O Sistema de Operações sobre Signos segundo a Epistemologia Genética Dr. Ricardo Pereira Tassinari – Departamento de Filosofia - UNESP Última Atualização: 13/08/10 Vimos, no texto didático A Ciência Contemporânea e a Noção de Modelo, que a noção de modelo desempenha um papel essencial na Ciência Contemporânea. Em especial, vimos como a noção de sistema de operações sobre signos era essencial à noção de modelo. Neste texto, vamos discutir um pouco o Diagrama R sob o ponto de vista de Epistemologia Genética. No texto didático Sobre o Projeto de um Epistemologia Genética, vimos que Jean Piaget é o fundador de duas áreas do conhecimento: a Epistemologia Genética e a Psicologia Genética. Vimos que, segundo Piaget, a Epistemologia Genética se coloca como questão central:' como aumentam os (e não o) conhecimentos? Por quais processos uma ciência passa de um conhecimento determinado, julgado depois insuficiente, a outro conhecimento determinado julgado depois superior pela consciência comum dos adeptos desta disciplina? (PIAGET, 1973, p33). E que, nesse sentido, Piaget nos diz Realmente, se todo conhecimento é sempre vir a ser e consiste em passar de um conhecimento menor para um estado mais completo e mais eficaz, é claro que se trata de conhecer esse vir a ser e de analisá-lo de maneira mais exata possível (PIAGET, 1973, p. 12). Essa análise “de maneira mais exata possível” do “vir a ser” do conhecimento, proposta pela Epistemologia Genética, leva então Piaget a admitir tanto a necessidade de uma análise históricocrítica da evolução do conhecimento científico, quanto a necessidade de uma análise psicogenética, complementar àquela, da constituição do conhecimento e das estruturas necessárias a ele. Com efeito, Piaget nos diz: […] como o problema é da lei do processo [do vir a ser do conhecimento] e como os estágios finais (isto é, atualmente finais) são tão importantes sob este aspecto quanto os primeiros conhecidos, o setor de desenvolvimento considerado pode permitir soluções pelo menos parciais, com a condição, porém, de assegurar uma colaboração da análise histórico-crítica com a análise psicogenética (PIAGET, 1973, p. 13). É por este motivo que, Piaget, em suas pesquisas, acaba por fundar também a Psicologia Genética, área do conhecimento pela qual ele ficou mais conhecido. Com efeito, a Psicologia Genética foi criada com vista à levar a psicologia a sério e fornecer verificações em todas as questões de fato que cada epistemologia suscita necessariamente, mas substituindo a psicologia especulativa ou implícita, com a qual em geral se contentam, por meio de análises controláveis [. . . ] (PIAGET, 1973, p. 13). No entanto, notemos que, apesar da complementariedade entre ambas disciplinas, elas não devem ser confundidas, pois, como nos diz o próprio Piaget: A psicologia genética é a ciência cujos métodos são cada vez mais semelhantes aos da biologia. A epistemologia, em compensação, passa, em geral, por parte da filosofia, necessariamente solidária a todas as outras disciplinas filosóficas [. . . ] (PIAGET, 1973, p. 32). A Epistemologia Genética surge então como uma área de pesquisa que analisa a constituição do conhecimento científico e das estruturas a ele necessárias, tanto do ponto de vista histórico-crítico, quanto em relação ao sujeito que o realiza. É de se notar que, neste sentido, os temas gerais tratados pela Psicologia Genética sempre foram, em sua grande maioria, relativos à constituição das noções e estruturas necessárias ao conhecimento científico, em especial, das noções de: espaço, tempo, causalidade, possibilidade, necessidade, número, classes, relações, conservação da substância, do peso e do volume. Para começar então nossa análise, segundo a Epistemologia Genética, do Diagrama R para Signos, introduzido no texto didático A Ciência Contemporânea e a Noção de Modelo, reproduzimolo abaixo. ↔ Signos ↕ ↕ Ações e Operações sobre significados ↔ Operações sobre signos Significados Diagrama 1: o Diagrama R para Signos. Reescrevemos então o diagrama acima, enumerando as formas de representação que o diagrama implica e substituindo o termo “signo” pelo termo “significante” que, como veremos abaixo, é mais geral que o primeiros. Ficamos então com o diagrama abaixo que chamaremos apenas de Diagrama R. Significados (1) ↔ Significantes ↕ Ações e Operações sobre significados ↕ (2) ↔ Operações sobre significantes Diagrama 2: o Diagrama R. Constatamos então, segundo este diagrama: (1) a utilização da função semiótica, que, por definição, consiste em poder representar alguma coisa (um significado qualquer: objeto, acontecimento, esquema conceitual etc.) por meio de um significante diferenciado e que só serve para essa representação: linguagem, imagem mental, gesto simbólico etc. (PIAGET E INHELDER, 1986, p. 46) Notemos que nesta definição de função semiótica também definimos os termos significado e significante, que só se definem concomitantemente e na própria relação de representação; e (2) a utilização da capacidade de representar operações sobre significados através de operações sobre significantes. Observemos que a análise do Diagrama R aqui empreendida não supõe que todo tipo de conhecimento implica sempre representação: admitimos também um conhecimento prático, um saber fazer, que não necessita de representação (relativo, em um certo sentido, ao lado esquerdo do Diagrama R). Para dar um exemplo de conhecimento deste tipo, suponhamos a ação de destrancar, por exemplo, a porta de nossa casa. Sabemos fazer isso, sabemos destrancar a porta de casa, sabemos realizar esta ação sem que seja necessária a representação dessa ação para realizá-la. Por outro lado, podemos, lembrar que perdemos a chave e, a partir daí, imaginar que será necessário chamar um chaveiro, encontrar seu número de seu telefone, etc. Neste caso, estamos usando de operações sobre significantes para representar uma ação possível de ser realizada. Segundo a Epistemologia Genética, existem dois tipos de significantes diferenciados de seus significados: o símbolo e o signo. De uma forma geral, podemos dizer que um símbolo é um significante (isto é, algo que é usado para designar um significado) que tem uma semelhança com o significado; já um signo, não apresenta essa semelhança. Por exemplo, um desenho é um símbolo (significante) utilizado para representar a coisa desenhada (significado), tal que existe uma semelhança entre o desenho e a coisa desenhada. Já a palavra é um signo, pois não existe, por exemplo, semelhança entre a palavra (significante) “água” (ou “water” ou “wasser”) e a própria água (significado). Vimos então, no texto didático A Ciência Contemporânea e a Noção de Modelo, alguns modelos (em Física, Química, Biologia, Economia e Psicologia) e como eles se apresentam como um sistema de operações sobre signos. Em especial, se somos capazes de realizar operações sobre signos, então1: (1) Podemos realizar uma combinatória de todas as possibilidades em jogo, segundo uma representação dada; para citar um exemplo, consideremos a capacidade de formar o conjunto de todas as partes de um conjunto (para relembrar, observemos que, por exemplo, o conjunto das partes do conjunto {a, b} é o conjunto dos subconjuntos contidos nele, isto é, {ø, {a,}, {b},{a, b}}); (2) Dado uma classe de operações, podemos designá-las por signos e, a partir daí, realizar operações sobre signos que designam aquelas operações e, nesse sentido, realizar operações de segundo nível, ou ainda, de vários níveis, em relação àquela classe de operações; (3) Podemos realizar correlações entre esses diversos sistemas de operação; e (4) Por fim, podemos realizar operações sobre proposições em geral (como no Grupo INRC 2) e, mais especificamente, podemos realizar operações formais de deduzir consequências a partir de hipóteses gerais, como aquelas estudadas pela Lógica, pois, estas também são operações sobre signos. Notadamente, em relação às estruturas necessárias ao conhecimento científico, segundo a Epistemologia Genética (e o resultado dos experimentos realizadas pela Psicologia Genética), estes quatro tipos de sistema de operações sobre signos são característicos do último período de constituição dessas estruturas, Período Hipotético-Dedutivo ou Período das Operações Formais. Para finalizar, notemos que, antes de constituir esses sistemas gerais de operações sobre os signos, o ser humano é capaz de realizar operações sobre símbolos. Essas operações sobre símbolos foram denominados por nós de transfiguração, e, os sistemas de operações sobre símbolos de sistemas de transfigurações, sistema de formas de transfiguração, ou ainda, sistema de esquemas de transfiguração. Tais sistemas de esquemas de transfiguração caracterizam o Período Operatório Concreto, no qual o sujeito consegue operar (por exemplo, contar, seriar, classificar) objetos e situações concretas, portanto, situações que podem ser representadas por um símbolo. Considere o diagrama abaixo que representa (em termos de símbolos) uma situação de seriação em que, temos três bastões A, B e C, tais que A é menor que B e B menor que C, e na qual se apresenta, inicialmente, a criança os bastões A e B, depois, somente B (escondendo-se A) e, por fim, BC. Diagrama 3: um sistema de operações de seriação. 1 Uma visão geral e mais referências podem ser encontradas PIAGET E INHELDER, 1986, Capitulo V e PIAGET, 1983, pp. 27-30 e pp. 240-241. 2 Veja as referências da nota anterior. Esse é um tipo de situação como aquela descrita a seguir por Piaget. Um exemplo especialmente claro é o da seriação qualitativa A B C …, etc. Em todas as idades, uma criança saberá distinguir dois bastões pelo comprimento e julgar que o elemento B é maior que o A Mas, na primeira infância [ou seja, até o final do Período Pré-Operatório, antes de realizar transfigurações], isto é apenas uma relação perceptiva ou intuitiva, e não operação lógica. Com efeito, se se mostra primeiro A B, depois os dois bastões B C, escondendo A sob a mesa, e se pergunta se A (que havíamos comparado com B) é maior ou menor que C (que está sobre a mesa com B), a criança se recusa a concluir (contanto que, naturalmente, as diferenças não sejam muito grandes e não subsistam na memória, ligadas às imagens-lembranças) e pede para vê-los juntos, pois não sabe deduzir A C, de A B e B C. Quando saberá efetuar esta dedução? Somente quando souber construir uma série ou escala de bastões sobre a mesa e, coisa curiosa, elas não o conseguem antes dos seis ou sete anos [mais exatamente, antes do Período Operatório Concreto] […] Ora, vê-se, imediatamente, que esta construção supõe a operação inversa (a reversibilidade operatória): cada termo é concebido, ao mesmo tempo, como o menor de todos os seguintes (relação) e como o maior dos que o precederam (relação), permitindo ao sujeito encontrar seu método de construção, assim como intercalar novos elementos, depois que a primeira série completa foi construída. (PIAGET, 1967, pp. 52-53) Vemos então que a compreensão do “método de construção” (citado acima) pelo sujeito é a expressão da existência de um sistema de esquemas de transfigurações que representam ações possíveis na experiência, no caso, a ação de poder vir a comparar A e C e mostrar que A é maior que C. É parte desse sistema de esquemas de transfigurações que é representado esquematicamente no Diagrama 3. Esquematicamente, ainda, para finalizar, podemos relacionar os quatro grandes períodos de constituição da inteligência e das estruturas necessárias ao conhecimento, como no quadro abaixo, lembrando que último período propicia os elementos geral necessários ao conhecimento científico3. Período Sensório-Motor Constituição do sistema de esquemas de ação Período Pré-Operatório Consolidação da função semiótica (mas sem operações sobre símbolos ou signos) Período Operatório Concreto Constituição do sistema de esquemas de operações sobre símbolos Período Operatório Formal ou Hipotético-Dedutivo Constituição do sistema de esquemas de operações sobre signos Tabela 1: Os grandes períodos de constituição das estruturas necessárias ao conhecimento. Referências PIAGET, Jean. Psicologia e Epistemologia: Por uma Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1973. —. Coleção Os Pensadores (A Epistemologia Genética; Sabedoria e Ilusões da Filosofia; e Problemas de Psicologia Genética). São Paulo: Abril Cultural, 1983. PIAGET, Jean, e INHELDER, Bärbel. A Psicologia da Criança, São Paulo: Difel, 1986 3 Para uma visão geral, consulte PIAGET E INHELDER, 1986, e PIAGET, 1983, pp. 6-30 e pp. 235-241.