Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. AS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA E REPRODUTIVISTA DA EDUÇÃO1 THE MAIN CONCEPTIONS OF CLASSICAL SOCIOLOGY AND EDUCATION REPRODUCTIVIST Rafael Morgentale Disconzi2 Resumo Existem inúmeras orientações metodológicas para o estudo científico dos problemas educativos que procuram superar a descrição simples de informações coletadas. A ideia é a realização de um levantamento das abordagens teóricas da sociologia que são tomadas como pressupostos para se entender as contradições educacionais, partindo dos clássicos até os contemporâneos advindos do movimento francês – os “reprodutivistas”. Espera-se ser capaz neste presente artigo poder fornecer subsídios que fundamentam as diferentes concepções teóricas da sociologia da educação. Palavras-chave: Teorias Sociológicas Clássicas. Educação. Críticoreprodutivistas. Abstract There are numerous methodological guidelines for the scientific study of educational problems that seek to overcome the simple description of information collected. The idea is to conduct a survey of the theoretical approaches of sociology that are taken for granted to understand the contradictions education, starting from the classics to the contemporary coming of the French movement - the "reproductivist". Expected to be capable in this article can provide subsidies that underlie the different theoretical conceptions of sociology of education. Keywords: Classical Sociological Theories. Education. Criticalreproductivist. INTRODUÇÃO A sociologia é uma ciência que surge com o desenvolvimento do capitalismo. Então a natureza da reflexão sociológica, que aparece na sistematização de estudos de seus fundadores mais importantes, está marcada, já em seu nascimento, pela seguinte questão: como compreender as maravilhas e ao mesmo tempo os problemas sociais deste novo mundo que desabrochou com o desenvolvimento da indústria moderna e da sociedade estratificada em classes? Essa pergunta está no bojo dos acontecimentos históricos vividos pelos autores pertencentes à sociologia clássica, ou seja, os estudos sobre educação de Auguste Comte, Herbert Spencer, Karl Marx, Émile Durkheim e 1 Artigo apresentado no II Seminário de Pesquisa, Iniciação Científica e Extensão. Desenvolvimento Regional: Pesquisa e Intervenção Social. Realizado na Faculdade Guarapuava, município de Guarapuava/PR, nos dias 22 a 26 de outubro de 2012. 2 Professor do Departamento do Curso de Ciências Sociais da Faculdade de Guarapuava, e Professor de Sociologia da Rede Pública de Ensino/PR. E-mail: [email protected]. 153 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. Max Weber que trazem uma peculiaridade segundo o contexto social, político e econômico que estavam inseridos. Tais estudos serviram de análise por todo o século XX, principalmente no final dos anos sessenta e início da década de setenta, quando surge uma corrente de pensadores chamada de “escola reprodutivista” (Bourdieu, Passeron, Althusser, Establet e Baudelot), em oposição ao ‘otimismo pedagógico’ estabelecido pelas formulações liberais e conservadoras. Ao descrever os desafios que a instituição escolar está passando na contemporaneidade, não pode-se encará-la de maneira unilateral em relação às outras instituições que fazem parte da vida social, ou seja, precisa-se levar em consideração fenômenos pluridimensionais para poder realmente ter uma consistência na análise sociológica sobre educação. A educação apresenta uma relação intrínseca com a economia, com a política, relações de poder, fatores culturais e tecnológicos. Não se pode falar de educação sem discutir o capitalismo. Uma característica do capitalismo é buscar e criar novos mercados, pois, percebe-se cada vez mais o crescimento de organizações internacionais e corporações transnacionais ganhando mais poderes e significância que os próprios Estados nacionais. O avanço da globalização e do neoliberalismo na América Latina e, particularmente no Brasil, está intensificando as contradições provocadas pela imensa estratificação social. As relações, assim como as pessoas no interior da sociedade estão se transformando em meros dados estatísticos, sendo julgadas e classificadas apenas pelo que podem ou não consumir. Os direitos que compõem a cidadania estão sendo substituídos pelos direitos do consumidor, em outras palavras, o ser humano está se tornando o próprio produto a ser consumido, desumanizando-se. Este estudo quer saber quais são as concepções teóricas da sociologia clássica e reprodutivista que reúne maior número de elementos que auxiliam na compreensão sobre a escola e o sistema educacional, levando em consideração tais objetivos: (i) Abordar as principais contribuições dos autores clássicos da sociologia sobre o papel da educação; (ii) levantar os pressupostos teóricos sobre o movimento francês chamado de crítico-reprodutivistas no interior da escola; (iii) Verificar os mecanismos através dos quais o sistema de ensino transforma a transmissão familiar da herança cultural resultado da diferenças de classes em desigualdades, sinônimo de fracasso escolar. Em relação à metodologia desenvolvida na produção do artigo, foi de natureza bibliográfica e visou alcançar os objetivos que foram propostos. Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica mediante uma leitura sistemática, com fichamentos, resumos e resenhas de livros, revistas (periódicos) e textos da internet, de modo a ressaltar os pontos pertinentes ao assunto em estudo abordado. 154 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. 1 DO POSITIVISMO AO COMPREENSIVO: A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA NOS ESTUDOS EDUCACIONAIS Os primeiros estudos da sociologia da educação vieram da matriz positivista no século XIX e XX, inaugurado por Auguste Comte, seguido por Herbert Spencer e posteriormente por Émile Durkheim, sendo este último seu maior representante. A educação positivista consiste na formação moral dos membros da sociedade (no caso a que ele pertence) para que cheguem a um consenso, com base no qual prevaleceria um estado de harmonia e ordem (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p.19). Nesse sentido, as formas de ensino da educação formal têm um objetivo claro: a sociedade industrial só pode se estruturar se cada indivíduo for educado para contribuir de maneira útil em benefício do todo social. Auguste Comte (1798-1857) nascido em Montpellier, França, tornou-se discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. A filosofia positivista o levou a ser devoto de uma concepção intelectual que vincula diretamente o pensamento científico, considerado para este(s) como verdadeiro. De acordo com seu livro Curso de Filosofia Positiva, cunhou o termo física social (COMTE, 1978a, p.8) para designar a criação de uma nova ciência e, posteriormente chamou de sociologia na obra chamada de Física Social publicada em 1838 e Discurso sobre o Espírito Positivo em 1844 (COMTE, 1978b, p. 90). Segundo a teoria comteana as sociedades passariam por um processo de evolução histórica3 que chamou de Lei dos três estados4, onde passariam de um estado ou estágio menos evoluído para o máximo da racionalidade e progresso que a humanidade estava constatando (parâmetro para tal desenvolvimento era a sociedade europeia) - advinda da industrialização e da filosofia positiva. Em outra obra intitulada o Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo, Comte deixa claro a perspectiva de consenso e coesão que o positivismo poderia a vir instaurar no seio societal: Comte denominou de “evolução do espírito humano” seguindo uma perspectiva linear. Estado Teológico ou “Fictício” - O espírito humano explica os fenômenos atribuindo-os a seres ou forças sobrenaturais. Explica os fatos por meio de vontades análogas à nossa. Este estado evolui do fetichismo ao politeísmo e ao monoteísmo. O pensamento religioso comanda a racionalidade. Estado Metafísico ou “Abstrato” - Invoca entidades abstratas, como a natureza. Corresponde tudo que a física, a matemática, a química, não consegue esclarecer. Estado Positivo ou “Científico” - O homem se limita a observar os fenômenos e a fixar relações regulares que podem existir entre eles. Representa o estágio máximo da racionalidade humana. O positivismo como corrente de pensamento baseada na ciência, apresenta-se como a mais elevada e apurada de produção de conhecimento que a humanidade já conheceu. 3 4 155 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. Uma sistematização real de todos os pensamentos humanos constitui, pois nossa primeira necessidade social, igualmente quanto à ordem e ao progresso. A realização gradual desta ampla elaboração filosófica fará espontaneamente surgir, em todo o Ocidente, uma nova autoridade moral, cuja inevitável ascendência colocará a base direta da reorganização final, ligando as diversas populações avançadas através da mesma educação geral, que fornecerá para toda parte, para a vida pública como para a vida privada, princípios fixos de julgamento e de conduta. Desse modo, os movimentos intelectuais e de comoção social, cada vez mais solidários, conduzem de agora em diante a elite da humanidade ao advento decisivo dum verdadeiro poder espiritual (...). (COMTE, 1978c, p.97-98) Nesse contexto do positivismo como religião da humanidade, a educação teria uma importância preponderante, pois seria o veículo que conduziria a formação moral às futuras gerações. Parafraseando Nelson Piletti e Walter Praxedes (2010, p.21): [...] educação e moral se fundem no sistema comtiano em um processo pedagógico organizado para tornar o indivíduo capaz de controlar o seu egoísmo por meio do progressivo desenvolvimento de suas funções afetivas e intelectuais, podendo, dessa maneira, integrar-se à ordem social positiva. Na perspectiva positivista o papel central da educação seria de reorganizar a sociedade que estava em crise (período de profundas transformações sociais oriundas da Revolução Industrial). Dessa maneira, não se aceita os conflitos gerados pelos antagonismos provenientes das contradições descritas acima. A partir dos formuladores originais do positivismo - Auguste Comte acompanhado pelo inglês Herbert Spencer (1820-1903), este último (pouco abordado nos manuais de educação) aprofundou uma característica peculiar em relação a seu antecessor, o paradigma organicista. É organicista porque sua visão de sociedade se baseia em analogia ao modo como funcionam os organismos vivos - daí o emprego do termo função5. Segundo a teoria spenceriana, os indivíduos estariam submetidos às mesmas leis que regulam o mundo natural, em outras palavras, a sociedade emergiria de uma evolução biológica e social, passando de um estado uniforme rumo ao multiforme. Spencer em seu livro O que é uma sociedade? (1977, p.148-149) salienta que a sociedade está em constante avanço e processo de crescimento: À medida que ela cresce, suas partes tornam-se dessemelhantes, sua estrutura fica mais complicada e as partes dessemelhantes assumem funções também dessemelhantes. Essas funções não são somente diferentes: suas diferenças são unidas por via de relações que as tornam possíveis umas pelas outras. A assistência que mutuamente se prestam acarreta uma mútua dependência das partes. Finalmente, as partes, unidas por esse liame de dependência mútua, vivendo uma pela outra e uma para a outra, compõem um agregado constituído segundo o mesmo princípio geral de um organismo individual. A analogia de uma sociedade com um organismo torna-se, ainda, mais surpreendente quando se vê que todo organismo de apreciável volume é uma sociedade (...). 5 Será a base do funcionalismo elaborado por Durkheim posteriormente. Em linhas gerais, o organicismo é visto do mesmo modo que os organismos vivos são compostos de partes (órgãos), cada uma com uma função específica, assim são as sociedades humanas. Cada instituição, como a família, a igreja, o trabalho, o Estado correspondem uma função no funcionamento do organismo social. 156 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. O evolucionismo spenceriano foi fortemente derivado do evolucionismo biológico de Charles Darwin, a partir desse fato, suas formulações ficaram conhecidas como ‘darwinismo social’ (COSTA, 2002, p.49). Suas ideias influenciaram enormemente a sociedade norte-americana, onde sua teoria teve maior abrangência em várias áreas, porém, no sistema educacional teve grande repercussão. A frase “sobrevivência do mais apto” é de sua autoria e, explicava, por exemplo, a diferença no aproveitamento escolar dos alunos de classes altas em relação aos de classes baixas, (estes últimos na maioria oriundos de grupos étnicos de negros, mestiços e latinos de modo geral). Em outra obra de sua autoria - Como e levar o nível intelectual de nossos jovens, Spencer (1987, p.39) descreve claramente sua ideia sobre a educação, pois, “a mente desenvolve-se como todas as coisas que se desenvolvem, ela passa do homogêneo ao heterogêneo”. Ao relatar sobre a educação infantil, a criança deveria ser guiada pelos mesmos processos evolucionários que a humanidade passou: (...) a gênese da erudição do indivíduo deve seguir a mesma trajetória que a gênese da erudição da raça. Em rigor, este princípio pode ser considerado como já expresso por inferência; já que ambos são processos de evolução, devem ajustar-se àquelas mesmas leis gerais de evolução já aludidas, e, portanto, devem harmonizar-se entre si. (SPENCER, 1987, p.44) Representa uma visão de reprodução contínua de fases e estágios desenvolvimentistas como Comte já havia descrito. Spencer dá uma importância excepcional para a educação, relatando que ela é “derivada da transmissão da lei de hereditariedade” (1987, p. 45), ao ponto de criar uma tentativa de explicação sobre as imensas desigualdades existentes entre os indivíduos: (...) sucessivas gerações que transmitiram os efeitos acumulados aos seus descendentes; se julgamos que as diferenças são agora orgânicas, de forma que uma criança francesa transforma-se num homem francês mesmo quando criada entre estrangeiros; e se o fato geral assim ilustrado é de verdade de toda a natureza, inclusive o intelecto, então concluímos que, se existir uma ordem pela qual a raça humana dominou seus vários tipos de conhecimentos, surgirá em toda a criança uma capacidade de adquirir esses tipos de conhecimentos na mesma ordem. (SPENCER, 1987, p.45-46) Spencer foi um defensor do ensino prioritário da ciência que tinha como objetivo fornecer aos jovens um conhecimento sobre o funcionamento da natureza que lhes dessem subsídios de se adaptarem às exigências do mundo moderno, típico da competição e da concorrência. O terceiro e o mais importante autor positivista no estudo da sociologia da educação é o também francês Émile Durkheim (1858-1917). Viveu numa época de tensão entre o entusiasmo do desenvolvimento da França e o “risco de ver a sociedade esfacelar-se em uma poeira de indivíduos isolados em decorrência da quebra dos padrões tradicionais de coesão social” (SOUZA, 2009, p.76). Ele reivindicava vigorosamente que a educação escolar assumisse essa tarefa, isto é, a de criar outros novos padrões de solidariedade social numa sociedade submetida a um ritmo de mudança tão intenso. 157 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. É importante ressaltar que Durkheim acreditava que a sociedade exerce uma coerção social sob indivíduos, definindo-o como uma espécie de pressão para aderir as regras, hábitos e costumes estabelecidos pelo grupo, comunidade ou sociedade. Essa imposição é exterior e independente da vontade do indivíduo e chamou de ‘fato social’6. Para Durkheim (1978, p. 60) a educação significa “ação exercida por uma geração sobre a geração seguinte, com o fim de adaptá-la ao meio social...”. Nesse sentido, a adaptação é uma função imprescindível para o indivíduo na sua vida em sociedade. Outra palavra largamente utilizada pelos positivistas é o consenso, como suporte para acomodação da “consciência coletiva”. A ótica durkheimiana confere que a educação, independentemente do lugar e da época em que é realizada, tem o mesmo objetivo primordial da socialização – formar o ser social em indivíduo socialmente ajustado. No livro Educação e Sociologia, Durkheim esclarece nos seus discursos o porquê de muitos indivíduos não conseguirem adaptar-se em instituições como o trabalho, a escola, entre outras. Sua resposta é radicalmente diferente da de Marx, por exemplo, que fazia severas críticas à divisão do trabalho. Para Durkheim, a organização do trabalho no mundo moderno nos obriga a nos dedicarmos a uma tarefa, restrita e especializada. Não podemos, nem nós devemos dedicar, todos, ao mesmo gênero de vida; temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a preencher, e o trabalho que nos incumbe. Nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação. (DURKHEIM, 1978, p. 35) Infelizmente essa foi à visão que predominou nos cursos de formação de professores7 e consequentemente em sala de aula por muitas décadas no século XX. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) foram os primeiros filósofos a desenvolverem na sociologia uma perspectiva que refutassem a visão positivista na educação. Segundo a concepção materialista-histórica dialética, Marx acreditara que a educação tinha um papel importante na vida do homem, mesmo que tal tema nunca tenha sido pauta central nos seus estudos. A concepção marxiana encara a educação numa perspectiva dialética estabelecendo uma relação social entre indivíduos e sociedade, em outras palavras, ao mesmo tempo, que os homens são produtos das circunstâncias históricas, eles também contribuem para modificar as circunstâncias em que vivem, pois, no seu entendimento, a ação humana tem a capacidade de mudanças No livro, “As Regras do Método Sociológico” (1895), define o objeto de estudo da Sociologia – “fato social”, pois, é toda ‘coisa’ capaz de exercer algum tipo de coerção sobre o indivíduo, sendo esta “coisa” independente e exterior ao indivíduo e estabelecida em toda a sociedade. Os fatos sociais se caracterizam pela coercitividade, exterioridade e generalidade. 7 A pedagogia tradicional e especificamente na sociologia da educação a tendência positivo-funcionalista durkheimiana traz um perfil particular desse educador - como ilustra Paulo Meksenas (2010, p. 52) “o professor, que deve transmitir as verdades científicas, passa a ser o centro do processo educativo. A aula deve, portanto, girar em torno da figura do professor que deve ser também a autoridade responsável pelo desempenho do ensino e da ordem dentro da sala de aula. Ao aluno, cabe à obediência, acatar as decisões sem questioná-las”. A relação professor-aluno fica subentendida como: enciclopédia ambulante (professor) e tábula rasa (aluno). 6 158 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. dos processos de transformação da sociedade (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p. 50). No livro O Capital (de 1867), Marx e Engels fazem uma análise das condições de vida dos trabalhadores ingleses na cidade de Manchester8, trazendo relatos da situação precária das crianças no interior das fábricas. Nesse ponto, Marx conclui que o tipo de educação dada às crianças oriundas da classe operária era tão débil e alienante que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais seus pais operários estavam submetidos. Mais especificamente, descreve às “escolas politécnicas e agronômicas” e também às “escolas de ensino profissional onde os filhos dos operários recebem algum ensino tecnológico e são iniciados no manejo prático dos diferentes instrumentos de produção” (Marx, 1968, p. 559). Então, o filósofo alemão reconhece a existência dessas escolas criadas pela própria burguesia, revelando um movimento antagônico que envolve a necessidade de atender à exigência da classe capitalista, imposta pelo modelo industrial. A denúncia realizada pelo autor sobre a exploração da burguesia que se apropriaram dos meios de produção em relação aos trabalhadores que restam vender sua força de trabalho como forma de sobrevivência, isto é, Marx queria mostrar que o capitalismo pautado nessas relações de produção, desumanizava o homem. O brilhantismo e profundidade das ideias marxianas aventaram inúmeras críticas sociais, políticas, econômicas e chegando às relações vitais do ser humano como, [...] ver, ouvir, cheirar, saborear, pensar, observar, sentir, desejar, agir, amar, em suma, todos os órgãos de sua individualidade, como órgãos que são de forma diretamente comunal, são, em sua ação objetiva (sua ação com relação ao objeto), a apropriação desse objeto, a apropriação da realidade humana (Marx, 1983, p. 120). Segundo Alberto Tosi Rodrigues (2007, p.41) Marx e Engels “viam a educação com os mesmos olhos com que viam o capitalismo”. Mas, como Marx poderia vislumbrar um processo educacional que contribuísse efetivamente para emancipar o ser humano? A partir de Rodrigues (2007) um dos pontos fundamentais seria a educação de um “novo homem” no sentido comunista de tal modo que ele pudesse de fato superar a divisão social do trabalho intensificada no sistema capitalismo, que em última análise, alienava e explorava o ser humano. Segundo a visão marxiana haveria a possibilidade de “romper, na formação das futuras gerações, com a separação entre o trabalho manual e intelectual” difundido pela burguesia através da ideologia liberal (RODRIGUES, 2007, p.43). Partindo de um método diferenciado, chamado de compreensivo, Max Weber (1864-1920) inaugura um novo paradigma para explicação dos fenômenos que cercam a vida social. Os trabalhos produzidos por Weber trouxeram ríspidas críticas ao modelo de ensino praticado nas escolas na atualidade. Essas críticas correspondem à educação 8 Transformações econômicas, políticas e sociais oriundas pela Revolução Industrial que teve grande impacto na sociedade inglesa e europeia como um todo. 159 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. técnica e racionalizada promovidas pelo Estado e pelas instituições de ensino advindas das religiões protestantes (pelo menos na sua grande e extensa maioria) no séc. XIX, que visavam os ensinamentos burocráticos da ideologia liberal para servir o mercado, em outras palavras, “educar no sentido da racionalização também passou a ser fundamental para a empresa capitalista, pois, ela se pauta pela lógica do lucro, do cálculo de custos, eficiência e benefícios, e precisa de profissionais (mão-de-obra) treinados para isso” (RODRIGUES, 2007, p.65). Mas antes que chegar a essa constatação descrita acima, Weber estudou a correlação da afinidade entre a racionalidade do protestantismo e a empresa capitalista e, está levantava um problema teórico: Por que no Ocidente, havia a coincidência entre as áreas de expansão do protestantismo e as áreas onde prosperava o capitalismo industrial? A partir de diversos estudos envolvendo a Reforma Protestante do séc. XVI iniciada por Martinho Lutero e posteriormente por João Calvino, este último como o principal expoente do calvinismo, sobre a ética protestante, as éticas econômicas das grandes religiões e os sistemas econômicos, Weber criou a seguinte hipótese: a resposta estaria na afinidade cultural entre a ética protestante e a racionalidade do empreendedor capitalista. Weber destaca três contribuições protestantes: a primeira corresponde à supervalorização do trabalho (fato que diferenciava entre os católicos); a segunda a divisão do trabalho como vontade de Deus, fato que colaborou para o desenvolvimento da economia e a terceira e última, a presença do lucro, pois a riqueza é encarada como um sinal de recompensa divina. Em sua obra-prima intitulada A ética protestante e o espírito do capitalismo (aclamada pela crítica especializada como um dos livros mais importantes do séc. XX), constata a diferenciação de ensino exercida entre as escolas católicas e protestantes: [...] que a maior participação dos protestantes nas posições de proprietários e gerentes na vida econômica moderna seja atualmente encarada, em parte pelo menos, como simples resultado da maior riqueza material por eles herdada. No entanto, há outros fenômenos que não podem ser explicados da mesma maneira. Só para citar alguns, há uma grande diferença perceptível, em Baden, na Baviera e na Hungria, no tipo de educação superior que católicos e protestantes proporcionam a seus filhos. O fato de a porcentagem de católicos entre os estudantes e os formados nas instituições de ensino superior ser proporcionalmente inferior à população total, pode, certamente, ser largamente explicado em termos de riqueza herdada. Porém, entre os próprios formados católicos, a porcentagem dos que receberam formação em instituições que preparam especialmente para os estudos técnicos e ocupações comerciais e industriais, e em geral para a vida de negócios de classe média, é muito inferior à dos protestantes. Por sua vez, os católicos preferem o tipo de aprendizagem oferecido pelos ginásios humanísticos. Essa é uma circunstância à qual não se aplica a explicação acima apontada, mas que, ao contrário, é uma das razões pelas quais tão poucos católicos estejam interessados na empresa capitalista. (WEBER, 2003, p.20) De acordo com Weber, a lógica da extrema racionalização capitalista ministrada nas escolas protestantes, especificamente calvinistas, não objetivavam o lucro em si, em outras palavras, a acumulação de capital era uma representação do esforço e dedicação 160 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. que provinham do trabalho como ação sagrada que designava um sinal de recompensa divina, porque Deus a oportunizou com o propósito de chegar a salvação, ou seja, o conhecimento técnico-fabril empregado nos institutos puritanos corresponderia uma espécie de vocação religiosa. Mais notável ainda é um fato que explica parcialmente a menor proporção de católicos entre os trabalhadores especializados na moderna indústria. Sabe se que as fábricas arregimentaram boa parte de sua mão de obra especializada entre os jovens artesãos; contudo, isso é muito mais verdadeiro para os diaristas protestantes que para os católicos. Em outras palavras, entre os diaristas católicos parece preponderar uma forte tendência a permanecer em suas oficinas, e tornar com frequência mestres artesãos, enquanto os protestantes são fortemente atraídos para as fábricas, para nelas ocuparem cargos superiores de mão de obra especializada e posições administrativas. A explicação desses casos é, sem dúvidas que as peculiaridades mentais e espirituais adquiridas do meio ambiente, especialmente do tipo de educação favorecido pela atmosfera religiosa da família e do lar, determinaram a escolha da ocupação e, por isso, da carreira. (WEBER, 2003, p.21) Os estudos weberianos no âmbito da sociologia da educação são pouco difundidos, geralmente é mais comum na área da religião e na política. Weber traz para dentro do contexto da cultura e em última análise, no contexto escolar, a “função ideológica dos valores difundidos tanto na religião quanto nos costumes, hábitos ou crenças enraizados por grupos sociais, associado a uma função ideológica, à de inculcação, servindo como forma de legitimação e manutenção da ordem estabelecida”, como relata Souza (2009, p.86). Portanto, Weber compreende a educação, como dimensão de um amplo processo de racionalização e de burocratização das sociedades modernas, por meio do qual os indivíduos desenvolvem formas de racionalidade técnica e científica para a adequação dos meios disponíveis às finalidades utilitárias visadas pelos agentes, ao mesmo tempo que as estruturas administrativas burocráticas pretendem limitar os interesses individuais para estabelecer uma dominação racional-legal de tipo burocrático que torne possível a vida social. (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p.12). Weber cria uma tipologia9 para analisar os fenômenos educacionais, classificando a educação em: humanística, especializada e carismática, que corresponde aos três tipos puros de dominação legítima (tradicional, racional-legal, carismática). 2 A ESCOLA E A REPRODUÇÃO SOCIAL: ABORDAGEM DAS TEÓRIAS CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS 9 A educação humanística se baseia em cultivar um determinado modo de vida (pode ser de diferentes comportamentos culturais), sendo que pode ser muito diverso, pois, constitui em um conjunto de atitudes apoiadas em um ‘ethos’ característico do ideal de cultura. Exemplo: educação da nobreza medieval; da aristocracia. A educação especializada corresponde à estrutura de dominação legal, ou seja, ligada ao processo de racionalização e burocratização das sociedades contemporâneas descritos por Weber. O conhecimento especializado ensinado nessas escolas prepara os indivíduos para o mundo moderno das grandes corporações, como por exemplo, um administrador de empresas. A educação carismática é típica do sacerdote, de um líder tribal, de um guerreiro etc. Ela se propõe despertar qualidades humanas consideradas estritamente pessoais, isto é, extraordinárias que tem as condições de persuasão e convencimento em todo grupo social ou sociedade. 161 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. No final dos anos sessenta e início da década de 70, surge na França uma vertente que se contrapõe à educação como o melhor instrumento para a transformação da sociedade e como possibilidade de ascensão social. Colocava-se, assim, em oposição às tendências pedagógicas liberais e conservadoras10. Abordavam e enfatizavam em seus trabalhos a ênfase da educação nos aspectos de reprodução de valores, do imaginário e das condições sociais do capitalismo no interior dos processos educacionais. Por conta desta ênfase em seus trabalhos, estes autores ficaram conhecidos como “reprodutivistas”, são eles: Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, Louis Althusser, Roger Establet e Christian Baudelot. Em um artigo de 1966, intitulado “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura” e, posteriormente em 1970 no livro “A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino, Pierre Bourdieu (1930-2002) em parceria com Jean-Claude Passeron, este primeiro considerado por muitos especialistas como o sociólogo mais notável da contemporaneidade) rompem com as explicações fundadas em aptidões naturais e individuais e criticam o mito do “dom”, desvendando as condições sociais e culturais que permitiriam o desenvolvimento desse mito. Afirma, também, os mecanismos através dos quais o sistema de ensino transforma as diferenças iniciais – resultado da transmissão familiar da herança cultural – em desigualdades de destino escolar (BOURDIEU, 2011, p. 45). Demonstra como os estudantes provenientes de famílias desprovidas de capital cultural apresentarão dificuldades no processo de significância no que tange o reconhecimento e pertencimento com as obras da cultura erudita veiculadas pela escola, enquanto para os alunos originários de meios culturalmente privilegiados essa relação está marcada pelo tipo de linguagem que facilita o entendimento verbal tido como “natural”. Ao avaliar o desempenho dos alunos, a escola leva em conta, conscientemente ou não, esse modo de aquisição e uso do saber. Quatro conceitos são fundamentais para compreensão dos seus estudos: habitus; campo; capital e violência simbólica. O “habitus são estruturas sociais de nossa subjetividade que se constituem inicialmente por meio de nossas primeiras experiências (habitus primário), e posteriormente de nossa vida adulta (habitus secundário)” como descreve Philippe Corcuff (2001, p.51). No livro A economia das trocas simbólicas, Bourdieu relata que construção do habitus passa pela interiorização da exterioridade, em outras palavras: como sistema de disposições constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes. (BOURDIEU, 1992, p. 191) O campo representa uma rede de relações objetivas entre posições que os agentes estabelecem. Estas posições se definem pelas estruturas que se impõem a seus agentes, sejam indivíduos ou instituições, a partir do potencial que cada agente dispõem 10 Eles estão dentro do grupo de teóricos que seguem e se aprofundam o pensamento de Marx no que se refere à educação. Seguindo a orientação marxiana e aperfeiçoando-a, o processo educativo que se dá dentro da escola é desigual, pois a escola é instituição sob controle da classe dominante, reprodutora de desigualdades sociais. 162 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. na distribuição das diferentes espécies de poder ou de capital que estão em jogo dentro de cada campo (político, religioso, econômico, cultural, artístico etc). O campo corresponde a exteriorização da interioridade, marcado por agentes dotados de um mesmo habitus em que se movimentam como jogadores, cujas posições no jogo dependerão do acúmulo de capital correspondente ao campo que cada indivíduo ou agente adquirir. O capital representa vários tipos como Bourdieu definiu: cultural, social, econômico, político, simbólico entre outros. O(s) capital(s) se inter-relacionam dialeticamente com o habitus e campo, formando uma tríade: habitus + campo = capital. O quarto e último conceito é amplamente discutido na obra A reprodução, descreve que ação pedagógica (AP) se caracteriza objetivamente por exercer a violência simbólica, enquanto que as relações de força entre grupos ou as classes constitutivas de uma formação social estão na base do poder arbitrário que é a condição da instauração de uma relação de comunicação pedagógica, isto é, da imposição e da inculcação de um arbitrário cultural... (educação). (BOURDIEU, 2008, p. 27) Outro livro importante é O poder simbólico e Bourdieu (2009, p.11-12) explica tal título e conceito como uma forma transfigurada e legitimadora das outras formas de poder. As leis que regem a metamorfoseação de diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em particular, dentro do sistema de ensino conjuntamente com o capital cultural solidifica-se como violência simbólica, a partir da “seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe” (BOUEDIEU, 2008, p.29). [...] é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura. (BOURDIEU, 2011, p. 53). Os sistemas de ensino contribuem para a manutenção das relações de força que geram as desigualdades fundadas tanto na propriedade do capital econômico quanto do capital cultural. Segundo o autor, a sociologia da educação se constitui como ciência dotada de um objeto de estudo próprio, a investigação científica “das relações entre reprodução cultural e a reprodução social” (BOURDIEU, 1992, p. 295). O legado que os estudos bourdieurianos deixaram, tornaram-se uma espécie sine qua non para análise dos problemas educacionais, pois marcou que era os estudos antes e depois da sua existência, corresponderam um avanço sem precedente no campo da pesquisa e da ação. 163 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. Na obra “Ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado” (1983) de Louis Althusser (1918-1990) apresenta-se a ideia que as instituições sociais como as escolas, igrejas, trabalho, meios de comunicação, partidos políticos, assim como as de proteção (polícia, exército...) são utilizados pelo Estado como meio de disseminar e colaboram para manter (reproduzir) a divisão social em classes econômicas. Os aparelhos ideológicos do Estado (AIE) são instrumentos que servem a favor do capital pelo convencimento ou pela força (repressão), com objetivo de reprodução e manutenção ideológica. Nesse sentido, na perspectiva althusseriana a escola representa um dos Aparelhos Ideológicos do Estado11. Há uma clara preocupação com a questão da ideologia em educação12. Esse ensaio rompe com aquela perspectiva liberal da educação que desinteressadamente envolve a transmissão de conhecimento. A transmissão de conhecimento é dirigida, intencional e formadora de opiniões, do qual, a classe dominante transfere suas ideias sobre o mundo, com o objetivo de reprodução da estrutura social existente. A escola como uma das instituições reprodutoras e mantenedora da estrutura de classes, tem o papel de garantir o ensinamento de valores apropriados do capitalismo. Parafraseando Moreira e Silva (1995, p.23): A ideologia, nessa perspectiva, está relacionada às divisões que organizam a sociedade e às relações de poder que sustentam essas divisões. O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade das ideias que veicula, mas o fato de que essas ideias são interessadas, transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização social. A ideologia é essencial na luta desses grupos pela manutenção das vantagens que lhes advêm dessa posição privilegiada. Os dois últimos teóricos críticos da educação são Roger Establet (1938--) e Christian Baudelot (1938--) e desenvolveram conjuntamente a teoria da escola dualista, pois, realizaram pesquisas extensas nas escolas francesas, nas quais descobriram que existem duas redes de escolarização: uma destinada aos filhos dos membros da classe empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe trabalhadora13 (GADOTTI, 1999, p.197). Nesse sentido, há duas escolas que coexistem de forma dissimulada, pelo fato, de que aparentemente elas se alicerçam na ideologia da classe dominante para se apresentarem como única e universal, que ofereceriam oportunidades iguais, ou seja, há uma “naturalização” das relações assimétricas entre classes que se 11 O poder da escola decorre do fato de ela lidar com todas as crianças, impondo-lhes a ideologia da classe dominante. 12 Durante muitos séculos, lembra Althusser, a igreja foi o aparelho ideológico do Estado que assegurou uma posição dominante no processo de transmissão dos valores culturais, mas, a partir do século XIX, com separação entre essa instituição e o Estado, a escola passou a ocupar esse lugar. 13 A primeira classe teria acesso às melhores escolas; seus filhos teriam tempo e recursos para estudar; disponibilidade e recursos para frequentar outras atividades que complementam a formação e educação escolar, quanto à segunda classe, não teriam acesso às melhores escolas nem a complementação dos seus estudos, seja por conta da falta de recursos financeiros, seja por conta da incompatibilidade com a sua jornada de trabalho, que os obrigaria a frequentar cursos noturnos, sem possibilidade de fazerem outros cursos paralelos. 164 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. afirmam na base ideológica do liberalismo embasado na concepção que “todos são iguais”, isto é, “todos gozariam das mesmas oportunidades”. Segundo Establet-Baudelot (1971, p. 298 apud SAVIANI, 2007, p.157), a escola não é um local de luta para transformar a sociedade, mas somente reproduzi-la. [...] aparelho escolar capitalista é diretamente responsável pelas modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das relações de produção capitalistas. Isto supõe evidentemente que nós elaboraríamos pouco a pouco uma definição sistemática da forma escolar, da qual nós simplesmente indicamos que ela repousa fundamentalmente sobre a separação escolar, a separação entre as práticas escolares e o trabalho produtivo. Nas suas análises concluem que a escola é, na verdade, a instituição mais eficiente para segregar os indivíduos, por dividir e marginalizar parte dos alunos com o objetivo de reproduzir a sociedade de classes. O caráter da escola como instituição que, pelo menos, deveria ser de socialização no aspecto de promover ensinamentos, de humanização, autonomia, liberdade, livre arbítrio, equidade, justiça social, respeito às diferenças, é ao contrário, é mecanismo de formulação e reformulação de subjetividades apropriadas ao capital. As teorias crítico-reprodutivistas denunciam que a função social da escola é a de atender ao capitalismo, excluindo conteúdos críticos, formando mão-de-obra especializada e dócil e reproduzindo a estrutura de classes. É nesse sentido que os teóricos críticos da reprodução enxergam a educação institucionalizada como reprodutora de desigualdades. A pedagogia radical refuta a ideia que no ato da docência e da discência, o conhecimento pode advir da negação da emancipação de grupos menos favorecidos. Os educadores críticos apontam para uma ruptura da situação de opressão que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, estimulam uma prática educativa que reforçam uma experiência que contribui para construção de uma nova ordem social. Ser oprimido significa não somente estar subjugado economicamente, mas não ser respeitado em suas manifestações culturais e, principalmente, os direitos que compõe a cidadania. Quem sofre essa condição, muitas vezes, não se percebe como tal e, pior, “naturaliza” tais condições que o exclui. Um dos objetivos, em termos de reflexão pedagógica, é de fornecer subsídios para passagem da consciência ingênua para consciência crítica. QUADRO 1 – Concepção Sociológica da Educação TEORIA POSITIVISMO SOCIOLÓGICA MÉTODO SOCIOLÓGICO RELAÇÃO OBJETO INDIVÍDUO E SOCIEDADE CRITICO REPRODUTIVISTA Positivo - Funcionalista Dialética S ← O S ↔ O - O meio social produz o indivíduo. - O indivíduo é reflexo da sociedade. - Os indivíduos são a soma da - O meio social (sociedade) é reflexo do indivíduo, ao mesmo tempo, o indivíduo é reflexo do meio social. Constitui um processo relacional. SUJEITO- 165 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. sociedade. CONHECIMENTO Somente o professor detém o conhecimento. Se dá através da construção permanente entre o professor e o aluno. PROFESSOR Somente o professor é o detentor do conhecimento. Ao mesmo tempo que o professor ensina, também aprende com a aluno. ALUNO É considerado vazio, como uma tábula rasa. Aprende simultaneamente com o professor. A escola tem a função de imprimir sobre as novas e futuras gerações valores e disciplinas da sociedade assim como ela é. A escola é o espelho da sociedade. Ou seja, ela tem contribuído para reprodução das desigualdades de classes NA sociedade. É a ação exercida pelas instituições que visam um objetivo: adaptação dos indivíduos ao meio social. Não aceitam reformas ou mudanças no sistema. É definida como forma de dominação intelectual, social e cultural de classes que possuem um determinado patrimônio cultural e econômico em detrimento outras menos favorecidas. Predomina a autoridade do professor. O aluno não participa, e a comunicação entre eles é somente para chamar atenção. A disciplina é imposta, não tem nenhum tipo de diálogo. O aluno não participa da construção do conhecimento. Fato que pode afetar futuramente na formação, na capacidade de discernimento. Acaba tendo uma visão conservadora das coisas, compreendendo a sociedade como algo rígido e imutável. O professor tem a autoridade, mas não é autoritário. O professor pergunta, conversa sobre a opinião do aluno, porque é importante saber o que a turma pensa. O aluno participa dos conteúdos propostos. O aluno ultrapassa a visão ingênua da vida, discernindo os obstáculos que deverá passar para conseguir chegar ao seu objetivo. Adquire um olhar crítico das coisas, entendendo que existe uma relação desigual na sociedade. Ou seja, saberá que não vai ser fácil para alcançar o que deseja para seu futuro. P ↔ A ESCOLA EDUCAÇÃO RELACIONAMENTO PROFESSOR-ALUNO POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS PARA OS ALUNOS RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO P → A Fonte: GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8° ed. São Paulo: Ática, 1999. CONSIDERAÇÕES FINAIS A primeira corrente sociológica a sistematizar o conhecimento foi o positivismo. Estudar tais pressupostos é importante para a compreensão de como os primeiros autores da sociologia construíam seus arcabouços teóricos sobre os fenômenos sociais, particularmente, sobre os processos educacionais. É evidente que Auguste Comte, Herbert Spencer e Émile Durkheim seguiram uma formação intelectual e científica, em termos sociológicos, bastante tradicional e conservadora, inclusive ideias totalmente desmitificadas pela ciência, como por exemplo a noção evolucionista (biológica e social), ou seja, a divisão da espécie homo sapiens em “raças” (caucasóide, negróide e mongolóide). 166 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. Outro ponto relevante sobre a concepção positivista da educação é adequação dos indivíduos para o novo modelo societal – a sociedade industrial. Precisaria preparar a sociedade e as futuras gerações para a competição e concorrência típicas do trabalho no mundo moderno. Os estudos de Marx e Weber marcam uma ruptura significativa com o positivismo, não somente no método empregado como análise, mas a maneira como o cientista coloca-se diante do objeto a ser pesquisado. Promovem inúmeras críticas ao modelo de ensino instaurado no séc. XIX e início do XX (este último por Weber) nas escolas urbanas advindas do pensamento liberal e industrial. Um dos temas centrais que envolvia a discussão do sistema educacional na década de sessenta e setenta era se o ensino ministrado nos colégios auxiliava e intensificava divisão social do trabalho. Segundo as pesquisas de Marx, Weber e os teóricos crítico-reprodutivistas, a escolarização fornece uma população dividida, isto é, produz por um lado trabalhadores intelectuais e, por outro lado trabalhadores manuais. Ela tem o papel fundamental de produzir indivíduos com características adequadas para esta divisão. Então, o sistema de ensino está contribuindo para formação de indivíduos com características de socialização adequadas a divisão social do trabalho. A educação formal é vista oficialmente como instrumento necessário para responder estritamente a geração de mão-de-obra necessária para mercado14. O educador e educadora precisam romper com a concepção da escola como empresa, que tem objetivo de formar o aluno e a aluna somente como valor de troca, como meros instrumentos de lucro a serviço do capital. Em suas visões o sistema escolar deve simplesmente reagir às necessidades futuras do mercado de trabalho. Diferentemente do paradigma positivista-funcionalista de Durkheim onde enxerga a educação como meio de adaptar e ajustar, levando os indivíduos ao consenso, o movimento francês chamado de “reprodutivistas”, refuta totalmente a perspectiva acima, porque as instituições sociais (incluída a escola) não estão conseguindo dar conta do reconhecimento dos direitos que correspondem à cidadania. Em outras palavras, há uma negação das condições necessárias para construção de instituições de educação pública democráticas, como alternativa frente à exclusão e desamparo que sofrem muitas populações. De acordo com Bourdieu precisa-se desconstruir a visão comum que considera o sucesso ou o fracasso escolar como efeitos das aptidões naturais, quanto às teorias do ‘capital humano’. É por isso que estudar as principais contribuições da sociologia se torna relevante para compreensão de tais fenômenos que envolvem a educação. A Reportagem da Folha de São Paulo “A comercialização da alma” (publicado em 11 de fevereiro de 2001), apresenta o texto do sociólogo alemão Robert Kurtz relatando o modelo de “firmas escolares inglesas” onde a Fundação Alemã para Criança e Juventude lançou uma campanha incentivando escolas públicas a adotarem a perspectiva empresarial como forma educativa. O fato tomou tamanha proporção na mídia que a imprensa alemã muito elogiou o diretor de um colégio bávaro que não se considerava mais um pedagogo, mas sim um “administrador de empresa de porte médio”. 14 167 Revista Científica CENSUPEG, nº. 1, 2013, p. 153-169. desnaturalização do pensamento fatalista é preciso para que haja uma reinterpretação nas teorias educacionais, assim criando possibilidades para alcançar uma mudança de caráter qualitativo no ensino. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado; trad. Walter José Evangelista, Maria Laura Viveiros de Castro. 6° ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992. BOURDIEU,P.; PASSERON, J. C. A Reprodução – Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. __________. Escritos de Educação. In: CATANI, A. e NOGUEIRA, M. A. (org.). 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. __________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992. __________. 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