pelas políticas de formação de preços das
empresas, incluindo a possibilidade de coordenação e de colusão. Já os fatores
normalmente utilizados para descrever uma estrutura de mercado compreendem: o
número de empresas; o grau de concentração, expresso em diversos indicadores da
distribuição das vendas ou compras; o grau de homogeneidade/diferenciação
(substituição) de produtos; as condições de entrada de novas empresas; as estruturas de
custos; e o grau de integração vertical e diversificação.
Com esse pano de fundo, foi Stigler (1964), em seu artigo chamado “A Theory
of Oligopoly”, o primeiro autor a chamar a atenção para o fato de que a colusão não é
uma situação inescapável em mercados oligopolísticos. De uma maneira geral, o que a
teoria sugere é que para uma situação colusiva ser estável é preciso que as firmas sejam
capazes de: (i) atingir um consenso quanto ao tipo da coordenação e sobre o preço ou
quantidade a ser praticada; (ii) detectar as situações de desvios, ou seja, quando alguma
firma não cumprir com o consenso obtido e, finalmente; (iii) aplicar ou estipular um
esquema de punição que seja suficiente e crível, uma vez que o desvio é detectado. Esse
paradigma é conhecido na literatura como Consenso-Detecção-Punição7.
Complementada pelas idéias da teoria tradicional de oligopólio quanto às
condições e características que favorecem a coordenação, a metodologia utilizada pela
Teoria dos Jogos teve como principal contribuição um enfoque sistematizado das
interações das firmas em oligopólio, bem como dos fatores que propiciam a estabilidade
de uma interação coordenada, em especial, de uma colusão tácita. Entretanto, entre as
principais limitações da Teoria dos Jogos como pilar da teoria do oligopólio está a
possibilidade de múltiplos equilíbrios sob esquemas de repetição infinita.
Sendo assim, o problema principal é a dificuldade de aplicação e predição dos
modelos teóricos propostos, uma vez que estes geram inúmeros equilíbrios possíveis e
não explicam como as firmas conseguem escolher ou alcançar um destes. Como
resultado direto, a existência de inúmeros equilíbrios possíveis leva a dificuldade de
cunho prático para as firmas exercerem colusão tácita, tendo em vista que, neste caso, as
firmas não usam de acordos explícitos8.
Apesar destas limitações de aplicação, o desenvolvimento da Teoria do
Oligopólio no decorrer do tempo mostrou, portanto, não só que a colusão ou a
coordenação, ainda que não como resultado de uma negociação explícita, é um
resultado bastante provável em oligopólios, mas também que, por existirem condições e
fatores limitadores à sua execução, esta não ocorre necessariamente e pode ser evitada.
A partir deste referencial teórico, é possível desenvolver e comprovar as
condições necessárias (mas não suficientes9), levantando as possíveis características
pertinentes, como as formuladas pela teoria evolucionária/neo-schumpeteriana. Ver Dosi (1984) e Nelson
& Winter (2002).
7
Para uma revisão mais detalhada, ver Pires-Alves (2006).
8
Esses naturalmente combatidos pela legislação antitruste no Brasil e na maioria dos países.
9
As firmas podem não conseguir se coordenar, mesmo com todas as características favoráveis para
atingirem um consenso e não serem capazes de detectar desvios com rapidez e clareza ou de
implementarem esquemas de punição críveis.
6
facilitadoras ou limitadoras para a existência de colusão em um dado mercado. Dentre
essas características, é possível destacar como as mais importantes a existência de:
concentração/ número pequeno de firmas, barreiras à entrada, interação repetida, ordens
freqüentes e pequenas, contatos em vários mercados, firmas simétricas, homogeneidade
dos produtos, excesso de capacidade, condições estáveis de demanda, elasticidade da
demanda e, finalmente, poder de mercado do comprador10. Tais características possuem
efeitos positivos, negativos ou ambíguos para a possibilidade de colusão (Quadro 1).11
Quadro 1 – Características dos Mercados e seus Efeitos para a Colusão
Fatores e Efeitos*
Concentração/número pequeno de firmas: +
Barreiras à entrada: +
Interação repetida: +
Ordens freqüentes e pequenas: +
Firmas simétricas: +
Condições estáveis de demanda: +
Poder de mercado do comprador: Homogeneidade dos produtos: +/Excesso de capacidade: +/Contatos em vários mercados: +/Elasticidade da demanda: +/Fonte: Elaboração própria.
*Legenda: +: favorável; -: desfavorável; +/-: ambíguo.
Como uma última questão no que se refere à teoria sobre a formação de preço e
com relação direta ao tema a ser tratado no projeto está a discussão feita, no plano
teórico fora do arcabouço convencional12, sobre a rigidez de preços em mercados de
estrutura oligopolística. Dentre tais contribuições, destacam-se: o conceito de demanda
quebrada, de Hall e Hitch (1939) e Sweezy (1939), o princípio de custo total, também
de Hall e Hitch (1939) e o conceito de grau de monopólio, de Kalecki (1954).
Hall e Hitch (1939) e Sweezy (1939) introduzem o conceito de “curva de
demanda quebrada”, para explicar a rigidez dos preços em mercados oligopolísticos
frente a alterações na demanda ou nos custos, a partir da ideia de que existe uma
descontinuidade da elasticidade-preço da demanda. De acordo com esse conceito, a
elasticidade-preço da demanda seria maior para aumento de preços e menor para
reduções, fundamentado na percepção de que, em estruturas de oligopólio, a
interdependência das ações tornaria maior a probabilidade de acompanhamento pelas
rivais de redução de preços do que de aumento. Tal propriedade geraria uma faixa de
10
Essas características normalmente compõem o que se chama, na Teoria Antitruste, de Check List, usada para
analisar a possibilidade de coordenação em um dado mercado, que define uma série de fatores a serem
considerados, citados tanto na literatura, quanto nos próprios Guidelines das autoridades antitruste.
11
12
A análise de cada um desses efeitos é realizada em Pires-Alves (2006).
Para uma revisão detalhada sobre o assunto, ver Possas (1990), cap. 1.
7
descontinuidade na receita marginal, tornando o preço invariável a alterações
(moderadas) na demanda e no custo13.
Já Hall e Hitch (1939), a partir de pesquisa empírica, chegaram à conclusão que
o processo de formação de preços para empresas oligopolistas tratava-se de uma
recomposição de margem. Conhecido como “Princípio do Custo Total”, o conceito
propõe que as empresas determinam seus preços aplicando uma margem sobre o custo
direto, de modo a cobrir os custos indiretos e garantir uma determinada margem de
lucro. A racionalidade por trás dessa “regra de bolso” seria a maior facilidade de
manutenção de esquemas – naturalmente frágeis - de coordenação tácita de preços,
trazendo maior previsibilidade às ações das empresas no mercado e reduzindo a
probabilidade de cortes indesejáveis no preço vigente. Como resultado deste
comportamento, prevê-se uma maior rigidez nos preços em função de alterações na
demanda, retirando desta variável um papel determinante neste processo14. Sob esse
prisma, torna-se relevante o papel dos estoques como válvula de escape em substituição
aos indesejáveis ajustes via preço (Scherer, 1979, p. 37-47; Possas, 1990, p. 34).
Em Kalecki (1954), o preço da firma aparece como função linear do custo direto
unitário e do preço médio. Esse último é influenciado pela forma como as empresas
concorrem. A alteração nos parâmetros que repassam esses dois efeitos ao preço
cobrado define o poder de mercado da empresa, seja pela maior possibilidade de
repassar aumento de custos, seja pelo seu diferencial de preço em relação às
concorrentes. O grau de monopólio da firma seria calculado pela razão entre o preço e o
custo direto unitário15, quando o preço médio é igual ao preço da firma. Segundo essa
análise, o grau de monopólio depende da estrutura competitiva do mercado e da relação
das empresas com os demais agentes que influenciam o mercado (fornecedores e
concorrentes). Como uma “ramificação teórica do princípio do custo total”, o modelo
também traz consigo a idéia de rigidez de preços frente a alterações conjecturais de
demanda.
Assim, da breve e não extensiva revisão feita acima, conclui-se ser complexo o
exame do processo de formação de preço frente a alterações na demanda e nos custos
derivados de uma política monetária. Tal complexidade é ainda mais acentuada para
análises de uma estrutura industrial na qual prevalecem mercados formados por poucas
empresas, ou oligopólios, onde a interdependência é acentuada. Nesses casos, torna-se
importante o exame cuidadoso do processo de formação de preço, levando em
consideração variáveis estruturais e comportamentais que definam o grau de
interdependência das empresas e as condições para a ação colusiva, bem como a
capacidade ou disposição de resposta - seja por preço, quantidade, ou mesmo estoque frente às variações provocadas por alterações na política monetária.
13
Supõe-se verdadeira a utilização do princípio de maximização de lucro pela equalização do custo
marginal à receita marginal.
14
A influência da demanda pode ser parcialmente resgatada, segundo admitem os próprios autores, por
uma consideração de que as margens de lucro não são constantes e uniformes entre tendem a variar de
acordo com o crescimento (rápido) da demanda ou com a sua elasticidade-preço (e seu grau de
competição em preços) (Possas, 1990).
15
Ou o grau de monopólio médio, quando estendido para todo o mercado.
8
3. A Visão Pós-Keynesiana: embrião de abordagem micro-macro integrada
Longe de apresentar um corpo teórico fechado, o presente item busca resgatar
elementos teóricos de diferentes autores de filiação pós-Keynesiana e do próprio
Keynes que ofereçam insights para o desenvolvimento de uma abordagem micro-macro
integrada do processo inflacionário.
O ponto de partida desta abordagem é o reconhecimento de que o nível geral de
preços reflete basicamente o comportamento do nível de preços específico de cada
indústria. Como destaca Keynes (2007: p. 229):
Em uma indústria específica, o seu nível de preços depende, em parte, da taxa de
remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em parte, da escala
de produção. Não há motivo algum para modificar essa conclusão quando passamos à
indústria em conjunto. O nível geral de preços depende, em parte, da taxa de
remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em parte, da escala
global da produção.
Ainda neste sentido, vale uma consideração: o nível geral de preços nada mais é
que uma média ponderada dos diferentes níveis de preço vigentes na economia. Logo,
os elementos que governam o nível de preços em cada indústria são, por definição, os
mesmos que governam o nível geral de preços. Este é, portanto, o primeiro link entre a
macro e a microeconomia.
Como proposto por Keynes, para uma economia que opere abaixo do pleno
emprego, o nível geral de preços tenderá a se elevar por duas principais razões. A
primeira é resultado da elevação da produção obtida por determinado estoque de capital,
independentemente de variações na unidade de salário, em função dos custos marginais
crescentes. Essa pressão poderia ser arrefecida por ganhos de produtividade que
anulassem os custos marginais crescentes. A segunda razão é que o nível geral de
preços tenderia a se elevar conforme se eleva a unidade de salários (o custo do
trabalho), já que existem pressões latentes para a elevação dos salários por parte dos
sindicatos e trabalhadores, ainda que descontínuas ao longo do tempo.
Em outros termos, Keynes explicita que a inflação tem sua origem tanto nos
custos da produção quanto na demanda, refletida no nível de produto e emprego. O
autor coloca que estas últimas pressões, contudo, poderiam ser arrefecidas por ganhos
de produtividade que aliviem os custos crescentes da produção. Logo, a demanda é um
fator de pressão inflacionária apenas à medida que eleva os custos para os empresários –
este é o caso quando se ultrapassa o pleno emprego.
Estas proposições de Keynes são tratadas com maior rigor formal no modelo
desenvolvido por S. Weintraub (1961). Este autor assume que:
Z  k W
(3)
Onde: Z indica o produto nominal da economia; W: a massa salarial nominal; e k: o
mark-up sobre custos.
Vale observar que esta equação valeria também para uma indústria específica.
Quebrando o produto e salário nominais da equação (3), temos que:
9
P Q  k  w N
(4)
Onde: P representa o nível geral de preços; Q: o produto real; w: o salário médio
por trabalhador; e N: o número de empregados. Isolando o nível geral de preços P,
obtemos:
P  k  w
N
Q
(5)
Note-se que N/Q representa o produto médio por trabalhador. Ou seja, uma
medida da produtividade do trabalho. Chamando de A esta razão, de (5) obtemos:
P
k w
A
(6)
Aplicando a função logarítmica em (6) e derivando em relação ao tempo,
obtemos:
ln P  ln k  ln w  ln A




P  k  w A
(7)
De acordo com a equação (7), a inflação é explicada por três fatores: i) a
evolução do mark-up agregado sobre custos, variável ligada diretamente a estrutura de
mercado; ii) o comportamento dos salários, que se torna um fator tão mais relevante
quanto menor for o nível de desemprego, em linha com a curva de Phillips (1958); e iii)
a evolução da produtividade do trabalho.
Logo, não apenas a evolução dos salários, mas também outros fatores (k e A) são
relevantes para uma explicação geral do fenômeno inflacionário. O que há de comum,
contudo, é reconhecer que assim como a inflação em determinada indústria tem maior
sensibilidade aos custos, o tem a inflação “agregada” – retomando o argumento de
Keynes. O fenômeno inflacionário teria, portanto, sua origem no componente de custos
e não na demanda, como propõe o arcabouço do RMI.
Tal proposição tem implicações relevantes para o modus operandi da política
monetária, em especial, pelo papel desempenhado pela taxa de juros. Considerando um
modelo mais específico para a precificação numa indústria oligopolizada, formulado por
A. Eichner (1970), podemos obter conclusões sobre este papel.
Numa estrutura oligopolizada, empresários investem e determinam seus preços
considerando uma série de custos. Em especial, consideram a estrutura de capital à qual
estarão submetidos no processo de financiamento de seus investimentos como uma
função dos custos relativos à utilização de capital próprio e de terceiros neste processo.
Se optam a favor de recursos próprios e têm poder discricionário, os empresários
podem elevar os preços de modo a intensificar a acumulação interna de recursos para
investir. Esta elevação, no entanto, encontra um teto, delimitado pela perda de marketshare derivada ou da substituição do produto “mais caro” por outro no mercado ou da
entrada de novas firmas, antes na franja de custos, neste mercado (Eichner, 1970).
10
Este “teto” é na realidade um custo virtual que se comparado com a receita
esperada sem a perda de market-share determina uma “taxa de juros” dos recursos
internos. Quanto mais intensa a elevação do preço, maior tende a ser esta taxa (isto é
mais custoso é usar a elevação de preço como fonte de recursos).
O empresário tem, portanto, uma base de comparação para as taxas de juros de
mercado, a fim de decidir por sua estrutura de capital.
Desse modo, numa estrutura de mercado oligopolizada, uma taxa de juros mais
elevada significa que o custo de utilizar recursos de terceiros é alto. Neste caso, as
firmas optariam por recursos próprios, se valendo mais freqüentemente de elevações de
preço para acelerar o ritmo de acumulação interna de recursos. Em outras palavras,
taxas de juros mais elevadas ampliam a margem de “perdas” relativas ao aumento de
preço a qual as firmas oligopolistas podem suportar (efeito substituição e efeito
entrada), fazendo com que as mesmas pratiquem preços mais elevados e elevem mais
intensamente os preços do que numa situação onde taxas de juros mais baixas
vigorariam.
Além disso, a elevação da taxa de juros inibe diretamente o consumo e o
investimento, sem, contudo, eliminar a causa do processo inflacionário. Por este canal, o
efeito que se tem sobre a dinâmica inflacionária é extremamente perverso: ao inibir o
investimento o aumento dos juros inibe a expansão da capacidade instalada, o que pode,
num novo round inflacionário, aumentar a pressão sobre o grau de capacidade instalada
e, em algum momento, criar uma pressão adicional de demanda que se transmitirá aos
custos, intensificando o processo inflacionário.
O caso brasileiro nos últimos anos parece validar os insights teóricos derivados
acima. A inflação, medida pelo IPCA, foi mais relevante nos setores de alimentos e
bebidas, vestuário e despesas pessoais. Não por acaso os setores industriais que
passaram por um processo mais intenso de concentração foram o de fabricação de
bebidas e outros produtos alimentícios, produção de óleos, gorduras vegetais e
tecelagem (Rocha et alli, 2010). A ponte entre a macro e a microeconomia estaria
estabelecida também por este canal: o da concentração e do grau de oligopolização das
indústrias específicas. Conjugando o que foi exposto no item 2.3 com a teoria
macroeconômica de Keynes e pós-Keynesianos. Além disso, a dinâmica de cada setor
industrial seria relevante para determinar a produtividade de cada um e, portanto,
determinar a evolução de A – que alivia as pressões inflacionárias. Este elemento
também configura uma ponte entre a macro e a micro.
4. Os fatores microeconômicos na determinação de índice de preços setoriais: a
literatura empírica
Os fatores microeconômicos e relativos à estrutura de mercado no
comportamento inflacionário foram objetos de discussão em trabalhos empíricos, que se
dedicaram a explicar, principalmente: (i) a dispersão setorial na inflação; (ii) a
defasagem setorial de ajustes de preços; (iii) as diferenças nos padrões de aumentos de
preços e sua relação com a estrutura do mercado; (iv) a sincronia no aumento de preços;
(v) o efeito cost-push, a teoria full cost price e sua relação com mercados concentrados;
(vi) a rigidez de preços entre setores e a influência na PM; e (vii) o efeito da PM
desagregado setorialmente.
11
A hipótese de que a rigidez nos preços varia entre setores da economia foi
testada por uma gama de estudos. Weiss (1966), por exemplo, reuniu evidências para
concluir que a inflação percebida nos Estados Unidos durante a década de 50 e 60 era de
custo e não de demanda e que os preços aumentaram mais que proporcionalmente do
que os custos nos setores mais concentrados, ainda que temporariamente. Já Cagan
(1974), preocupado em tratar da maior propensão de aumento de preços em setores
concentrados e da defasagem dos ajustes de preços nesses setores, testou a mudança de
padrões de mudança de preços a partir da relação entre a variação anual de preços
(variável dependente) e a variação no custo unitário de mão de obra, de material, e uma
medida de concentração do setor (variáveis independentes).
Encaoua e Geroski16 (1986), após analisarem os mecanismos de transmissão de
choques em setores classificados de acordo com o grau de concentração, abertura e
nacionalidade da empresa em cinco países, encontraram os seguintes resultados: (i) os
ajustes de preços são mais lentos em setores com menor grau de concorrência (empresas
em setores mais competitivos são mais lentas em incorporar novas informações nos seus
planos e se ajustar aos mesmos); (ii) os setores mais concentrados e fechados
apresentam maior grau de inflexibilidade e tal característica não é contínua; (iii) os
efeitos de demanda são presentes, para a maioria dos países estudados, contudo apenas
em mercados competitivos.
Na mesma linha, Domberger e Fiebig (1993) exploraram dois questionamentos:
(i) se os preços se movimentam de forma sincronizada; e (ii) se a distribuição dos
preços exibe algum grau de assimetria. Os autores ressaltaram a importância de se olhar
para as assimetrias nas distribuições de mudanças nos preços para se entender os
determinantes da extensão da rigidez nos preços e o grau de simetria de ajustes
praticados pelas empresas. Quanto maior a concentração, maior simetria nas mudanças
dos preços (os ajustes são quase simultâneos em mercados com alto grau de
concentração – C4) e menor a volatilidade. Além disso, oligopolistas seguem aumentos
de preços mais rapidamente do que reduções. A simetria, de acordo com os resultados, é
maior quando o nível de preços está caindo do que quando está aumentando.
Zaleski (1992) obteve resultado contrário ao que sugere a teoria para os preços
após o choque do petróleo em 1974. Os resultados apontaram que quanto maior a
importância de produtos derivados do petróleo na estrutura de custo do setor, maior o
aumento de preços sofrido pelo mesmo. Entretanto, a hipótese de price full cost foi
rejeitada, uma vez que os resultados obtidos indicaram que mercados competitivos
aumentaram mais seus preços após o choque do que os mercados concentrados.
Gillen e Garcia (2011) analisaram o impacto de choques nos juros e câmbio a
partir do IPCA desagregado em subitens tendo em vista a alteração da dispersão dos
preços (sugerindo mudança de preços relativos pós-choque monetário) e encontraram
resultados próximos ao de Aoki (2001)17 - que defendeu maior atenção aos setores de
16
Com visão mais ortodoxa sobre o tema.
Em artigo teórico, Aoki (2001) tratou das diferenças de impacto de choques monetários, considerando
dois tipos de setores, os de preços flexíveis e preços rígidos. O artigo concluiu que a inflação nos setores
de preços mais rígidos deve ser considerada como mais representativa para o núcleo da inflação, devido a
sua maior persistência, e que, levando esse fato em consideração, o Banco Central deveria ter como meta
a estabilização dos preços nesses setores. Da mesma forma, Berriel e Sinigaglia (2008) consideraram a
heterogeneidade setorial para a rigidez de preço e uma função de perda de bem estar que depende do
quadrado da variância das inflações setoriais e hiatos setoriais. O resultado do artigo levou à conclusão de
que haveria um nível de dispersão de preços ótimo e que a heterogeneidade deveria ser considerada.
17
12
preços rígidos nas formulações de política monetária - ao separem os setores entre
tradeables e non-tradeables.
5. Considerações Finais
O estado das artes da pesquisa sobre os determinantes da inflação possui um viés
essencialmente macroeconômico. Além disso, a literatura existente é fortemente
condicionada pela visão ortodoxa sobre política monetária, seus canais de transmissão e
sua interpretação acerca das causas da inflação. Neste último aspecto, deve-se ressaltar
que o RMI tem como foco um tipo específico de inflação, a demanda. Este diagnóstico
pode apresentar problemas em função da presença de dois elementos cruciais, de ordem
microeconômica: i) padrões de concorrência distintos do modelo de concorrência
perfeita, em que se destacam os oligopólios, e as suas implicações para o repasse de
variações de custos; e ii) a rigidez de preço, especialmente para baixo, a variações na
demanda. Assim, questiona-se a adequação do uso do RMI. A definição de um
arcabouço teórico alternativo, que ofereça uma explicação mais completa para o
fenômeno inflacionário deve envolver, necessariamente, uma abordagem micro-macro
integrada.
A visão monetarista ortodoxa do processo de formação de preços implícita na
descrição convencional do mecanismo de transmissão da política monetária (seção 1)
omite importantes fatores na determinação do nível geral de preços. Com o intuito de
contornar essa séria limitação, propõe-se uma abordagem integrada micromacroeconômica, de caráter marcadamente heterodoxo, que englobe os fatores omitidos
pela teoria ortodoxa.
Conforme a figura 2, além dos cinco canais de transmissão da política monetária
contemplados pela teoria ortodoxa, propõe-se a inclusão de canais adicionais, que levem
em conta as estruturas de mercado e os padrões de concorrência, como variável
explicativa do processo de formação do nível geral de preços. Assim, pretende-se
chamar atenção para a relevância e abrir espaço para a inclusão dos variados canais de
transmissão associados aos fatores microeconômicos.
Particularmente propõe-se a introdução de dois canais: i) crédito-custo; e ii)
câmbio-custo. O primeiro é um canal perverso: um aumento na taxa de juros contribui
para uma elevação da inflação. Trata-se de uma razão para o que a literatura ortodoxa
chama de price puzzle: a evidência empírica mostra que diante de um choque (positivo)
de taxa de juros a inflação inicialmente se acelera. Esse comportamento, apesar de não
encontrar respaldo na teoria ortodoxa, se tornou espécie de regra em modelos VAR
(Eichenbaum, 1992; Walsh, 2003, cap. 1).18 A explicação convencional é que se trata de
um problema de má especificação: as variáveis incluídas no modelo não esgotam o
conjunto de informação à disposição do BC (Sims, 1992).19
Quanto maior a rigidez setorial, maior o peso, porque geram maior distorção na resposta a choques
exógenos, sendo, portanto, os preços desses setores mais relevantes para a política monetária.
18
Esse fenômeno também foi identificado para a economia brasileira, por exemplo, por Luporini (2007) e
Araújo e Modenesi (2010).
19
Partindo dessa premissa, Christiano et al. (1996) e Sims e Zha (1998) eliminam o puzzle com a
introdução de um índice de preço de commodities.
13
Propomos aqui uma motivação alternativa para o price puzzle, fundada na
existência de um canal de custos na transmissão da política monetária. Uma elevação da
taxa de juros aumenta o custo de produção das firmas que – dependendo de seu poder de
mercado e das condições de demanda – pode ser repassado para preços. Assim, em um
primeiro momento, uma contração monetária gera um aumento de custos que se
transmite mais rapidamente para os preços. Posteriormente, uma elevação dos juros
desaquece a economia e, finalmente, impacta negativamente a inflação. O puzzle
surgiria, portanto, de um descompasso entre os efeitos da política monetária sobre os
custos de produção – que são mais imediatos – e seus impactos defasados sobre a
demanda agregada e, por fim, nos preços.
O canal câmbio-custo funciona com o sinal esperado e reforça o canal câmbiodemanda (que opera via exportações líquidas). Assim, uma valorização cambial – ao
tornar mais barata a importação de máquinas, equipamentos e insumos – contribui para
uma redução dos custos de produção. Dependendo das estruturas de mercado e das
condições de demanda, essa redução dos custos será repassada aos preços finais,
concorrendo para o arrefecimento da inflação.
FIGURA 2 – Mecanismo de Transmissão da Política Monetária: abordagem micromacroeconômica heterodoxa
Taxas de Juros
Investimento
Privado
Preço de Ativos
Consumo B.
Duráveis
Expectativas
Demanda
Agregada
Exportações
Líquidas
SELIC
Crédito
Câmbio DA
Preços
Externos
Inflação
Choques
Externos
Estruturas de
Mercado
Crédito Custo (-)
Custos
Câmbio Custo
Preços de
insumos e BK
importados
Fonte: elaboração própria
Em suma, os principais bancos centrais apresentam mecanismo de transmissão
da PM privilegiando o papel das condições de demanda agregada, omitindo-se os
fatores microeconômicos na determinação da inflação. Essa omissão pode ser enganosa
e a autoridade monetária deve levar em conta fatores dessa natureza ao fixar a taxa
14
básica de juros. Caso contrário, a dinâmica dos preços em resposta a um impulso
monetário pode assumir trajetória distinta daquela esperada pelo banco central. É
razoável considerar que, em geral, setores oligopolizados (com maior poder de
mercado) tendem a ser mais inflacionários por pelo menos duas razões: i) têm maior
capacidade de repassar para os preços aumentos de custo; e ii) podem ser relativamente
imunes aos efeitos contracionistas da PM, visto que não necessariamente concorrem via
preço. Assim, a reação a um choque de preço em setores com diferentes níveis de poder
de mercado deveria resultar em uma resposta diferenciada por parte do banco central.
Referências
ARAÚJO, E. e MODENESI, A.M. (2010a). “Custos e Benefícios do Controle
Inflacionário no Brasil (2000-2008): uma análise empírica do mecanismo de
transmissão da política monetária com base em um modelo VAR,” Anais do
XXVIII Encontro Nacional de Economia (ANPEC). Salvador, dezembro.
AOKI, K. (2001). Optimal monetary policy responses to relative-price changes. Journal
of Monetary Economics, Volume 48, Issue 1, August 2001, pp 55–80.
BAIN, J. (1951). “Relation of Profit Rate to Industry Concentration: American
Manufacturing, 1936-1940”. Quartely Journal of Economics. Vol. 65. August.
BAIN, J. (1956). Barriers to New Competition. Cambridge: Harvard University Press.
BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB) (1999). Relatório de Inflação, v. 1, nº 1, jun.
1999.
BANK of ENGLAND (BOE) (1999). Quarterly Bulletin, 39(2).
CAGAN, P. (1974). Inflation and market structure: 1967-1973. NBER Working N. 33.
CHRISTIANO, L.; EICHENBAUM, M.; EVANS, C. L. (1996), “The Effects of
monetary policy shocks: evidence from the flow of funds”. Review of Economics
and Statistics, vol. 78 (1), pp.16-34.
DOMBERGER, S.; FIEBIG, D. (1993). The distribution of price changes in oligopoly.
The Journal of Industrial Economics, Vol. 41, No. 3 (Sep., 1993), pp. 295-313
DOSI, G. (1984) Technical Change and Industrial Transformation - the Theory and an
Application to the Semiconductor Industry. Londres: Macmillan.
EICHENBAUM, M. (1992), “Comment on interpreting the macroeconomic time series
facts: the effects of monetary policy”. European Economic Review, vol. 36 (5),
pp.1001-011.
EICHNER, A. S. (1970) The Megacorp and Oligopoly. Cambridge University Press.
ENCAOUA, D.; GEROSKI, P. (1986). Price dynamics and competition in five OECD
countries. OECD Economic Studies, 1986.
15
GILLEN, D.; GARCIA, M. (2011). Dispersão na Fixação de Preços no Brasil. Revista
Brasileira de Economia, v. 65, n. 1, pp. 47–69.
HALL, R. & HITCH, C. (1939) "Price Theory and Business Behaviour," Oxford
Economic Papers, Vol. 2, pp. 12-45.
KALECKI (1954). Theory of Economic Dynamics, 2ª Ed. Londres: George Allen &
Unwin, Londres
KEYNES, J. M. (2007) A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo:
Atlas. [The General Theory of Employment, Interest and Money. London:
MacMillan, 1936].
LUPORINI, V. (2007), “The monetary transmission mechanism in Brazil: evidence
from a VAR analysis”. Estudos Econômicos, 28 (1), pp. 7-30.
MANSON, E. S. (1939). “Price and Production Policies of Large-scale Enterprise,”
American Economic Review, Vol. 29, março, p. 61-74.
MELTZER, A. H. (1995) “Monetary, Credit (and Other) Transmission Processes: A
Monetarist Perspective,” Journal of Economic Perspectives, Fall, 9, 49-72.
MISHKIN, F. (1995), “Symposium on the monetary transmission mechanism”. Journal
of Economic Perspectives, V. 9 (4), PP. 3-10.
MISHKIN, S. F. (1996), “The Channels of Monetary Transmission: Lessons for
Monetary Policy,” NBER Working Paper, No. 5464 (Cambridge, Massachusetts:
National Bureau of Economic Research).
NELSON, R. R.; WINTER S. G. (2002). “Evolutionary Theorizing in Economics,”
Journal of Economic Perspectives, Vol. 16. nº 2. p. 23-46.
PHILLIPS, A.W. (1958) The Relationship between Unemployment and the Rate of
Change of Money Wages in the United Kingdom 1861–1957. Economica, v. 25
(novembro), pp. 283–99.
PIRES-ALVES, C. (2006) Efeitos Coordenados em Atos de Concentração: Análise
Teórica e Estudos de Caso. Dissertação de mestrado, Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
POSSAS, M. L. (1990). Estruturas de Mercado em Oligopólio. 2ª ed. São Paulo:
Editora Hucitec.
ROCHA, F.; PIRES, L. & BUENO, S. (2010) “Dinâmica da Concentração de mercado
na indústria brasileira, 1996-2003”. Economia e Sociedade, Vol. 19, N. 3 (40),
dez.
SCHERER, F. M. (1979). Preços Industriais: Teoria e Evidência. Rio de Janeiro:
Editora Campus.
16
STIGLER, G. J. (1964). “A Theory of Oligopoly,” The Journal of Political Economy.
Vol. 72, Nº. 1, February, p. 44-61.
SWEEZY, P. (1939) "Demand Under Conditions of Oligopoly," The Journal of
Political Economy, Vol. 4, pp. 568-573.
SIMS, C. (1992), “Interpreting the macroeconomic time series facts: the effects of
monetary policy”. European economic Review, v. 36(5), pp. 975-1000.
SIMS, C. e ZHA, T. (1998), “Does monetary policy generate recessions?”. Federal
Reserve Bank of Atlanta, Working Paper 12.
SYLOS-LABINI, P. (1956). Oligopolio e progresso tecnico, 2ª ed., Einaudi, Turim,
1964; trad. Esp. Oligopólio y progreso técnico. Oikos-tau, Barcelona, 1966.
WALSH, C. (2003), Monetary Theory and Policy. Cambridge (Ma): MIT Press.
WEINTRAUB, S. (1961) Classical Keynesianism Monetary Theory and the Price
Level. Connecticut: Greenwood Press.
WEISS, L. (1966). Business Pricing Policies and Inflation Reconsidered. The Journal of
Political Economy, Vol. 74, No. 2, Apr., 1966, pp.177-187.
ZALESKI, P. (1992). Industry concentration and the transmission of cost-push
inflation: Evidence from the 1974 OPEC oil crisis. Journal of Economics and
Business, Volume 44, Issue 2, May 1992, pp. 135–141.
17
Download