IV Seminário Discente da Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo A Análise Crítica de Discurso e o discurso racista: a perspectiva de Teun Van Dijk Isadora da Silveira Steffens Resumo: A Análise Crítica de Discurso (ACD) é uma perspectiva de análise discursiva que incorpora diversas disciplinas no estudo da maneira pela qual as estruturas sociais de poder e dominação são instituídas, reproduzidas e sofrem resistência por meio da linguagem. O presente artigo tem como objetivo apresentar os mecanismos teóricos e metodológicos que a ACD oferece para a análise da reprodução do racismo na sociedade por meio do discurso, sob perspectiva sociocognitiva de Teun Van Dijk. Para tal, baseia-se principalmente na revisão bibliográfica de trabalhos do autor publicados nas últimas três décadas. Nas sociedades ocidentais atuais, nas quais a tolerância e a igualdade de direitos são valores respeitados oficialmente mas o preconceito e a desigualdade racial permanecem, o discurso está no cerne da reprodução social dos mecanismos sóciocognitivos que permitem também a manutenção das demais práticas racistas. O estudo do racismo sob a perspectiva da ACD é relevante por apresentar uma possibilidade de análise dos mecanismos mais ou menos sutis pelos quais o sistema de dominação racial é reproduzido. Este trabalho faz parte da preparação metodológica para um estudo de caso sobre racismo e a cobertura midiática das imigrações no sul do Brasil. A Análise Crítica de Discurso e o discurso racista: a perspectiva de Teun Van Dijk 1. Introdução O presente artigo faz parte da preparação metodológica para o emprego da Análise Crítica de Discurso (ACD) em um estudo de caso sobre racismo e a cobertura midiática das imigrações em Caxias do Sul. O discurso midiático é uma das principais formas de reprodução de racismo, estando profundamente relacionado com outras práticas sociais racistas. A ACD oferece ferramentas de análise para relacionar aspectos linguísticos do discurso midiático com estruturas sociais no nível macro. A escolha por trabalhar com o quadro teórico-metodológico do pesquisador Teun Van Dijk é justificada pela relevância de seus trabalhos sobre racismo, imigração e mídia na Europa e na América Latina, sendo o principal teórico a tratar o tema do racismo dentro do campo da ACD. Há mais de três décadas, Van Dijk pesquisa a reprodução do racismo na sociedade por meio do discurso, com especial atenção ao papel das elites nesse processo. O autor adota uma abordagem sociocognitiva, baseado na premissa de que textos não possuem significados próprios, mas sim são atribuídos significados por meio dos processos sociocognitivos daqueles que usam a linguagem (VAN DIJK, 1991). A primeira parte do artigo apresenta um breve histórico da formação da ACD e expõe seus conceitos básicos e suas as premissas fundamentais, de maneira a introduzir e situar as duas seções posteriores. Em seguida, apresento a base teórica de Van Dijk, com atenção especial à característica do racismo enquanto sistema de dominação entre grupos e aos mecanismos sociocognitivos envolvidos em sua reprodução. Por fim, na terceira seção, reviso a metodologia para a análise micro dos elementos textuais mais relevantes para o discurso racista. 2. A Análise Crítica do Discurso: origens e premissas A ACD é, de acordo com Teun Van Dijk (2001, p. 352), “(...) um tipo de pesquisa analítica do discurso que estuda primariamente a maneira pela qual o abuso de poder, dominação e desigualdade sociais são promovidos, reproduzidos, e resistidos por meio do texto e da fala no contexto social e político” 1. O discurso, para os teóricos do ACD, é mais que apenas o uso da linguagem: é uma prática social, de representação e significação do mundo, formando e formado pelo social (MAGALHÃES, 2001). Buscando a integração entre diferentes campos de estudo, a ACD é melhor descrita por seus pesquisadores como uma perspectiva de teorização e análise, ao invés de uma escola ou especialização rígida. Por não possuir um quadro teórico unitário, buscarei, nesta primeira parte, traçar um breve histórico do surgimento da ACD e discorrer sobre suas premissas básicas, isto é, aquilo que é comum aos teóricos do campo e o caracteriza. A atual ACD confere continuidade à disciplina da linguística crítica2 (VAN DIJK, 2001; GOUVEIA, 2001; RESENDE & RAMALHO, 2006), cujo surgimento é marcado pelas obras Language and Control (FOWLER et al, 1979) e Language as Ideology (KRESS & HODGE, 1979). Essas obras buscaram apontar as relações entre as estruturas linguísticas e as estruturas sociais, adotando a perspectiva da teoria sistêmico-funcional de Michael Halliday, que busca analisar a língua levando em consideração o conjunto de seus significados sociais. Porém a análise ainda era concentrada nos aspectos linguísticos, enquanto os aspectos sociais eram pouco aprofundados (GOUVEIA, 2001). Nos anos 1980, de acordo com Magalhães (2001) duas obras consolidam as bases para os estudos posteriores em ACD: Linguistic Processes in Sociocultural Practice (KRESS, 1989) e Language and Power (FAIRCLOUGH, 1989). É notável a influência de conceitos e teorias não apenas de linguistas como Halliday, mas também de estudiosos do discurso e autores da filosofia e de teoria social3. O desenvolvimento de uma perspectiva teórica que integra diversas disciplinas marca a transição da linguística crítica para a análise crítica do discurso (GOUVEIA, 2001). O caminho em direção à transdisciplinaridade que a ACD percorreu e percorre no curso de seu desenvolvimento significa não apenas a aplicação de conceitos de diferentes campos de estudo, mas a operacionalização e transformação dessas teorias suscitando avanços 1 Tradução da autora. Trecho original: “(...) a type of discourse analytical research that primarily studies the way social power abuse, dominance, and inequality are enacted, reproduced and resisted by text and talk in the social and political context” (VAN DIJK, 2001, p. 352). 2 Para mais sobre linguística crítica e suas ligações, semelhanças e diferenças com a análise crítica de discurso, ver Gouveia (2001). 3 Exemplos de autores que tiveram grande influência na construção da ACD são Michel Foucault, Antonio Gramsci, Mikhail Bakhtin, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Jürgen Habermas, Anthony Giddens, Louis Althusser, e Michel Pêcheux (GOUVEIA, 2001; MAGALHÃES, 2001; RESENDE & RAMALHO, 2006). teóricos e metodológicos que perpassam as fronteiras entre elas (FAIRCLOUGH, 2005; RESENDE & RAMALHO, 2006). Um dos momentos que Gouveia (2001) destaca como de importância seminal para o desenvolvimento da ACD é o lançamento, em 1990, da revista Discourse & Society. Dirigida por Van Dijk, publicada pela editora Sage, e com um Conselho composto por importantes pesquisadores da área, a revista significou o reconhecimento da ACD como área de investigação e especialização acadêmicas (GOUVEIA, 2001). No ano seguinte, outro acontecimento é apontado como um momento crucial de consolidação da ACD como disciplina: um simpósio realizado em Amsterdã reuniu Van Dijk, Norman, Ruth Wodak, Gunter Kress e Theo van Leeuwen, pesquisadores que são reconhecidos como os fundadores da ACD (RESENDE & RAMALHO, 2006). Em 1992, a publicação de Discourse and Social Change significou um momento de auge da pesquisa de Fairclough, considerado o criador da ACD, e o fortalecimento do quadro teórico-metodológico da disciplina (GOUVEIA, 2001; MAGALHÃES, 2001). Nesta obra, Fairclough consolida uma das principais noções da ACD, isto é, que discurso e estrutura social estão dialeticamente relacionados, visto que influenciam e são influenciados um pelo outro (a prática social do discurso é tanto uma condição quanto um efeito da estrutura social). A função da análise de discurso, então, é de relacionar o micro-evento (discursivo) com a macro-estrutura (social) (FAIRCLOUGH, 1992; VAN DIJK, 2001; GOUVEIA, 2001; RESENDE & RAMALHO, 2006). A ACD contextualiza o texto com dois objetivos em mente: descrever e analisar as estruturas e estratégias discursivas ambas como um objeto textual e como uma forma de prática social; e analisar as relações dessas propriedades do discurso com aspectos relevantes de seu contexto cognitivo, social, cultural e histórico (VAN DIJK, 1993b). Embora a ACD não seja uma entidade homogênea e não tenha um referencial teórico único, alguns preceitos nucleares que norteiam as diversas pesquisas podem ser destacados, que são: a integração entre disciplinas (especialmente utilizando as disciplinas de linguística, sociologia e ciência política); foco em problemas sociais e questões políticas como objeto de análise; e a rejeição da possibilidade de uma ciência “neutra” e a crença relacionada de que o papel do pesquisador na sociedade deve fazer parte da reflexão acadêmica (VAN DIJK, 2001; BREEZE, 2011). A possibilidade de uma ciência neutra é rejeitada, ou seja, existe um reconhecimento de que a ciência e o discurso acadêmico são influenciados pelas estrutura e interações sociais. Ao invés de ignoradas ou naturalizadas, os teóricos da ACD acreditam que essas relações entre academia e sociedade devem ser reconhecidas e estudadas. Isso leva a uma agenda de pesquisa fortemente focada em problemas sociais e questões políticas, sobretudo relativos a questões de poder e dominação entre grupos (VAN DIJK, 2001; BREEZE, 2011). Outro ponto marcante nas diversas pesquisas em ACD é que elas são sobretudo guiadas por um problema, e não por uma disciplina específica. Primeiramente, um problema de caráter político ou social com um aspecto discursivo é identificado, para então serem selecionadas e/ou formuladas as ferramentas teóricas e metodológicas adequadas de diferentes disciplinas, de acordo com sua relevância para a explicação do problema (FAIRCLOUGH, 2001 & 2005; VAN DIJK, 1993). Com o cuidado constante, porém, conforme aponta Van Dijk (1993), de formular um quadro teórico-metodológico coerente no qual o discurso tem um papel central, ao invés de apenas tomar emprestadas noções incompatíveis. Para cumprir com o propósito de estudar como os discursos servem, dentro de uma sociedade, para a promoção e reprodução de mecanismos de poder, é necessário entender como o discurso se organiza dentro de uma sociedade. Compreendida nas práticas sociais está a prática discursiva, que é “a dimensão do uso da linguagem que envolve os processos de produção, distribuição e consumo dos textos” (MAGALHÃES, 2001, p. 17), podendo ser expressa enquanto textos escritos ou falados ou enquanto elementos semióticos. Ordem de discurso, por sua vez, é o conjunto de práticas discursivas utilizadas em um determinado ambiente – seja ele uma instituição, grupo, ou mesmo a sociedade – e as relações de complementaridade, inclusão/exclusão ou oposição entre essas práticas (FAIRCLOUGH, 2001; MAGALHÃES, 2001). O conceito de poder, origem de profundos debates e análises, é resumido por Van Dijk (2001) em termos de controle, isto é, a habilidade de controlar as ações e mentes de outros. Conforme essa definição, o poder social, que sustenta a estrutura de uma sociedade, somente pode ser entendido em termos de grupo, de maneira que nem todos os membros individuais de um grupo dominante são necessariamente mais poderosos do que todos os membros de um grupo dominado. A base do poder social é o acesso privilegiado a recursos escassos, entre eles o acesso à comunicação e às diversas formas de discurso público. Uma elite pode ter mais ou menos acesso a cada tipo de recurso, bem como o poder pode ser diferentes tipos (coercitivo, econômico, de informação, entre outros) (VAN DIJK, 2001). A relação entre discurso e poder é complexa, porém, para os fins desse artigo, essa questão também será tratada brevemente. Os atores sociais mais poderosos, segundo a definição apresentada, são aqueles que possuem os meios e recursos para influenciar as ações e mentes de outros. No entanto, como as ações são controladas pela mente, grande parte do poder – salvo aquele exercido através do uso da força e de sanções – implica antes de tudo o controle da mente, que é exercido através do discurso, especialmente do discurso público das elites midiáticas, educacionais/acadêmicas e políticas. Tal controle é tipicamente exercido pelo fornecimento de informação limitada, errada ou enviesada sobre determinado evento para recipientes que não possuem acesso a fontes alternativas de informação e que, generalizando a partir desse modelo, formarão novos modelos mentais enviesados reproduzindo percepções e ações de acordo. A dominação discursiva, portanto, pode ser definida como “(...) o controle comunicativo do conhecimento, crenças e opiniões daqueles que possuem poucos recursos e fontes alternativos para se opor a tal influência”4 (VAN DIJK, 1993b, p. 101). O poder dos grupos dominantes permeia as diversas práticas sociais, inclusive o discurso, por meio da ideologia hegemônica. Diferentemente de uma hegemonia rígida, a ACD toma emprestado o conceito de Gramsci (1971), que se apresenta como um espaço mais ou menos instável, mas sempre aberto a mudanças: “a hegemonia é um objetivo mais ou menos parcial ou temporário, um ‘equilíbrio instável’ que é um foco de luta, aberto à desarticulação e à rearticulação” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 37). A ideologia, para os teóricos da ACD, não significa uma oposição entre valores e o real, uma distorção da realidade, mas sim parte do real social, um elemento constitutivo de nossas vidas – nada é livre de ideologia, pois ela é a ótica pela qual constituímos o mundo, ela é a significação ou construção da realidade. A ACD busca entender como essa significação serve para manter as relações de dominação e poder dentro de uma sociedade. O poder dominante legitima a si mesmo por meio da ideologia hegemônica, isto é, por meio da propagação de crenças e valores que são universalizados e naturalizados de modo a torná-los verdades 4 Tradução da autora. Trecho original: “(...) the communicative control of knowledge, beliefs, and opinions of those who have few (re)sources to oppose such influence” (VAN DIJK, 1993b, p. 101). aparentemente inevitáveis (“senso-comum”), marginalizando e excluindo ideologias rivais (FAIRCLOUGH, 1992; GOUVEIA, 2001; MAGALHÃES, 2001). Assim, as “ideologias” passam a ter uma conotação negativa em relação à ideologia dominante, que não é reconhecida como tal, e sim tida como a “verdade”. De acordo com Bakhtin (2002, p. 47, apud RESENDE & RAMALHO, 2006): A classe dominante tende a conferir ao signo ideológico um caráter intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente [...]. Nas condições habituais da vida social, esta contradição oculta em todo signo ideológico não se mostra à descoberta. Para a ACD, a ideologia não é exclusivamente identificada com grupos dominantes, podendo também pode ser de resistência ou oposição, permitindo a possibilidade de mudança. Uma ideologia, por ser “o fundamento das representações sociais compartilhadas por um grupo social” 5 (VAN DIJK, 2005, p. 729), está associada a um grupo e seus interesses. As ideologias são essencialmente sociais e possuem propriedades sociais e cognitivas e fornecem coerência para as crenças de um grupo, facilitando sua reprodução e uso. Elas são sistemas de crenças socialmente compartilhadas e relativamente estáveis que formam a base de representações ou crenças mais específicas de um grupo – por exemplo, uma ideologia racista poderá ser a base de determinada opinião sobre imigração (VAN DIJK, 2005 & 2006). Dentro de um grupo, nem todos os membros têm o mesmo nível de conhecimento ideológico, e muitas vezes esse conhecimento não é explícito. Van Dijk (2005) utiliza a analogia de empregar uma língua sem ter a capacidade de formular sua gramática, isto é, as pessoas podem basear suas opiniões em uma ideologia sem ter acesso explícito aos seus conteúdos. Além disso, indivíduos podem pertencer a diversos grupos sociais, tornando-os participantes de várias ideologias, que são geralmente ativadas em diferentes situações sociais (e, quando ativadas ao mesmo tempo, podem gerar conflitos). Assim, ideologias são gerais e abstratas e compõem a base para práticas sociais concretas através dos modelos mentais individuais, sobre os quais falarei mais adiante. As ideologias possuem importância crucial na ACD pois são compostas de aspectos sociais, políticos e cognitivos e participam da estrutura 5 Tradução da autora. Trecho original: “(...) an ideology is the foundation of the social representations shared by a social group” (VAN DIJK, 2005, p. 729). sociocognitiva que serve de interface entre as estruturas sociais dos grupos e seus discursos e práticas sociais (VAN DIJK, 2005 & 2006). 3. Discurso na sociedade: o discurso racista e a abordagem sociocognitiva de Van Dijk A escolha da análise de discurso para estudar o racismo está baseada em duas principais premissas: (1) O racismo também se manifesta no discurso e na comunicação, frequentemente em relação com outras práticas sociais de opressão e exclusão, e (2) as cognições sociais que subjazem essas práticas são fortemente formadas por meio da comunicação discursiva no interior do grupo dominante6 (VAN DIJK, 1993a, p. 13). O discurso está no cerne da reprodução social dos mecanismos sóciocognitivos que permitem a manutenção das demais práticas racistas. No estudo do racismo, o discurso representa a ligação entre nível micro e macro – racismo como um sistema de dominação de um grupo sobre outro e racismo como práticas discriminatórias cotidianas – e entre as ações e cognições sociais – racismo como ações e ideologias de grupos ou instituições e racismo como ações e atitudes de membros de um grupo social (VAN DIJK, 1993b). Para ligar as estruturas macro e micro, as práticas sociais concretas com as estruturas sociais de poder, Van Dijk aponta, em seu enquadramento teórico e metodológico, os aspectos sociocognitivos que podem ser observados via discurso, e que são definidos por modelos mentais pessoais e representações mentais socialmente compartilhadas. Essas representações sociais são compostas por: regras gerais da linguagem, discurso e comunicação; conhecimentos gerais, como “scripts” de episódios estereotípicos (representações convencionais sobre episódios conhecidos da vida social); esquemas de opiniões e atitudes sobre determinado assunto; e sistemas ideológicos fundamentais que formam e organizam essas opiniões e atitudes, como valores, normas e interesses básicos de um grupo (VAN DIJK, 1993a & 1991). Dessa maneira, discurso e cognição são capazes de relacionar os âmbitos macro e o micro da reprodução do racismo. 6 Tradução da autora. Trecho original: “(1) Racism also manifests itself in discourse and communication, often in relation with other social practices of oppression and exclusion, and (2) the social cognitions that underlie these practices are largely shaped through discursive communication within the dominant white group” (VAN DIJK, 1993, p. 13). Uma análise cognitiva não significa que a reprodução do racismo é reduzida a uma questão de psicologia individual, pelo contrário: as representações sociais, por serem propriedades da mente social e compartilhadas por grupos, são ambas cognitiva e social (VAN DIJK, 1993a). É importante destacar, portanto, que Van Dijk (1993a, 1993b) se opõe a uma orientação individualista, focando especialmente no contexto social. Cada discurso é formado ou monitorado por modelos mentais, modelos contextuais e cognições sociais subjacentes. Os modelos mentais são individuais, porém possuem uma base social. Um modelo mental é uma “representação mental única, ad hoc e pessoal de um evento ou situação” (VAN DIJK, 1993b, p. 99), e é composto por uma leitura subjetiva das estruturas relevantes de determinado evento – como seus participantes, lugar, ações, entre outros – e geralmente também por uma avaliação pessoal de tal evento. Ambos esses aspectos contém partes de modelos anteriores e de normas, valores e crenças sociais mais gerais – isto é, cognições sociais. A cognição social, como entendida por Van Dijk (1993a), é o conjunto de processos e estruturas mentais, e compõe todos os processos de construção de sentido, seja em pequenas situações e interações, seja em relações e estruturas sociais mais amplas. Além disso, um participante discursivo guia seu texto ou fala de acordo com o modelo contextual, formado por aspectos como objetivos do discurso, atos comunicativos, propriedades da audiência, entre outros (VAN DIJK, 1991). O modelo contextual monitora quais informações ou opiniões são relevantes e apropriadas para a produção de discurso em questão (VAN DIJK, 1993a). O racismo, segundo o quadro teórico de Van Dijk (1993a), é uma forma de dominação baseada em diferenças físicas específicas (principalmente cor da pele) que podem ser mínimas ou mesmo inexistentes, mas que são socialmente construídas na definição de grupos. Nesse processo, as diferenças entre-grupos são exageradas e as diferenças intra-grupos são minimizadas. De fato, no início do século XX, foi comprovada cientificamente a inexistência de uma divisão de raças biológicas dentro da espécie humana, porém o significado social de raça permanece forte (GUIMARÃES, 2004; SCHUCMAN, 2010). A raça deve ser entendida, portanto, como construção social que estabelece distinções entre grupos, formada com base em características físicas, em especial a cor da pele, e culturais. Atualmente, o conceito de raça é operacionalizado politicamente pela luta antirracista, que ao invés de rejeitá- lo busca afirmá-lo enquanto construto social, de maneira a tornar mais evidente o racismo existente na sociedade (SCHUCMAN, 2010). O fim da escravidão negra e de sistemas legislatórios racistas na maioria dos países bem como o surgimento de políticas afirmativas e leis anti-discriminatórias são inegáveis progressos. Porém, elas não evitaram a permanência de preconceito e desigualdades econômicas, sociais e culturais entre brancos e negros (VAN DIJK, 1993a). Por essa razão, o foco de Van Dijk é estudar as manifestações mais sutis de racismo, aquelas que as elites recursam-se em chamar de racistas, ao invés das manifestações mais abertas, que são tidas como o real racismo, mas que não são socialmente aceitas ou respeitáveis (VAN DIJK, 1993a, p. xi). Essa visão de racismo limitada a posições e atitude explícitas e radicais favorece as elites ao negar seu próprio racismo e as exclui como parte do problema. No entanto, história do racismo ocidental e pesquisas sobre as experiências de grupos minoritários mostra que as formas de racismo praticadas pelas elites são mais sérias por gerarem consequências mais significativas. É justamente porque elas constroem uma imagem de mais tolerantes que uma oposição a atitudes racistas das elites é deslegitimada e marginalizada (VAN DIJK, 1992). O sistema de dominação étnico é altamente complexo, como vimos, baseado em relações entre grupos. Por esta razão, os discursos e atos de discriminação são analisados como manifestações no nível micro de tal sistema, ao invés de um foco no indivíduo. A natureza intergrupal do racismo significa que ele é praticado por membros de um grupo contra outro grupo, não sendo meramente composto por atitudes individuais mas sim sustentando um sistema de poder – seja social, cultural, político e/ou econômico – de um grupo sobre o outro nas mais variadas esferas da sociedade. Dessa maneira, atitudes discriminatórias praticadas por brancos não estão ligadas as suas personalidades individuais, mas a normas culturais e sociais, valores e ideologias do grupo dominante. Tal definição permite que, em determinadas situações, um indivíduo de um grupo minoritário possua mais poder do que um indivíduo do grupo dominante, porém não enquanto alguém pertecente a esse grupo (VAN DIJK, 1993a). A dominação de um grupo sobre outro possui duas dimensões: a cognitiva e a social. Isso significa que além do controle e acesso privilegiado a recursos sociais valiosos, os grupos dominantes também podem controlar indiretamente as mentes de outros. Por meio do controle da informação, o racismo é reproduzido com o fim de legitimar e manter a posição de dominação do grupo branco. A reprodução social envolve “(...) a continuidade das mesmas estruturas, nomeadamente como um resultado de processo ativos, como é o caso de uma cultura ou classe ou, de fato, de todo o próprio sistema social”7 (VAN DIJK, 1993a, p. 25). Um ponto importante é que os indivíduos enquanto membros sociais estão envolvidos ativamente nesse processo, que possui uma dimensão de baixo para cima – membros ou instituições do grupo dominante compartilham preconceitos e estão frequentemente engajados em práticas discriminatórias – e outra de cima para baixo – membros do grupo dominante adquirem preconceitos e aprendem a discriminar devido ao conhecimento obtido em um sistema social de desigualdade racial (VAN DIJK, 1993a). A reprodução social não envolve apenas a reprodução das estruturas do status quo, mas também é um processo que pode explicar mudanças, isto é, é possível uma reprodução no sentido de um sistema de igualdade racial. Nesse contexto, a passividade ou a inação contra o racismo acabam contribuindo para a continuidade do sistema racista. Considerando que as elites, por definição, possuem maior acesso aos recursos na sociedade, elas possuem uma responsabilidade especial porque possuem também os maiores meios para se opor ativamente a um sistema racista. O foco nas elites, portanto, não quer dizer que as elites sejam mais ou menos racistas do que a população branca em geral, porém é justificado porque elas controlam os meios de comunicação, possuem maior acesso ao discurso público, e portanto possuem também maior capacidade de formar o consenso étnico por meio do texto e da fala, legitimando seu próprio poder. Além disso, as consequências do racismo das elites são ainda mais sérias para as minorias do que o racismo popular, visto que são elas que em grande parte definem as oportunidades nos campos da educação, emprego, mídia, entre outros (VAN DIJK, 1993a). O discurso racista pode ser dividido em duas modalidades: (1) discurso racista dirigido ao outro etnicamente diferente; ou (2) discurso racista sobre o outro etnicamente diferente (VAN DIJK, 1993a). O discurso racista dirigido ao outro implica na interação direta entre indivíduos do grupo dominante e do grupo contra o qual o racismo é dirigido. Já o discurso racista sobre o outro tem como principal função a persuasão intra-grupo, isto é, a reprodução das crenças e valores que 7 Tradução da autora. Trecho original: “(...) the continuity of the same structures, namely as a result of active processes, as is the case of a culture or class or, indeed, of the whole social system itself” (VAN DIJK, 1993, p. 25). compõem as bases ideológicas e sócio-cognitivas e permitem a manutenção do sistema de dominação racista de um grupo sobre outro. É esta segunda modalidade de discurso que compõe o foco dos estudos de Van Dijk, e é sobre ela que tratarei na próxima seção. 4. Estruturas da linguagem: elementos textuais do discurso racista Na análise micro dos elementos do texto e da fala existem muitos aspectos relevantes, tornando-a bastante complexa, especialmente para pesquisadores de outras áreas que não a linguística. De maneira a organizar e facilitar esse trabalho, existem listas e esquemas específicos reunindo aspectos que tendem a ser particularmente relevantes para determinados temas de pesquisa (FAIRCLOUGH, 2005). Dessa maneira, buscarei reunir aqui os aspectos observados por Van Dijk como especialmente relevantes para o estudo do racismo na prática discursiva textual sobre o outro, com enfoque na mídia. Para fins metodológicos, é importante ressaltar que essas estruturas não são racistas em si mesmas, mas sim funcionam como reprodutoras do racismo considerando o contexto sociocultural e político em que estão inseridas (VAN DIJK, 1993b). As estruturas da linguagem podem ser dividas teoricamente em estruturas superficiais – formas de linguagem que podemos ver ou ouvir, como sons, gestos, letras, imagens e palavras – e estruturas subjacentes ou profundas – associadas com sentido, interação, e fenômenos cognitivos. As estruturas profundas, que correspondem ao significado do discurso, são expressas nas estruturas superficiais, que as codificam, e essas relações devem ser explicitadas pela ACD. Além disso, as propriedades discursivas sempre devem ser analisadas em suas relações mútuas e em relação aos seus contextos socioculturais específicos (VAN DIJK, 1993b). Ao ligar estruturas profundas com suas codificações superficiais, é possível perceber que, utilizando a analogia de Van Dijk (1993b), discursos são como icebergs: boa parte dos significados permanece implícita porque algumas implicações poderiam ser inferidas de qualquer maneira, porque elas são irrelevantes para o discurso em questão, ou porque o discursante prefere esconder tal. Existem, portanto, implicações nos textos que precisam ser explicitadas e analisadas criticamente pela ACD. As pressuposições são um tipo específico de implicação que representam o conhecimento prévio que os participantes do evento discursivo devem ter para que ele tenha significado (VAN DIJK, 1993b). Outros tipos de implicações, por exemplo, podem ser sugestões e associações (VAN DIJK, 1991). Antes de mais nada, os princípios organizadores globais do discurso racista são muito simples: a auto apresentação positiva combinada com a apresentação negativa do outro. Isso se dá por meio da ênfase nos aspectos positivos do “nós” sem ênfase nos aspectos negativos, somada à ênfase nos aspectos negativos do “eles” sem ênfase nos aspectos positivos (VAN DIJK, 1993a, 1993b & 2014). Em artigo sobre imigração e racismo, Van Dijk (1992) afirma que, seguindo esses princípios globais, a mensagem que forma o consenso étnico é: (...) que nós somos um país tolerante, onde não há lugar para discriminação e racismo (e, portanto, eles não existem, e aqueles que dizem que sim são os verdadeiros racistas), que minorias e imigrantes são tratados de forma justa, mas firme, para o seu (e nosso) próprio bem, e que nós deveríamos ser realistas ao tentar alcançar a igualdade de direitos, porque apesar de tudo existem limitações naturais como necessidades econômicas, bem como as conhecidas deficiências das próprias minorias (na linguagem, aprendizado, religião [Islã!], adaptação, motivação, modernismo, cultura, etc.)8 (VAN DIJK, 1992, p. 59). Esses princípios norteadores do discurso racista podem ser expressos textualmente de maneira mais ou menos sutil. Um primeiro aspecto textual importante para o estudo do racismo no discurso é a coerência. A coerência local é a relação entre frases que formam um texto – relações de complementaridade, especificação, condição, generalização, explicação, exemplificação, contraste, entre outros. Ela é largamente baseada no nosso conhecimento de mundo e crenças, ou seja, é subjetiva e ideológica (VAN DIJK, 1991 & 1993b), pois um discurso pode expressar pressuposições que são controversas, resultando em coerência para alguns e não para outros. Os textos também apresentam coerência global por meio dos tópicos que organizam trechos mais longos de um discurso ou ele inteiro. Os tópicos definem sobre o que o texto é, e são a informação mais lembrada. A escolha e a expressão dos tópicos nas manchetes e subtítulos das notícias permite manipulação, isto é, tópicos 8 Tradução da autora. Trecho original: “(...) that we are a tolerant country, in which there is no place for discrimination and racism (and therefore, they do not exist, and those who say so are the real racists), that minorities and immigrants are dealt with fairly, but firmly, for their (and our) own good, and that we should be realistic in trying to realize equal rights, because after all there are natural limitations such as economic necessities, as well as the well-known deficiencies of the minorities themselves (in language, learning, religion [Islam!], adaptation, motivation, modernism, culture, etc.)” (VAN DIJK, 1992, p. 59). são alegadamente escolhidos por serem socialmente ou politicamente interessantes, mas na realidade refletem sobretudo os padrões de acesso à produção midiática, que é majoritariamente branca (VAN DIJK, 1992 &1993b). Assim, (...) a seleção e proeminência dos tópicos (1) definem como a imprensa branca define a situação étnica, (2) refletem o acesso organizado de atores e fontes da elite ao processo de produção de notícias, e (3) expressam os níveis superiores de modelos mentais frequentemente enviesados de jornalistas brancos sobre eventos étnicos” (VAN DIJK, 1992, p. 46)9 Dessa maneira, os tópicos são tipicamente formulados de modo a favorecer os aspectos negativos dos “outros” enquanto favorecem os “nossos” pontos positivos. “Nós” somos hospitaleiros, modernos, tolerantes, avançados, enquanto em contraste “eles” têm problemas de integração, são criminosos, violentos, preguiçosos, atrasados (VAN DIJK, 2014). Os tópicos sobre minorias étnicas são frequentemente restritos a eventos como problemas sociais, caracterização cultural, complicações e caracterizações negativas, ameaças, crimes e violência, entre outros (VAN DIJK, 2000). Os pontos negativos do “nós” raramente recebem ênfase na formação de tópicos, especialmente quando se trata do “nosso” racismo, que é um grande tabu (VAN DIJK, 2014). Tópicos de crime e violência, por exemplo, não são simplesmente apresentados como tais, mas sim como crime negro e violência negra. Muitos tópicos que poderiam ser cobertos como o são para brancos são irrelevantemente culturalizados, atribuindo a eles dimensões especiais que recebem tratamento diferente da mídia. Isso significa que implicações ideológicas racistas podem ocorrer não apenas porque pouco está sendo dito, como no caso das pressuposições implícitas, mas também porque muitas coisas irrelevantes estão sendo ditas (VAN DIJK, 1991 & 1992). Essa questão está relacionada com o nível da descrição e nível de completude almejado pelo discursante, ou seja, o nível de generalidade ou especificidade da informação. Aspectos mais importantes ou considerados mais atrativos na mídia são geralmente descritos com mais detalhes. No entanto, classificar determinados aspectos como mais importantes que outros implica em considerações resultantes dos 9 Tradução da autora. Trecho original: “(...) the selection and prominence of topics (1) define how the white press defines the ethnic situation, (2) reflect the organized access of elite actors and sources to the news production process, and (3) express the top levels of often biased mental models of white journalists about ethnic events” (VAN DIJK, 1992, p. 46). modelos mentais do discursante. O exemplo da menção das origens étnicas de atores em notícias criminais também é aplicável aqui, pois tais características podem ser irrelevantes para a compreensão do evento mas serem mencionadas como uma explicação das ações dos atores (VAN DIJK, 1993b). O discurso é organizado por um esquema abstrato, de acordo com o contexto em que ele está sendo empregado, compondo a superestrutura. A forma convencional de organizar o discurso em uma notícia de jornal, por exemplo, é composta por um resumo (manchete e subtítulo), eventos recentes, contexto/eventos históricos, reações verbais, e avaliação/comentários (VAN DIJK, 1991 & 1993b). Nesse aspecto, além da escolha do tópico na manchete e subtítulo já abordada, existem outras expressões fundamentais para a análise. Na categoria reações verbais, por exemplo, atores minoritários são menos citados, e quando o são, sobretudo em tópicos delicados como o racismo, seus comentários são frequentemente apresentados com estratégias semânticas que podem implicar dúvida, como o uso de citações diretas entre aspas e palavras como “alegadamente” (VAN DIJK, 1992). A eliminação de algumas categorias também pode ter implicações ideológicas. Por exemplo, na apresentação dos eventos e nos comentários finais é comum existir um elemento de complicação seguido por uma resolução. Porém, em estudos empíricos de Van Dijk (1993b) sobre a mídia em Amsterdã, na maioria das notícias sobre minorias étnicas a categoria resolução estava ausente, deixando implícito que não existe solução para o problema apresentado. Outro aspecto importante é o estilo discursivo. Estilo é o resultado textual de escolhas entre diferentes formas de dizer mais ou menos a mesma coisa usando palavras diferentes ou estrutura sintática diferente. Essas escolhas estilísticas também têm implicações sociais e ideológicas. Por exemplo, o uso da voz ativa ou passiva e do agente da ação implícito ou explícito sugere atribuição de responsabilidade, e pode ser baseado na estratégia de auto-representação positiva e representação negativa do outro (eles se rebelaram porque são discriminados) (VAN DIJK, 1991). Também o estilo léxico, isto é, a escolha de palavras, é fundamental para a análise de discurso referente a questões raciais e imigratórias. A escolha de certas termos ou palavras sobre outros pode possuir significados ideológicos. Exemplos não faltam: termos como imigrantes “ilegais” e “refugiados econômicos” (como maneira de deslegitimar aqueles que não seriam “verdadeiros” refugiados); a dicotomia entre “nós” e “eles” (“lutadores da liberdade” x “terroristas”; “manifestantes” x “vândalos”); uso de metáforas negativas (“invasão” de imigrantes); e eufemismos para o “nosso” racismo (“descontentamento popular”) (VAN DIJK, 1993b, 2000 & 2014). A análise de estruturas textuais que funcionam como reprodutoras do discurso racista é necessária porque as normas e valores das sociedades ocidentais contemporâneas rejeitam a intolerância racial explícita. De acordo com a premissa de que o discurso é bastante influenciado pelas características do ambiente em que é produzido, isto é, pelo modelo contextual, o auto-monitoramento da maneira correta de falar sobre assuntos delicados é particularmente forte em assuntos raciais (VAN DIJK, 1993b). Devido à hesitação em expressar racismo explícito diretamente, o estilo e a retórica mais abertamente agressivos são direcionados aos brancos antiracistas. Assim, grupos anti-racistas brancos ou de cor não especificada podem ser descritos, de maneira socialmente segura, por termos bastante duros, como referências a animais, doenças mentais ou opressão (VAN DIJK, 1992 & 1993b). No caso de referências negativas diretas contra minorias, o discurso racista utiliza uma complexa bateria de ações semânticas para tornar-se mais socialmente aceito e persuasivo, compondo estratégias argumentativas de face-keeping, isto é, a apresentação de uma imagem positiva de si mesmo de maneira a proteger-se e mitigar ou negar a prática racista (VAN DIJK, 1992, 1993a & 1993b). Uma dessas estratégias é a inversão, o foco na intolerância deles, e a redefinição do anti-racismo como “racismo inverso” ou “racismo negro” (VAN DIJK, 1992), especialmente observada no debate relativo a políticas afirmativas. As estratégias argumentativas de isenção de responsabilidade ou negações, seguidas de uma afirmação racista, também são largamente utilizadas. Elas podem ser de negação aparente, concessão aparente, transferência ou contraste, e são construídas sobre a base da auto-representação positiva e representação negativa do outro (VAN DIJK, 1992, p. 41): Negação aparente: “Não tenho nada contra eles, mas...”; “Não sou racista, mas...” Concessão aparente: “Também existem pessoas negras inteligentes, mas...” Transferência: “Eu não me importo com isso, mas meus vizinhos/meus colegas/meus clientes...” Contraste: “Nós trabalhamos muito, enquanto eles...” As estratégias argumentativas são compostas de controvérsias apontadas como fatos, erros, abusos e falácias (VAN DIJK, 1993b). Van Dijk (1992) observa que duas das falácias argumentativas frequentemente utilizadas no referente à migrações e minorias étnicas são de que ações negativas no sentido de proteção às minorias são justas ou que na verdade são “para o próprio bem” das minorias. Por exemplo, as restrições imigratórias seriam para o próprio bem dos imigrantes, porque preveniriam maior ressentimento e discriminação contra eles (ignorando quem de fato discrimina); e as cotas fariam mal para as próprias minorias, porque elas se sentiriam menos capazes (ignorando a desigualdade de experiências e oportunidades) (VAN DIJK, 1992). A segunda falácia, de ênfase na justiça, frequentemente está relacionada com a valorização e alegação de realismo ou pragmatismo em oposição a idealistas – políticas restritivas da imigração e rejeição de ações afirmativas são sempre apresentadas como justas e equilibradas, não importando seu real impacto para as minorias (VAN DIJK, 1992). Ao observar os elementos textuais que servem a estratégia racista, verificamos que a perspectiva do discursante pode aparecer em diversos aspectos, como coerência local e global, estilo léxico, estrutura semântica e estratégias argumentativas. Ao considerar os elementos mais relevantes e recorrentes do discurso racista, 5. Considerações finais Como vimos, a Análise Crítica de Discurso permite, por meio da integração de diferentes disciplinas, estudar como as estruturas de poder, dominação e desigualdade dentro de uma sociedade são reproduzidas através do texto e da fala. A importância da ACD para o estudo do racismo na mídia se dá principalmente por três razões: (1) a natureza do racismo nas sociedades ocidentais atuais, nas quais existe igualdade legal mas persiste a discriminação social arraigada; (2) o amplo alcance da grande mídia e seu papel fundamental na reprodução do racismo, sua condição de espaço de disputa de poder, e, frequentemente, a inexistência de fontes alternativas de informação acessíveis à maior parte da população; e (3) a existência de expressões mais ou menos sutis de racismo e de estratégias de construção positiva do próprio grupo, o que exige uma análise atenta dos mecanismos linguísticos utilizados. Van Dijk se destaca por estabelecer uma ligação entre elementos textuais e estruturas sociais para o tema do racismo, facilitando a identificação de mecanismos muitas vezes implícitos no texto, com o auxílio da sociocognição. Este artigo buscou situar, revisar e resumir o trabalho de Van Dijk com o fim de empregá-lo como suporte metodológico para posterior estudo de caso sobre racismo e a cobertura midiática das imigrações. Referências BREEZE, Ruth. Critical Discourse Analysis and its Critics. Pragmatics v. 21, n. 4, p. 493-525, 2011. FAIRCLOUGH, Norman. Critical Discourse Analysis as a Method in Social Scientific Research. In: WODAK, Ruth; MEYER. Methods of critical discourse analysis. Londres: Sage, 2005. p. 121-138. ______. Discourse and Social Change. Cambridge: Polity Press, 1992. ______. Language and Power. Londres: Longman, 1989. FOWLER, Roger et al. Language and Control. Londres: Routledge, 1979. GOUVEIA, Carlos M. A. Análise crítica do discurso: enquadramento histórico. 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