76 Artigos de Revisão (Review Articles) Orthodontic Science and Practice. 2010; 2(9). Reconhecendo as deformidades dentofaciais: um enfoque para o ortodontista – parte I Recognizing dental-facial deformities: an approach for the orthodontist – part I Éber Luís de Lima Stevão - Doutor em CTBMF, Pós-Doutorado pela Baylor College of Dentistry, Fellow em CTBMF pela Baylor University Medical Center em Dallas, Texas – EUA, Membro efetivo da Sociedade Norte-Americana dos Cirurgiões da ATM – ASTMJS, Diretor Científco da Dental Special Products – DSP, Consultor Clínico para América do Sul da TMJ Concepts Califórnia, USA, clínica privada em Curitiba – PR. Larry M. Wolford - Cirurgião Bucomaxilofacial com clínica privada em Dallas, Texas – EUA. Professor Clínico da Baylor College of Dentistry, TexasA&M University System, Dallas, Texas – EUA. Resumo As deformidades dentofaciais afetam aproximadamente 20% da população nos EUA, com variados graus de comprometimento funcional e estético. No Brasil, não existem dados tão específcos, mas sim estatísticas de maloclusões concentradas em determinadas regiões. Os pacientes com deformidades dentofaciais podem se benefciar através do tratamento corretivo interdisciplinar. Porém, alguns profssionais que trabalham com a Ortodontia desprezam a deformidade dentofacial, focando o tratamento somente no alinhamento e nivelamento dentários, mesmo que para muitos pacientes, a(s) deformidade(s) da(s) arcada(s) possa(m) ser signifcativamente pior(es) do que a própria maloclusão. Esse assunto sobre deformidades dentofaciais será dividido em dois artigos: parte I tem por ideal ajudar o profssional da Ortodontia a mais facilmente identifcar os pacientes com essas deformidades e melhor entender os possíveis métodos de tratamento, a fm de otimizar os resultados funcionais e estéticos de seus pacientes. O artigo parte II exemplifca e ilustra o tema através apresentação de 3 casos tratados através da Ortodontia e Ciurgia Ortognática. Descritores: Deformidades dentofaciais, cirurgia ortognática, cirurgia da ATM, tratamento ortodôntico-cirúrgico, estética facial. Abstract Dental-facial deformities affect approximately 20% of the USA population, with varying degrees of functional and aesthetic compromise. In Brazil, there are no specifc data but only some statistics by certain regions showing some varied levels of malocclusions. Patients with dentofacial deformities can often beneft from interdisciplinary corrective treatment. However, some professionals working with orthodontics overlook the facial deformity, focusing mainly on the dental alignment, even though for many patients, the jaw deformity may be signifcantly worse than the malocclusion they have. This issue about dentofacial deformities will be divided into two articles: part I has the aim of helping the orthodontist more easily identify patients with dentofacial deformities and better understand the possible methods of treatment to optimize their functional and aesthetic outcomes. The article part II exemplifes and illustrate the theme with 3 cases treated by orthodontics and orthognatic surgery. Descriptors: Dental-facial deformities, orthognathic surgery, TMJ surgery, orthodontic presurgical treatment, facial aesthetics. Correspondência com autor : [email protected] Recebido para publicação: 06/11/2009 Aceito para publicação: 29/01/2010 Orthodontic Science and Practice. 2010; 2(9). Introdução Uma das melhores recompensas na Ortodontia e Cirurgia Ortognática é a possibilidade de oferecer aos pacientes uma boa relação oclusal e funcional em adição a uma face equilibrada, harmônica, simétrica com um belo sorriso. A dura realidade da sociedade atual é que as pessoas atraentes, geralmente, têm uma vantagem signifcativa nas oportunidades de empregos e nos convívios sociais. Sem dúvida alguma, vivemos numa sociedade obcecada com a estética. Já que não é possível fazer com que todos os pacientes fquem “belos”, a correção dos componentes estéticos e funcionais podem signifcativamente melhorar a autoestima e as oportunidades na vida dos pacientes portadores de deformidades dentofaciais(1,2,3,4). Os componentes funcionais das deformidades dentofaciais podem gerar travamento da mandíbula durante a mastigação, disfunções das vias aéreas superiores e do sistema respiratório em geral, do mecanismo da fala, assim como causar algias e cefaleias. Mas todos esses problemas podem, eventualmente, ser corrigidos. Como via de regra, não existem limites de idade para ajudar os pacientes com deformidades dentofaciais, mas uma avaliação cuidadosa a fm de determinar a época ideal para o tratamento deve ser levada em consideração, principalmente naqueles pacientes muito jovens. O tratamento interdisciplinar dos pacientes portadores de deformidades dentofaciais pode exigir a afuência da Cirurgia Ortognática – que é a arte e ci ência do diagnóstico, planejamento e tratamento das deformidades das arcadas dentárias e da face, além da coordenação da Ortodontia na correção do posicionamento dos elementos dentários através de cargas biomecânicas. A Ortodontia conjuntamente com a Ci rurgia Ortognática, podem fornecer uma melhora sign-i fcativa quanto aos resultados estéticos e funcionais do sistema estomatognático. Revisão de literatura Para que uma avaliação compreensiva seja obtida, uma metodologia de avaliação e diagnóstico será aqui prestada, seguida de uma coerente classifcação das deformidades dentofaciais mais encontradas. Uma abrangente avaliação estética e funcional de um determinado paciente pode ser dividida em cinco áreas principais: 1) Queixa principal; 2) Avaliação clínica facial; 3) Análise oclusal e dos modelos dentários de gesso; 4) Análise das articulações têmporomandibulares; 5) Análise das radiografas e outras imagens (i.e. Telerradiografa de perfl, Panorâmica, Tomografa Computadorizada e Ressonância Nuclear Magnética). 1) Queixa principal Dirigindo a atenção para as queixas e problemas do paciente, normalmente isso irá determinar a satisfação fnal desse indivíduo com relação aos resulta dos do tratamento. É possível identifcar as queixas do paciente através de perguntas simples sobre problemas que ele possa ter nos seguintes aspectos: comer, mastigar, ronco, sono, respiração pelo nariz, apneia do sono, fala, barulhos ou sintomas das articulações têmporomandibulares (ATMs), cefaleia, algias ou apa- Stevão, É. L. L. Wolford, L. M. 77 rência facial. Qualquer um desses fatores pode estar relacionado com uma deformidade dentofacial e poderá ser corrigido. Uma avaliação clínica pelo ortodontista, como se mostrará abaixo, poderá identifcar aqueles pacientes com problemas que se benefciarão dessa avaliação e do tratamento. 2) Avaliação clínica facial Análise frontal. Cada paciente deve ser avaliado em pé ou sentado com coluna ereta, com os seus olhos e lóbulo das orelhas paralelos ao chão, olhando para o ortodontista. Os dentes e as arcadas dentárias do paciente devem estar em oclusão cêntrica e seus lábios totalmente relaxados. Para a análise facial vertical, a face deverá ser dividida em terços iguais (fgura 1). Figura 1: Verticalmente, a face pode ser dividida em terços para o exame clínico. O terço inferior da face pode ser ainda dividida em outros terços com a distância do Subnasale (Sn) até o Stomion superior (Stms) sendo um terço, e do Stomion inferior (Stmi) até o ponto Mentoniano mole (Me’) os outros dois terços, tendo essas proporções como ótimas para o equilíbrio facial. O terço superior da face se extende da linha do cabelo até abaixo da testa (ponto Glabela – G). O terço médio, vai da G até abaixo do nariz (ponto Subnasale – Sn). O terço inferior da face compreende desde o Sn até o mento (ponto Mentoniano mole – Me’). Os terços médio e inferior, juntos, devem ser iguais em comprimento. Em posse dessas informações, faz-se, então, uma determinação do terço inferior da face se longo ou curto. Ainda, dividindo o terço inferior da face em outros terços, teremos que normalmente, o comprimento do lábio superior do ponto Sn (junção da base do nariz com o lábio superior) até o Stomion superior (Stms - a parte mais inferior do lábio superior) compreende um terço e a distância do Stomion inferior (Stmi até abaixo do Me’, os dois terços restantes (fgura 1). A medida do lábio superior normal para os homens é de 22 mm ± 2 mm e para as mulheres é de 20 mm ± 2 mm. A medida normal de exposição dos incisivos superiores por detrás do lábio superior relaxado é de 2,5 mm ± 1,5 mm. A melhor maneira de avaliar a verdadeira posição do lábio superior é pedir que o paciente relaxe a mandíbula levemente ao ponto dos elementos dentários não se tocarem. Determine se muito ou pouco dos incisivos superiores fca exposto. Uma relação dente-lábio superior excessiva pode indicar que a maxila desenvolveu-se muito verticalmente (excesso vertical de maxila ou hiperplasia maxilar). Uma exposição defciente dos incisivos superiores pode indicar um subdesenvolvimen to vertical da maxila (defciência ou hipoplasia maxilar). 78 Stevão, É. L. L. Wolford, L. M. Com o paciente voltando à oclusão cêntrica, o espaço interlabial (espaço entre Stms e Stmi) que é a distância normal entre os lábios relaxados, deve ser de 0 a 2 mm. Determine se os lábios estão muito afastados ou muito fechados, o que pode indicar um excesso ou defciência vertical da maxila, respectivamente. Avalie a simetria vertical da face da direita para esquerda. Em quase todas as pessoas encontra-se um grau leve de assimetria facial que pode ser imperceptível, mesmo à uma observação mais atenta. Isso se deve ao fato de que a face nos seus terços médio e inferior se desenvolve a partir dos processos nasal mediano, nasal lateral, maxilar e mandibular que apesar da intrínsica coordenação dessas estruturas, falhas ou defeitos do desenvolvimento ou da maturação desses processos embrionários podem ocorrer. Procure a linha média da face. Essa linha facial é defnida como uma linha perpendicular que passa pelo plano bipupilar e está equidistante dos olhos. A linha média da face que passa pelo nariz, lábios, incisivos centrais superiores e inferiores e pelo mento, deve determinar um alinhamento dessas estruturas (fgura 2). Orthodontic Science and Practice. 2010; 2(9). ria cérvico-gengival, sendo que a gengiva não deve estar exposta mais do que 1 a 2 mm (veja fguras 9A, 12A, 15A do artigo parte II). Procure por um sorriso “gengival” o qual pode indicar um excesso vertical ou ânteroposterior (A-P) da maxila (veja fgura 10A do artigo parte II) ou uma exposição inadequada dos elementos dentários superiores durante o sorriso que pode indicar um subdesenvolvimento vertical e/ou uma retrusão maxilar (o normal é de 10 mm ± 1,5 mm) e determine, então, se o comprimento da coroa dentária é curto ou longo. Análise de Perfl O perfl do paciente é geralmente a avaliação mais valiosa quando se deseja determinar problemas verticais e A-P das arcadas dentárias. A cabeça do paciente deve estar orientada de tal maneira que o plano horizontal de Frankfurt clínico (PHFc), que é defnido como uma linha que vai da porção mais superior do trágus (saliência da cartilagem auricular na parte anterior do meato auditivo externo) até à porção palpável do rebordo inferior da órbita, esteja paralelo ao solo (fguras 1 e 4). Avalie o equilíbrio facial entre a bochecha, o nariz, os lábios e o mento. A distância normal do Sn até a ponta do nariz é de 16 a 20 mm. O dorso nasal deve ser relativamente reto. Determine se o nariz é grande ou pequeno. Avalie o sorriso de perfl, sendo que a proje ção do lábio superior deve ser de 10 a 15 mm anterior à bochecha. Caso o lábio superior tenda a desaparecer por debaixo da bochecha, então uma defciência A-P da maxila pode estar presente. Uma projeção excessiva do lábio superior pode indicar uma protrusão maxilar. Avalie o equilíbrio facial vertical em que a distância normal da G ao Sn e do Sn ao Me’ é de uma proporção de 1:1 (fgura 1). Um comprimento excessivo do terço in - Figura 2: A linha mediana da face é uma linha perpendicular ao plano bipupilar e deve estar equidistante dos olhos.Alinha mediana do nariz, dos lábios, elementos dentários e do mento deve estar alinhada com a linha mediana da face. A simetria facial da esquerda para a direita também deve ser avaliada. A plenitude facial (preenchimento facial pelos tecidos moles) e a morfologia de cada lado da face devem ser relativamente simétricas. Procure por hiper ou hipotrofa dos tecidos moles (adiposo e muscular) que podem estar presentes como por exemplo na atrofa hemifacial (síndrome de Parry-Romberg), na hipertrofa masseterina unilateral (hipertrofa hemifacial congênita ou hipertrofa funcional), na macroglossia. Ainda, outras linhas verticais auxiliares paralelas à linha mediana facial podem ser construídas para ajudar na determinação da completa simetria facial no plano frontal. Um afastador de língua de madeira pode ser colocado transversalmente ao plano oclusal do paciente para avaliar o seu paralelismo com o plano bipupilar e o plano do lóbulo das orelhas (fgura 3). Determine se alguma assimetria está presente. Em seguida, avalie o sorriso o qual normalmente o vermelhão do lábio superior deve tocar a margem dentá- Figura 3: Um abaixador de língua de madeira colocado entre os elementos dentários serve para avaliar o plano oclusal transversal se paralelo com o plano bipupilar e o plano do lóbulo das orelhas, a fm de identifcar desequilíbrios facial vertical e oclusal. Orthodontic Science and Practice. 2010; 2(9). Stevão, É. L. L. Wolford, L. M. 79 anodontia, anquilose, dentes cariados ou ausentes, problemas periodontais, tamanho da língua e hábitos parafuncionais, e rotação condilar(5). Também se avalia comprimento, tamanho e forma das coroas dentárias. É óbvio onulante ressaltar que a avaliação da saúde dos tecidos bucais duros e moles deve ser determinada para todos os pacientes ortocirúrgicos em potencial, assim como para qualquer outro. Figura 4: Uma linha, perpendicular ao plano horizontal de Frankfurt clínico (PHFc), extendendo-se para baixo do Sn, deve passar de 2 mm + 1 mm posteriormente à parte mais anterior do lábio superior, e 3 mm + 2 mm anteriormente ao mento para que exista um bom equilíbrio facial.Alinha do mento-pescoço deve ser de 50 a 65 mm em comprimento. ferior da face pode indicar um sobredesenvolvimento vertical da maxila e/ou da mandíbula. Um comprimento ver tical defciente da porção inferior da face pode indicar um subdesenvolvimento vertical da maxila e/ou mandíbula. Imagine uma linha vertical do Sn, perpendicular ao FHPc, conforme mostrado na fgura 4. O lábio superior no ponto Supralabrale (porção mais anterior do lábio su perior na junção entre pele e vermelhão) deve ser cerca de 2 mm ± 1 mm anterior a essa linha e a projeção do Me’ deve estar em torno de 3 mm ± 2 mm posteriormente a essa mesma linha. Caso o lábio superior esteja atrás dessa linha, então a maxila pode ser defciente no senti do A-P. Estando o lábio superior muito para frente dessa linha, pode indicar um excesso A-P da maxila. Caso os lábios superior e inferior estejam projetados muito além dessa linha, pode indicar uma protrusão dentoalveolar de ambas as arcadas que é característica entre os pacientes de tez negra. Caso o Me’ esteja retruído mais do que 5 mm dessa linha, a mandíbula e/ou o mento podem ser defcientes no sentido A-P (retrognata ou hipoplásico), mas se projetados além dessa linha, a mandíbula e/ou o mento podem estar sobredesenvolvidos (prognatia ou hiperplasia). A distância da medida mento-pescoço (por ção anterior do mento até o pescoço – ponto C) deve ser em torno de 50 a 65 mm em comprimento (fgura 4), e o ângulo da medida mento-pescoço deve ser relativamente bem defnido. Determine se o mento é muito proeminente ou retruído, ou ainda verticalmente longo ou curto. 3) Análise oclusal e dos modelos dentários de gesso A oclusão é avaliada em relação cêntrica a fm de identifcar em qual classifcação de Angle ela se encai xa, bem como determinar a presença ou ausência de mordida profunda, curvas de Spee e Wilson acentuadas ou reversas, discrepância dentária (análise de Bolton), 4) Análise da Articulação Têmporomandibular As ATMs são o fundamento para a Ortodontia e a Cirurgia Ortognática. Estando essas articulações estáveis e saudáveis, os resultados dos tratamentos são altamente previsíveis. Caso processos patológicos envolvendo a ATM estejam presentes (i.e. deslocamento do disco articular(6,7), hiperplasia condilar(8), reabsorção condilar idiopática(9), artrite reumatóide, etc.) e não sejam diagnosticados e apropriadamente tratados, então os resultados com relação à função, estética e estabil-i dade a longo prazo podem ser comprometidos. Aqueles pacientes portadores de processos patológicos envolvendo a ATM podem apresentar clique articular, pulos mandibulares1, disfunção, algia, cefaleia, dor de ouvido, tinido, vertigem, tontura, náusea e algia miofascial. Mudanças progressivas na oclusão e na relação entre as arcadas dentárias podem ocorrer na presença dessas condições. Quando um processo patológico da ATM é coexistente com uma deformidade dentofacial, se o diagnóstico correto for instaurado e a conduta apropriada instituída, os resultados do tratamento cirúrgico do(s) processo(s) patológico(s) e da(s) deformidade(s) dentofacial(ais), podem ser altamente previsíveis com relação à função, estética, estabilidade a longo prazo e eliminação de algias e cefaleias(10). 5) Análise radiográfca Análise da radiografa de perfl (Telerradiografa) A radiografa de perfl é uma ferramenta importante no diagnóstico das deformidades dentofaciais e é usada para analisar a interrelação das estruturas esqueléticas e dentoalveolares com os tecidos moles (fgura 5). Figura 5: A análise cefalométrica avalia as estruturas moles e duras da face e ajuda no diagnóstico e plano de tratamento. 80 Stevão, É. L. L. Wolford, L. M. Orthodontic Science and Practice. 2010; 2(9). Existem várias análises cefalométricas que podem ser empregadas, mas os autores preferem a análise mostrada na fgura 4, com pequenas alterações da análise apresentada em 1991(11). A análise cefalométrica auxilia no desenvolvimento do diagnóstico, plano de tratamento e traçado predictivo. Algumas das interrelações mais importantes incluem: profundidade maxilar (ângulo formado pelo plano horizontal de Frankfurt e a linha NA) que é normalmente 90º � 2º e a profundidade mandibular (ângulo formado pelo plano horizontal de Frankfurt e a linha NB) que é normalmente 88º � 2º . Essas medidas ajudam na determinação da posição A-P das arcadas dentárias. O ângulo formado pelo longo eixo do incisivo superior e pela linha NA é normalmente de 22º � 2º, sendo que a superfície labial desse elemento dentário é de 4 mm � 2 mm anterior à linha NA. O ângulo formado pelo longo eixo do incisivo inferior e a linha NB é normalmente de 20º � 2º, sendo que a superfície labial desse elemento dentário é de 4 mm � 2 mm anterior a linha NB. Um ângulo aumentado indica incisivos vesti bularizados (protruídos) e um ângulo diminuído, incisivos lingualizados (retruídos). Para um bom equilíbrio facial a altura vertical anterior da mandíbula (borda incisal do incisivo inferior até o mento ósseo) normalmente é 44 mm �Figura 6: A alteração do plano oclusal pode ter resultados dramáticos na estética e função (ângulo do plano horizontal de Frankfurt normal é de 2 mm para homens e 40 mm � 2 mm para mulheres, ou 8° + 4°). O efeito sobre a posição do mento, da maxila e angulação dos ainda essa medida é igual a duas vezes a medida do lábio incisivos pode ser observada pela comparação da posição do mento em superior, medida anteriormente citada. relação a um ângulo do plano oclusal diminuído (linha sólida com 0° de Um outro fator cefalométrico importante é a anguangulação) e um ângulo do plano oclusal aumentado (linha pontilhada com lação do plano oclusal, porque este plano tem um pa16° de angulação). Diminuindo o ângulo do plano oclusal faz com que o mento fque mais “forte” ou saliente relativo à borda incisal dos incisivos e pel relevante na função mastigatória e estética facial. O aumentando o ângulo do plano oclusal faz com que o mento fque menos ângulo do plano oclusal normal com relação ao plano proeminente. horizontal de Frankfurt é 8º � 4º. Algumas das deformidades dentofaciais mais ocorrediças incluem angulações anormais do plano oclusal. Mudando o ângulo do plano oclusal, através do reposicionamento cirúrgico da verifcação de espaço interradicular mínimo necessário maxila e mandíbula, uma melhora dramática dos fatores para execução da técnica cirúrgica, sem causar danos (12,13) . funcionais e estéticos pode ocorrer (fgura 6) à estrutura dentária. Ainda, se classifcarmos os pacientes como portadores de um perfl convexo, reto ou côncavo, eles pode Análise da Tomografa Computadorizada (TC) rão estar relacionados respectivamente com os tipos faA TC fornece imagens excelentes de todo o vísceciais dolicocefálico, normocefálico ou braquicefálico. Em rocrânio e que podem ser relevantes para o diagnóstico algumas situações o paciente portador de perfl convexo da deformidade dentofacial e à conduta cirúrgica. pode apresentar um padrão facial dolico ou braquicefáli co, dependendo do crescimento vertical da maxila e A-P Análise da Ressonância Nuclear Magnética da mandíbula. Existem dois tipos faciais que são bene(RNM) fciados estética e funcionalmente pela alteração cirúrgi Esse recurso de imagem não emprega os raios-X. ca do plano oclusal: o braquicefálico, com o ângulo do Fornece detalhes ótimos dos tecidos moles de todas as plano oclusal diminuído e o dolicocefálico, aumentado. áreas de atuação da cirurgia e traumatologia bucomaxiPortanto, o traçado cefalométrico e a sua análise lofacial. É o exame ideal, insubstituível, para a avaliação são utilizados para construir um traçado predictivo do das ATMs, pois mostra claramente o posicionamento do tratamento ortodôntico e cirúrgico planejados, que irá disco articular em relação ao côndilo e à fossa articular. servir como uma matriz para o plano de tratamento Cortes axiais e coronais em T1 devem ser solicitados (veja Figuras 8B,11B e 14B do artigo parte II). para esse exame, a fm de determinar a posição A-P e láterolateral (ou láteromedial) dessa estrutura. As tomoAnálise da Radiografa Panorâmica das em T2 são relevantes, pois podem mostrar derraA ortopantomografa deve ser criteriosamente mes intra-articulares tanto para o compartimento supeanalisada para que todos os detalhes das estruturas rior (disco-fossa) quanto inferior (disco-côndilo). anatômicas ósseas e dentárias sejam coletados, orientando a Ortodontia e os futuros procedimentos cirúrgiClassifcação das deformidades dentofaciais cos. Dois pontos de primeira aplicação desse exame Para facilitar a comunicação entre os ortodontistas radiográfco são indicados: avaliação da integridade das e cirurgiões, algumas deformidades dentofaciais mais raízes dentárias durante todo o tratamento ortodôntico e, em casos de segmentação maxilar ou mandibular, comuns encontradas, seguem abaixo descriminadas. É Orthodontic Science and Practice. 2010; 2(9). importante salientar que essas condições podem apare cer isoladamente ou várias delas acometerem concomitantemente o mesmo indivíduo. 1. Retrognatismo (hipoplasia, retrusão, defciência) mandibular: O lábio inferior e o mento aparecem retruídos e a oclusão é do tipo Classe II. A opção de tratamento é o avanço mandibular. 2. Prognatismo (hiperplasia, protrusão, excesso) mandibular: O lábio inferior, mento e a mandíbula estão posicionados à frente do lábio superior e da maxila, e a oclusão é do tipo Classe III. Mordidas cruzadas anterior e posterior são comuns (veja Caso 2 do artigo parte II). A opção de tratamento é o retrocesso (recuo) mandibular. É importante salientar que doen ças envolvendo as ATMs podem estar associadas e o tratamento adequado desses processos patológ-i cos se faz necessário(10). 3. Prognatismo mandibular com desvio (hiperplasia unilateral, hiperplasia condilar unilateral, laterognatismo, osteocondroma condilar): O lábio inferior e mento estão protruídos com um giro assimétrico da mandíbula para um dos lados. Geralmente, a oclusão é Classe III em um dos lados e Classe I no lado para o qual a mandíbula está desviada. A mordida cruzada unilateral geralmente está presente. A opção de tratamento é o retrocesso (recuo) mandibular e a correção da assimetria. Nos casos em que a hiperplasia condilar unilateral se encontra ativa ou um osteocondroma existe, a ATM estará envolvida e exigirá tratamento(8). 4. Microgenia (mento hipoplásico, mento defciente): O mento está retruído quando comparado com o lábio inferior e a mandíbula, e/ou o mento é verticalmente pequeno. É possível fazer essa determinação através da vertical facial verdadeira (linha vertical do Sn perpendicular ao PHFc). Qualquer tipo de oclusão pode estar presente. A opção de tratamento é a mentoplastia através do avanço e deslizamento do mento ósseo e/ou realizar alterações no plano vertical, ou ainda usar um implante aloplástico tipo HTR (Hard Tissue Replacement). 5. Macrogenia (mento hiperplásico, mento excessivo): O mento está protruído quando comparado com o lábio inferior e osso alveolar, e/ou o mento é verticalmente longo, tendo se baseado na mesma avaliação da microgenia. A opção de tratamento é a mentoplastia através do deslizamento do mento ósseo para trás e/ou redução vertical. 6. Defciência (hipoplasia, retrusão, retrognatia) maxilar: A maxila está retruída, transversalmente defciente, e/ou verticalmente subdesenvolvida. A oclusão geralmente é do tipo Classe III e o lábio superior aparece retruído quando comparado com o lábio inferior. Nas defciências verticais pode ser que não exista exposição dos incisivos superiores, principa-l mente quando os lábios estão relaxados e também no sorriso. Anodontia parcial ou apinhamento dentário podem estar presentes. Mordidas cruzadas anterior e posterior são comuns. As opções de tratamento são as osteotomias múltiplas da maxila (osteotomias segmentares) com enxerto ósseo (ou ainda com o uso de hidroxiapatita não reabsorvível) para movimentar a maxila para frente e /ou para baixo, Stevão, É. L. L. Wolford, L. M. 81 bem como ampliá-la. 7. Excesso (hiperplasia, excesso vertical, protrusão) maxilar: Normalmente existe uma exposição excessiva dos incisivos superiores quando os lábios estão relaxados ou no sorriso, exceto se existir uma signifcativa mordida aberta anterior, a qual irá fazer com que a relação dente-lábio pareça mais normal. Os lábios relaxados estarão apartados mais do que 2,5 mm, mesmo quando os incisivos se tocam em oclusão cêntrica. Embora qualquer relação oclusal possa estar presente, a Classe II é a mais comum com mordida cruzada posterior evidente. O arco maxilar é geralmente estreito no sentido transversal. O ângulo do plano oclusal está aumentado. Normalmente a maxila e a mandíbula estão retruídas. As opções de tratamento para esse caso também são as osteotomias múltiplas da maxila para movê-la para cima, para trás (recuo), bem como expandi-la. 8. Assimetria Facial: Mais comumente causada por processos patológicos da ATM (i.e. osteocondroma) ou diferenças pelo crescimento unilateral (hiperplasia condílica). O mento normalmente está desviado para um dos lados e/ou um lado da face é verticalmente mais longo do que o outro. A oclusão pode ser Classe I, II, III e também ser diferente de um lado para o outro. As mordidas cruzadas unilaterais são comuns. Na assimetria vertical a oclusão está inclinada e em alguns casos mordida aberta posterior unilateral pode ocorrer (veja caso 1 no artigo parte II). A opção de tratamento geralmente requer a reposição cirúrgica de ambas as arcadas dentárias e normalmente, será necessário a cirurgia da ATM para corrigir o processo patológico, se aí existente(14). 9. Tipo facial com ângulo do plano oclusal diminuído (braquicefálico, face larga): As características mais comuns incluem ângulos da mandíbula quadrados e proeminentes, terço inferior da face curto, sobrefechamento dos lábios e falta de exposição dentária no sorriso. A oclusão é normalmente Classe I ou II com uma mordida profunda anterior (veja Caso 3 no artigo parte II). A opção de tratamento é a reposição cirúrgica da maxila e mandíbula para aumentar o ângulo do plano oclusal através da movimentação do aspecto posterior das arcadas dentárias para cima e seu aspecto anterior para baixo (rotação horária do complexo maxilo-mandibular). 10. Tipo facial com ângulo do plano oclusal aumentado (dolicocefálico, face longa): As características mais comuns incluem ângulos do plano mandibular e oclusal elevados, maxila e mandíbula retruídas, mento diminuído, sorriso “gengival”, obstrução da via aérea nasal (cornetos nasais inferiores hipertrofados, desvio de septo, deformidade da columela, etc.), e ainda ronco e apneia do sono podem estar presentes. Esse tipo facial também tem uma incidên cia muito maior de problemas da ATM (i.e. deslocamento do disco articular, artrite reumatóide, reabsor ção condilar idiopática, etc.). A oclusão geralmente é do tipo Classe II e mordidas aberta anterior e cruzada posterior são comuns. A opção de tratamento é a reposição cirúrgica do aspecto posterior da maxila para baixo e o seu aspecto anterior para cima, a fm de diminuir o ângulo do plano oclusal. Ainda, avan- 82 Stevão, É. L. L. Wolford, L. M. çar a mandíbula no sentido anti-horário o que ocasionará a abertura do espaço orofaríngeo (rotação anti-horária do complexo maxilo-mandibular). Também, corrigir cirurgicamente a condição patológica da ATM, se existente. Discussão O trabalho de equipe para o tratamento de pacien tes portadores de deformidades dentofaciais é imprescindível. Os ortodontistas têm um papel signifcativo na vida dos seus pacientes portadores desses problemas, através da identifcação dessas anomalias e do trabalho integrado com um cirurgião bucomaxilofacial bem treinado, para completarem uma avaliação compreensiva, um plano de tratamento adequado e executarem a ortodontia e cirurgia necessárias. O cirurgião-dentista, clínico geral, e o periodontista têm um papel totalmente fundamental no preparo e término do tratamento ortocirúrgico. Ainda, a Fonoaudiologia tem relevância nos casos de deformidades dentofaciais, pois visa o restabelecimento das funções respiratória, mastigatória como também da deglutição e fala, focando o tratamento no equilíbrio miofuncional dessas estruturas. O domínio no diagnóstico das mais variadas e possíveis associações das deformidades dentofaciais é fato crítico para o sucesso do tratamento e por esse aspecto, elas foram aqui ressaltadas. A divisão da face em terços para sua avaliação, tanto no aspecto frontal como lateral, é uma forma simples e adequada de procurar desvios da anormalidade. Existem trabalhos publicados que dividem a face em quintos e sétimos, mas são de pequena praticidade no uso diário, a não ser que o paciente seja portador de uma grande deformidade craniomaxilofacial. Os ângulos e medidas apresentadas nesse artigo foram baseadas na descrição cefalométrica proposta em 1991(11) que faz uma correlação muito sim ples entre avaliação da face e necessidade cirúrgica para correção da deformidade apresentada. Certamente, essa análise não têm a pretensão de ser comparada em termos de minusciosidade e orientações para o tratamento ortodôntico como outros traçados amplamente difundidos e conhecidos como McNamara, Ricketts, Jarabak, Steiner, porém faz uma mescla de várias análises, principalmente usando Wits, Riedel, Down, Brons e Mulié que ajudam no reconhecimento de fatores importantes com relação às bases ósseas maxilo-mandibulares. Para o bem estar dos pacientes, é importante que o cirurgião bucomaxilofacial possua o conhecimento, a habilidade e experiência cirúrgica para ofertar resultados de alta qualidade. Através da abordagem proposta neste artigo, os pacientes se benefciarão da função e estética me lhoradas, dessa forma, aumentando as oportunidades em seus ambientes de trabalho e na vida em geral. Em contrapartida, o alcance de resultados de alta qualidade também irão benefciar principalmente o or todontista, uma vez que a satisfação do paciente será a melhor propaganda para a sua prática profssional. Esses resultados darão ao ortodontista o sentimento de ter alcançado o seu objetivo, além de uma com- Orthodontic Science and Practice. 2010; 2(9). pensação pessoal. Conclusão Com o diagnóstico próprio e correto, que é essencial para o estabelecimento de um perfeito plano de tratamento, a correção dos problemas funcionais deverá levar em consideração não somente o aspecto funcional, mas também a melhora da estética facial. O maior benefciado do trabalho coordenado e conjunto da Ortodontia e Cirurgia Ortognática é o paciente, foco da prática profssional desses especialistas. Referências bibliográfcas 1. Wilmot, JJ; Barber, HD; Chou, DG; Vig, KW. Associations between severity of dentofacialdeformity and motivation for orthodonticorthognathic surgery treatment. Angle Orthod, 63(4):283-8, 1993. 2. Kiyak, HA; Vitaliano, PP; Crinean, J. Patients’ expectations as predictors of orthognathic surgery outcomes. Health Psychol, 7(3):251-68, 1988. 3. Finlay, PM, Atkinson, JM, Moos, KF. Orthognathic surgery: patients expectations; psychological profle and satisfaction with outcome. Br J Oral Maxillofac Surg, Feb;33(1):9-14, 1995. 4. Ouellette, PL. Psychological ramifcations of facial change in relation to orthodontic treatment and orthognathic surgery. J Oral Surg, Oct;36(10):787-90, 1978. 5. Wolford, LM; Fields Jr., RT. Diagnosis and treatment planning for orthognathic surgery. In: Betts N, Turvey T (Eds.) Volume 2, In: Fonseca (Ed.) Oral and Maxillofacial Surgery, 2000. pp. 24-55. 6. Mehra, P; Wolford, LM.The Mitek mini anchor for TMJ disc repositioning: surgical technique and results. Int J Oral Maxillofac Surg, Dec;30(6):497-503, 2001. 7. Wolford, LM; Pitta, MC; Mehra, P. Mitek anchors for treatment of chronic mandibular dislocation. Oral SurgOralMedOralPatholOral Radiol Endod, Nov;92(5):495-8, 2001. 8. Wolford, LM; Mehra, P; Reiche-Fischel, O; Morales-Ryan, CA; Garcia-Morales, P. Effcacy of high condylectomy for management of condylar hyperplasia. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Feb;121(2):136-50, 2002. Discussion 150-1. 9. Wolford, LM; Cardenas, L. Idiopathic condylar resorption: diagnosis, treatment protocol, and outcomes.Am J Orthod Dentofacial Orthop, Dec;116(6):667-77, 1999. 10. Wolford, LM; Karras, S; Mehra, P. Concomitant temporomandibular joint and orthognathic surgery: A preliminary report. J Oral Maxillofac Surg, Apr;60(4):356-62, 2002. 11.Wolford,LM.Surgical-OrthodonticCorrection ofDentofacialand CraniofacialDeformities. In: Kwon PH, Laskin DM (eds.). Clinician’s Manual of Oral and Maxillofacial Surgery. Library of Congress, 1991. p.299. 12. Chemello, PD; Wolford, LM; Buschang, PH. Occlusal plane alterationin orthognathic surgery-PartII: Long-termstability of results. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Oct;106(4):434-40, 1994. 13. Wolford, LM, Chemello, PD; Hilliard, F. Occlusal plane alteration in orthognathic surgery - Part I: Effects on function and esthetics. Am J Orthod Dentofacial Orthop, Sept;106(3):304-16, 1994. 14. Wolford, LM; Mehra, P; Franco, P. Use of conservative condylectomy for treatment of osteochondroma of the mandibular condyle. J Oral Maxillofac Surg, 2002; Mar;60(3):262-8.