Mecanismo de Transmissão da Política Monetária: uma abordagem micro-macro integrada1 André de Melo Modenesi Professor Adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) Pesquisador do CNPq Camila Cabral Pires-Alves Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas e Exatas do Instituto Três Rios, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ITR/UFRRJ) Vice-Economista Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) Abstract In line with the orthodox theory, the major central banks have the transmission mechanism of monetary policy emphasizing the role of aggregate demand conditions, omitting the microeconomic factors in determining inflation. This omission can be misleading and the monetary authority must take into account such factors when setting the basic interest rate. Otherwise, the price dynamics in response to a monetary impulse can take different path from that expected by the central bank. It is reasonable to consider that, in general, oligopolistic sectors (with greater market power) tend to be more inflation for at least two reasons: i) have a greater ability to pass price increases to the cost, and ii) may be relatively immune to contractionary effects of PM, since it does not necessarily compete via price. Thus, the reaction to a price shock in areas with different levels of market power should result in a differential response by the central bank. Key Words: Monetary Policy Transmition Mechanism; Inflation; Market Structure Resumo Em linha com a teoria ortodoxa, os principais bancos centrais apresentam o mecanismo de transmissão da política monetária privilegiando o papel das condições de demanda agregada, omitindo-se os fatores microeconômicos na determinação da inflação. Essa omissão pode ser enganosa e a autoridade monetária deve levar em conta fatores dessa natureza ao fixar a taxa básica de juros. Caso contrário, a dinâmica dos preços em resposta a um impulso monetário pode assumir trajetória distinta daquela esperada pelo banco central. É razoável considerar que, em geral, setores oligopolizados (com maior poder de mercado) tendem a ser mais inflacionários por pelo menos duas razões: i) têm maior capacidade de repassar para os preços aumentos de custo; e ii) podem ser relativamente imunes aos efeitos contracionistas da PM, visto que não necessariamente concorrem via preço. Assim, a reação a um choque de preço em setores com diferentes níveis de poder de mercado deveria resultar em uma resposta diferenciada por parte do banco central. Palavras Chave: Mecanismo de Transmissão da Política Monetária; Inflação; estruturas de mercado 1 Os autores agradecem a contribuição de Norberto Montani Martins, Mestrando do IE/UFRJ. Introdução Com a popularização do regime de metas de inflação (RMI), a partir da década de 1990, o interesse pelo estudo do chamado mecanismo de transmissão da política monetária (PM) se intensificou. O RMI é uma estratégia de condução da política monetária marcado pela busca da estabilidade de preços, obtida pelo uso exclusivo da taxa básica de juros. Portanto, o entendimento de como variações nos juros afetam o nível geral de preços é um pré-requisito fundamental para o uso desse regime. De uma forma geral, e em linha com a teoria ortodoxa convencional, os principais bancos centrais – como, por exemplo, o Banco Central do Brasil (BCB), Banco da Inglaterra (BOE) e o Banco Central Europeu (BCE) – apresentam esse mecanismo privilegiando o papel das condições de demanda agregada e, portanto, omitindo-se a relevância dos fatores microeconômicos na determinação da inflação. Esse fato resulta, em larga medida, da assunção da hipótese de neutralidade da moeda, como expresso pelo BOE:2 Monetary policy works largely via its influence on aggregate demand in the economy. It has little direct effect on the trend path of supply capacity. Rather, in the long run, monetary policy determines the nominal or money values of goods and services – that is, the general price level. An equivalent way of making the same point is to say that in the long run, monetary policy in essence determines the value of money—movements in the general price level indicate how much the purchasing power of money has changed over time. Inflation, in this sense, is a monetary phenomenon (BOE, 1999: 162). O problema é que independentemente do debate sobre a neutralidade da moeda – i.e., mesmo aceitando-se essa hipótese – a omissão dos fatores microeconômicos no processo de formação de preços pode ser enganosa. A autoridade monetária deve levar em conta fatores dessa natureza ao fixar a taxa básica de juros. Caso contrário, a dinâmica dos preços em resposta a um impulso monetário pode assumir trajetória distinta daquela esperada pelo banco central. Em linha com o chamado modelo Estrutura-Conduta-Desempenho, é razoável considerar que, em geral, setores oligopolizados em que há maior poder de mercado tendem a ser mais inflacionários por pelo menos duas razões: i) têm maior capacidade de repassar para os preços aumentos de custo; e ii) podem ser relativamente imunes aos efeitos contracionistas da PM, visto que não necessariamente concorrem via preço. Assim, a reação a um choque de preço em setores com diferentes níveis de poder de mercado3 deveria resultar em uma resposta diferenciada por parte do banco central. O objetivo desse artigo é chamar atenção para essa importante falha cometida pelos principais BC. Assim, pretende-se contribuir para uma melhor descrição do mecanismo de transmissão da PM, que incorpore devidamente os fatores microeconômicos na evolução da inflação. São quatro seções, além dessa introdução e das considerações finais. Na primeira, é apresentada descrição convencional desse 2 A este respeito o BCB postula que: “Ao longo dos últimos anos começou a se formar um consenso, entre os economistas e bancos centrais, de que o objetivo principal da política monetária deve ser a obtenção e manutenção da estabilidade de preços... é importante notar que a política monetária produz efeitos reais apenas no curto e médio prazo, ou seja, no longo prazo a moeda é neutra. O único efeito existente no longo prazo é sobre o nível de preços da economia (Relatório de Inflação, v. 1, nº 1, jun. 1999: 89). 3 O grau de poder de mercado é definido por diversos fatores, tais como: número de empresas e concentração do mercado; existência de barreiras à entrada; grau de abertura ao comércio exterior; e substitutibilidade do produto. 1 mecanismo. Na segunda seção, são tratadas as teorias microeconômicas de formação de preços, com destaque para o paradigma Estrutra-Conduta-Desempenho. Na terceira seção é apresentada a visão de Keynes e dos pós keynesianos sobre o processo inflacionário, que destaca a importância dos mark ups na formação dos preços. Assim, constitui-se uma forma de se combinar os condicionantes microeconômicos com os de ordem macroeconômica na determinação do nível geral de preços, formando-se espécie de embrião de abordagem micro-macro integrada. Em seguida, é apresentada a literatura empírica que leva em conta os fatores microeconômicos – e as estruturas de mercado – na análise do processo inflacionário. Por fim, são apresentadas as considerações finais, propondo-se uma descrição do mecanismo de transmissão que incorpora tanto o lado da demanda quanto o da oferta, ou os fatores de custo – ignorados pela teoria convencional. 1. Mecanismos de Transmissão da Política Monetária: a visão convencional da formação de preços no nível macroeconômico A literatura convencional elenca fundamentalmente cinco canais através dos quais a PM pode afetar a variação do nível geral de preços: i) a estrutura a termo da taxa de juros; ii) o crédito; iii) as expectativas; iv) o preço dos ativos; e v) a taxa de câmbio (Mishkin, 1995; 1996). As decisões de investimento e de consumo de bens duráveis são pautadas pela estrutura a termo da taxa de juros. Uma redução da Selic, ao se propagar para as taxas de juros de médio e longo e prazo, induz uma elevação do investimento e do consumo (notadamente de bens duráveis) que, por sua vez, gera ampliação da demanda agregada, pressionando o nível geral de preços para cima. A figura 1 sintetiza a visão convencional do processo de formação de preços no nível macroeconômico, conforme o BCB (1999). FIGURA 1 – Mecanismo de Transmissão da Política Monetária: abordagem macroeconômica convencional Taxas de Mercado Preço dos Ativos SELIC Investimento Privado Consumo de Bens Duráveis Demanda Agregada Inflação Expectativas Exportações Líquidas Crédito Choques Externos Taxa de Câmbio Preços Externos Fonte: BCB (1999). O canal do crédito funciona da seguinte forma: ao diminuir a taxa de juros e elevar o volume de reservas bancárias, o BCB faz aumentar a quantidade de recursos 2 disponíveis para empréstimos. Caso exista demanda por crédito reprimida, haverá uma expansão dos empréstimos bancários. Assim, haverá um aumento dos gastos com investimento e consumo de bens duráveis, determinando uma ampliação da demanda agregada e, finalmente, pressionando o nível geral de preços para cima. O terceiro canal de transmissão da PM é o das expectativas. Variações na Selic influenciam as expectativas quanto ao comportamento futuro da economia que, por sua vez, afetam as decisões correntes dos agentes econômicos quanto aos níveis de investimento poupança e consumo. Variações nos preços dos ativos financeiros, ao alterar o estoque de riqueza dos agentes econômicos, podem influenciar as decisões de consumo. Uma redução da taxa básica de juros, ao estimular o crescimento econômico, aumenta a expectativa de lucro das empresas gerando, provavelmente, uma elevação no preço das ações. Além disso, o preço dos títulos (pré-fixados) aumenta. Diante de volume maior de riqueza financeira, decorrente do aumento do valor dos títulos e das ações, é possível que os agentes econômicos se disponham a gastar mais. Dessa forma, uma redução da Selic, ao incentivar o consumo – por meio do efeito riqueza – também amplia a demanda agregada, pressionando para cima o nível geral de preços. Finalmente, uma desvalorização cambial tende a elevar a inflação na medida em que aumenta as exportações líquidas ao tornar as importações menos competitivas, deslocando a demanda de produtos importados para similares nacionais; isto tende a reduzir a competição externa, possibilitando que os produtores domésticos formem (ou aumentem) os preços com mais liberdade. Resumindo, de acordo com o BCB, variações na taxa Selic se transmitem para a inflação por meio dos cinco canais acima. Através desses canais, um estímulo monetário influencia as decisões de investimento, poupança e consumo de bens duráveis e as exportações líquidas que, por sua vez, afetam a demanda agregada e, por fim, o nível geral de preços (Meltzer, 1995; Mishkin, 1995; 1996; Bogdanski et. al, 2000). A descrição convencional desse mecanismo omite o papel crucial desempenhado por fatores microeconômicos – regras de formação de preço, estruturas de mercado e padrões de concorrência etc. – na determinação do nível geral de preços. É justamente aqui que se encontra a necessidade de uma abordagem integrada entre os determinantes microeconômicos e macroeconômicos do nível geral de preços. 2. Teorias Microeconômicas de Formação de Preços A teoria microeconômica tradicional explora o processo de formação de preço formulada, com base no problema de maximização de lucros e de acordo com as estruturas de mercado – ou seja, em respeito ao número de empresas e se o produto é homogêneo ou diferenciado. Como se sabe, nos extremos, estão os mercados em concorrência perfeita – para os quais valem as hipóteses de informação perfeita, produtos homogêneos , número grande de firmas (atomístico) e livre entrada e saída – e do outro o monopólio - no qual uma única firma detém a capacidade de produção de determinado produto. Além desses dois casos extremos, há ainda uma configuração intermediária híbrida, conhecida como concorrência monopolística, que combina um grande número de firmas com a produção de bens levemente diferenciados. 3 Em concorrência perfeita, os preços são determinados pelo mercado, ou de forma exógena à decisão da empresa, que, aceitas as hipóteses de um mercado nesta configuração, não seria capaz de individualmente afetar a decisão de preço ou quantidade das concorrentes. A demanda enfrentada pela firma é perfeitamente elástica e, de acordo com a regra de maximização de lucros, as empresas decidem o quanto produzir, tendo em vista o preço determinado pelo mercado e sua igualdade ao custo marginal de produção. No monopólio, seguindo os pressupostos da análise marshalliana de equilíbrio, uma única firma produz um determinado produto, o que faz com que a sua decisão de preço ou produção dependa substancialmente da elasticidade de sua demanda e de seu custo marginal. Nesse tipo de estrutura, a empresa considera o efeito negativo de um aumento no preço na sua receita, via uma conseqüente redução da demanda. A regra de bolso do monopolista, se assim pode-se dizer, seria tal que: P Cmg 1 P Ed (1) De onde se conclui que: P Cmg 1 1 Ed (2) Sendo assim, quanto menor a elasticidade da demanda (Ed), mantendo-se constante o custo marginal (CMg), maior a margem praticada pelo monopolista em relação ao seu preço (P) e maior o nível de preço cobrado. Deslocamentos da demanda têm efeitos variados a depender do custo marginal e da elasticidade da demanda. Da mesma forma, um efeito de um imposto ou de variações no custo e o quanto será repassado ao consumidor, dependerá da elasticidade da demanda. A variação do preço no caso do monopólio pode ser inclusive superior ao aumento do CMg. No caso da concorrência monopolística, devida a leve diferenciação de produtos, as empresas enfrentam curvas de demanda positivamente inclinadas, o que sugere a presença de algum grau de poder de mercado. Nessa configuração de mercado, assim como no monopólio, as empresas decidem preços considerando o efeito de tal decisão na receita, sendo, portanto, capazes de aferir lucros econômicos positivos no curtoprazo. No longo prazo, prevalecem os mecanismos “disciplinadores” da concorrência, pela livre entrada e saída de empresas. Uma análise mais realista das estruturas de mercado, no que se refere ao número de empresas que concorrem na mesma dimensão, trouxe a necessidade de entender o processo de formação de preços para mercados em que atuam poucas empresas ou, conhecidamente, os oligopólios. Tais estruturas, tendo em vista a importância de economias de escala na formação dos lucros e o natural processo de concentração, se 4 configuram como sendo as mais representativas no estudo atual das estruturas industriais. A formação de preços em mercados oligopolísticos é naturalmente desafiadora. Assim como no monopólio e na concorrência monopolística, a empresa considera o efeito de uma alteração na política de preços para a sua receita. Entretanto, como o número de rivais é reduzido nesta configuração de mercado, a interdependência das ações das empresas se torna fato relevante. Sendo assim, as empresas consideram a reação de suas rivais frente a uma mudança nos seus preços. Os esquemas de precificação são nesse caso mais complexos e surgem temas associados a diversos esquemas de precificação, como liderança, ou mesmo o estudo da possibilidade de equilíbrios cooperativos, que admitam alguma forma de coordenação (tácita ou explícita). A teoria dos jogos constitui o instrumento teórico mais importante para as assertivas da teoria tradicional acerca da formação de preços em mercados oligopolísticos. Sem entrar a fundo no tema, no caso dos equilíbrios de Nash nãocooperativos, prevalecem até hoje nas abordagens mais tradicionais: os modelos de Bertrand - para mercados de bens diferenciados - e de Cournot - para bens homogêneos. Já em equilíbrios cooperativos, a questão que se põe é a sustentação da coordenação ou colusão em jogos repetidos. Vejamos essa questão de forma mais detalhada. Antes do desenvolvimento da visão tradicional a partir do ferramental da Teoria dos Jogos, a visão estruturalista contribuiu profundamente para a avaliação e percepção, pela Teoria da Organização Industrial, dos fatores que atuam sobre o processo de concorrência e que influenciam as ações das firmas. Os autores adeptos deste enfoque estrutural, cuja origem está nas contribuições de J. Bain (1951 e 1956) e Sylos-Labini (1956)4, têm como hipótese central a noção de que as estruturas possuem papel principal na determinação do tipo de concorrência, bem como na formação de preço pelas firmas atuantes em um determinado mercado. Nessa linha, o modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (ECD), criado por Edward S. Manson (1939) e posteriormente testado e incrementado por diversos outros autores5, foi o que com maior sucesso conseguiu descrever e identificar as variáveis que afetam a performance econômica das empresas. Como o próprio nome sugere, o paradigma ECD estabelece que o desempenho de um determinado mercado é decorrência das condutas das firmas que o compõem, sendo que tais condutas são fortemente influenciadas pela estrutura do mercado em que atuam, ou seja, pelos parâmetros estruturais6 do ambiente competitivo em que tais 4 Quanto à obra de Bain (1956), segundo Possas (1990, p.90), seu grande feito foi trazer as barreiras à entrada para primeiro plano da análise de estrutura de mercado e de formação de preços. A preocupação fundamental do autor foi mostrar o papel e a natureza das barreiras à entrada na sua formulação da teoria dos preços-limites. Já Sylos-Labini (1956) seguiu na mesma linha de Bain (1956) com a exposição de um modelo simplificado, cujas hipóteses incluíam um mercado em oligopólio, com produto homogêneo, tecnologia acessível, economias de escala significativas, entre outras. 5 Posteriormente ao trabalho pioneiro de Bain (1951), outros autores se preocuparam em examinar empiricamente a hipótese estruturalista básica de associação entre a lucratividade média e o nível de concentração do mercado. 6 O caráter estrutural de tais parâmetros decorre, basicamente, destes não poderem ser facilmente alterados pelas estratégias das próprias firmas. Entretanto, isso não quer dizer que tais parâmetros sejam imutáveis ao longo do tempo. Deve-se ressaltar, todavia, que estas relações foram alvo de críticas 5 firmas se inserem. A principal virtude do modelo ECD baseia-se na capacidade deste estabelecer relações de causalidade entre as variáveis destes três níveis, colocando os elementos da estrutura do mercado como o ponto de partida destas relações. Assim, de acordo com essa visão, a estrutura é relevante para explicar a conduta que, no âmbito da discussão aqui pretendida, é representada pelas políticas de formação de preços das empresas, incluindo a possibilidade de coordenação e de colusão. Já os fatores normalmente utilizados para descrever uma estrutura de mercado compreendem: o número de empresas; o grau de concentração, expresso em diversos indicadores da distribuição das vendas ou compras; o grau de homogeneidade/diferenciação (substituição) de produtos; as condições de entrada de novas empresas; as estruturas de custos; e o grau de integração vertical e diversificação. Com esse pano de fundo, foi Stigler (1964), em seu artigo chamado “A Theory of Oligopoly”, o primeiro autor a chamar a atenção para o fato de que a colusão não é uma situação inescapável em mercados oligopolísticos. De uma maneira geral, o que a teoria sugere é que para uma situação colusiva ser estável é preciso que as firmas sejam capazes de: (i) atingir um consenso quanto ao tipo da coordenação e sobre o preço ou quantidade a ser praticada; (ii) detectar as situações de desvios, ou seja, quando alguma firma não cumprir com o consenso obtido e, finalmente; (iii) aplicar ou estipular um esquema de punição que seja suficiente e crível, uma vez que o desvio é detectado. Esse paradigma é conhecido na literatura como Consenso-Detecção-Punição7. Complementada pelas idéias da teoria tradicional de oligopólio quanto às condições e características que favorecem a coordenação, a metodologia utilizada pela Teoria dos Jogos teve como principal contribuição um enfoque sistematizado das interações das firmas em oligopólio, bem como dos fatores que propiciam a estabilidade de uma interação coordenada, em especial, de uma colusão tácita. Entretanto, entre as principais limitações da Teoria dos Jogos como pilar da teoria do oligopólio está a possibilidade de múltiplos equilíbrios sob esquemas de repetição infinita. Sendo assim, o problema principal é a dificuldade de aplicação e predição dos modelos teóricos propostos, uma vez que estes geram inúmeros equilíbrios possíveis e não explicam como as firmas conseguem escolher ou alcançar um destes. Como resultado direto, a existência de inúmeros equilíbrios possíveis leva a dificuldade de cunho prático para as firmas exercerem colusão tácita, tendo em vista que, neste caso, as firmas não usam de acordos explícitos8. Apesar destas limitações de aplicação, o desenvolvimento da Teoria do Oligopólio no decorrer do tempo mostrou, portanto, não só que a colusão ou a coordenação, ainda que não como resultado de uma negociação explícita, é um resultado bastante provável em oligopólios, mas também que, por existirem condições e fatores limitadores à sua execução, esta não ocorre necessariamente e pode ser evitada. A partir deste referencial teórico, é possível desenvolver e comprovar as condições necessárias (mas não suficientes9), levantando as possíveis características pertinentes, como as formuladas pela teoria evolucionária/neo-schumpeteriana. Ver Dosi (1984) e Nelson & Winter (2002). 7 Para uma revisão mais detalhada, ver Pires-Alves (2006). 8 Esses naturalmente combatidos pela legislação antitruste no Brasil e na maioria dos países. 9 As firmas podem não conseguir se coordenar, mesmo com todas as características favoráveis para atingirem um consenso e não serem capazes de detectar desvios com rapidez e clareza ou de implementarem esquemas de punição críveis. 6 facilitadoras ou limitadoras para a existência de colusão em um dado mercado. Dentre essas características, é possível destacar como as mais importantes a existência de: concentração/ número pequeno de firmas, barreiras à entrada, interação repetida, ordens freqüentes e pequenas, contatos em vários mercados, firmas simétricas, homogeneidade dos produtos, excesso de capacidade, condições estáveis de demanda, elasticidade da demanda e, finalmente, poder de mercado do comprador10. Tais características possuem efeitos positivos, negativos ou ambíguos para a possibilidade de colusão (Quadro 1).11 Quadro 1 – Características dos Mercados e seus Efeitos para a Colusão Fatores e Efeitos* Concentração/número pequeno de firmas: + Barreiras à entrada: + Interação repetida: + Ordens freqüentes e pequenas: + Firmas simétricas: + Condições estáveis de demanda: + Poder de mercado do comprador: Homogeneidade dos produtos: +/Excesso de capacidade: +/Contatos em vários mercados: +/Elasticidade da demanda: +/Fonte: Elaboração própria. *Legenda: +: favorável; -: desfavorável; +/-: ambíguo. Como uma última questão no que se refere à teoria sobre a formação de preço e com relação direta ao tema a ser tratado no projeto está a discussão feita, no plano teórico fora do arcabouço convencional12, sobre a rigidez de preços em mercados de estrutura oligopolística. Dentre tais contribuições, destacam-se: o conceito de demanda quebrada, de Hall e Hitch (1939) e Sweezy (1939), o princípio de custo total, também de Hall e Hitch (1939) e o conceito de grau de monopólio, de Kalecki (1954). Hall e Hitch (1939) e Sweezy (1939) introduzem o conceito de “curva de demanda quebrada”, para explicar a rigidez dos preços em mercados oligopolísticos frente a alterações na demanda ou nos custos, a partir da ideia de que existe uma descontinuidade da elasticidade-preço da demanda. De acordo com esse conceito, a elasticidade-preço da demanda seria maior para aumento de preços e menor para reduções, fundamentado na percepção de que, em estruturas de oligopólio, a interdependência das ações tornaria maior a probabilidade de acompanhamento pelas rivais de redução de preços do que de aumento. Tal propriedade geraria uma faixa de 10 Essas características normalmente compõem o que se chama, na Teoria Antitruste, de Check List, usada para analisar a possibilidade de coordenação em um dado mercado, que define uma série de fatores a serem considerados, citados tanto na literatura, quanto nos próprios Guidelines das autoridades antitruste. 11 12 A análise de cada um desses efeitos é realizada em Pires-Alves (2006). Para uma revisão detalhada sobre o assunto, ver Possas (1990), cap. 1. 7 descontinuidade na receita marginal, tornando o preço invariável a alterações (moderadas) na demanda e no custo13. Já Hall e Hitch (1939), a partir de pesquisa empírica, chegaram à conclusão que o processo de formação de preços para empresas oligopolistas tratava-se de uma recomposição de margem. Conhecido como “Princípio do Custo Total”, o conceito propõe que as empresas determinam seus preços aplicando uma margem sobre o custo direto, de modo a cobrir os custos indiretos e garantir uma determinada margem de lucro. A racionalidade por trás dessa “regra de bolso” seria a maior facilidade de manutenção de esquemas – naturalmente frágeis - de coordenação tácita de preços, trazendo maior previsibilidade às ações das empresas no mercado e reduzindo a probabilidade de cortes indesejáveis no preço vigente. Como resultado deste comportamento, prevê-se uma maior rigidez nos preços em função de alterações na demanda, retirando desta variável um papel determinante neste processo14. Sob esse prisma, torna-se relevante o papel dos estoques como válvula de escape em substituição aos indesejáveis ajustes via preço (Scherer, 1979, p. 37-47; Possas, 1990, p. 34). Em Kalecki (1954), o preço da firma aparece como função linear do custo direto unitário e do preço médio. Esse último é influenciado pela forma como as empresas concorrem. A alteração nos parâmetros que repassam esses dois efeitos ao preço cobrado define o poder de mercado da empresa, seja pela maior possibilidade de repassar aumento de custos, seja pelo seu diferencial de preço em relação às concorrentes. O grau de monopólio da firma seria calculado pela razão entre o preço e o custo direto unitário15, quando o preço médio é igual ao preço da firma. Segundo essa análise, o grau de monopólio depende da estrutura competitiva do mercado e da relação das empresas com os demais agentes que influenciam o mercado (fornecedores e concorrentes). Como uma “ramificação teórica do princípio do custo total”, o modelo também traz consigo a idéia de rigidez de preços frente a alterações conjecturais de demanda. Assim, da breve e não extensiva revisão feita acima, conclui-se ser complexo o exame do processo de formação de preço frente a alterações na demanda e nos custos derivados de uma política monetária. Tal complexidade é ainda mais acentuada para análises de uma estrutura industrial na qual prevalecem mercados formados por poucas empresas, ou oligopólios, onde a interdependência é acentuada. Nesses casos, torna-se importante o exame cuidadoso do processo de formação de preço, levando em consideração variáveis estruturais e comportamentais que definam o grau de interdependência das empresas e as condições para a ação colusiva, bem como a capacidade ou disposição de resposta - seja por preço, quantidade, ou mesmo estoque frente às variações provocadas por alterações na política monetária. 13 Supõe-se verdadeira a utilização do princípio de maximização de lucro pela equalização do custo marginal à receita marginal. 14 A influência da demanda pode ser parcialmente resgatada, segundo admitem os próprios autores, por uma consideração de que as margens de lucro não são constantes e uniformes entre tendem a variar de acordo com o crescimento (rápido) da demanda ou com a sua elasticidade-preço (e seu grau de competição em preços) (Possas, 1990). 15 Ou o grau de monopólio médio, quando estendido para todo o mercado. 8 3. A Visão Pós-Keynesiana: embrião de abordagem micro-macro integrada Longe de apresentar um corpo teórico fechado, o presente item busca resgatar elementos teóricos de diferentes autores de filiação pós-Keynesiana e do próprio Keynes que ofereçam insights para o desenvolvimento de uma abordagem micro-macro integrada do processo inflacionário. O ponto de partida desta abordagem é o reconhecimento de que o nível geral de preços reflete basicamente o comportamento do nível de preços específico de cada indústria. Como destaca Keynes (2007: p. 229): Em uma indústria específica, o seu nível de preços depende, em parte, da taxa de remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em parte, da escala de produção. Não há motivo algum para modificar essa conclusão quando passamos à indústria em conjunto. O nível geral de preços depende, em parte, da taxa de remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em parte, da escala global da produção. Ainda neste sentido, vale uma consideração: o nível geral de preços nada mais é que uma média ponderada dos diferentes níveis de preço vigentes na economia. Logo, os elementos que governam o nível de preços em cada indústria são, por definição, os mesmos que governam o nível geral de preços. Este é, portanto, o primeiro link entre a macro e a microeconomia. Como proposto por Keynes, para uma economia que opere abaixo do pleno emprego, o nível geral de preços tenderá a se elevar por duas principais razões. A primeira é resultado da elevação da produção obtida por determinado estoque de capital, independentemente de variações na unidade de salário, em função dos custos marginais crescentes. Essa pressão poderia ser arrefecida por ganhos de produtividade que anulassem os custos marginais crescentes. A segunda razão é que o nível geral de preços tenderia a se elevar conforme se eleva a unidade de salários (o custo do trabalho), já que existem pressões latentes para a elevação dos salários por parte dos sindicatos e trabalhadores, ainda que descontínuas ao longo do tempo. Em outros termos, Keynes explicita que a inflação tem sua origem tanto nos custos da produção quanto na demanda, refletida no nível de produto e emprego. O autor coloca que estas últimas pressões, contudo, poderiam ser arrefecidas por ganhos de produtividade que aliviem os custos crescentes da produção. Logo, a demanda é um fator de pressão inflacionária apenas à medida que eleva os custos para os empresários – este é o caso quando se ultrapassa o pleno emprego. Estas proposições de Keynes são tratadas com maior rigor formal no modelo desenvolvido por S. Weintraub (1961). Este autor assume que: Z k W (3) Onde: Z indica o produto nominal da economia; W: a massa salarial nominal; e k: o mark-up sobre custos. Vale observar que esta equação valeria também para uma indústria específica. Quebrando o produto e salário nominais da equação (3), temos que: 9 P Q k w N (4) Onde: P representa o nível geral de preços; Q: o produto real; w: o salário médio por trabalhador; e N: o número de empregados. Isolando o nível geral de preços P, obtemos: P k w N Q (5) Note-se que N/Q representa o produto médio por trabalhador. Ou seja, uma medida da produtividade do trabalho. Chamando de A esta razão, de (5) obtemos: P k w A (6) Aplicando a função logarítmica em (6) e derivando em relação ao tempo, obtemos: ln P ln k ln w ln A P k w A (7) De acordo com a equação (7), a inflação é explicada por três fatores: i) a evolução do mark-up agregado sobre custos, variável ligada diretamente a estrutura de mercado; ii) o comportamento dos salários, que se torna um fator tão mais relevante quanto menor for o nível de desemprego, em linha com a curva de Phillips (1958); e iii) a evolução da produtividade do trabalho. Logo, não apenas a evolução dos salários, mas também outros fatores (k e A) são relevantes para uma explicação geral do fenômeno inflacionário. O que há de comum, contudo, é reconhecer que assim como a inflação em determinada indústria tem maior sensibilidade aos custos, o tem a inflação “agregada” – retomando o argumento de Keynes. O fenômeno inflacionário teria, portanto, sua origem no componente de custos e não na demanda, como propõe o arcabouço do RMI. Tal proposição tem implicações relevantes para o modus operandi da política monetária, em especial, pelo papel desempenhado pela taxa de juros. Considerando um modelo mais específico para a precificação numa indústria oligopolizada, formulado por A. Eichner (1970), podemos obter conclusões sobre este papel. Numa estrutura oligopolizada, empresários investem e determinam seus preços considerando uma série de custos. Em especial, consideram a estrutura de capital à qual estarão submetidos no processo de financiamento de seus investimentos como uma função dos custos relativos à utilização de capital próprio e de terceiros neste processo. Se optam a favor de recursos próprios e têm poder discricionário, os empresários podem elevar os preços de modo a intensificar a acumulação interna de recursos para investir. Esta elevação, no entanto, encontra um teto, delimitado pela perda de marketshare derivada ou da substituição do produto “mais caro” por outro no mercado ou da entrada de novas firmas, antes na franja de custos, neste mercado (Eichner, 1970). 10 Este “teto” é na realidade um custo virtual que se comparado com a receita esperada sem a perda de market-share determina uma “taxa de juros” dos recursos internos. Quanto mais intensa a elevação do preço, maior tende a ser esta taxa (isto é mais custoso é usar a elevação de preço como fonte de recursos). O empresário tem, portanto, uma base de comparação para as taxas de juros de mercado, a fim de decidir por sua estrutura de capital. Desse modo, numa estrutura de mercado oligopolizada, uma taxa de juros mais elevada significa que o custo de utilizar recursos de terceiros é alto. Neste caso, as firmas optariam por recursos próprios, se valendo mais freqüentemente de elevações de preço para acelerar o ritmo de acumulação interna de recursos. Em outras palavras, taxas de juros mais elevadas ampliam a margem de “perdas” relativas ao aumento de preço a qual as firmas oligopolistas podem suportar (efeito substituição e efeito entrada), fazendo com que as mesmas pratiquem preços mais elevados e elevem mais intensamente os preços do que numa situação onde taxas de juros mais baixas vigorariam. Além disso, a elevação da taxa de juros inibe diretamente o consumo e o investimento, sem, contudo, eliminar a causa do processo inflacionário. Por este canal, o efeito que se tem sobre a dinâmica inflacionária é extremamente perverso: ao inibir o investimento o aumento dos juros inibe a expansão da capacidade instalada, o que pode, num novo round inflacionário, aumentar a pressão sobre o grau de capacidade instalada e, em algum momento, criar uma pressão adicional de demanda que se transmitirá aos custos, intensificando o processo inflacionário. O caso brasileiro nos últimos anos parece validar os insights teóricos derivados acima. A inflação, medida pelo IPCA, foi mais relevante nos setores de alimentos e bebidas, vestuário e despesas pessoais. Não por acaso os setores industriais que passaram por um processo mais intenso de concentração foram o de fabricação de bebidas e outros produtos alimentícios, produção de óleos, gorduras vegetais e tecelagem (Rocha et alli, 2010). A ponte entre a macro e a microeconomia estaria estabelecida também por este canal: o da concentração e do grau de oligopolização das indústrias específicas. Conjugando o que foi exposto no item 2.3 com a teoria macroeconômica de Keynes e pós-Keynesianos. Além disso, a dinâmica de cada setor industrial seria relevante para determinar a produtividade de cada um e, portanto, determinar a evolução de A – que alivia as pressões inflacionárias. Este elemento também configura uma ponte entre a macro e a micro. 4. Os fatores microeconômicos na determinação de índice de preços setoriais: a literatura empírica Os fatores microeconômicos e relativos à estrutura de mercado no comportamento inflacionário foram objetos de discussão em trabalhos empíricos, que se dedicaram a explicar, principalmente: (i) a dispersão setorial na inflação; (ii) a defasagem setorial de ajustes de preços; (iii) as diferenças nos padrões de aumentos de preços e sua relação com a estrutura do mercado; (iv) a sincronia no aumento de preços; (v) o efeito cost-push, a teoria full cost price e sua relação com mercados concentrados; (vi) a rigidez de preços entre setores e a influência na PM; e (vii) o efeito da PM desagregado setorialmente. 11 A hipótese de que a rigidez nos preços varia entre setores da economia foi testada por uma gama de estudos. Weiss (1966), por exemplo, reuniu evidências para concluir que a inflação percebida nos Estados Unidos durante a década de 50 e 60 era de custo e não de demanda e que os preços aumentaram mais que proporcionalmente do que os custos nos setores mais concentrados, ainda que temporariamente. Já Cagan (1974), preocupado em tratar da maior propensão de aumento de preços em setores concentrados e da defasagem dos ajustes de preços nesses setores, testou a mudança de padrões de mudança de preços a partir da relação entre a variação anual de preços (variável dependente) e a variação no custo unitário de mão de obra, de material, e uma medida de concentração do setor (variáveis independentes). Encaoua e Geroski16 (1986), após analisarem os mecanismos de transmissão de choques em setores classificados de acordo com o grau de concentração, abertura e nacionalidade da empresa em cinco países, encontraram os seguintes resultados: (i) os ajustes de preços são mais lentos em setores com menor grau de concorrência (empresas em setores mais competitivos são mais lentas em incorporar novas informações nos seus planos e se ajustar aos mesmos); (ii) os setores mais concentrados e fechados apresentam maior grau de inflexibilidade e tal característica não é contínua; (iii) os efeitos de demanda são presentes, para a maioria dos países estudados, contudo apenas em mercados competitivos. Na mesma linha, Domberger e Fiebig (1993) exploraram dois questionamentos: (i) se os preços se movimentam de forma sincronizada; e (ii) se a distribuição dos preços exibe algum grau de assimetria. Os autores ressaltaram a importância de se olhar para as assimetrias nas distribuições de mudanças nos preços para se entender os determinantes da extensão da rigidez nos preços e o grau de simetria de ajustes praticados pelas empresas. Quanto maior a concentração, maior simetria nas mudanças dos preços (os ajustes são quase simultâneos em mercados com alto grau de concentração – C4) e menor a volatilidade. Além disso, oligopolistas seguem aumentos de preços mais rapidamente do que reduções. A simetria, de acordo com os resultados, é maior quando o nível de preços está caindo do que quando está aumentando. Zaleski (1992) obteve resultado contrário ao que sugere a teoria para os preços após o choque do petróleo em 1974. Os resultados apontaram que quanto maior a importância de produtos derivados do petróleo na estrutura de custo do setor, maior o aumento de preços sofrido pelo mesmo. Entretanto, a hipótese de price full cost foi rejeitada, uma vez que os resultados obtidos indicaram que mercados competitivos aumentaram mais seus preços após o choque do que os mercados concentrados. Gillen e Garcia (2011) analisaram o impacto de choques nos juros e câmbio a partir do IPCA desagregado em subitens tendo em vista a alteração da dispersão dos preços (sugerindo mudança de preços relativos pós-choque monetário) e encontraram resultados próximos ao de Aoki (2001)17 - que defendeu maior atenção aos setores de 16 Com visão mais ortodoxa sobre o tema. Em artigo teórico, Aoki (2001) tratou das diferenças de impacto de choques monetários, considerando dois tipos de setores, os de preços flexíveis e preços rígidos. O artigo concluiu que a inflação nos setores de preços mais rígidos deve ser considerada como mais representativa para o núcleo da inflação, devido a sua maior persistência, e que, levando esse fato em consideração, o Banco Central deveria ter como meta a estabilização dos preços nesses setores. Da mesma forma, Berriel e Sinigaglia (2008) consideraram a heterogeneidade setorial para a rigidez de preço e uma função de perda de bem estar que depende do quadrado da variância das inflações setoriais e hiatos setoriais. O resultado do artigo levou à conclusão de que haveria um nível de dispersão de preços ótimo e que a heterogeneidade deveria ser considerada. 17 12 preços rígidos nas formulações de política monetária - ao separem os setores entre tradeables e non-tradeables. 5. Considerações Finais O estado das artes da pesquisa sobre os determinantes da inflação possui um viés essencialmente macroeconômico. Além disso, a literatura existente é fortemente condicionada pela visão ortodoxa sobre política monetária, seus canais de transmissão e sua interpretação acerca das causas da inflação. Neste último aspecto, deve-se ressaltar que o RMI tem como foco um tipo específico de inflação, a demanda. Este diagnóstico pode apresentar problemas em função da presença de dois elementos cruciais, de ordem microeconômica: i) padrões de concorrência distintos do modelo de concorrência perfeita, em que se destacam os oligopólios, e as suas implicações para o repasse de variações de custos; e ii) a rigidez de preço, especialmente para baixo, a variações na demanda. Assim, questiona-se a adequação do uso do RMI. A definição de um arcabouço teórico alternativo, que ofereça uma explicação mais completa para o fenômeno inflacionário deve envolver, necessariamente, uma abordagem micro-macro integrada. A visão monetarista ortodoxa do processo de formação de preços implícita na descrição convencional do mecanismo de transmissão da política monetária (seção 1) omite importantes fatores na determinação do nível geral de preços. Com o intuito de contornar essa séria limitação, propõe-se uma abordagem integrada micromacroeconômica, de caráter marcadamente heterodoxo, que englobe os fatores omitidos pela teoria ortodoxa. Conforme a figura 2, além dos cinco canais de transmissão da política monetária contemplados pela teoria ortodoxa, propõe-se a inclusão de canais adicionais, que levem em conta as estruturas de mercado e os padrões de concorrência, como variável explicativa do processo de formação do nível geral de preços. Assim, pretende-se chamar atenção para a relevância e abrir espaço para a inclusão dos variados canais de transmissão associados aos fatores microeconômicos. Particularmente propõe-se a introdução de dois canais: i) crédito-custo; e ii) câmbio-custo. O primeiro é um canal perverso: um aumento na taxa de juros contribui para uma elevação da inflação. Trata-se de uma razão para o que a literatura ortodoxa chama de price puzzle: a evidência empírica mostra que diante de um choque (positivo) de taxa de juros a inflação inicialmente se acelera. Esse comportamento, apesar de não encontrar respaldo na teoria ortodoxa, se tornou espécie de regra em modelos VAR (Eichenbaum, 1992; Walsh, 2003, cap. 1).18 A explicação convencional é que se trata de um problema de má especificação: as variáveis incluídas no modelo não esgotam o conjunto de informação à disposição do BC (Sims, 1992).19 Quanto maior a rigidez setorial, maior o peso, porque geram maior distorção na resposta a choques exógenos, sendo, portanto, os preços desses setores mais relevantes para a política monetária. 18 Esse fenômeno também foi identificado para a economia brasileira, por exemplo, por Luporini (2007) e Araújo e Modenesi (2010). 19 Partindo dessa premissa, Christiano et al. (1996) e Sims e Zha (1998) eliminam o puzzle com a introdução de um índice de preço de commodities. 13 Propomos aqui uma motivação alternativa para o price puzzle, fundada na existência de um canal de custos na transmissão da política monetária. Uma elevação da taxa de juros aumenta o custo de produção das firmas que – dependendo de seu poder de mercado e das condições de demanda – pode ser repassado para preços. Assim, em um primeiro momento, uma contração monetária gera um aumento de custos que se transmite mais rapidamente para os preços. Posteriormente, uma elevação dos juros desaquece a economia e, finalmente, impacta negativamente a inflação. O puzzle surgiria, portanto, de um descompasso entre os efeitos da política monetária sobre os custos de produção – que são mais imediatos – e seus impactos defasados sobre a demanda agregada e, por fim, nos preços. O canal câmbio-custo funciona com o sinal esperado e reforça o canal câmbiodemanda (que opera via exportações líquidas). Assim, uma valorização cambial – ao tornar mais barata a importação de máquinas, equipamentos e insumos – contribui para uma redução dos custos de produção. Dependendo das estruturas de mercado e das condições de demanda, essa redução dos custos será repassada aos preços finais, concorrendo para o arrefecimento da inflação. FIGURA 2 – Mecanismo de Transmissão da Política Monetária: abordagem micromacroeconômica heterodoxa Taxas de Juros Investimento Privado Preço de Ativos Consumo B. Duráveis Expectativas Demanda Agregada Exportações Líquidas SELIC Crédito Câmbio DA Preços Externos Inflação Choques Externos Estruturas de Mercado Crédito Custo (-) Custos Câmbio Custo Preços de insumos e BK importados Fonte: elaboração própria Em suma, os principais bancos centrais apresentam mecanismo de transmissão da PM privilegiando o papel das condições de demanda agregada, omitindo-se os fatores microeconômicos na determinação da inflação. Essa omissão pode ser enganosa e a autoridade monetária deve levar em conta fatores dessa natureza ao fixar a taxa 14 básica de juros. Caso contrário, a dinâmica dos preços em resposta a um impulso monetário pode assumir trajetória distinta daquela esperada pelo banco central. É razoável considerar que, em geral, setores oligopolizados (com maior poder de mercado) tendem a ser mais inflacionários por pelo menos duas razões: i) têm maior capacidade de repassar para os preços aumentos de custo; e ii) podem ser relativamente imunes aos efeitos contracionistas da PM, visto que não necessariamente concorrem via preço. Assim, a reação a um choque de preço em setores com diferentes níveis de poder de mercado deveria resultar em uma resposta diferenciada por parte do banco central. Referências ARAÚJO, E. e MODENESI, A.M. (2010a). “Custos e Benefícios do Controle Inflacionário no Brasil (2000-2008): uma análise empírica do mecanismo de transmissão da política monetária com base em um modelo VAR,” Anais do XXVIII Encontro Nacional de Economia (ANPEC). Salvador, dezembro. AOKI, K. (2001). 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