Diagnóstico precoce das metástases ósseas

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metástases ósseas
Diagnóstico precoce das
metástases ósseas
A
METÁSTASE ÓSSEA É A FORMA MAIS FREQUENTE
DE NEOPLASIA NO ESQUELETO.
NA DISSEMINA-
Divulgação
ÇÃO DO TUMOR PRIMÁRIO, É SUPERADA APENAS
Olavo Pires de Camargo
Professor titular da Faculdade
de Medicina da Universidade de
São Paulo. Chefe do Grupo de
Oncologia Ortopédica do Instituto
de Ortopedia e Traumatologia do
Hospital das Clínicas da FMUSP
Contato:
[email protected]
22
maio/junho 2014 Onco&
pela metástase pulmonar e hepática. Mais de 80%
dos casos de metástase óssea ocorrem nos tumores
de mama, pulmão, rim, tireoide e próstata. As lesões são múltiplas na maioria dos casos (90%),
manifestando-se com dor local de intensidade progressiva ou fratura patológica como primeiro sinal
em 15% dos casos. As metástases podem ser líticas,
blásticas ou mistas (60%). As lesões predominantemente líticas são as metástases de rim, tireoide,
pulmão e trato gastrintestinal. As lesões blásticas
mais frequentes são relacionadas ao câncer de próstata (em 97% dos casos), bexiga e estômago. A localização mais frequente das metástases é a coluna
vertebral, mais ao nível toracolombar, crânio, pelve
e terço proximal dos ossos longos, ocorrendo raramente abaixo dos joelhos e cotovelos. A disseminação hematogênica dos carcinomas de mama
(50-80%), próstata (35-80%), pulmão (25-45%),
rim e tireoide (15-50%) tem o tecido ósseo como
sede frequente de metástase.
Com o aumento na sobrevida global dos pacientes portadores de carcinomas, o tratamento da
metástase óssea passou a ser um fator importante
na abordagem do paciente oncológico, sendo que
a indicação de uma intervenção cirúrgica não está
mais restrita somente às fraturas patológicas.
As metástases ósseas sofreram a partir de 1990
uma mudança considerável no que diz respeito à
conduta a ser adotada. Até aquela data, os pacientes
eram encaminhados aos hospitais de retaguarda
apenas com suporte paliativo e às vezes para radioterapia, evoluindo com escaras e óbito precoce e, o
que é pior, longe do contato familiar.
O tratamento ortopédico ficava restrito aos
casos de fratura patológica, já com a lesão bem
avançada e com o paciente já bem comprometido
sistemicamente.
Com a melhora na sobrevida global, com os novos métodos de imagem, e principalmente com as
técnicas de reconstrução cirúrgica e instrumentação, torna-se hoje possível atuarmos precocemente
com resultados muito superiores (Figuras 1 e 2).
Hoje, o tratamento da metástase óssea envolve
uma abordagem multidisciplinar, com discussão individualizada para cada caso1-3 (Figura 3).
A indicação de intervenção cirúrgica tem como
parâmetros principais:
1. Controle da dor intratável por métodos químio
ou radioterápicos.
2. Fratura iminente, com uma lesão lítica com diâmetro maior que 50% no corte transverso do osso
acometido.
3. Compressão medular com déficit neurológico
progressivo ou deformidade acentuada e progressiva.
Sabemos que 50% dos casos de metástase atingem
o tecido ósseo. É a terceira em frequência nos carcinomas de mama, próstata, pulmão, rim e tireoide.
Em trabalhos recentes, é o fator mais importante na deterioração da qualidade de vida, mais do
que a metástase pulmonar e hepática4-5 (Figura 4).
O enfoque atual é atuar tão logo ocorra uma metástase óssea, muitas vezes só detectada pela ressonância magnética.
sintomas que mimetizam uma hérnia discal e
podem levar a um retardo ou erro de diagnóstico e
de tratamento. Dor radicular ao nível da coluna torácica tem um padrão circunferencial sem extensão
para os membros e pode apresentar alteração de
sensibilidade no dermátomo correspondente. A dor
de uma neoplasia é progressiva, constante e não melhora com o repouso.
Radioterapia
Radiografia normal
RM: lesão blástica no calcar
Terapia hormonal
+
Quimioterapia
Bisfosfonatos
Cirurgia
T1
T2
Figura 3 Tratamento da metástase óssea. Caráter
multidisciplinar
Figuras 1 e 2 Lesão metastática fêmur proximal
A intenção é evitar que ocorra uma fratura patológica, quando a intervenção cirúrgica é de maior
morbidade e de resultado nem sempre satisfatório6-9
(Figura 5).
Algumas características podem alertar o médico
quanto à origem da dor. Dor progressiva, sem períodos de melhora e sem relação com atividades físicas merece uma atenção especial. Dor noturna ou
com piora durante o sono, chegando a acordar o paciente durante a noite, também é particularmente
preocupante. A dor pode ser localizada e pode ser
reproduzida com compressão do segmento doloroso
ou ser menos específica e mal caracterizada. Dor radicular, embora menos frequente, pode ser encontrada particularmente na coluna cervical e lombar.
As radiculopatias decorrentes de uma neoplasia são
Na radiografia de frente da coluna toracolombar
temos um sinal radiográfico clássico quando um
dos pedículos não pode ser visto e corresponde ao
acometimento neoplásico desse pedículo (“vértebra
caolha”). Não é possível ver o pedículo acometido,
devido à destruição do córtex desse pedículo, enquanto o pedículo preservado permanece visível.
Erosão do corpo, achatamento e colapso também
são sinais radiográficos de lesão tumoral. Muitas
vezes é difícil diferenciar uma fratura osteoporótica
de uma lesão patológica por uma neoplasia. Destruição vertebral por uma infecção piogênica é
outro diferencial que deve ser levado em consideração10 (Figura 6). Um achado que pode auxiliar na
diferenciação é que o acometimento tumoral poupa
o disco que mantém sua altura, diferentemente das
lesões infecciosas.
No caso das lesões que acometem a coluna vertebral, (60%) constituem uma urgência oncológica
sempre que houver déficit neurológico. A evolução
para uma paraparesia e até para uma paraplegia é
frequente e de instalação rápida em semanas. A
conduta clássica de fazer apenas radioterapia não
reverte o quadro e dificulta a cirurgia descompres-
A frase clássica de
20 anos atrás,
“Não há nada a
fazer: está com
câncer até
nos ossos...”,
passou atualmente
a ser história
da medicina
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No caso das lesões
que acometem a
coluna vertebral,
60% constituem
uma urgência
oncológica sempre
que houver déficit
neurológico
siva em local irradiado. Hoje consegue-se uma estabilização com descompressão neurológica e
instrumentação que permitem deambulação no
pós-operatório imediato. Quando realizadas precocemente, revertem o quadro neurológico e possibilitam a deambulação sem dor.
Metástase óssea
Terceira em
frequência
Primeira em
sintomatologia
Figura 4 Qualidade de Vida (Qol)
é fundamental, tiram a dor incapacitante. Dependendo do carcinoma, faz-se uma radioterapia que
consolida a cirurgia, além, é claro, da quimioterapia
ou hormonioterapia.
É importante ressaltar que devemos discutir
antes com o ortopedista e com o radioterapeuta o
planejamento desses pacientes. Existe ainda uma
tendência entre os oncologistas clínicos de encaminhar todas as metástases ósseas para radioterapia.
Se a lesão evoluir ou se a dor persistir, só então o
caso é visto pelo ortopedista em condições bem
desfavoráveis para uma abordagem cirúrgica. A radioterapia deve ser feita após a estabilização, esta
consolida e evita a recidiva local.
Não é raro pacientes com carcinoma metastático de mama serem submetidos a várias cirurgias
de estabilização, já que a sua sobrevida tem aumentado para mais de 30% em 5 anos. Igualmente,
casos de metástase óssea por CA de pulmão tornouse hoje relativamente frequente, o que era incomum há duas décadas.
Pacientes com neoplasia de próstata e mama
têm uma sobrevida bastante razoável, e suas lesões
na coluna merecem atenção especial. Em contrapartida, pacientes com neoplasia pulmonar metastática costumam ter um prognóstico muito menos
favorável e na maioria das vezes pouco pode ser
feito além de tratamento de suporte.
Maior morbidade cirúrgica
Risco cirúrgico aumentado
Aumento das metástases pulmorares?
(trabalho em animais)
Menor sobrevida
Figura 5 Fratura patológica
Igualmente em lesões que acometem o membro
inferior, está indicada uma osteossíntese preventiva
sempre que estivermos diante de uma fratura iminente11 (Figuras 7). São operações minimamente
invasivas, de baixo risco para esse tipo de paciente,
e que possibilitam o retorno às atividades, e, o que
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Figura 6 Lesão corpo vertebral com compressão
medular
Hoje o desafio do ortopedista oncológico é procurar fazer procedimentos cirúrgicos adequados
para cada paciente, procurando uma estabilidade
que permita deambulação no pós-operatório imediato e que tenha um resultado permanente, evitando-se revisões cirúrgicas, o que não é aceitável
para o paciente12-13 (Figura 8).
O constante relacionamento multidisciplinar
entre o ortopedista oncológico, o oncologista clínico e o radioterapeuta é desejável para que possamos em conjunto e precocemente decidir qual
é a melhor conduta a ser tomada. Isso certamente trará melhor
qualidade de vida e maior sobrevida para o paciente com doença metastática.
Assim, a frase clássica de 20 anos atrás, “Não há nada a fazer: está
com câncer até nos ossos...”, passou atualmente a ser história da
medicina.
A Profilaxia das fraturas patológicas
Pontos
Variáveis
Localização
Dor
Padrão radiográfico
Tamanho
1
2
Membro
Membro
3
Peritrocanter
superior
inferior
Leve
Moderada
Funcional
Blástico
Misto
Lítico
< 1/3
1/3 a 2/3
> 2/3
Pontuação
Pacientes
Taxa de fratura (%)
3-6
11
0
7
19
5
8
12
33
9
7
57
10 - 12
18
100
A Permitir deambulação o mais precocemente possível
A Aumentar a sobrevida?
A Elevar ao máximo a qualidade de vida do paciente
Eliminar a dor
Figura 8 Tratamento e objetivos
Figura 7 Sistema de pontuação de Mirels
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