CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL WILIANA AZEVEDO MEDEIROS O SERVIÇO SOCIAL E A ASSISTÊNCIA SOCIAL EM MARACANAÚ – CE: HISTÓRIA, AVANÇOS E LIMITES FORTALEZA 2012 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL WILIANA AZEVEDO MEDEIROS O SERVIÇO SOCIAL E A ASSISTÊNCIA SOCIAL EM MARACANAÚ – CE: HISTÓRIA, AVANÇOS E LIMITES FORTALEZA 2012 WILIANA AZEVEDO MEDEIROS O SERVIÇO SOCIAL E A ASSISTÊNCIA SOCIAL EM MARACANAÚ – CE: HISTÓRIA, AVANÇOS E LIMITES Monografia submetida à aprovação da Coordenação do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense, como requisito parcial para obtenção do diploma de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª. Ms. Sandra Costa Lima. FORTALEZA 2012 M488s Medeiros, Wiliana Azevedo. O Serviço Social e a assistência social em Maracanaú – CE: história, avanços e limites / Wiliana Azevedo Medeiros. – 2012. 75 f. ; il. Orientador: Profª. Ms. Sandra Costa Lima. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2012. 1. Serviço Social - Brasil. 2. Assistente social. 3. Assistência social - Maracanaú (CE). I. Lima, Sandra Costa. II. Título. CDU 364-783(813.1) Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867 CDU 338.48-027.561 CDU 656(813.1) CDU 658.155 WILIANA AZEVEDO MEDEIROS O SERVIÇO SOCIAL E A ASSISTÊNCIA SOCIAL EM MARACANAÚ – CE: HISTÓRIA, AVANÇOS E LIMITES Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: 11/01/2013. Dedico este trabalho à minha mãe Maria dos Anjos Azevedo de Medeiros, como minha base de força e coragem. AGRADECIMENTO Em primeiro lugar a Deus, por toda sua força divina, sempre foi meu porto seguro quando o medo insistia em prevalecer nas horas de fraqueza. A todos meus familiares, em especial meus pais, William e Maria dos Anjos, que são minha base de determinação e conquistas, minhas irmãs, Wilsangella e Verangella. Aos meus amigos que, junto a mim, fizeram parte dessa jornada, David Bezerra, Edna Rosa, Patrícia Monte e aos demais que compuseram a primeira turma de Serviço Social da FAC. As pessoas que compõem o CRAS Antônio Justa e Piratininga, em especial a supervisora de campo Lenilúcia Gomes, e as demais amigas, Leidiane Chaves, Érica Souza, Mônia Moura e Eliane Aguiar. Aos meus professores do Curso de Serviço Social que contribuíram para minha formação profissional, e especialmente as Professoras Sandra Lima, Eliane Nunes e Cristiane Porfírio, obrigada pela paciência, não apenas como integrantes da banca, mas como mestres significativos na minha vida acadêmica. Aos meus amigos da ―escola da vida‖, que contribuíram cada um do seu jeito, no seu tempo, pra ajudar a me tornar quem eu sou hoje. A todos que por algum motivo me ajudaram e pediram a Deus por mim para que eu pudesse chegar a essa conquista, pessoas presentes no meu dia-a-dia. RESUMO A presente monografia trata-se de uma pesquisa bibliográfica, documental e de campo, de cunho quantitativo e qualitativo, que discorre sobre o processo histórico da política social de assistência e o Serviço Social no Brasil, enfatizando o Serviço de Proteção e Assistência Integral a Família – PAIF e o assistente social como principal executor deste serviço, tendo como campo de pesquisa no Centro de Referência de Assistência Social - CRAS do município de Maracanaú – Ce buscando analisar o destaque que a política de Assistência Social adquire dentre as políticas de Seguridade Social e os rebatimentos deste fenômeno no exercício profissional dos assistentes sociais enquanto profissionais da proteção social básica. Entre os dez CRAS existentes em Maracanaú – Ce foram estudados dois, são eles: Antônio Justa e Piratininga. No tocante de experiências particularmente presenciadas no estágio num CRAS durante a vida acadêmica e na observação empíricas e questionamentos teóricos e políticos da prática profissional das assistentes sociais diante do modelo de sociedade que vivemos, onde impõe a este profissional conviver numa dicotomia entre os interesses públicos e privados. Durante a pesquisa foi possível assimilar claramente as evoluções históricas da Política de Assistência Social no município, os limites encontrados para um fazer profissional adequado ao usuário e suas necessidades como a falta de verba destinada para concessão de benefícios, o número insuficiente de profissionais para prestar serviço de qualidade aos usuários da política de assistência, bem como limitações estruturais nas instituições pesquisadas. Palavras Chaves: Política Social. Serviço Social. Assistência Social. Trabalho. ABSTRACT This monograph it is a literature, documentary and field, of a quantitative and qualitative, which discusses the historical process of social policy and social service assistance in Brazil, emphasizing the Office of Protection and Assistance Integral Family - PAIF and the social worker as the main executor of this service, with the field of research at the Center for social Assistance Reference - CRAS the town of Maracanaú - Ce seeking to analyze the prominent policy Welfare gains from the policies of Social Security and the aftermaths this phenomenon in the practice of social workers as professionals of basic social protection. Among the ten existing Maracanaú CRAS - Ce were studied two, they are: Antonio Justa and Piratininga. In terms of experience particularly in CRAS witnessed on stage during the academic life and in empirical observation and theoretical and political questions of the professional practice of social workers on the model of society we live in, where enforces this professional live a dichotomy between public and private. During the research it was possible to clearly grasp the historical developments of the Social Assistance Policy in the city, found the limits for a professional to do the appropriate user and their needs as the lack of funds meant for granting benefits, the insufficient number of professionals for service quality to the users of welfare policy as well as structural constraints in the institutions surveyed. Key Words: Social Policy. Social Service. Welfare. Work. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: População residente em Maracanaú por faixa etária entre 2000 e 2010 Gráfico 2: Participações dos setores econômicos no produto interno bruto em Maracanaú Gráfico 3: Taxa de crescimento do PIB nominal por setor econômico no município e no estado do Ceará entre 2005 e 2009 Gráfico 4: Distribuição percentual das cinco maiores despesas de Maracanaú em 2009 Gráfico 5: Faixa salarial dos sujeitos da pesquisa LISTA DE TABELAS Tabela 1: Área de desenvolvimento local e bairros correspondentes Tabela 2: Evolução referente a implantação dos CRAS‘s Tabela 3: Rede socioassistencial 2005 -2012 Tabela 4: Evolução do setor pessoal da SASC entre 2007 e 2012 Tabela 5: Quantitativos de famílias em vulnerabilidade dos campos de pesquisa LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADL – Área de Desenvolvimento Local BPC – Benefício de Prestação Continuada CADÚNICO – Cadastro Único CRAS - Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social GESUAS - Gestão do Sistema Único de Assistência Social CF – Constituição Federal CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CRESS – Conselho Regional de Serviço Social CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviço LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social MDS – Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome NOB – Normas Operacionais Básicas PAIF – Serviço de Proteção e Assistência Integral a Família PBF – Programa Bolsa Família PIB – Produto Interno Bruto PNAS – Política Nacional de Assistência Social RH – Recursos Humanos SASC – Secretaria de Assistência Social e Cidadania SIBEC – Sistema de Gestão de Benefícios SUAS – Sistema Único de Assistência Social UECE – Universidade Estadual do Ceará SUMÁRIO Lista de Gráficos Lista de Tabelas Lista de Abreviaturas e Siglas INTRODUÇÃO..............................................................................................................14 1. Compreendendo a Política Pública de Assistência e o trabalho do assistente social na Proteção Social Básica..........................................18 1.1 Serviço Social, Políticas Públicas e Assistência Social no Brasil........30 1.2 O trabalho do Assistente Social na Política de Assistência Social......34 2. A Política de Assistência Social em Maracanaú: do primeiro damismo à política pública.......................................................................................41 2.1 A Assistência Social em Maracanaú.....................................................45 2.2 Trabalhadores da Assistência Social em Maracanaú............................48 3. A Política de Assistência Social em Maracanaú: uma visão dos assistentes sociais enquanto trabalhadores do PAIF.................................53 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................67 APÊNDICE........................................................................................................71 ANEXOS...........................................................................................................75 INTRODUÇÃO No início de 2010 me inscrevi na seleção para estagiários de Serviço Social na Secretaria de Assistência Social e Cidadania – SASC, no município de Maracanaú, onde fui uma das selecionadas, sendo lotada no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Antônio Justa. Em maio de 2010 ingressei na instituição sob forte discussão sobre as atividades que fui designada. Todo o equipamento de assistência social básica do município passava por uma grande carência de mão de obra para realizar o Cadastro Único do Governo Federal - CadÚnico, instrumento este necessário a população, pois é a porta de entrada para todo o acesso do usuário a qualquer serviço ou benefício ofertado aos usuários da assistência social neste município. No entanto, sendo o trabalho do assistente social um espaço de reflexões e debates existem divergências de pensamentos entre esses profissionais sobre a realização de preenchimento de cadastro ser ou não de competência profissional do assistente social, consequentemente, as assistentes sociais, que seriam minhas supervisoras de campo, não aceitavam que fosse realizada tal atividade, pois defendiam que preencher cadastro para CadÚnico não seria de competência profissional da categoria e recusavam-se a supervisionar os novos estagiários. Inicialmente, tive como técnica responsável a coordenadora do CRAS Antônio Justa, que era assistente social, e realizei cadastro para o CadUnico durante os dois primeiros meses. Posteriormente, com a contratação de trabalhadores através de contratos temporários e depois concursados de nível de ensino médio, iniciei o acompanhamento efetivo das atividades do Serviço Social e tive como supervisora uma das assistentes sociais do CRAS responsável pela realização direta do PAIF. Nos primeiros meses de estágio me deparei com questões sobre a regulamentação profissional, bem como as atribuições e competências do assistente social. Concomitantemente, aguçou-me o interesse para obter um maior aprofundamento sobre o trabalho profissional e o contexto em que os assistentes sociais eram submetidos para exercer seu trabalho de forma 14 coerente e identificar a organização da Proteção Social Básica no município, bem como me apropriar dos saberes e práticas deste profissional. Paralelamente ao estágio em Maracanaú, eu realizava estágio curricular no Instituto de Promoção da Nutrição e do Desenvolvimento Humano – IPREDE, localizado em Fortaleza, o que me fez ter um parâmetro para comparação entre os dois espaços, sua gestão e as diferentes formas de intervenção que cada assistente social tinha. A minha percepção enquanto estagiária nas duas instituições citadas despertou em mim a curiosidade de compreender melhor os princípios que orientam o trabalho da assistente social, quais suas competências e atribuições, especificamente junto a Política de Assistência Social. Este trabalho pretendeu alcançar os objetivos de: construir o perfil socioeconômico das assistentes sociais que trabalham na Proteção Social Básica, identificar a organização desta no município de Maracanaú, bem como descrever os saberes e práticas das assistentes sociais nos CRAS, identificando os referenciais ético-teórico-metodológicos apropriados na intervenção profissional. Durante estágio de dezessete meses no CRAS Antônio Justa, compreendendo o período de maio de 2011 à outubro de 2012, foi possível acompanhar também a realidade de uma comunidade repleta de vulnerabilidades e particularidades. Como veremos no decorrer deste trabalho monográfico, as atividades realizadas pelas técnicas responsáveis pelo PAIF na instituição e acompanhadas por mim, particularizadas ou em grupos, provocaram uma inquietação e algumas indagações sobre o trabalho da assistente social junto às famílias assistidas pelo CRAS. Durante o período referido acima, foi possível participar das atividades cotidianas e apreender características das assistentes sociais inseridas nos CRAS, bem como questionar sobre a intervenção profissional das mesmas e estrutura da política onde estão inseridas, como o de uma política cada vez mais seletiva, limitando-se apenas a atender aqueles que mais necessitam. 15 Consoante a minha prática no estágio, atentei para as primeiras disciplinas da faculdade, como Seminário de Serviço Social I e as de Fundamentos Histórico-metodológicos de Serviço Social, que remontavam todo histórico da Política de Assistência Social e também do reconhecimento do Serviço Social como profissão para compreender a realidade complexa e contraditória na qual os usuários do CRAS estavam inseridos. A pesquisa elaborada neste trabalho monográfico possui cunho qualitativo e quantitativo; tem como área de pesquisa os CRAS Antônio Justa e Piratininga, ambos situados no município de Maracanaú, abrangendo todas as assistentes sociais trabalhadoras nestes, no total de 5 (cinco), durante o período de outubro à dezembro de 2012. As técnicas utilizadas para obtenção de informações foram: aplicação de questionários e realização de entrevistas. O campo escolhido foi de fácil acesso, sendo exigido apenas o ofício para a pesquisa. Para as entrevistas, a disponibilidade das assistentes sociais foi limitada devido ao pouco tempo livre no equipamento. Dessa forma, elaboramos este trabalho monográfico em três capítulos. O primeiro capítulo intitulado: ―Compreendendo a Política Pública de Assistência Social no Brasil e o trabalho do assistente social na Proteção Social Básica‖ tem como objetivo discorrer brevemente sobre o histórico da Política de Assistência Social no Brasil tecendo considerações sobre seus marcos legais, debate teórico e sua organização; como também buscamos resgatar a inserção do Serviço Social nesta política, seus percursos até chegar ao atual projeto ético-político. O presente capítulo aborda também sobre o trabalho do assistente social e a política de assistência social. O segundo capítulo intitulado: ―A Política de Assistência Social em Maracanaú: do primeiro damismo à política pública‖ é dedicado a tratar brevemente sobre o histórico cultural, econômico e político do município de Maracanaú; abordar considerações sobre a Assistência Social no município; apresentar o perfil socioeconômico dos sujeitos da pesquisa a fim de situar a discussão que se desenvolveu sobre a temática. Por sua vez, o terceiro capítulo apresentará as principais análises sobre o trabalho do assistente social, analisando os saberes e práticas desses profissionais na Proteção Social Básica (CRAS), bem como identificar a 16 apropriação dos referenciais ético-teórico-metodológicos na intervenção profissional no município de Maracanaú. O terceiro capítulo tem como título: ―A Política de Assistência em Maracanaú: uma visão dos assistentes sociais enquanto trabalhadores do PAIF‖ retratando a pesquisa de campo, trazendo a síntese das entrevistas e questionários aplicados, buscando discorrer sobre o cotidiano e percepções dos sujeitos da pesquisa. Por último, as considerações finais, enquanto síntese da compreensão de todos os elementos que envolvem o objetivo da pesquisa, entendendo a realidade na qual as assistentes sociais estão inseridas enquanto trabalhadoras do PAIF, uma vez que a atividade da pesquisa social consiste numa aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota e fazendo uma combinação particular entre teoria e dado empírico, a fim de interpretar e evidenciar os aspectos mais relevantes do objeto estudado. 17 1. Compreendendo a Política Pública de Assistência e o trabalho do assistente social na Proteção Social Básica Para que possamos contextualizar o trabalho do Assistente Social na Política Pública de Assistência Social faz-se necessário discorrer brevemente sobre o surgimento desta no Brasil. Neste país, a política pública desenvolveu-se com marcas de suas particularidades históricas. O primeiro marco deu-se pelo processo de colonização entre os séculos XVI e XIX, onde a sociedade e a economia eram subordinadas ao mercado mundial e dependia dos interesses e mercados longínquos. Outro marco foi o escravismo que condensou historicamente os valores, a cultura, a ética e a estética social que nos permeiam na contemporaneidade. Com a Independência Brasileira, o poder passa a ser exercido de fora para dentro com formas liberais, sem romper com o mercado externo. O Estado é visto como meio de internalizar os centros de decisão política e de institucionalizar o predomínio das elites nativas dominantes, numa forte confusão entre público e privado. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 17) A democracia era comandada pela sociedade civil, da qual faziam parte apenas as classes dominantes e utilizavam o Estado para interesses próprios. Para BEHRING e BOSCHETTI (2009), a Independência criou condições para o ―florescimento do espírito burguês‖, permitindo instalar uma situação de mercado de acordo com possibilidades e limites socioeconômicos e culturais de expansão do mercado interno, numa economia voltada para a exportação. A grande crise que atingiu a economia norte-americana em 1929 estendeu seus efeitos ao mundo todo através do comércio internacional. Além da área financeira, atingiu o sistema produtivo. No Brasil, também a materialização da questão social enquanto marco político da intervenção das classes e do Estado acompanha os primeiros passos do capitalismo monopolista, em função da constituição da sociedade urbano-industrial e da consolidação da intervenção do Estado – que, entre nós, rompe com as propostas liberais clássicas a partir dos anos 30. É nesse âmbito que as condições de vida e trabalho dos trabalhadores migram do ambiente privado e familiar para esfera pública, através de lutas e movimentos 18 sociais, exigindo o seu reconhecimento enquanto necessidades de classe, razão de serem tratadas como questão social. (MOTA, 2010, p. 47) O Estado social brasileiro, a partir da década de 1930, passou então a exercer como parâmetro um modelo estatal de intervenção na economia de mercado, que expandiu e fortaleceu o setor público e geriu sistemas de proteção social. Mas é somente quando os trabalhadores se organizam como sujeito coletivo, dando voz aos interesses e necessidades do proletariado enquanto classe, exigindo reformas, melhores condições de trabalho, ganhos econômicos e, no limite, a supressão do capitalismo, que as classes dominantes adotam medidas de enfrentamento da questão social, através da legislação e de algumas reformas sociais. (MOTA, 2010, p. 25) Com a implantação do Estado Novo, em 1937, o Estado brasileiro assume uma política de esvaziamento das organizações dos trabalhadores. Assiste-se a um momento intenso de arrocho salarial e de pauperização em grande parte da população. No início da década de 1940, associada à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o serviço social1 é institucionalizado, espacialmente no âmbito da assistência social, com a criação da Legião Brasileira de Assistência- LBA, contando com campanhas assistencialistas e de forma a provocar a sensibilização da sociedade civil para doações aos intitulados pelo governo de ―mais necessitados‖. Nesta época, o papel da primeira-dama é veiculado aos usuários como ideias de filantropia e de benesse enquanto política paternalista, configurandose como ―assistência social aos pobres‖. O favor atravessou o conjunto da existência nas relações entre os homens, tornando-se mediação quase universal. Na verdade, Getúlio [Vargas] cria uma instituição de bem-estar social para a atuação da primeira-dama. Ele institui a sua esposa na presidência da LBA com o objetivo de buscar a legitimidade do seu governo mediante a tática do assistencialismo de dominação política. (TORRES, 2002, p.86) 1 O primeiro curso de Serviço Social no Brasil surgiu em 1936, em São Paulo, quando se desencadeou no país o processo de industrialização e urbanização, e em 27 de agosto de 1957, através da Lei Federal nº 3252, de 15 de maio de 1962, a profissão foi regulamentada. 19 As Leis Sociais surgem em conjunturas históricas nem sempre proporcionais ao avanço do capitalismo na formação econômico-social. A questão social assume uma nova roupagem a cada período histórico. Segundo IAMAMOTTO (1995, p. 129): ―[...] A nova qualidade que assume a questão social nos grandes centros urbano-industriais deriva, assim, do crescimento numérico do proletariado, dos laços de solidariedade política e ideológica [...]‖. Levadas pelo crescimento do capitalismo e do Estado num contexto 2 liberal , do surgimento das grandes indústrias e, consequentemente, do aumento da sociedade urbana, a classe operária se organizou e questionou suas necessidades transformando-as em questão pública e coletiva. Por força das suas lutas sociais, algumas de suas necessidades e de suas famílias passaram a ser socialmente reconhecidas pelo Estado, dando origem ao que modernamente denominou-se de políticas de proteção social, ancoradas em direitos e garantias sociais. (MOTA, 2010, p. 27) No intuito de situar os acontecimentos do Brasil no contexto mundial salientamos que após a Segunda Guerra Mundial foi instaurada uma aliança entre classes. Este consenso institucionalizou a possibilidade de estabelecimento de políticas governamentais mais baseadas na cidadania, com aumento de recursos para expansão de benefícios sociais, em favor de um amplo sistema de bem-estar, chamado de Welfare State ou Estado de Bemestar social. (...) o Welfere State é um sistema de organização social que procura restringir as livres forças do mercado em três principais direções: a) garantindo direitos a segurança social e grupos específicos da sociedade como crianças, idosos e trabalhadores; b) distribuindo, de forma universal, serviço como saúde e educação; e c) transferindo recursos monetários para garantir renda aos mais pobres, face a certas contingências como a maternidade ou a situação de interrupção de ganhos devido a fatores como doença, pobreza e desemprego. (PEREIRA, 2011, p.177) No último terço do século XX, com a crise no Welfare State levado pelo endividamento externo e orquestrada pela ofensiva neoliberal, o Estado se 2 O liberalismo, alimentado pelas teses de David Ricardo e sobretudo de Adam Smith (2003), que formula a justificativa econômica para a necessária e incessante busca do interesse individual, seja, o individuo agindo em seu próprio interesse econômico, quando atuando junto a uma coletividade de indivíduos, maximizaria o bem-estar coletivo. É o funcionamento livre e ilimitado do mercado que asseguraria o bem-estar. É a ‘mão invisível’ do mercado livre que regula as relações econômicas e sociais e produz o bem comum. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 56) 20 retraiu reduzindo o financiamento das necessidades sociais dos trabalhadores, limitando a responsabilidade estatal apenas no que se refere à segurança pública e ao atendimento daqueles em situação de extrema pobreza. BEHRING e BOSCHETTI (2009) denotam que, na América Latina, especialmente no Brasil, os efeitos da crise do endividamento são: empobrecimento, aumento da demanda indiretamente proporcional a proporção dos direitos, desemprego e favorecimento da produção para exportação em detrimento as necessidades externas. Enquanto os países centrais viviam o ―pleno emprego‖ e a expansão da seguridade, garantindo a reprodução da virtuosidade do crescimento econômico com desenvolvimento social, na periferia mundial assistia-se à defesa da modernização e do desenvolvimentismo como meio de integração menos oneroso desses países à ordem econômica mundial. (MOTA, 2010, p. 27) No Brasil, MOTA (2010) afirma que a consolidação de direitos sociais trabalhistas e a oferta de serviços sociais públicos, ao mesmo tempo em que foram responsáveis pelo reconhecimento da necessidade de proteção social dos trabalhadores, também possibilitaram o surgimento de ideologias que defendiam a possibilidade de compatibilizar capitalismo, bem-estar e democracia. A mesma autora refere a condição de que a questão social não possui o mesmo significado que em tempos atrás; a expressão foi retraduzida inspirada nas novas demandas no decorrer do contexto histórico. No Brasil, da Era Vargas até a ditadura militar, onde foram consolidadas Leis trabalhistas e instituições voltadas ao atendimento dos mais pauperizados com recursos estatais, tendo recaídas no período da ditadura, as expressões da questão social eram tratadas não como caso de política, mas como de polícia, pois seu enfrentamento tinha caráter opressor e era controlada pela classe mais abastada. Como forma de controle, baseada nos interesses neoliberais, o Estado desenvolveu formas de enfrentamento da questão social não de forma efetiva, mas compensatória. Portanto, a política permanece num campo de dicotomia; de um lado serve aos interesses neoliberais de mercantilização dos benefícios e, do outro, regula o financiamento da política restringindo o acesso aos benefícios. 21 A Carta Magna de 1988, em seu art. 194, traz, em parágrafo único, que é de competência do poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social com o objetivo da mesma ser universal na cobertura do atendimento. O princípio da universalidade da cobertura proposto não tem a pretensão de garantir direitos iguais a todos os cidadãos, mas assegura a política de saúde como direito universal, estabelece a assistência como direito aos que dela necessitam (...), mas mantém a previdência submetida à lógica do seguro, visto que o acesso aos direitos é derivado de uma contribuição direta anterior. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 157) Outros objetivos que constam no referido artigo são: uniformidade e equivalência, seletividade e distribuição na prestação de serviços e benefícios, irredutibilidade do valor do benefício, equidade na forma de participação no custeio, diversidade da base de financiamento e, finalmente, caráter democrático e descentralizado da administração. Tais objetivos deveriam provocar profundas mudanças na Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social). Tinham o objetivo maior de permitir a transição de ações desarticuladas para ―um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social‖ (Art. 194 da Constituição Federal de 1998). Os desafios para deslanchar a implementação do conceito ali previsto formalmente já seriam grandes, mesmo em condições nas quais o movimento dos trabalhadores se mantivesse atento e forte, e a crise econômica estivesse sob a condução, no âmbito do Estado nacional, de segmentos com algum compromisso democrático e redistributivo. Já se sabe que o conceito retardatário, híbrido, distorcido ou inconcluso da seguridade social brasileira (...) encontrou dificuldades antigas e novas ainda maiores para se consolidar. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 158) As autoras supracitadas afirmam também que a diferença entre a lógica do seguro (bismarckiana3) e a lógica da assistência (beveridgiana4), materializa as políticas com características próprias que mais se excluem do que se 3 O modelo bismarckiano é caracterizado pela contribuição individual como critério para o aferimento de benefícios, valendo também para a aposentadoria. Os que não puderam contribuir com o sistema previdenciário ficam sem receber o benefício da aposentadoria. 4 O modelo beveridgiano caracteriza-se pelo seu caráter universal, não exigindo contribuição individual anterior para a obtenção de um benefício básico, aferindo o direito ao benefício pela característica definidora da cidadania, ou seja, o simples fato da pessoa ter nascido ou possuir a cidadania de um determinado país. 22 complementam, fazendo com que, na prática, o conceito de seguridade social permaneça entre o seguro e a assistência. A assistência social é a política que mais vem sofrendo para se materializar como política pública e para superar algumas características históricas como: morosidade na sua regulamentação como direito (...); redução e residualidade na abrangência, visto que os serviços e programas atingem entre 15% e 25% da população que deveria ter acesso aos direitos; manutenção e mesmo reforço do caráter filantrópico, com forte presença de entidades privadas na condução de diversos serviços (...); e permanência de apelos e ações clientelistas (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 158) Essa tensão histórica redundou, segundo PEREIRA (2001, p.192), ―numa articulação ambivalente e desigual entre o universalismo protetor, formas crescentes de particularismo social e crescente mercantilização da política social‖. A mercantilização da política social, ou a remercantilização dos direitos sociais (...) diz respeito ao debilitamento dos direitos sociais face aos empecilhos ideológicos e materiais a sua concretização. Com efeito, no bojo da reestruturação da política social, sob a égide do neoliberalismo, os direitos sociais (como um ingrediente básico da justiça distributiva) deixam de ser uma referência mestra para darem lugar ao mérito individual que, no máximo, persegue a igualdade de oportunidades e nunca a de resultados. (PEREIRA, 2001, p. 197/198) Somente cinco anos após a Constituição Federal de 1988, foi consolidada a Assistência Social como direito social, dever estatal e política de Estado, através da Lei nº 8742/93 que institui a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS. Porém, com o argumento de que o país passava por uma crise econômica e devido a uma lógica de ajustes fiscais de Estado mínimo e mercado máximo, o Estado não assumiu compromissos redistributivos e o ―conceito retardatário, híbrido, distorcido ou inconcluso da seguridade social brasileira (...) encontrou dificuldades antigas e novas ainda maiores para consolidar‖ (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 158) Se por um lado os avanços legais do país reconhecem direitos e trazem para política discussões sobre a pobreza e desigualdade social, por outro lado o impacto das políticas econômicas neoliberais desmonta a política de direitos e investimentos no campo social. Surge, em 1998, a primeira Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Aprovada pela Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, do 23 Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, foi efetivada a nova matriz para a Assistência Social e reformulada a PNAS. Foi a partir desta que se seguiu o processo de construção e normatização nacional do Sistema Único de Assistência Social – SUAS aprovado em julho de 2005, pelo CNAS. O SUAS está voltado à articulação em todo o território nacional das responsabilidades, vínculos e hierarquia, do sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério de universalidade e de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil. (COUTO, YAZBEK e RAICHELIS, 2011, p.38) Nesse sentido, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, afirma que a PNAS e o SUAS permitem uma maior perspectiva de justiça e direitos sociais através das alterações propostas na estrutura organizativa e na lógica de gestão e controle das ações na área social. A PNAS traz como objetivos: - Prover serviços, programas e benefícios de proteção social básica e ou especial para famílias, indivíduos e grupos que dela necessitam; - Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; - Assegurar que as ações no âmbito da Assistência Social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004, p. 27) O mesmo documento afirma que a proteção social deve garantir a segurança de sobrevivência, de acolhida e de convívio ou vivência familiar. Ele situa também, assim como a Carta Magna, a Assistência Social como Proteção Social não contributiva, apontando para a realização de ações direcionadas para proteger os cidadãos contra riscos sociais inerentes aos ciclos de vida e para o atendimento de necessidades individuais ou sociais. Apesar da inquestionável importância deste documento para Política de Assistência Social, este trabalho científico não se aterá sobre detalhes do mesmo. O intuito de discorrer sobre o assunto é para compreensão do histórico da Política de Assistência no Brasil como caminho para chegar ao Serviço de 24 Proteção e Assistência Integral a Família – PAIF5 que é o serviço a ter sua análise contemplada para o objetivo deste trabalho científico. A LOAS afirma em seu art. 24 A que: Fica instituído o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), que integra a proteção social básica e consiste na oferta de ações e serviços socioassistenciais de prestação continuada, nos CRAS, por meio do trabalho social com as famílias em situação de vulnerabilidade social, com o objetivo de prevenir o rompimento dos vínculos familiares e a violência no âmbito de suas relações, garantindo o direito à convivência familiar e comunitária. (LOAS, 1993, alterada pela Lei nº 12435/2011) A PNAS prevê dois eixos estruturantes do SUAS: a matricidade sociofamiliar e a territorialização. O PAIF passou a ser organizado de forma a responder à garantia de fortalecimento da convivência familiar e comunitária, na proteção básica do SUAS. Afirmando o primeiro eixo da política, CARVALHO (2010) discorre que ―o exercício vital das famílias é semelhante às funções das políticas sociais: ambas visam dar conta da reprodução e da proteção social dos grupos que estão sob sua tutela‖. Assim, o PAIF foi concebido a partir do reconhecimento que as vulnerabilidades e riscos sociais que atingem as famílias, exigem intervenções que trabalhem aspectos objetivos e subjetivos relacionados à função protetiva da família e ao direito à convivência familiar. Contrária à realidade histórica imposta pelo neoliberalismo de atendimento voltado as situações críticas, o PAIF vem para atuar de forma preventiva, protetiva e proativa de caráter continuado, e reconhecer a importância de atender às necessidades humanas básicas bem como situações emergenciais de risco social. Vale ressaltar que o serviço tem a função de dar apoio a família no desempenho de sua função protetiva, caso a família também tenha o comprometimento de colaborar e estar sendo acompanhada, e não de obrigá-la a cumprir tal papel. 5 Chamado anteriormente de ―Programa de Atenção Integral à Família‖, o PAIF tornou-se, por meio do Decreto nº 5.085, de 19/05/2004, ação continuada da assistência social. A substituição de ―atenção‖ por ―atendimento‖ entende-se que não se pretende ofertar ―atenção‖ às famílias, mas sim ―proteção e atendimento‖. A preservação da sigla PAIF, segundo o MDS, foi motivada pela necessidade em se resguardar a historicidade das ações desse Serviço, já conhecidas e legitimadas por gestores, técnicos e usuários da política de assistência social. 25 O MDS elaborou um documento denominado de ―Tipificação6‖ onde esta estabelece que o trabalho social com famílias do PAIF: É baseado no respeito à heterogeneidade dos arranjos familiares, aos valores, crenças e identidades das famílias. Fundamenta-se no fortalecimento da cultura do diálogo, no combate a todas as formas de violência, preconceito, de discriminação e de estigmatização nas relações familiares. (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009) A cartilha de Orientações Técnicas sobre o PAIF (2012), organizada e publicada pelo MDS, traz considerações e conceitos sobre as particularidades do serviço executado nos CRAS, entre elas, a mesma dispõe que os técnicos do PAIF devem desenvolver ações de caráter protetivo e preventivo com as famílias e desnaturalizar a violação de direitos no âmbito doméstico, contribuindo para a construção de relações intrafamiliares mais equânimes, promovendo as famílias a sujeitos de direitos e não somente meras receptoras de serviços e benefícios socioassistenciais. Art. 6 C - Os CRAS, sendo unidades públicas, localizados em áreas de maiores índices de vulnerabilidade e risco social, são destinados à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção básica às famílias. (LOAS) O PAIF tem papel central na consolidação da rede de proteção social básica nos territórios, pois todos os serviços desta devem ser a ele articulados, o que garante a matricialidade sociofamiliar nesse nível de proteção. A Tipificação afirma que o PAIF tem por princípios norteadores a universalidade e gratuidade de atendimento, cabendo exclusivamente à esfera estatal sua implementação. Vale ressaltar que, apesar de ser um serviço ofertado nos CRAS´s, o PAIF pode ter articulações com entidades socioassistenciais e centros de convivência. O trabalho social com famílias, assim, apreende as origens, significados atribuídos e as possibilidades de enfrentamento das situações de vulnerabilidade vivenciadas por toda a família, contribuindo para sua proteção de forma integral, materializando a matricialidade sociofamiliar no âmbito do SUAS. (BRASIL, MDS, 2009) No que diz respeito aos recursos humanos necessários à implementação do PAIF, a Tipificação faz menção à Norma Operacional Básica 6 26 de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS. Este documento tem por finalidade estabelecer parâmetros gerais para a gestão do trabalho a ser realizado pela política de assistência social, como os técnicos que compõe os CRAS. Apesar de a Tipificação dar diretrizes para a execução do serviço PAIF, as estratégias e procedimentos no exercício do trabalho devem ser prerrogativa de cada profissional envolvido, evitando a padronização de rotinas e procedimentos pelo órgão gestor. (...) o trabalho profissional requer inventividade, inteligência e talento para criar, inventar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao movimento da realidade. Assim, os (as) profissionais devem ter assegurado o seu direito à autonomia no planejamento e exercício de seu trabalho. (Parâmetros para atuação dos Assistentes Sociais na Política de Assistência Social, CFESS, 2009) Quanto ao financiamento, o Projeto de Lei Orçamentária Anual – PLOA (2012) consta que a área de Assistência Social recebeu o total de R$ 54,1 bilhões em 2012. Sendo destinado 59% deste valor ao SUAS, 36% ao bolsafamília, 4% a segurança alimentar e 1% a despesas diversas. Em 2010, havia 12,8 milhões de famílias beneficiárias. Para o ano de 2012, a previsão foi de ampliação, devendo abranger mais 800 mil famílias, incorporando até 1,3 milhão de crianças. Num contexto em que se sobrepõe a ordem econômica e não a ordem política, a ordem político-institucional que a política social entrou no século XXI pela passagem de um modelo de produção fordista para outro, pós-fordista, resultou uma nova fase de reforma social que PEREIRA (2011) afirma ser ―eivada de desafios e de conflitos inevitáveis‖. A presença de situações dilemáticas decorrentes do envelhecimento populacional, do desemprego estrutural, de reestruturação da família, da dinâmica migratória, transcenderam as dimensões econômicas e fiscais e requereram, no bojo da política social, novas correlações de forças. (PEREIRA, 2011, p.192) Sendo a política de assistência social desenvolvida num terreno capitalista, o princípio da universalidade se reduz a cobertura de programas compensatórios ou de alívio da pobreza. As políticas compensatórias, como, por exemplo, os programas de renda mínima, formam estratégias para tornar os mais pauperizados em ―clientela da assistência social‖ (MOTA, 2009, p. 47), tendo que certificar um ―atestado de 27 pobreza‖ para terem a possibilidade de acesso à Política de Assistência Social, privando de serem tratados como sujeitos de direito, enfraquecendo a política de inserção. As possibilidades preventivas e redistributivas tornam-se mais limitadas, prevalecendo o já referido trinômio articulado do ideário neoliberal para as políticas sociais, qual seja: a privatização, a focalização e a descentralização (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 156). Paralelamente ao desmonte das políticas sociais universais e à prevalência do universalismo segmentado, surgiu e permanece em pauta o enfoque teórico e político do universalismo cidadão, defendido por autores que concebem a política social como um elo entre cidadania social e satisfação de necessidades humanas básicas. Nesse caso, a política social e o Estado de Bem-Estar têm como fundamento o princípio da desmercadorização, postulado por Esping-Andersen (1991),e , por isso, não devem ser subjugados imperativos do mercado e do trabalho assalariado, geradores de valor de troca. (PEREIRA, 2011, p. 195) A associação indispensável entre a redução da jornada de trabalho e a garantia de renda tem importância estratégica, pois qualquer medida proposta para essa categoria terá como objetivo a redução da pobreza, mesmo dentro dos moldes capitalista. (...) diante da precarização do trabalho e, sem dúvida, diante da ausência de políticas estruturadoras, na maioria dos pequenos municípios brasileiros, o trabalhador precarizado e informal somente tem acesso a determinados bens e serviços através do mercado: transporte, infra-estrutura, educação, saúde. Neste sentido, o processo de pauperização relativa dos trabalhadores fez com que o ―trabalhador pobre‖ se tornasse usuário da política de assistência. (MOTA, 2011, p. 70) Essa proposta implica na constituição de novos pactos sociais onde estes não são acatados pelo universalismo dando espaço a um particularismo social. Esta modalidade de atendimento, segundo PEREIRA (2011) assume duas principais tendências. A primeira remonta ao respeito à diferença, ―propugna a igualdade racial, de gênero, de etnia, requerendo um sistema de proteção social descentralizado, especializado e mais próximo ao cidadão‖. Para atender essa forma de modalidade de atendimento, o Estado conduz a ser a espinha dorsal de proteção social as chamadas redes sociais. Vale ressaltar que ainda conta com participação da sociedade civil nesse processo no que tange aos movimentos sociais particularistas, Organizações Não Governamentais, grupos voluntários, famílias, empresas com responsabilidade social, os quais, segundo CABRERO (1982 apud PEREIRA, 2011, p. 197) 28 ―se traduzem em formas de conluio entre o público e o privado e de esvaziamento do público em favor de formas pseudo públicas ou privadas de gestão das políticas sociais‖. A segunda tendência remontada por PEREIRA (2011), que seria o lado positivo desse particularismo social (...) revela-se social e civicamente mais promissora na medida em que se contrapõe ao particularismo individualista – avesso ao privilegiamento das necessidades sociais no marco dos direitos de cidadania – a às práticas voluntaristas propensas ao clientelismo sociopolítico (...) ao contemplar diferenças legítimas, por outro, contribui para a ‗segmentação da política social‘, dada a ser avaliado no processo contraditório e, no caso, ambivalente, da política social, visto que ela pode funcionar como um contrapeso ao universalismo protetor. (PEREIRA, 2011, p. 197) Os métodos utilizados pelo Estado nos leva, segundo SPOSATI (2011, p. 42), equivocadamente, a ―compreensão pela qual a política pública de Assistência Social deva se ocupar do pobre e da pobreza‖ e muitas vezes não levamos em consideração o pauperismo como expressão da exploração, da concentração de riqueza, da não distribuição da riqueza. A mesma autora afirma também que ―é falacioso que sejam tomados como objeto de uma política social a menos que se queira dar a falsa ideia/conceito de que pobre e pobreza se erradica com política social‖. É sabido e notório que a presença da pobreza é manifestação de não distribuição ou de concentração/acumulação de riqueza. Portanto, só uma política que confronte o modelo de acumulação/redistribuição é que poderia superar a pobreza e não uma política que atue com uma ou mais necessidades sociais. É sabido que as políticas sociais são 7 8 distributivas , outro horizonte é considerá-las redistributivas . (...) Nenhuma política social pode confirmar que tem por objeto ‗o pobre e a pobreza‘. (SPOSATI, CFESS, 2011, p. 42) Por esse motivo, faz-se necessário a compreensão de que a pobreza é resultado de um modelo econômico adotado de acumulação - o capitalismo. (...) isto precisa ficar muito claro, pois entender a Assistência Social sob tal equivoco não significa apenas a assistencialização, mas sim a banalização da política (...) definir como objeto de Assistência Social 7 Decorrem políticas que não incitam confrontos de interesses, visto que não há clareza sobre quem paga os custos ou perde algo com as decisões tomadas pelo poder público. Os governos retiram de um fundo publico constituído com recursos arrecadados da população um montante para atender demandas e necessidades sociais, geralmente de forma compensatória. Exemplo: transferência de renda aos mais pobres. (PEREIRA, 2008, p. 101) 8 Esta é uma situação em que o poder público dita critérios que dão acesso a vantagens a categorias de casos ou sujeitos em detrimento de outros, tendo em vista o maior equilíbrio na distribuição de bens. (...) Exemplo: reforma agrária. (PEREIRA, 2008, p. 100/101) 29 a pobreza, seria construir uma política sem resultados alcançáveis, já que ela em si não dá conta de superar/erradicar a pobreza. (SPOSATI, CFESS, 2011, p. 42) Historicamente, esse modelo econômico sempre enalteceu o lucro, principalmente diante das crises do capital, e é com essa alegação que o acesso às políticas sociais vem sendo colocada em ―segundo plano‖, limitando o acesso à política não aquele que necessitar, mas reduzindo o usuário a condição econômica de pobreza. (...) há uma tendência de assistencialização da seguridade social brasileira. E não confundo assistencialização com assistencialismo. Identifico assistencialização como um retrocesso em relação à existência ou não da consolidação de direitos, mas sim pela centralidade que tem a Assistência Social hoje no enfrentamento da questão social no Brasil. (MOTA, CFESS, 2011, p. 71) Embora o debate sobre o processo de assistencialização seja embebido de uma série de tensões teórico-metodológicas e políticas, sua natureza constitutiva, suas características, bem como seus impactos se configuram como uma enorme contribuição para o desvelamento das formas atualizadas de enfrentamento das refrações da questão social, num contexto de aprofundamento do controle e disciplinamento das classes mais pauperizadas. Avançar a Assistência Social no campo dos direitos significa a crescente redução da aplicação de testes de meios – identificação do ganho de cada membro da família – para ter acesso a benefícios e serviços. É preciso fazer prevalecer, em seu lugar, a necessidade social. É preciso realizar a ruptura com as categorias: como as de ―carente‖, ―necessitado‖, o/a ―hipossuficiente‖, altamente estigmatizadoras. (...) Essas alterações implicam – mesmo na sociedade de mercado – em uma política salarial justa, em política tributária progressiva, em efetiva distribuição através de políticas sociais universais. (SPOSATI, CFESS, 2011, p. 42) 1.1 Serviço Social, Políticas Públicas e Assistência Social no Brasil Na busca por compreender a percepção dos Assistentes Sociais, enquanto trabalhadores do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS sobre sua prática na execução do Serviço de Proteção e Assistência Integral a Família – PAIF no município de Maracanaú, faz-se necessário um breve histórico para que apreendamos o caminho percorrido pela profissão até a política pública de assistência social que temos em curso nos dias de hoje. 30 A relação entre Serviço Social e Política Social no Brasil surge como sendo um avanço da intervenção estatal acompanhada pela profissionalização do Serviço Social. Para BEHRING e BOSCHETTI (2009), existe um vínculo estrutural entre a construção das políticas sociais e o surgimento dessa profissão na divisão social e técnica do trabalho9. O desenvolvimento profissional do Serviço Social e a expansão de seu mercado acorrem nos marcos do padrão taylorista/fordista e da regulação keynesiana da economia. A crise desse padrão de acumulação eclode em meados da década de 1970, quando a economia mundial apresenta claros sinais de estagnação, com altos índices inflacionários e com uma mudança na distribuição do poder no cenário mundial. (IAMAMOTO, 2012, p. 30/31) A implantação do Serviço Social no Brasil, no entanto, surge, segundo IAMAMOTO e CARVALHO (2012, p.135) ―da iniciativa particular de grupos e facções de classe, que se manifestam, principalmente, por intermédio da Igreja Católica (...) e, logo em seguida, ao conjunto das classes dominantes‖. As protoformas do Serviço Social formam-se principalmente após o fim da Primeira Guerra Mundial diante do surgimento de instituições assistenciais. Em 27 de agosto de 1957, através da Lei nº 3252 foi regulamentado o Serviço Social como profissão, sendo esta uma das primeiras profissões da área social a ter aprovada sua lei de regulamentação profissional, regulamentada, posteriormente, pelo Decreto 994 de 15 de maio de 1962. Em 1947, foi criado o Código de Ética do Assistente Social sob pressupostos neotomistas. A concepção conservadora que caracterizou o Serviço Social nas primeiras décadas de sua existência era também o reflexo da perspectiva vigente na profissão, que se orientava por pressupostos acríticos e despolitizados face às relações econômico-sociais. A concepção conservadora da profissão também estava presente nos Códigos de Ética de 1965 e 1975. O debate sobre ética se fortalece em uma perspectiva crítica, no Serviço Social brasileiro, mediante a aprovação do Código de Ética de 1986, que no campo ético materializou a ―virada‖ do Serviço Social e que, portanto, significou uma importante ruptura com as perspectivas éticas conservadoras que fundamentavam os Códigos de 1947, 1965 e 1975, notadamente a concepção neotomista, inspirada numa perspectiva a-histórica, metafísica e idealista, com valores predominantemente abstratos, como o ―bem comum‖, a 9 Segundo dados do Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, a Assistência Social é a área de maior empregabilidade do profissional de Serviço Social. 31 ―harmonia‖, além de uma pretensa (BARROCO e TERRA, 2012, p. 20/21) defesa da neutralidade. Ainda segundo BARROCO e TERRA (2012), com a inserção do Serviço Social nas lutas sociais, o debate ético-político se intensificou e colaborou para a aprovação do Código de Ética de 1993, instituída pela Resolução 273/93 do CFESS. Este novo Código de Ética, vigente até os dias de hoje, expressa o projeto profissional contemporâneo comprometido com a democracia, fungindo das amarras conservadoras e com o acesso universal aos direitos sociais, civis e políticos. O Serviço Social desde sua gênese até meados dos anos 1960, não trouxe ameaça ao bloco hegemônico conservador; este dominava a produção do conhecimento e o trabalho profissional. O questionamento diante o conservadorismo da profissão surgiu por volta dos anos 60 diante das questões levantadas pelas ciências sociais e humanas em torno de desenvolvimento profissional e de suas repercussões na América Latina, explicitada no movimento de reconceituação. Esse movimento que surge a partir de 1965 centrava seu debate na contestação do Serviço Social importado com práticas assistenciais e ajustadoras. Nos anos 80, a profissão visa romper com a perspectiva conservadora, havendo um amadurecimento do debate profissional sobre a política social, inserindo novas referências marxistas, como a influência de Gramsci. Concomitante, BEHRING e BOSCHETTI afirmam que Gramsci pensava a hegemonia no conjunto da sociedade, no âmbito das lutas de classes processadas na sociedade capitalista. A difusão de suas ideias, inclusive no Serviço Social, tornou o conceito de hegemonia ―aplicável‖ às várias situações nas quais se verificam lutas sociais, sejam elas bem mais amplas (as que envolvem as classes sociais fundamentais), sejam elas menos abrangentes (justamente aquelas que dizem respeito aos diversos grupos sociais existentes na sociedade). (BRAZ, 2007, p. 5) Concomitante, BEHRING e BOSCHETTI afirmam que: Nega-se a ideia da sociedade sobre determinada e das políticas sociais como aparelhos ideológicos do Estado (...). Critica-se o economicismo e a visão meramente instrumental do Estado. Tem-se, então, um arcabouço teórico-metodológico mais rico para a abordagem do tema da política social, o que acarreta a ruptura definitiva com o pragmatismo anterior. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 17) 32 Nessa perspectiva, o assistente social trabalha conciliando o público e o privado, interesses burgueses e necessidades dos pauperizados. (...) campo de luta e de formação de consciências críticas em relação à desigualdade social no Brasil e de organização dos trabalhadores; é um terreno de embate que requer competência teórica, política e técnica; que exige uma rigorosa análise crítica da correlação de forças entre classes e segmentos de classe e que força a construção de proposições que se contraponham às reações das elites políticoeconômicas do país. (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, apud CFESS/CRESS, 2001, p. 196) Nas palavras de NETTO (2009) a gênese e a conformação do projeto ético político tiveram como suporte sociopolítico a mobilização que levou à derrota da ditadura, as lutas sociais contemporâneas à instauração da ―Nova República‖ e o processo que derivou a Carta Magna de 1988. A construção do projeto profissional do Serviço Social brasileiro foi produto de conquistas históricas ocorridas desde o final da década de 70 ganhando consolidação nos anos 80 e 90. O Projeto Ético-Político da profissão tem como características: (...) pensar a profissão no contexto histórico, garantindo a análise da sua particularidade e de sua relação com outros sujeitos sociais e profissionais, na busca, sob determinadas condições socioeconômicas, de estabelecer alianças e parcerias, na defesa de valores e princípios comprometidos com a emancipação humana. (RAMOS, 2009, p. 42) Nas palavras de BRAZ (2007 apud, RAMOS, 2009, p. 43), ―o que põe o projeto ético-político do Serviço Social em crise é a articulação de dois problemas centrais. O primeiro diz respeito a ausência de uma proposta alternativa à do capital na sociedade brasileira‖. Concomitante, NETTO (2007, p. 38/39), afirma que ―a conjuntura atual, no Brasil, não registra mobilização e resistência expressivas à cultura neoliberal‖. Conjuntamente a essa afirmação, o autor aponta como um dos motivos da inviabilização do ―projeto ético-político‖ indagando que ―o elenco de objetivos do Serviço Social tem sido intencional e acintosamente minimizado mediante a centralização das suas funções no plano assistencial‖ (idem). Se o Brasil é detentor de uma dívida social ―insuportável, a assistência é compulsória, é igualmente necessário afirmar a redução do Serviço Social à ‗profissão da assistência‘ configura uma enorme regressão‖ (idem). 33 O autor afirma também que outro elemento inviabilizador do projetoético-político, são os requisitos teóricos, práticos e institucionais para o exercício profissional, a forma onde a política de educação está sendo conduzida incentivando a proliferação de cursos de Serviço Social privado e a educação à distância, enaltece práticas de ―‘desregulamentação‘ e de ‗flexibilização‘ da educação superior‖ (idem) e degrada a formação profissional. (...) a limitação do Serviço Social às atividades assistenciais, postas na equívoca ―estratégia‖ da redução da pobreza, e o aviltamento da formação profissional, mediante uma massificação degradada, inviabilizarão o ―projeto-ético-político‖. (NETTO, 2007, p. 39) Concomitante, NETTO (2007) discorre ainda que, em 1999, a prenuncialização das dificuldades de condução do projeto era otimista, nos dias de hoje, as dificuldades foram adensadas requerendo mais vontade política em seu enfrentamento e menos ilusões otimistas. BRAZ (2007) afirma que Outras expressões políticas da profissão – de variados tons neoconservadores – mais ou menos organizadas podem ganhar espaço e terreno em meio à degradação das condições de trabalho profissional. Podem se tornar atraentes os segmentos mais corporativistas da categoria que se evidenciam, não exclusivamente, 10 em algumas associações sindicais dos assistentes sociais e nas diversas organizações específicas (divididas em sub-áreas de atuação) que pulam no Serviço Social. (BRAZ, 2007, p. 7/8) Portanto, faz-se útil uma discussão sobre política pública para compreensão do trabalho das assistentes sociais na área da assistência. 1.2 O trabalho do Assistente Social na Política de Assistência Social Necessário se faz retomar os fundamentos ontológicos dessa profissão na sociedade brasileira. Para LUKÁCS (1980, apud ANTUNES, 2000, p. 136) somente o trabalho tem na sua natureza ontológica um caráter claramente transitório. Ele é em sua natureza uma interrelação entre o homem e a natureza. O autor recorre a Aristóteles ao afirmar que existem dois 10 Vale ressaltar que nenhuma das assistentes sociais enquanto sujeitas desta pesquisa possuem vínculo sincical. 34 componentes no trabalho: o pensar que coloca a finalidade e concebe os meios para realiza-la e o produzir que, por sua vez, realiza a concreção do fim pretendido. Lukács destaca ainda o quão fundamental é apreender também sua função na construção do ser social, como ser dotado de autoestima e, por isso, inteiramente diferente das formas de ser antes. Com a emergência da sociedade burguesa, afirma-se o ―trabalho livre‖ como seu pilar: o trabalho desvinculado da esfera doméstica, da propriedade, do domínio feudal e compromissos extra-econômicos, subordinados à racionalidade técnica e econômica do capital. Assim, a tradição clássica do pensamento social, ―marxista‖ ou ―burguesia‖, oriunda do século XIX, reconstruiu a estrutura e a dinâmica da sociedade capitalista a partir da origem do trabalho, da produção, das relações de propriedade e critérios de racionalidade. (IAMAMOTO, 2012, p. 86) A necessidade do acesso ao trabalho para sobrevivência de grande parte da população contrapõe-se a restrição desse acesso pelo capitalismo que não absorve toda a demanda formando, consequentemente, um exército de reserva que garante mão-de-obra barata e disponível ao capital. Cresce o problema central do mundo contemporâneo, sob o domínio do grande capital financeiro em relação ao capital produtivo: o desemprego e a crescente exclusão de contingentes expressivos de trabalhadores da possibilidade de inserção ou re-inserção no mercado de trabalho, que se torna estreito em relação à oferta de força de trabalho disponível. (IAMAMOTO, 2012, p. 87) A força de trabalho passou a ser vendida como mercadoria, onde, num universo contraditório e competitivo, obriga o trabalhador a seguir normas e regulamentos, a ser polivalente se submetendo a jornadas diárias de trabalho por um salário indiretamente proporcional ao condizente a sua produção. Porém, quando Lessa (2000) discute sobre a categoria trabalho e o Serviço Social, o mesmo nega que há apropriação do trabalho pelos assistentes sociais. Alegando ter uma diferença fundamental entre os operários e as assistentes sociais, o autor afirma que os assistentes sociais não reproduzem riqueza como os operários. Não há, portanto, nenhum sentido em propor o ―modelo‖ do trabalho operário para pensar-se a práxis profissional dos assistentes sociais. Assim como não teria qualquer cabimento fazer o mesmo com outras atividades como a educação, a medicina, etc. Elas são práxis ontologicamente distintas porque cumprem funções sociais diversas e por isso atuam sobre ―materialidades‖ distintas. (...) Os operários atuam sobre a natureza e a matéria-prima. Os assistentes sociais atuam sobre as relações sociais, os produtos exclusivos do 35 pensamento e da atividade dos homens ao longo da história. (LESSA, 2000, 75) A categoria trabalho não surge nas discussões do assistente social por acaso. Ao se pensar a prática profissional, existe a tendência de conectá-la diretamente à prática da sociedade. A análise da prática do assistente social como trabalho integrado em um processo de trabalho permite mediatizar a interconexão entre o exercício desse profissional e a prática da sociedade. Qualquer processo de trabalho implica uma matéria-prima ou objeto sobre o qual incide a ação do sujeito, ou seja, o próprio trabalho que requer meios ou instrumentos para que possa ser efetivado. Em outros termos, todo processo de trabalho implica uma matéria-prima ou objeto sobre o qual incide ação do sujeito sobre o objeto; e a própria atividade, ou seja, o trabalho direcionado a um fim, que resulta em um produto. Tais elementos estão presentes na análise de qualquer processo de trabalho. (IAMAMOTO, 2003, 61/62) Encontramos a questão social em diversas expressões onde são necessárias ações profissionais junto à criança e ao adolescente, ao idoso, a situações de violência contra a mulher e todas aquelas expressões onde os direitos humanos são violados. Nessa perspectiva, vale ressaltar que a questão social é o objeto de trabalho do assistente social e que nela incide a ação transformadora configurando o trabalho (IAMAMOTO, 2003) A professora Sara GRANEMANN (2009) soma ao discurso dos autores citados acima a compreensão da diferença entre trabalho e emprego afirmando que trabalho e emprego não podem ser reduzidos a uma e mesma coisa. A mesma afirma que trabalho não pode ser confundido com postos de trabalho, pois ―o trabalho é criação, é motor de civilização e fonte de realização das potencialidades da natureza social do homem que ao criar o trabalho é recriado e modificado pela atividade a que deu vida‖ (GRANDEMANN, 2009, p. 6). Sendo o assistente social um trabalhador assalariado, vende sua força de trabalho especializada aos empregadores, em troca de um equivalente expresso na forma monetária, expresso no preço de sua força de trabalho, o salário ou proventos. É preciso lembrar que, no circuito de valor, o produto que todo assalariado produz para si é o equivalente aos seus meios de vida: o valor de troca de sua força de trabalho expresso em dinheiro, forma de equivalente geral, no qual se manifesta o valor de todas as demais mercadorias de qualidades diferentes, permitindo o seu intercâmbio. (IAMAMOTO, 2009, p. 351) O Estado tem sido um dos maiores empregadores dos assistentes sociais. O assistente social, considerando que este atua na fronteira entre o 36 público e o privado, exerce seu trabalho como um dos agentes do Estado. De um lado, a atuação do assistente social pode representar condutas burocráticas e autoritárias como uma extensão do braço coercitivo do Estado ou de uma empresa. De outro, pode abrir uma possibilidade para ao acesso das famílias aos recursos e serviços através das políticas públicas e socialização dos direitos dos usuários. O legado de Iamamoto (Iamamoto e Carvalho, 1982), em tal contexto, foi decisivo: em primeiro lugar, por historicizar e politizar a prática profissional a partir de uma concepção de sociedade como totalidade historicamente construída, identificando nos processos de produção e reprodução social a chave heurística para qualificar as determinações de uma profissão como a do Serviço Social; em segundo lugar, et pour cause, ai desvendar a natureza contraditória da prática profissional, demarcada por relações entre classes antagônicas, apontavam para a dimensão político-idiológica da profissão, também empreendendo a crítica às visões messiânicas e fatalistas da profissão. (MOTA, 2010, p. 34) O trabalho dos assistentes sociais não se desenvolve independentemente das circunstâncias históricas e sociais que o determinam, de fato. A inserção do Serviço Social nos diversos processos de trabalho encontra-se profunda e particularmente enraizada na forma como a sociedade brasileira e os estabelecimentos empregadores do Serviço Social recortam e fragmentam as próprias necessidades do ser social e a partir desse processo como organizam seus objetivos institucionais que se voltam à intervenção sobre essas necessidades (ABESS, 1996, p. 36). Tendo como instrumento básico de trabalho a linguagem, as atividades desse trabalhador especializado encontram-se intimamente associadas à sua formação teórico-metodológica, técnico-profissional e ético-política. Suas atividades dependem da competência na leitura e acompanhamento dos processos sociais, assim como no estabelecimento de relações e vínculos sociais com os sujeitos sociais junto aos quais atua. (IAMAMOTO, 2012, p. 97) As atribuições e competências dos assistentes sociais são orientadas pelo Código de Ética Profissional e pela Lei de Regulamentação da Profissão que devem ser seguidos tanto pelos profissionais quanto pelas instituições empregadoras. O artigo 2º do Código de Ética assegura o livre exercício das atividades inerentes à profissão, a ampla autonomia no exercício da profissão, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções, entre outros direitos assegurados aos assistentes sociais. 37 O perfil do(a) assistente social para atuar na política de Assistência Social deve afastar-se das abordagens tradicionais funcionalistas e pragmáticas, que reforçam as práticas conservadoras que tratam as situações sociais como problemas pessoais que devem ser resolvidos individualmente. (BRAZ, 2009) Diante a afirmação, a intervenção profissional deve estar de posse de conhecimento crítico da realidade e capacidade de identificação das condições materiais de vida, identificação das respostas existentes no âmbito do Estado e da sociedade civil, reconhecimento e fortalecimento dos espaços e formas de luta e organização dos(as) trabalhadores(as) em defesa de seus direitos. (...) o assistente social deverá imprimir em sua intervenção profissional uma direção, sendo necessário, para isto, conhecer e problematizar o objeto de sua ação profissional, construindo sua visibilidade a partir de informações e análises consistentes – atitude investigativa. Concomitantemente, o trabalho do AS deverá ser norteado por um plano de intervenção profissional objetivando construir estratégias coletivas para o enfrentamento das diferentes manifestações de desigualdades e injustiças sociais, numa perspectiva histórica que apreenda o movimento contraditório do real. (FRAGA, 2010, p.45) Constituída numa condição concreta de reconhecimento social da profissão, a instrumentalidade surge como uma propriedade sociohistórica da profissão, por possibilitar o atendimento das demandas e o alcance de objetivos (profissionais e sociais). Ela [a instrumentalidade] possibilita que os profissionais objetivem sua intencionalidade em respostas profissionais. É por meio desta capacidade, adquirida no exercício profissional, que os assistentes sociais modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano. Ao alterarem o cotidiano profissional e o cotidiano das classes sociais que demandam a sua intervenção, modificando as condições, os meios e os instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumentos para o alcance dos objetivos profissionais, os assistentes sociais estão dando instrumentalidade às suas ações. (GUERRA, 2009, p.2) Sendo a utilidade social da profissão responder às necessidades das classes sociais, que se transformam, por meio de muitas mediações, em demandas para a profissão (GUERRA, 2009, p.6) e considerando que o espaço sócio-ocupacional do Serviço Social, assim como qualquer profissão, é criado pela existência de necessidades sociais, a profissão adquire espaço para interferir sistematicamente nas refrações da questão social. 38 As políticas sociais, além de sua dimensão econômico-política (como mecanismo de reprodução da força de trabalho e como resultado das lutas de classes) constituem-se também num conjunto de procedimentos técnico-operativos, cujo componente instrumental põe a necessidade de profissionais que atuem em dois campos distintos: o de sua formulação e o de sua implementação. É neste último, no âmbito da sua implementação, que as políticas sociais fundam um mercado de trabalho para os assistentes sociais. (GUERRA, 2009, p. 6) GUERRA (2009) denota ainda que a instrumentalidade do Serviço Social pode ser pensada como uma condição sócio-histórica da profissão em níveis. O primeiro nível contempla sobre a instrumentalidade do Serviço Social face ao projeto burguês, o que significa a capacidade que a profissão porta (dado ao caráter reformista e integrador das políticas sociais) de ser convertida em instrumento, em meio de manutenção da ordem, a serviço do projeto reformista da burguesia. Neste caso, dentro do projeto burguês de reformar conservando, o Estado lança mão de uma estratégia histórica de controle da ordem social, qual seja, as políticas sociais, e requisita um profissional para atuar no âmbito da sua operacionalização: os assistentes sociais. Este aspecto está vinculado a uma das funções que a ordem burguesa atribui à profissão: reproduzir as relações capitalistas de produção. (GUERRA, 2009, p. 8) O segundo nível consiste na instrumentalidade das respostas profissionais no que se refere à sua peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-operativo das respostas profissionais frente às demandas das classes, aspecto este que permite o reconhecimento social da profissão, dado que, por meio dele o Serviço Social pode responder às necessidades sociais que se traduzem (por meio de muitas mediações) em demandas (antagônicas) advindas do capital e do trabalho. Isto porque as diversas modalidades de intervenção profissional tem um caráter instrumental, dado pelas requisições que tanto as classes hegemônicas quanto as classes populares lhe fazem. (GUERRA, 2009, p. 8) Nesta condição, no que se refere às respostas profissionais, a instrumentalidade do exercício profissional expressa-se em funções como executar, operacionalizar, implementar políticas sociais; como também expressa-se no horizonte do exercício profissional, pois, no cotidiano das classes vulnerabilizadas é onde o profissional intervém nas condições objetivas e subjetivas de vida dos sujeitos (visando a mudança de valores, hábitos, atitudes, comportamento de indivíduos e grupos). É no cotidiano — tanto dos usuários dos serviços quanto dos profissionais — no qual o assistente social exerce sua instrumentalidade, o local em que imperam as demandas imediatas, e 39 conseqüentemente, as respostas aos aspectos imediatos, que se referem à singularidade do eu, à repetição, à padronização. O cotidiano é o lugar onde a reprodução social se realiza através da reprodução dos indivíduos (Netto, 1987), por isso um espaço ineliminável e insuprimível. As singularidades, os imediatismos que caracterizam o cotidiano, que implicam na ausência de mediação, só podem ser enfrentados pela apreensão das mediações objetivas e subjetivas (tais como valores éticos, morais e civilizatórios, princípios e referências teóricas, práticas e políticas) que se colocam na realidade da intervenção profissional. (GUERRA, 2009, p. 9) Reconhecer a instrumentalidade como mediação significa tomar o Serviço Social como totalidade constituída de múltiplas dimensões: técnicoinstrumental, teórico-intelectual, ético-política e formativa (GUERRA, 1997), fazendo com que a instrumentalidade seja a síntese das mesmas, e a instrumentalidade com uma particularidade e como tal, campo de mediação que porta a capacidade tanto de articular estas dimensões quanto de ser o conduto pelo qual as mesmas traduzem em respostas profissionais, possibilitando a passagem dos referenciais técnicos, valorativos e políticos e sua concentração. 40 2. A Política de Assistência Social em Maracanaú: do primeiro damismo à política pública Para que possamos contextualizar o campo de pesquisa, precisamos entender as particularidades encontradas no município a ser estudado. Com território pertencente à Maranguape, o município de Maracanaú deu início ao movimento de emancipação em 1953, conseguindo apenas em 04 de julho de 1983, através do vice-governador em exercício na época, Adauto Bezerra, que a lei fosse sancionada após ter sido votada na Assembleia Legislativa do Estado. Maracanaú traz uma herança cultural excludente. Em 1942 foi inaugurado o Hospital de Dermatologia Sanitária Antônio Justa, conhecido como ―Colônia Antônio Justa‖ - nesse, pacientes diagnosticados com hanseníase, eram encaminhados para tratamento e isolamento; em 1952 foi inaugurado o Hospital de Maracanaú, com a finalidade de tratar pacientes com tuberculose; e também foi fundada no mesmo município a Escola para Menores Abandonados de Santo Antônio do Pitaguari, popularmente conhecida como Santo Antônio do Buraco. Apesar da presença destas instituições ter contribuído para o desenvolvimento da cidade, com a chegada de funcionários, médicos e famílias dos pacientes isolados que queriam manter uma proximidade dos mesmos, trouxe também estigma e preconceito para seus moradores, pois a hanseníase e a tuberculose eram tidas como doenças incuráveis na época. A cidade passou a ser vista como um depósito de doentes, excluídos do convívio social. Mesmo as doenças referidas hoje apresentarem possibilidade de cura ou controle, pacientes ainda vivem na Colônia por ter perdido totalmente o vínculo familiar como consequência do isolamento. Hoje, Maracanaú possui o quarto maior índice populacional do estado do Ceará. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o último censo realizado no ano de 2010, consta que o município possui 209.748 41 habitantes, sendo 30.016 a mais que indicado no censo de 2000, apresentando um crescimento populacional de 16,7% em uma década. Gráfico 1: População residente em Maracanaú por faixa etária entre 2000 e 2010 70000 60000 50000 40000 2000 30000 2010 20000 10000 0 0 a 14 anos 15 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 59 anos 60 anos ou mais FONTE: IBGE, 2010. A Administração Municipal estabeleceu, para fins de planejamento das ações públicas, a divisão do Município em seis Áreas de Desenvolvimento Local – ADL, agregando os bairros e localidades vizinhas com características similares e com continuidade espacial. Assim, estão distribuídas as áreas de desenvolvimento local: 42 TABELA 1: Área de desenvolvimento local e bairros correspondentes ADL ADL 1 Bairros e localidades correspondentes Jenipapeiro, Novo Maracanaú, Coqueiral, Piratininga, Centro, Alto da Mangueira, Boa Vista, Bela Vista, Picada, Escola de Menores, Horto, Olho D'Água e Santo Antônio do Pitaguary ADL 2 Jereissati I e II, Timbó ADL 3 Pajuçara, Jardim Bandeirante, Menino Jesus de Praga, Parque Progresso, Jardim Paraíso, Alto da Bonanza, Boa Esperança e Novo Mondubim I Novo Mondubim II, Planalto Cidade Nova, Esplanada do ADL 4 Mondubim, Industrial e Alto Alegre II ADL 5 Alto Alegre I, Vila Buriti, Novo Oriente, Jardim Maravilha, Acaracuzinho e Santo Sátiro ADL 6 Siqueira, Parque Nazaré, Jardim Jatobá, Parque São João, Parque Jari, Parque Santa Maria, Jaçanaú, Parque Tijuca, Mucunã, Cágado, Luzardo Viana e Pau Serrado Fonte: direta. O município tornou-se, hoje, o maior polo industrial do Estado abrigando indústrias de grande porte e gerando milhares de empregos diretos e indiretos. Gráfico 2: Participações dos setores econômicos no produto interno bruto em Maracanaú Agricultura; Impostos; 0,10% 13,50% Industria; 48% Serviços; 38,50% FONTE: IBGE, 2010. 43 O censo de 2010, divulgado pelo IBGE, informa que o Produto Interno Bruto – PIB de Maracanaú passou de R$ 2.312,90, em 2005, para R$ 3.534,40, em 2009. Apesar do crescimento, o percentual ficou abaixo das estatísticas do crescimento estadual, diminuindo de 5,65% para 5,38% no mesmo período. Gráfico 3: Taxa de crescimento do PIB nominal por setor econômico no município e no estado entre 2005 e 2009 80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% município 30,00% estado 20,00% 10,00% 0,00% Agricultura Indústria Serviços Impostos FONTE: IBGE, 2010. No entanto, vale ressaltar que o crescimento econômico não está diretamente ligado ao desenvolvimento social. Segundo o censo (2010) do IBGE, Entre 2004 e 2010, foram criados 13.549 novos postos de trabalho, sendo a indústria de transformação o maior empregador, seguido pelo setor de comércio, onde juntos, somam 71% dos empregos formais ofertados no município. Em terceiro lugar, ficou o setor de serviços e posteriormente a administração pública. O referido censo, denota que níveis de pobreza indicam que o município conta com 14.738 pessoas na extrema pobreza, sendo 189 na área rural e 14.549 na área urbana. Esses dados mostram que 7% da população se encontra em situação de extrema pobreza. O mesmo censo mostra que a taxa de analfabetismo entre as pessoas com 10 anos de idade ou mais é de 9% 44 Na área de repasse orçamentário, a receita passou de R$ 146,80 milhões anuais, em 2005, para R$ 284,70 milhões anuais em 2009. As despesas com educação, saúde, urbanismo, administração e saneamento foram responsáveis por 87% das despesas municipais. Em assistência social, as despesas alcançaram 3,22% do orçamento total, valor esse inferior à média de todos os municípios do estado que é de 4,41%. Gráfico 4: Distribuição percentual das cinco maiores despesas de Maracanaú em 2009 35,00% 30,00% 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% educação saúde urbanismo administração saneamento Fonte: Tesouro Nacional 2.1 A Assistência Social em Maracanaú A primeira secretaria voltada para política de assistência foi criada em 1985, pelo prefeito Almir Freitas Dutra e tinha como nome Secretaria de Promoção Social, onde a primeira dama foi a titular. Tinha como principais ações o trabalho com idosos e crianças nas creches comunitárias. Em meados do ano 2000, ainda sob a gestão de primeira dama, a secretaria muda o nome para Secretaria de Saúde e Ação Social. A política de assistência passa então a ser executada por uma coordenadoria vinculada a 45 Secretaria de Saúde. O trabalho fragmentado e desarticulado entre as duas áreas invibializou a concretização de um comando único na esfera municipal. Os serviços oferecidos se restringiam à assessoria jurídica e aos departamentos de apoio comunitário e o de apoio à criança e ao adolescente, limitando-se a ações para idoso e criança. Apenas em 2005, através da Lei nº 986, de 7 de janeiro do mesmo ano, a Coordenadoria de Ação Social desagrega-se da Secretaria de Saúde passando a denominar-se Secretaria de Assistência Social e Cidadania SASC, proporcionando mais autonomia ao órgão e tornando-se um marco na política municipal de assistência social, apesar de contar com apenas 10 servidores efetivos. Nesse sentido, começam a ser criadas condições para a implantação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS preconizado pela Política Nacional de Assistência Social. No ano de 2006, a SASC iniciou a implantação de equipamentos de Proteção Social. No âmbito da Proteção Social Básica, concretizou-se a implantação dos três primeiros Centros de Referência de Assistência Social CRAS, foram eles: Antônio Justa, Jereissati e Indígena. Na Proteção Social Especial houve a implantação do Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS onde a população maracanauense que pode contar com a oferta de serviços de apoio e orientação, especializados e continuados, a indivíduos que tiveram seus direitos violados, ampliando sua ação para famílias e seus indivíduos (crianças, adolescentes, idosos, pessoa com deficiência, mulheres, moradores de rua, etc.). A tabela abaixo apresenta a evolução no que se refere a implantação dos CRAS: 46 Tabela 2: Evolução referente a implantação dos CRAS’s ANO CRAS Jereissati 2006 Antônio Justa Indígena 2007 Pajuçara 2008 Mucunã 2010 2011 2012 Parque São João Boa Esperança Acaracuzinho Piratininga Jereissati II Fonte: Relatório de Gestão, GESUAS, 2012. Entre os anos de 2005 à 2012, o número de 5.000 passou para 50.000 famílias referenciadas, aumentando de 1.000 para 10.000 atendimentos diretos. O CRAS assume o papel de gestor da política de Assistência Social no território, como equipamento de referência da Assistência Social que responde às situações de vulnerabilidade e contribui com o papel de proteção social às famílias do território, juntamente com sua articulação com outros serviços socioassistenciais disponíveis no território, dando ênfase aos serviços de Convivência Social e os de Segurança Alimentar, no âmbito da Proteção Social Básica. 47 Tabela 3: Rede socioassistencial 2005 -2012 Proteção Social Básica 2005 2012 0 10 Centros de Convivência Social Pólos ABC´s 4 3 Centro de Convivência do Idoso 0 1 Restaurante Popular 0 1 Cozinhas Comunitárias 0 5 Banco de Alimentos 0 1 CRAS Equipamentos de Centro de Convivência Social Equipamentos de Segurança Alimentar Equipamentos de Proteção Social Especial Média Complexidade CREAS 0 1 Centro POP 0 1 Equipamentos de Proteção Social Especial de Alta Complexidade Casa de passagem 0 1 Abrigo 1 1 Fonte: Relatório de Gestão, GESUAS, 2012. A tabela acima remonta o desenvolvimento dos equipamentos da rede socioassistencial de 2005 à 2012. Podemos observar um crescimento considerável ao longo dos sete anos corridos de 400% a mais de equipamentos. 2.2 Trabalhadores da Assistência Social em Maracanaú Segundo o Relatório de Gestão da SASC (2012), o SUAS vem se consolidando e a gestão do trabalho na Assistência Social carece de uma atenção maior devido a sua importância para a consolidação do Sistema. As diretrizes para a gestão do trabalho, entre outras dimensões caracterizam-se por: conhecer os profissionais que atuam na Assistência Social, caracterizando suas expectativas de formação e capacitação para a construção do SUAS; propor estímulos e valorização desses trabalhadores; identificar os pactos necessários entre gestores, servidores, trabalhadores da rede 48 socioassistencial, com base no compromisso da prestação de serviços permanentes ao cidadão e da prestação de contas de sua qualidade e resultados; uma política de gestão do trabalho que privilegie a qualificação técnico - política desses agentes. Entendendo que os CRAS´s e o CREAS‘s estão situados em territórios de vulnerabilidade e que os profissionais atuantes nessas áreas realizam visitas domiciliares e institucionais que podem tornar seu trabalho insalubre, em 2011 foi concedido a Gratificação de Insalubridade - GI a esses trabalhadores beneficiando hoje 79 servidores. Em 2012, foi concedida gratificações por funções técnicas para os servidores efetivos que exerçam funções de coordenação de unidades ou gerências técnicas como também foi implantado o Plano de Cargas e Carreiras e vencimentos dos Servidores Públicos do órgão gestor da Assistência Social – através da Lei nº 1874, de 29 de junho de 2012; e a instituição de Gratificação Especial pelo exercício na Assistência Social para servidores de provimento efetivo, lotados e em exercício na SASC. Importante destacar que foi aprovada a Lei 1.849 de 08 de Maio de 2012 que organiza a Política de Assistência Social no Município de Maracanaú de acordo com a LOAS (Lei 8.742/93) alterada pela Lei n. 12.435/2011. A tabela abaixo mostra a expansão do setor pessoal da SASC entre 2007 e 2012. Tabela 4: Evolução do setor pessoal da SASC entre 2007 e 2012 Descrição 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Comissionados 37 34 37 36 51 37 Contratos Temporários 12 63 61 80 110 84 Efetivos 64 74 64 58 89 139 Estagiários 55 66 28 48 48 56 Prestação de Serviços 3 3 3 5 5 4 Terceirizados 19 26 62 79 82 97 TOTAL 190 266 255 304 385 417 FONTE: CAFI, GESUAS 49 Tendo este trabalho monográfico como campo de pesquisa os CRAS de Maracanaú, os mesmos foram analisados através de amostragem sendo os CRAS Antônio Justa e CRAS Piratininga, o primeiro e o último a serem implantados no município, respectivamente, os escolhidos para a realização da pesquisa. As instituições foram contempladas pela pesquisa devido a facilidade de inserção no campo de pesquisa e condições para realização deste trabalho monográfico. Nestas instituições, a pesquisa contemplou 100% (cem por cento) das assistentes sociais envolvidas no PAIF, formando um total de 5 (cinco) profissionais, sendo quatro técnicas de atendimento direto ao usuário e uma com cargo de coordenadora de um dos equipamentos. Para a coleta de informações foram utilizados questionários para construir o perfil socioeconômico dos Assistentes Sociais que trabalham nos CRAS supracitados e entrevistas como forma de instrumentos de pesquisa. De acordo com MATOS (2001), a entrevista é uma das técnicas mais simples, conhecidas e utilizadas. Essa técnica foi utilizada primeiramente de forma espontânea com a finalidade de coletar dados iniciais e conhecer a área a ser pesquisada e, posteriormente, entrevista estruturada com o objetivo de seguir um padrão nas diferentes instituições e os dados sejam analisados de forma que permitirá traçar um parâmetro de relação. Para MYNAIO (1993), no processo de análise dos dados coletados, os pesquisadores precisam superar três grandes obstáculos: a ilusão de o objeto mostrar-se exatamente como é; a preocupação maior com técnicas e métodos do que com a riqueza do material e a dificuldade de relacionar teorias e conceitos com os dados coletados. As 5 (cinco) assistentes sociais foram intituladas de AS1, AS2, AS3, AS4 e AS5 com a finalidade de preservar a identidade das mesmas. AS1: solteira, entre 45 a 50 anos de idade, 2 filhos, formada em 1986 pela Universidade Estadual do Ceará - UECE, fez especialização em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos Sociais, possui o Serviço Social como única graduação, trabalha somente na SASC de Maracanaú, concursada e efetivada há 5 anos em Maracanaú. 50 AS2 é divorciada, tem entre 35 a 40 anos de idade, 1 filho, formada em 2003 pela UECE, especializada em Serviço Social, Direitos Sociais e Competências Profissionais11, único emprego, concursada e efetivada há 5 anos em Maracanaú. AS3 é casada, tem idade entre 30 a 35 anos, sem filhos, formada desde 2004 pela UECE, especializada em Serviço Social, Direitos Sociais e Competências Profissionais, coordenadora de CRAS em período integral, concursada e efetivada na SASC há 6 anos. AS4 é solteira, entre 25 e 30 anos, sem filhos, graduada pela UECE, especializada em Serviço Social, Seguridade Social e Legislação Previdenciária, é assistente social do CRAS em Maracanaú há 7 meses efetivada após aprovação em concurso público e recém efetivada em seleção pública de Fortaleza-Ce, na área de saúde, pretendendo exercer os dois empregos. Por fim, a AS5 é casada, tem idade entre 25 e 30 anos, sem filhos, graduada em 2007 pela UECE, cursando especialização em Serviço Social, Seguridade Social e Legislação Previdenciária, funcionária apenas da SASC de Maracanaú há 7 meses através de concurso público. O perfil das trabalhadoras dos CRAS citados, a partir de dados adquiridos através de questionários12, mostra que 100% das assistentes sociais são concursadas. (...) o concurso público garante acesso amplo às vagas no serviço público; permite realizar prova de conhecimento igual para quem se candidata, impedindo o clientelismo; possibilita que assistentes sociais tenham estabilidade e direitos trabalhistas garantidos, o que fortalece a autonomia profissional e a defesa por melhores condições de trabalho; instituições empregadoras podem ter assistentes sociais com qualificação e competência para exercer a profissão; contribui para que a população tenha acesso a direitos como saúde, educação, previdência social, assistência social, trabalho, entre outras. (CFESS, 2012) 11 Curso de Especialização a Distância, promovido pelo CFESS em parceria com ao CEAD/UnB. Para a coleta de informações foram utilizados questionários (apêndice) para que fosse construído o perfil sócio-econômico dos Assistentes Sociais que trabalham nos CRAS e entrevistas como forma de instrumentos de pesquisa. De acordo com MATOS (2001), a entrevista é uma das técnicas mais simples, conhecidas e utilizadas. 12 51 No que compete a pós-graduação, das cinco assistentes sociais que foram sujeitos de pesquisa, quatro possuem especialização e uma está em fase de conclusão. Segundo o Relatório de Gestão da SASC (2011), com o intuito de estimular a capacitação e também garantir direitos trabalhistas aos trabalhadores da assistência social de Maracanaú, no ano de 2009 foi implantada a Gratificação de Titulação Acadêmica – GTA para os servidores efetivos de nível superior com especialização, mestrado e/ou doutorado. A faixa salarial dos sujeitos da pesquisa segue no gráfico a seguir: Gráfico 5: Faixa salarial dos sujeitos da pesquisa 5 até 6 salários mínimos* 3 até 4 salários mínimos 4 até 5 salários mínimos * cargo de coordenadoria FONTE: Questionário Apesar das quatro técnicas desenvolverem as mesmas atividades existe uma diferença salarial por terem ingressado na SASC através de concursos públicos distintos. 52 4. A Política de Assistência Social em Maracanaú: uma visão dos assistentes sociais enquanto trabalhadores do PAIF Ao realizar observações sobre as competências e a formação profissional dos assistentes sociais em relação a PNAS e ao SUAS, MOTA (2010) limita a apreensão do mercado, das condições e relações de trabalho dos assistentes sociais nos CRAS e CREAS, destacando: a) O peso do conhecimento da realidade; b) a questão do gerenciamento de informações; c) a relação entre a natureza e dimensão dos níveis de complexidade das necessidades dos usuários e dos serviços em face das competências específicas dos profissionais da PNAS; d) as tensões teóricas e político-pegagógicas inerentes à política de Assistência Social e à prática profissional. (MOTA, 2010, p. 192) Abordando o primeiro item como uma das principais mediações da ação profissional no SUAS, a autora descreve um dos desafios postos à profissão e à formação profissional: (...) a capacidade de conhecer a realidade social sem sucumbir aos recortes e fragmentos das problemáticas sociais, posto que a multiplicidade das refrações da ―questão social‖ invocam uma complexidade que não permite submetê-las aos modelos formalabstratos de conhecimento e intervenção. Trata-se pois de partir da singularidade daqueles fenômenos para remetê-los à totalidade, apanhando no real as determinações concretas como meio heurístico mais qualificado para apreender as particularidades históricas sobre as quais incidirá a política pública da Assistência Social. (MOTA, 2010, p. 194) A autora destaca sete desdobramentos que o peso do conhecimento da realidade tem no desempenho profissional. O primeiro deles é o levantamento de dados sobre a realidade local onde o profissional pode subtrair algumas das relações entre o singular e o universal. O segundo desdobramento consta a reflexão investigativa da prática profissional sobre os documentos do SUAS, desenvolvendo pesquisas e retratando os acontecimentos cotidianos como fonte de informações e sistematizações. Reconhecida a importância da sistematização de dados e informações desde a prática profissional vale salientar, contudo, uma outra problemática decorrente das similaridades entre o Sistema Único de Saúde e o da Assistência Social. Se, para o primeiro, a 53 pesquisa epidemiológica foi uma das principais matérias-primas para a normatização e padronização dos serviços, o mesmo dificilmente pode ser esperado quando se trata de manifestações da ―questão social‖. Aqui cabe uma crítica a transposição de um modelo formalabstrato, construído sob uma base teórico-metodlógica que fundamentada a pesquisa epidemiológica para o campo das ciências sociais. Esta, ao limitar a análise das complexas relações presentes na totalidade social. As consequências desse processo podem de fato ter impactos perversos na tradição crítica historicamente construída no Serviço Social. (MOTA, 2010, p. 195) Outro aspecto é a relação entre a natureza e dimensão dos níveis de complexidade das necessidades dos usuários e dos serviços em face das competências específicas do conjunto dos profissionais que atuam no SUAS. Destaca-se, então, a importância do olhar crítico do assistente social para romper com as ―especificidades acadêmicas‖ e intervir com qualidade e comprometimento profissional. O quarto desdobramento apresentado por MOTA (2010) refere-se à organização da rede socioassistencial. Onde cabe ao profissional do Serviço Social compreender o significado deste processo nas parcerias com outros setores em prol do bom funcionamento da política de Assistência Social. O quinto item proposto pela autora consta a compreensão do novo modelo de financiamento da assistência sobre a pactuação dos recursos federais de acordo com o nível de proteção. Esta nova modalidade de financiamento rompe com a histórica prática dos recursos carimbados e imprimem uma outra lógica para alocação dos recursos financeiros e uma demanda diferenciada para os Conselhos. (MOTA, 2010, p.196) O sexto desdobramento refere-se, como tratada anteriormente neste trabalho, a histórica caracterização da política como ação compensatória e seletiva para a parte da população mais pauperizada, tendo como maior destaque os programas de transferência de renda e a condição de política estruturadora que a PNAS tenderá assumir nos municípios brasileiros (MOTA, 2010, p. 196). O último desdobramento refere-se ao que a autora chama de ―principal tensão presente na formação e nas competências profissionais dos assistentes sociais‖ (MOTA, 2010, p. 197) onde a mesma afirma ser fundamental ao assistente social a compreensão da necessidade da política de assistência, 54 devido a pobreza existente, mas sem hiperdimensionar o papel da Assistência Social no enfrentamento da questão social. Sem desconsiderar as condições objetivas que estão envolvidas na prática profissional e que requerem conhecimentos específicos que deem conta das particularidades e singularidades da Assistência Social, reafirmamos uma célebre citação marxista para justificar a importância da formação profissional no desvelamento da realidade sobre a qual incidirá a política de Assistência Social: se aparência e essência coincidissem, todo o esforço do conhecimento seria inútil. (MOTA, 2010, p. 197) Diante os principais desdobramentos necessários acerca da prática profissional, torna-se pertinente fazer referência as condições disponíveis ao profissional para elaborar meios e instrumentos de trabalho. Quem dispõe dos meios de trabalho – materiais, humanos, financeiros etc, -, necessários a efetivação dos programas e projetos de trabalho é a entidade empregadora, seja ela estatal ou privada. (...) o assistente social, em função de sua qualificação profissional, dispõe de uma relativa autonomia teórica, técnica e ético-política na condução de suas atividades. (IAMAMOTO, 2012, p. 99) Diante o contexto apresentado sobre o histórico do Serviço Social, as novas diretrizes e serviços da política de assistência social e o trabalho do assistente social, este trabalho visa, além de identificar a organização da Proteção Social Básica e como os referenciais ético-teórico-metodológicos têm sido apropriados na intervenção profissional diante do PAIF, é importante descrever os saberes e práticas do Assistente Social nesse serviço. Ressalto que a carga horária de trabalho semanal exercida pelos sujeitos da pesquisa cumpre com a ―Lei das 30 horas13‖, excetuando cargo de chefia, pois, uma das assistentes sociais entrevistadas é coordenadora do equipamento, onde esta segue a jornada de 40 horas semanais Porém, o que nos interessa não é apenas o cumprimento da carga horária em si, mas o tempo de trabalho necessário ao planejamento e 13 Sanção presidencial do PLC 152/2008 no dia 26 de agosto de 2010, o Diário Oficial da União (DOU), 27 de agosto de 2010, na seção 1, publica Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010 que altera o artigo 5° da Lei de Regulamentação Profissional (Lei 8662/1993): ―art. 5-A A duração do trabalho do Assistente Social é de 30 (trinta) horas semanais‖. A mesma Lei afirma que a redução da carga horária deve acontecer sem redução de salário. 14 Essa modalidade do Programa de Aquisição de Alimentos foi criada para contribuir com aumento do consumo de leite pelas famílias que se encontram em situação de insegurança alimentar e também incentivar a produção de agricultores familiares. O PPA Leite atua no território da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), sendo beneficiados todos os estados da região Nordeste e também o norte de Minas Gerais. 55 execução de um trabalho profissional na direção dos interesses dos usuários e a forma como este tempo de trabalho é utilizado. Indagadas se as atividades exercidas no CRAS permitem que desempenhe, em tempo hábil, as evoluções nos prontuários e preencha as fichas (em anexo) que contabilizam os atendimentos individualizados e em grupo, foram obtidas as seguintes respostas: ―Em virtude do acúmulo de atividades os registros acabam sendo prejudicados‖ (AS 1) ―Não. Mas essa resposta não é absoluta já que, às vezes, consigo fazer evoluções e, às vezes não. Mas, em geral, não dá tempo.‖ (AS 4) ―No CRAS há uma extensa demanda para o serviço social, sendo necessário a utilização de toda a semana para atender as demandas dos usuários. As evoluções são realizadas entre os atendimentos e, muitas vezes, não conseguimos realizar durante o expediente. A redução para as 30 horas não significou redução do trabalho. Necessita de mais profissionais do serviço social‖. (AS 5) Cada CRAS conta com duas assistentes sociais para atendimento de demandas e execução do PAIF, estando uma de 8 horas às 14 horas e outra das 11 horas às 17 horas. Nessa perspectiva, cada equipamento atua, na maior parte do tempo, com apenas uma assistente social. As atividades das assistentes sociais no CRAS de Maracanaú são: ações particularizadas e em grupo, execução de recurso para o Programa Bolsa-família, visitas institucionais e domiciliares, atendimento as famílias beneficiárias do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA Leite14, busca ativa, encaminhamentos para rede socioassistencial, ações comunitárias, confecção de relatórios para encaminhamentos, preenchimento das fichas de atendimento, bem como as evoluções dos casos dos usuários, entre outras. ―o Programa Bolsa-família requer muito da estrutura física e dos agentes administrativos do CRAS. Em época de recurso o atendimento fica comprometido, pois não há mais tempo pra fazer nada devido ao curto prazo de tempo pra regularizar os benefícios dos usuários. O Bolsa-família acaba engolindo o PAIF‖ (AS 3) 14 Essa modalidade do Programa de Aquisição de Alimentos foi criada para contribuir com aumento do consumo de leite pelas famílias que se encontram em situação de insegurança alimentar e também incentivar a produção de agricultores familiares. O PPA Leite atua no território da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), sendo beneficiados todos os estados da região Nordeste e também o norte de Minas Gerais. 56 Diante desta afirmativa, teme-se que as assistentes sociais tornem-se apenas reprodutoras de políticas públicas, sem espaço para reflexão de seu trabalho. É notório dentro dos CRAS o conflito existente entre a lógica do benefício e a lógica do serviço, refletida na lógica orçamentária destinada à assistência social. Como resultado destas determinações no processo de constituição da profissão, a intencionalidade dos assistentes sociais passa a ser mediada pela própria lógica da institucionalização, pela dinâmica da instauração da profissão e pelas estruturas em que a profissão se insere, as quais, em muitos casos, submetem o profissional, melhor dizendo, os assistente sociais ―passam a desempenhar papéis que lhes são alocados por organismos e instâncias (...)‖ próprios da ordem burguesa no estágio monopolista (Netto, 1992: 68), os quais são portadores da lógica do mercado. Assim, o assistente social adquire a condição de trabalhador assalariado com todos os condicionamentos que disso decorre. (GUERRA, 2009, P. 7) Nesse sentido, é preocupante que o comprometimento da política no trabalho social com as famílias no âmbito do PAIF não esteja sendo executado de forma a atender os objetivos do serviço. Compreendemos como trabalho social com as famílias: Conjunto de procedimentos efetuados a partir de pressupostos éticos, conhecimento teórico-metodológico e técnico-operativo, com a finalidade de contribuir para a convivência, reconhecimento de direitos e possibilidades de intervenção na vida social de um conjunto de pessoas, unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade que se constitui em um espaço privilegiado e insubstituível de promoção e socialização primárias, com o objetivo de proteger seus direitos, apoiá-las no desempenho da sua função de proteção e socialização de seus membros, bem como assegurar o convívio familiar e comunitário, a partir do reconhecimento do papel do Estado na proteção às famílias e aos seus membros mais vulneráveis. Tal objetivo materializa-se a partir do desenvolvimento de ações de caráter ‗preventivo, protetivo e proativo‘, reconhecendo as famílias e seus membros como sujeitos de direitos e tendo por foco as potencialidades e vulnerabilidades presentes no seu território de vivência. (MDS, 2012, p. 12) A tabela abaixo mostra, em números, a situação das famílias acompanhadas por cada CRAS segundo dados atualizados da equipe de Vigilância Social da SASC que foram fornecidos a esta pelo MDS através de informações obtidos a partir dos dados do CadUnico: 57 TABELA 5: Quantitativos de famílias em vulnerabilidade dos campos de pesquisa CRAS: Características Família com renda familiar per capita inferior a um quarto de salário mínimo Família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo Família com pessoas de 0 a 12 anos Família com pessoas de 13 a 18 anos Família na qual há pessoa com 4 a 14 anos que não estuda Família na qual há pessoa com 10 a 15 anos que trabalhe Família na qual há pessoa com 16 anos ou mais, desocupado, procurando trabalho Famílias com pessoas de 60 anos ou mais Famílias com pessoas com deficiências Famílias na qual há um chefe mulher,sem cônjuge Família com pelo menos um responsável analfabeto Família residindo em domicilio com serviço de infraestrutura inadequado (sem banheiro e sanitário,sem esgoto,sem tratamento do lixo,sem água tratada) FONTE: VIGILÂNCIA SOCIAL – SASC MARACANAÚ Antônio Justa 2824 Piratininga 2471 3555 2916 1008 884 97 1214 909 56 1 1274 2 1566 698 130 1537 408 81 441 186 1278 589 153 Através destes dados, podemos constar o alto índice de famílias que sobrevivem com renda per capita baixa e, entre estas, foi possível constarmos que várias estão em situação de pobreza e extrema pobreza15, bem como de evasão escolar, trabalho infantil, desemprego, idosos e deficientes (o que requer atenção a necessidade do Benefício de Prestação Continuada – BPC), analfabetismo e famílias que residem sem os mínimos de moradia digna e são expostas falta de água tratada, saneamento básico e banheiros. Diante disso, é notório afirmar que um assistente social por turno é insuficiente para suprir as necessidades de todas as demandas existentes nos CRAS. Vale ressaltar que a Resolução Nº 09/2009 do Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, que dispõe sobre os benefícios eventuais de Maracanaú, considerava como elemento fundamental para concessão destes o critério de renda. A família teria direito ao benefício eventual solicitado se tivesse renda per capita menor que ½ salário mínimo, indo em confronto a 15 Segundo orientações do MDS, são consideradas famílias em situação de extrema pobreza aquelas que possuem renda per capita inferior a R$ 70,00 mensais. 58 universalidade dos direitos assistenciais previstos na Carta Magna. Em 2011, o CMAS, através da Resolução Nº 11/2012 revoga o critério de renda e assume critérios de elegibilidade pautados na comprovação de residência em Maracanaú, obrigatoriedade de estar o solicitante inscrito no CadÚnico e apresentar documento original e cópia do RG e/CPF do usuário. Quanto a questão de estrutura física para realização de tais atividades, indagadas se o equipamento contempla a estrutura adequada para realização de atividades para atendimento particularizado (preservando o sigilo do usuário) e a realização de grupos (socioeducativo ou de gestantes, por exemplo), obtivemos as seguintes respostas: ―[no CRAS Antônio Justa] Para atendimento particularizado sim e há condições de preservar sigilo. Para atendimento a grupos apenas até o limite de 20 pessoas. No entanto, não há acessibilidade [a sala encontra-se no andar superior do prédio]. Vale ressaltar que o espaço para grupos é disputado entre os projetos, programas e serviços‖. (AS 2) ―O CRAS Piratininga possui uma ampla estrutura física, porém necessita de espaços reservados para grupos, como locais fechados com ar [condicionado], que resguardam as informações prestadas e ampliação dos espaços de atendimento, onde os usuários possam de fato ter suas declarações em sigilo, oferecendo aos profissionais condições para o exercício profissional, conforme estabelecido no Código de Ética e nas Resoluções/CFESS‖. (AS 5) O CRAS Antônio Justa possui estrutura limitada onde os profissionais dispensaram inscrições de adolescentes com deficiência física no Pró-jovem16 pois a sala de atendimento coletivo encontra-se no andar superior. O atual presidente do Conselho Municipal de Assistência Social de Maracanaú também cancelou reuniões na instituição por ser cadeirante. O Conselho Federal de Serviço Social - CFESS dispõe sobre o local de trabalho do assistente social: Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: a- iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização 16 É um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes e Jovens de 15 a 17 anos (Projovem Adolescente) que tem por foco o fortalecimento da convivência familiar e comunitária, o retorno dos adolescentes à escola e sua permanência no sistema de ensino. Isso é feito por meio do desenvolvimento de atividades que estimulem a convivência social, a participação cidadã e uma formação geral para o mundo do trabalho. (BRASIL, MDS, 2012) 59 institucional; b- recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional; c- ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas; d- espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado. Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fechadas, de forma a garantir o sigilo. (RESOLUÇÃO CFESS Nº 493, de 21 de agosto de 2006) O período desta pesquisa ocorreu durante campanha política e, mais que isso, durante o fim de gestão e, no intuito de fechamento de contas e recursos para início de uma nova gestão, ocorreu, na época, corte de custos como: redução da verba para gasolina dos carros dos CRAS, atraso nos salários e nos pagamentos do 13º salário aos servidores, redução do horário de funcionamento do CRAS – estes funcionavam 8 horas por dia, de segunda à sexta e passou a funcionar apenas por 4h na sexta, redução de material de expediente, dispensa de estagiários e a escassez de benefícios eventuais. As ações do PAIF devem ser planejadas e avaliadas com a participação das famílias usuárias, das organizações e movimentos populares do território, visando o aperfeiçoamento do Serviço, a partir de sua melhor adequação às necessidades locais, bem como o fortalecimento do protagonismo destas famílias, dos espaços de participação democrática e de instâncias de controle social. (MDS, 2012, p. 14) Diante as limitações profissionais perante estrutura e administração, questionei aos sujeitos da pesquisa se o município contribui para a participação dos usuários na Política de Assistência Social de forma efetiva através do Conselho Municipal e dos Conselhos Locais. As respostas foram as seguintes: ―O CRAS Piratininga ainda não formou seu conselho local. Porém, percebe-se que não há participação efetiva dos usuários no Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, onde muitos desconhecem o conselho e sua importância para fiscalização da política de assistência no município‖. (AS 5) ―A participação popular é um grande desafio. O CRAS procura mobilizar, convidar, informar da importância da participação do usuário, mas nem sempre consegue fazer com que a mesma se efetive. Até porque nos cabe incentivar, mas a decisão é do usuário.‖ (AS 3) ―Na minha opinião não. Inclusive em entrevista que realizei há meses atrás com o presidente do CMAS, não identifiquei ações que estimulem essa participação por parte dos usuários‖. (AS 4) ―Sim. A existência do CLAS tem possibilitado maior participação dos usuários e técnicos, embora ainda tenha muito que avançar‖. (AS 1) 60 As diferenças entre as respostas da indagação referida se deram devido as mudanças estruturais dos equipamentos, pois, enquanto o CRAS Antônio Justa tem 6 (seis) anos de existência, o CRAS Piratininga tem, até essa data, 5 (cinco) meses com a equipe montada e poucos dias de equipamento funcionando. Vale ressaltar que o CRAS Piratininga adveio de um desmembramento do CRAS Jereissati, que é o maior CRAS em número de famílias atendidas. Sobre essa temática, BOSCHETTI (2007) se atém para o que ela chama de ―desmonte da Seguridade Social‖, afirmando que (...) a fragilização dos espaços de participação e controle democrático previstos na Constituição, como Conselhos e Conferências. Enquanto instâncias deliberativas e participativas,os Conselhos não estão sendo consolidados. Primeiro, pela extinção do Conselho Nacional de Seguridade Social, que tinha a função de articular as três políticas e atribuir unidade ao sistema. Em seguida, pela extinção dos Conselhos locais de Previdência Social, o que denota a intenção de centralização no Conselho Nacional de Previdência Social. E, sobretudo, pelo movimento de institucionazação dos conselhos, quase como um setor do estado. Essas iniciativas dificultam a consolidação como espaço autônomo de participação, controle democrático e fiscalização. (BOSCHETTI, 2007, p. 13/14) Apesar da inclusão e da evolução do número de usuários participantes nas Conferências Municipais de Assistência Social de Maracanaú, os Conselhos Locais ainda se encontram fragilizados pela falta de informação, interesse e pela formação cultural local. As reuniões dos membros do Conselho Local contam com, no máximo, três participantes estando muitas vezes impossibilitadas de acontecer devido a escassez de participantes. Sobre a capacitação dos funcionários, a SASC promove cursos de capacitação para os profissionais da assistência social de forma esporádica e geralmente limitada a poucos profissionais. Porém, com o número insuficiente de funcionários no PAIF, a ausência de profissionais para participação em cursos compromete o atendimento dos usuários no equipamento, bem como denota um acúmulo de atividades quando o curso se estende por alguns dias. O interesse dos sujeitos da pesquisa em se aterem a uma pós-graduação também denota a importância da continuidade no aprimoramento teórico. Sobre os pontos positivos do exercício profissional no CRAS, obtivemos como respostas: 61 ―A autonomia do profissional na sua relação com o usuário; a existência dos instrumentos legais da política; reconhecimento dos usuários do trabalho realizado pelos profissionais; equipe integrada e maior parte contratada através de concurso público‖. (AS 2) ―Conhecimento geral das demais políticas; possibilidade de trabalhar em rede; conhecimento do território, o que possibilita trabalhar potencialidades e vulnerabilidades de indivíduos e famílias‖. (AS 4) A autonomia dos assistentes sociais em espaços como os CRAS são vias de acesso de informações e orientações que esses profissionais podem dirigir aos usuários em meio às alienações culturalmente impostas pelo Estado, como encaminhamentos, situar o usuário sobre as limitações das políticas e incentivo a reivindicação de direitos nas ouvidorias municipais e Ministério Público, sem que seja lesado em seu trabalho por tais ações. Ser efetivada através de concurso público concede ao servidor maior autonomia. Muitos usuários ainda veem o atendimento nos CRAS como prática de caridade e não como direito. Sobre os pontos negativos do exercício profissional dos técnicos no CRAS, temos: ―Falta de fluxos para a proteção social especial, assim como para outras políticas setoriais, ex.: habitação; falta de uma rede de proteção melhor estruturada para a proteção social especial‖. (AS 4) ―Escassos recursos para a Política de Assistência Social; inexistência de um monitoramento com qualidade; instrumentais utilizados pelos profissionais construídos sem a participação dos mesmos; a não sistematização o repasse dos benefícios eventuais, pois muitas vezes não chegam para o repasse; estrutura inadequada‖. (AS 2) ―Infraestrutura inadequada; tempo reduzido para estudos e pesquisas; escassez de material (mobília, material pedagógico); sobrecarga de trabalho.‖ (AS 3) ―Falta condições materiais para o trabalho do Assistente Social; equipe mínima no CRAS, elevando a demanda para o Serviço Social; estrutura física inadequada, falta carro para as visitas, falta delimitação do que é privativo do assistente social, falta sigilo nos documentos (prontuários de acesso a toda equipe)‖. (AS 5) O fluxo para proteção social especial (de média e alta complexidade) é burocrática e os profissionais da rede socioassistencial têm pouco espaço (físico e de tempo) e recurso para trabalhar com as famílias em acompanhamento não existindo retorno ao CRAS e a família, uma vez encaminhada, recorre a este novamente por ser a instituição mais acessível no território. 62 Apesar do monitoramento fazer parte das ações de gerenciamento do PAIF, as limitações já apresentadas no decorrer deste capítulo dificultam o acompanhamento contínuo em relação aos objetivos e metas cumpridas pelo serviço. Diante a exposição dos pontos positivos e negativos, as assistentes sociais foram questionadas sobre possíveis sugestões para o melhoramento estrutural e técnico-operativo no que se refere ao exercício de atividades pertinentes ao PAIF, as assistentes sociais responderam que: ―Ampliação do número de profissionais; priorização do PAIF; melhoria salarial; capacitações sistemáticas; adequação da estrutura física do CRAS; qualificação no monitoramento (municipal e estadual)‖. (AS 1) ―Qualificar o monitoramento, tanto na esfera estadual como na municipal; priorizar as atividades do PAIF; realizar mudanças com relação aos benefícios eventuais; ampliar a equipe do PAIF; melhorar o salário dos profissionais; realizar capacitações sistematicamente‖. (AS 2) ―Tempo disponível para estudo, pesquisa, produção científica; ampliação da equipe; discussão com os profissionais de outras áreas (psicologia e pedagogia) o que é específico de cada área; criação de um sistema informatizado de acompanhamento familiar; computadores com internet à disposição para uso dos técnicos‖ (AS 3) ―Melhores condições de trabalho (físico, definição de fluxos, condições salariais, etc.); que a política de assistência seja levada a sério, com a destinação efetiva e suficiente de recursos financeiros, materiais e humanos, para que os programas, projetos, serviços e benefícios sejam disponibilizados a contento para o público que deles necessitam‖. (AS 4) ―Melhoria das condições objetivas (materiais) e subjetivas do trabalho do assistente social; ampliação dos números de assistentes sociais nas equipes e investimento no processo de capacitação profissional‖. (AS 5) As afirmativas dos sujeitos desta pesquisa trazem elementos que nos fazem refletir sobre as propriedades das políticas sociais se confrontando com a prática no campo. Para aprimoramos essas afirmativas considerando os capítulos anteriores, chegamos às considerações finais. 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em sua trajetória histórica, os serviços socioassistenciais foram marcados pela fragmentação por estarem situado no embarque político entre interesses de classes que permeiam entre público e privado. A consolidação da assistência social enquanto política pública de responsabilidade do Estado e de direito do cidadão convivem cotidianamente com resquícios de uma cultura permeada de patrimonialismo e de práticas clientelistas. O município de Maracanaú seguiu a evolução histórico-cultural da Política de Assistência Social no Brasil, passando do primeiro damismo à implantação e reconhecimento do enfrentamento das vulnerabilidades dos usuários para além da forma caritativa, para o reconhecimento dos usuários da política como sujeitos de direito. O município seguiu também a herança do pouco investimento na política de assistência social quando comparada as outras políticas que compõem a seguridade social. Os CRAS, sendo campo de pesquisa deste trabalho, compõe, dessa forma, como campo de conflito entre a consolidação do SUAS e a cultura assistencialista e seletiva que permeia o Serviço Social e suas contradições históricas. O assistente social como profissional do PAIF acaba sendo induzido, pelas políticas administrativas meramente reprodutoras dos gestores, a executar seu trabalho como uma ―política social para os mais pobres‖ e agindo de forma operativa na execução das atividades pertinentes, assumindo no interior dos CRAS as funções de executores terminais de políticas públicas. Vale ressaltar que a evolução da Política de Assistência Social é inegável. Historicamente, pudemos acompanhar o grande avanço nos aparatos legais que cercam o Brasil e, ainda que sua concretude ocorra de forma lenta, as perspectivas sobre essa política são crescentes mesmo dentro de um 64 campo repleto de dicotomias entre o público e o privado e entre os direitos e deveres do Estado neoliberal. A criação do SUAS norteou e fortaleceu a Política de Assistência Social brasileira. Não podemos deixar de reconhecer que o SUAS é um avanço das relevância histórica na trajetória de uma política que tem sua gênese baseada em doutrinas religiosas de cunho caritativo e filantrópicas, porém, assim como todas as leis referentes à política de assistência, enfrenta muitos desafios para sua consolidação. Podemos afirmar através das falas discorridas neste trabalho que é insuficiente a oferta de assistentes sociais nos CRAS para a demanda de famílias, esses profissionais atendem uma série de demandas muitas vezes de forma descontínua e fragmentada decorrente do alto número de atividades de sua responsabilidade na instituição, o que acaba comprometendo os atendimentos individuais e em grupo, os acompanhamentos de famílias que necessitam de maior atenção e demais atividades indispensáveis para execução do PAIF. No tocante das afirmativas dos sujeitos da pesquisa expostas no terceiro capítulo deste trabalho, compreendemos a ciência dos mesmos sobre as limitações encontradas para obter um desempenho adequado no interior dos CRAS que tem como finalidade atender os objetivos do PAIF. Sabe-se que o Serviço Social, por ser uma profissão interventiva, exige do profissional uma avaliação crítica da qualidade dos serviços e de uma maior ênfase na dimensão investigativa, pois essa intervenção tem a finalidade de ter resultados e respostas às famílias atendidas. Vale ressaltar que é através da mediação da pesquisa da realidade que o assistente social encontra possibilidades de uma nova prática do seu exercício profissional, transformando os limites em projetos de intervenção. Consoante, a ineficiência e insuficiência do fluxo de trabalho e de benefícios eventuais para atender as demandas desestimulam o usuário da política de assistência social e, apesar de todos os assistentes sociais das instituições do campo de pesquisa serem concursadas, permitindo uma maior autonomia na prática profissional, esse desestímulo e incredibilidade do 65 usuário com a política demanda outro desafio ao profissional: o de inseri-lo no conhecimento do espaço democrático onde vive, informando-o seus direitos para assim reivindicá-los. Essa questão nos leva a uma maior atenção para as práticas não imediatistas, onde estas podem muitas vezes ser vistas como práticas assistencialistas devido a falta de tempo, espaço e recursos. As normas operacionais do MDS denotam que o acompanhamento das famílias através do PAIF deve ter por objetivo o enfrentamento das vulnerabilidades e prevenção de riscos sociais, porém, com todas as limitações citadas o cumprimento desses objetivos fica prejudicado. Ao pontuar essas observações de caráter conclusivo acerca dos dados coletados no campo de pesquisa, podemos destacar que o processo de implantação do SUAS é um processo que ocorre na esfera teórico-normativo afetando a organização e estruturação dos serviços socioassistenciais. Ter um modelo de proteção social não é sinônimo que este esteja pronto para ser executado de forma eficiente e eficaz. Implantar um novo modelo de política exige construções e mudanças, e estando esse modelo inserido num campo de interesses diversos, sua execução fica ainda mais comprometida. Estagiar na assistência social, sendo um espaço com limitações e conflitos inicialmente pode ser desestimulante para pensar em seguir uma carreira profissional, mas, vale ressaltar, que é justamente num campo de conflitos que se instaura o Serviço Social na sociedade brasileira e é neste campo que devemos pensar criticamente e criativamente meios para superação das expressões da questão social o que é universal no modelo de sociedade que vivemos. 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 3 ed. São Paulo: Boitempo, 1999. BARROCO, Maria Lúcia Silva. Código de Ética do/a Assistente Social comentado. Maria Lúcia Silva Barroco, Sylvia Helena Terra; Conselho Federal de Serviço Social – CFSS (org.). São Paulo: Cortez, 2012. BEHRING, Eliane Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2009. BRASIL. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2011. ______. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2005. ______. Conselho Nacional de Assistência. Tipificação Nacional de Serviços socioassistenciais (Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009). Brasília: MDS, 2009. ______. Conselho Nacional de Assistência. Consolidar o SUAS e valorizar seus trabalhadores. VIII Conferência Nacional de Assistência Social. Brasília: CNAS, 2011. ______. Orientações Técnicas Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Brasília: MDS, 2009. ______. Lei Orgânica de Assistência Social: Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Brasília: Senado Federal, 1993. ______. Norma Operacional Básica. Brasília: MDS, 2005. 67 ______. Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 1: O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF, segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília: MDS, 2012. ______. Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 2: Trabalho Social com Famílias do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF. Brasília: MDS, 2012. Relatório de Gestão da Secretaria de Assistência Social e Cidadania de Maracanaú. Ceará, 2006. Relatório de Gestão da Secretaria de Assistência Social e Cidadania de Maracanaú. Ceará, 2012. BRAZ, Marcelo. In. CFESS Revista Inscrita. Ano VII. Nº X. Brasília: 2007. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de; Netto, José Paulo. Cotidiano: conhecimento e crítica. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1994. CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. 9 ed. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villalobos. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2008. CFESS. O Sistema Único de Assistência Social: uma realidade em movimento. Berenice Rojas Couto... [et al.]. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2011. CFESS. O trabalho do assistente social no SUAS: seminário nacional. Conselho Federal de Serviço Social – CFESS. Brasília: CFESS, 2011. CFESS. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília, 2010. CFESS. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=872> Acessado em 11 de dezembro de 2012. FRAGA, Cristina Kologeski. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n101/04.pdf> Acessado em 12 de novembro de 2012. 68 GUERRA, Yolanda. Disponível em: <http://www.cedeps.com.br/wp- content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf> Acessado em 11 de dezembro de 2012. IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2011. IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2003. IAMAMOTO, Marilda Villela. O serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 22 ed. São Paulo: Cortez, 2012. IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e serviço social no Brasil. 36 ed. São Paulo: Cortez, 2012. LESSA, Sérgio. Serviço Social no trabalho: porque o serviço social não é trabalho. Maceió: EDUFAL, 2007. LOPES, Cinthia Fonseca; CRUZ, Erivânia Bernardino. Vade Mecum do Serviço Social. Cinthia Fonseca Lopes e Erivânia Bernardino Cruz (org.). 2 ed. Fortaleza: Premius, 2012 MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2009. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 3ª ed. São Paulo: HUCITEC – ABRASCO,1994. MOTA, Ana Elizabete (org.). O Mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2010. NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. NETTO, José Paulo. In. CFESS Revista Inscrita. Ano VII. Nº X. Brasília: 2007. PEREIRA, Potyara A. P. Política social: temas e questões. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2011. 69 RAMOS, Sâmia Rodrigues. In. CFESS Revista Inscrita. Ano VIII. Nº XII. Brasília: 2009. SILVA, Ivone Maria Ferreira da. Questão Social e Serviço Social no Brasil. 1 ed. Mato Grosso: UFMT, 2000. VASCONCELOS, Ana Maria. A prática do serviço social: cotidiano,formação e alternativas na área de saúde. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2011. 70 APÊNDICE 71 QUESTIONÁRIO – Nº _____________ -----------------------------------Perfil Sócio econômico-------------------------------------- 1. Faixa etária: ( ) 20 à 25 anos ( ) 40 à 45 anos ( ) 25 à 30 anos ( ) 45 à 50 anos ( ) 30 à 35 anos ( ) 50 à 55 anos ( ) 35 à 40 anos ( ) 55 à 60 anos 2. Formação: ( ) Superior completo ( ) Especialização, caso assinale, em que? ______________________________ ( ) Mestrado, em que? ______________________________________________ ( ) Doutorado, em que? _____________________________________________ 3. Ano de conclusão do ensino superior? _____. Onde?_____________________ 4. Possui outra formação além do Serviço Social? ( ) Sim ( ) Não Caso responda ―Sim‖, qual? ___________________________ 5. Quanto tempo trabalha num CRAS em Maracanaú? ______________________ 6. Vínculo de trabalho? ( ) concursada ( ) contratada 7. Qual a carga horária semanal? _______________________________________ 8. a. Quando fez o último curso de capacitação?___________________________ b. Esse curso foi financiado por: ( ) você ou; ( ) Secretaria de Assistência Social e Cidadania – SASC 72 9. Faixa salarial (líquido) (R$): ( ) 1500,00 à 2000,00 ( ) 2000,00 à 2500,00 ( ) 2500,00 à 3000,00 ( ) 3000,00 à 3500,00 ( ) 3500,00 à 4000,00 ( ) 4000,00 à 4500,00 ( ) 4500,00 à 5000,00 11. Possui outro emprego? ( ) Não ( ) Sim; em Serviço social? ( ) Não ( ) Sim; carga horária?_____________________ 12. Possui vínculo com o sindicato da categoria? ( ) Sim ( )Não --------------------------------------- Prática Profissional-------------------------------------- 13. Condições de trabalho a. O CRAS que você trabalha contempla a estrutura adequada para realização de atividades para o atendimento particularizado (preservando o sigilo do usuário) e a realização de grupos (socioeducativo ou de gestantes, por exemplo)? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ________________________________________________________________ 73 b. As atividades exercidas no CRAS permitem que você desempenhe, em tempo hábil, as evoluções nos prontuários e preencha as fichas que contabilizam os atendimentos individualizados e em grupo? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ________________________________________________________________ c. O município de Maracanaú contribui para a participação dos usuários na Política Municipal de Assistência de forma efetiva através de Conselhos Municipais e Locais? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ________________________________________________________________ 14. Geral a. Quais os pontos positivos do exercício profissional no CRAS? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ________________________________________________________________ b. Quais os pontos negativos do exercício profissional no CRAS? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ________________________________________________________________ c. Sugestões para melhorar o desempenho profissional dos técnicos no CRAS? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ________________________________________________________________ 74 ANEXOS 75 ANEXO I – Ofícios para autorização de pesquisa 76 77 ANEXO II – Instrumental: ficha de atendimento familiar 78 79 ANEXO III– Instrumental: prontuário de acompanhamento familiar 80 81 82 83 ANEXO IV – Instrumental: lista de frequência mensal (grupos) 84 ANEXO V – Instrumental: relatório de atividades dos profissionais de nível superior (mensal) 85 ANEXO VI – Instrumental: Ficha de planejamento 86 ANEXO VII – Instrumental: ficha de identificação de coletivos (grupo) 87 ANEXO VIII – Instrumental: ficha de visitas domiciliares (mensal) 88 ANEXO IX – Instrumental: Ficha de serviços (PAIF) 89 ANEXO X – Resolução Nº 11, de 17 de maio de 2012, do CMAS Maracanaú 90 91 92 93 94 95 96 97 98