ESTUDO REOLÓGICO DA POMADA MANIPULADA COM ÁCIDO HIALURÔNICO EXTRAÍDO DA CRISTA DO FRANGO Thiago Gomes Figueira1, Jaqueline de Souza Crusca1, Sérgio Akinobu Yoshioka1,2 1 Programa de Pós Graduação Interunidades Bioengenharia (EESC, IQSC, FMRP), Universidade de São Paulo, São Carlos (SP), Brasil 2 Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos (SP), Brasil E-mail: [email protected] Resumo. O ácido hialurônico é um glicosaminoglicano formado pelo dímero D-glucorônico e D-Nacetilglicosamina e possui uma massa molecular que pode variar de 5000 Da à 3,5 milhões de Da, dependendo de onde é extraído. Este ácido está presente em todas as fases da reparação tecidual, contudo sua presença no adulto reduz cerca de 50% quando comparado ao recém nascido, reduzindo a regeneração tecidual. Com intuito de encontrar um meio de manter uma quantidade significativa de ácido hialurônico durante o processo de cicatrização, esse trabalho teve como objetivo analisar o comportamento reológico de uma pomada manipulada com ácido hialurônico extraído da crista de frango. Para atingir esse objetivo o ácido hialurônico foi extraído e purificado da crista do frango, via método soxhlet, e posteriormente acrescentado em um veículo comercial composto de 10% lanolina e 90% vaselina, por meio de espatulação. Posteriormente foram analisadas duas amostras, uma contendo somente o veículo obtido comercialmente em farmácia de manipulação, e a outra o mesmo veículo comercial acrescido de ácido hialurônico. Essas análises foram realizadas em um reômetro de tensão controlada (AR-1000N - TA Instruments). Como resultado observou-se que uma boa interação entre o veículo comercial e o ácido hialurônico utilizado neste protocolo. Palavras-chave: ácido hialurônico; pomada; ensaio reológico 1. INTRODUÇÃO As pomadas são preparações semi-sólidas que apresentam comportamento reológico plástico. Quando aplicadas sobre a pele, amolecem ou fundem-se com a temperatura corporal e/ou com a força de aplicação. Devem ser facilmente espalháveis e não apresentarem arenosidade (ou granulações), aderindo à pele ou em membranas das mucosas. Consistem em excipientes não-aquosos de fase única contendo um ou mais fármacos dispersos ou dissolvidos. São untuosas e preparadas com excipientes gordurosos ou com polietilenoglicóis. Uma pomada ideal deve apresentar um aspecto homogêneo, não devendo produzir irritação ou sensibilização na pele, nem retardar sua cicatrização. Ela deve ser de consistência mole, inerte, inodora, física e quimicamente estável e compatível com a pele e com os fármacos de uso dermatológico (FERREIRA, 2006). Ainda Ferreira (2006) afirma que as pomadas são utilizadas como veículos para fármacos que destinam a produzir efeito no local ou próximo do sítio de aplicação. Elas também são aplicadas por sua ação emoliente ou protetora da pele. As características de hidratação da pele são determinantes para a gravidade dos sinais clínicos típicos do envelhecimento. Assim, hidratação e anti-envelhecimento são dois conceitos dependentes e intimamente ligados, uma vez que muitos produtos cosméticos com ação anti-rugas possuem na sua composição substâncias como o colágeno e outros constituintes do tecido conjuntivo, como o ácido hialurônico, reivindicando efeito revitalizante (OLIVEIRA, 2009). O ácido hialurônico é definido como sendo uma molécula geneticamente conservada (não muda em diferentes espécies), formada de repetições de dissacarídeos simples (D-glicurônico ácido β-1, 3 - N-acetil - D-glucosamina-β - 1, 4) denominados glicosaminoglicanos não sulfatados (GAGS) (Figura 6) (GALL, 2010). Esse ácido é uma molécula polar altamente solúvel em água, pois, devido a essa propriedade, o ácido hialurônico pode estar ligado a muitas moléculas de água, chegando a altos níveis de hidratação. Por ser uma molécula de alta estabilidade, as soluções à base de ácido hialurônico diferem apenas no tamanho e na massa molecular. A biocompatibilidade do ácido hialurônico não depende da sua síntese de origem, em contraste com outras moléculas, pois a sua estrutura química é invariável, uma vez que todas as células de síntese de ácido hialurônico seguem o mesmo padrão (ROMAGNOLI; BELMONTESI, 2008). A sua concentração varia em torno de 4.100 μg/ml no cordão umbilical, 1400 a 3600 μg/ml no líquido sinovial, 140 a 340 μg/ml no humor vítreo, 200 a 500 μg/ml na derme, 100 μg/ml na epiderme, 0,2 a 50 μg/ml na linfa torácica, 0,01 a 0,1 μg/ml no soro. No reino animal não-humana, as maiores concentrações do ácido hialurônico são encontradas na crista do galo (7500 μg/ml) e na cartilagem do nariz do boi (1200 μg/ml). Também é encontrado na parede de algumas bactérias, como estreptococos, mas está ausente em fungos, bem como em plantas e insetos (GALL, 2010). Estudos mostram que o ácido hialurônico está presente na crista do galo em quantidades significativas (7,5 mg/ml), e mais de 90% do material presente neste local tem uma massa molar acima de 1,2 x 106 Da (YAMADA; KAWASAKI, 2005). O ácido hialurônico pode atuar como um agente antiinflamatório, promover a cicatrização de feridas, reparação dos tecidos e proteger contra a infecção. Pele afetada por condições especiais, tais como a irradiação ultra-violeta, envelhecimento, distúrbios metabólicos ou trauma pode ser controlado em termos de teor de umidade (LOWER, 1998). Graças às suas propriedades reológicas única e incomparável com os de qualquer outro polímero natural ou sintético, o ácido hialurônico tem uma grande variedade de aplicações cosméticas e farmacêuticas, por exemplo, para preencher defeitos de tecidos moles, tais como rugas faciais ou para tratar distúrbios articulares. As propriedades reológicas de soluções deste ácido são muito importantes para essas aplicações, por exemplo, dispositivos viscocirurgico oftalmológicos são classificados de acordo com seu comportamento reológico (GARCÍA-ABUÍN, 2011). Lower (1998) concluiu que o ácido hialurônico, como observado, é normalmente utilizado em formulações cosméticas como potássio ou sal de sódio, Atualmente existem diversos exemplos de aplicações: hialuronato de sódio dimetilsilanol como gel ocular (2%); utilizado também em gel anti-envelhecimento, gel anti-celulite (2%), loção pós-sol reparadora (5%), gel pós-sol anti-inflamatórios (2%), hidratante e protetor labial (3%), complexos géis de cuidados da pele (solução de hialuronato de sódio 20%), loção hidratante de pele (0,3%) e máscara facial (0,01%). Nenhuma outra forma farmacêutica reflete tão intensamente os efeitos da importância da consistência como as preparações para aplicação cutânea. De fato, a consistência destas formas está intimamente relacionada com as suas propriedades cosméticas e, afeta diretamente a facilidade com que a preparação se remove do tubo ou frasco em que se acondiciona, bem como a facilidade com que se espalha e com que adere à zona de aplicação (OLIVEIRA, 2009). Ainda Oliveira (2009) afirma que a consistência não é uma propriedade fácil de definir, na medida em que depende de vários fatores, pelo que pode ser apreciada pela determinação da viscosidade. A viscosidade de um fluido traduz a sua resistência ao fluxo ou movimento, sendo que, quanto maior a viscosidade, menor a velocidade com que o fluido se movimenta. Estas características relacionam-se com a deformação provocada por uma força sobre um material e que são medidas em termos de força, distância e tempo. As condições de deformação e de fluidez da matéria, as quais se encontram condicionadas por numerosos fatores, são compreendidas pela Reologia, um ramo da Físico-Química. Em outras palavras, os ensaios reológicos pretendem investigar as propriedades e o comportamento mecânico de corpos que sofrem uma deformação (sólidos elásticos) ou um escoamento (fluido), devido à ação de uma tensão de corte ou cisalhamento. Com isso promoveu-se um ensaio reológico de uma pomada manipulada com o ácido hialurônico, com a finalidade de avaliar se este ácido promoveria alterações no veículo comercial utilizado. 2. MATERIAL E MÉTODOS O ácido hialurônico foi extraído pelo método de soxhlet, desenvolvido pelo grupo de biomateriais e bioquímica do Instituto de Química de São Carlos/USP, segundo a patente registrada (PI 1000460-2). Este processo consiste da extração e purificação de ácido hialurônico das cristas de frango consiste em liofilizar para desidratar ou secar previamente as cristas, picotar as estruturas e retirar a gordura com aparelho Soxhlet contendo acetona em refluxo cerca de 24h. Posteriormente as cristas são colocadas em água destilada e após 24h a 4ºC são filtradas e adicionado NaCl sólido ao filtrado. Em seguida centrifuga-se e adiciona etanol absoluto (EtOH) ao sobrenadante e aguarda precipitação. O precipitado é seco pelo processo de liofilização e guardado em frasco âmbar até o seu uso (YOSHIOKA; SCABORA, 2009). A preparação envolveu a mistura de um veículo, obtido comercialmente, composto de 10% lanolina e 90% vaselina. Este veículo foi pesado e espalhado em um recipiente de vidro onde, após pesagem, foi colocado o ácido hialurônico obtido, em uma proporção de 1% m/m (ROCHA; REIS, 2005). Ambos foram cuidadosamente misturados com uma espátula, em movimentos de vaivém, até que se obtivesse aparência e consistência homogêneas, levando em torno de 30 minutos. Todo procedimento de mistura foi executado em uma capela de fluxo laminar com radiação de ultravioleta para garantir a sua esterilização. Em seguida, a mistura foi acondicionada em frasco opaco e estéril e conservada em geladeira até o uso. Os estudos foram realizados em um reômetro de tensão controlada (AR-1000N TA Instruments) com sistema acrílico de cone placa com 2º de angulação (60 mm, gap 62 µm), na temperatura de 37 °C. A região viscoelástica foi obtida através de varredura de tensão de 10 a 10000 Pa, onde G’ e G’’ foram medidos como função da deformação à frequência constante de 1,0 Hz. Os ensaios de viscosidade foram efetuados com variação do cisalhamento de 0,001 a 10000 s-1, na temperatura 37ºC. As medidas foram feitas no máximo dois dias após a preparação do creme. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com a mistura, a aparência do veículo comercial não foi alterada após a adição do ácido hialurônico, corroborando com estudos de Girardi (2005), que utilizou a técnica de espatulação em capela de fluxo laminar, para misturar colágeno a um creme comercial. Nesse estudo reológico observou-se que a viscosidade bem como a elasticidade da pomada quando adicionado o acido hialurônico teve um discreto aumento. Essa diferença pode ser notada na Figura 8, que mostra os módulos elásticos (G’) e módulo viscoso (G’’) pela frequência angular. G' G' 10000 G'' Creme G'' Creme + AH 1000 1000 100 100 G'' (Pa) G' (Pa) 10000 10 10 0,1 1 10 100 -1 Frequência Angular (rad seg ) Figura 8: Módulo Elástico e Viscoso em função da freqüência angular para creme e creme + ácido hialurônico (90:10). O ácido hialurônico quando acrescido no creme não diminuiu a viscosidade desde veículo, pelo contrário, ocorreu um discreto aumento no módulo viscoelástico do creme com a mistura, mesmo a mistura ter ocorrido em capela de fluxo laminar sob luz ultravioleta, o que diferencia do trabalho de Daar et al (2010) que submeteu soluções de ácido hialurônico sob radiação (raio-x e gama) e com isso percebeu uma diminuição da viscosidade dessas soluções quando submetido à irradiação. Girardi (2005) em seus estudos constatou que a viscosidade do creme, utilizado por ela, diminui cerca de 10% após a adição do colágeno. Komatsu (2006) estudou as blendas de géis de quitosana com Polivinil Álcool (PVA), e constatou que com o aumento da massa de PVA em sua blenda, aumentou os módulos elásticos e viscoso de sua mistura. O mesmo ocorreu nesse trabalho, onde o aumento tanto de módulo viscoso em relação à taxa de cisalhamento ficou bastante nítido na Figura 9. Os resultados experimentais obtidos sobre a influência da taxa de cisalhamento para todas as condições experimentais mostram que as soluções aquosas de ácido hialurônico são sistemas incluídos em fluidos não-newtonianos e pseudoplástico. Estes resultados estão de acordo com estudos anteriores sobre a influência da presença de hialuronato de sódio sobre o comportamento reológico (GARCÍA-ABDUÍN et al, 2011). 1000 Viscosidade (Pa s) 100 Creme Creme + AH 10 1 0,1 0,01 1E-3 0,01 0,1 1 10 100 1000 10000 -1 Taxa de Cisalhamento (s ) Figura 9: Viscosidade em função da taxa de cisalhamento para mistura de creme + ácido hialurônico. Resultados de Girardi (2005) mostraram que as propriedades elásticas são predominantes, com extensa região viscoelástica linear, mostrando a habilidade das estruturas em resistir às tensões externas, o que corrobora com o presente estudo onde, embora discreta, uma maior viscosidade do creme acrescido do ácido hialurônico em relação à somente o veículo comercial utilizado. Para obtenção desses resultados foi analisado à viscosidade em relação à taxa de cisalhamento de ambos os materiais utilizados conforme observado na Figuras 9. Os resultados seguintes mostram o comportamento visco-elástico do material utilizado em relação a uma porcentagem de deformação aplicada, onde não foram observadas mudanças significativas entre o creme comercial e o creme com ácido hialurônico. Isso demonstra uma grande interação entre eles e uma mistura bem homogênea do veículo comercial com o ácido hialurônico utilizado neste trabalho, conforme pode ser notado na Figura 10. Esse resultados corroboram com o trabalho de Girardi (2005) que em seu creme com colágeno obteve resultados semelhantes ao desse trabalho, mostrando a estabilidade do creme. O termo viscoelasticidade refere-se ao comportamento no qual um material possui simultaneamente propriedades viscosas e elásticas, ou seja, possui uma propriedade encontrada nos líquidos de resistir ao escoamento e possui também uma propriedade elástica encontrada nos sólidos, onde o material sofre deformação quando submetido a uma força qualquer, sendo essa deformação removida quando a força atuante for retirada do sistema, não existindo deformação permanente para um corpo elástico “ideal”. G' (Pa) 10000 G' G' G'' Creme G'' Creme + AH 10000 1000 1000 100 100 10 10 1 1 0,1 0,01 1E-4 0,1 1E-3 0,01 0,1 1 10 100 1000 0,01 10000 100000 % Deformação Figura 10: Módulo elástico e viscoso em função da % deformação Segundo Gacía-Abduín et al (2011), em seus estudos notou que conforme aumentava a concentração da solução de ácido hialurônico em cloreto de sódio à 0,1 M aumentava a viscosidade da mistura, o que corrobora com este presente estudo onde ocorreu um pequeno aumento na viscosidade do creme com ácido hialurônico quando comparado com o creme sem o ácido hialurônico. Park et al (2010) em seus estudos concluiu que uma solução de ácido hialurônico à 0,5 mg/ml em solução tamponante Salivar apresenta valores de viscosidade semelhante à saliva. Em nossos estudos constatamos que o ácido hialurônico à 1%(m/m) no creme também foi encontrado valores de viscosidade semelhantes ao do creme sem a adição de ácido hialuônico. Os resultados demonstraram que, embora muito discreto, houve um aumento no módulo visco-elástico do creme comercial utilizado quando acrescido o ácido hialurônico, porém mantendo o padrão linear do creme sem a adição do material, mostrando assim uma mistura homogênea e sem perda das propriedades originais do veículo comercial utilizado para esse protocolo. 4. CONCLUSÃO Com esse estudo, conclui-se que o ácido hialurônico, quando adicionado, provoca pequena alteração no módulo viscoelástico do veículo comercial, tornando-o um pouco maior, porém essa alteração não foi de forma significativa, não alterando assim as propriedades da pomada, o que possibilita sua utilização. 5. REFERÊNCIAS DAAR, E.; KING, L.; NISBET, A.; THORPE, R. B.; BRADLEY, D. A. Viscosity changes in hyaluronic acid: Irradiation and rheological studies. Applied Radiation and Isotopes. v. 68 p. 746–750, 2010. FERREIRA, A. O., Formas Farmacêuticas Semi-sólidas. ANFARMAG, 2006. GALL, Y. 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In order to find a way to keep a significant amount of hyaluronic acid during the healing process, this study aimed to analyze the rheological behavior of an ointment manipulated with hyaluronic acid extracted from chicken crest. To achieve this goal, the hyaluronic acid was extracted and purified from chicken crest via Soxhlet method and subsequently added in a commercial vehicle composed of 10% Lanolin and 90% Vaseline, by mixing. Later two samples were analyzed, one containing only the vehicle made commercially in the pharmacies, and other commercial vehicle plus the same hyaluronic acid. These analyzes were performed in a controlled stress rheometer (AR-1000N - TA Instruments). As a result it was observed that a good interaction between the commercial vehicle and hyaluronic acid used in this protocol. Keywords: Hyaluronic acid; ointment; rheological tests.