A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR
GIOVANA BENEDITA JÁBER ROSSINI RAMOS
A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:
responsabilidade do Estado e da empresa brasileira
MARÍLIA
2006
11
GIOVANA BENEDITA JÁBER ROSSINI RAMOS
A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:
responsabilidade do Estado e da empresa brasileira
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Direito da Faculdade de Direito - Universidade
de Marília, como exigência parcial para obtenção do
grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof.
Dr. Lourival José de Oliveira.
MARILIA
2006
12
Autor: GIOVANA BENEDITA JÁBER ROSSINI RAMOS
Título: A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:
responsabilidade do Estado e da empresa brasileira
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de
Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos
Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação do Prof. Dr.
Lourival José de Oliveira.
Aprovado pela Comissão Examinadora em ____/____/_____
_____________________________________
Prof. Dr. Lourival José de Oliveira
_____________________________________
Profa. Dra. Miriam Fecchio Chueiri
_____________________________________
Profa. Dra. Marlene Kempfer Bassoli
13
Dedico este estudo a meu marido, Galdino, que
com amor me ensinou a enfrentar todos os
desafios do cotidiano, fazendo-me ser uma
pessoa corajosa e ousada. Além disso,
agradeço-lhe pelo amor sem medida com a
nossa filha nas horas em que estive ausente.
Dedico, também este trabalho, a minha filha
Maria Luiza, que com seu jeitinho de ser, me
deu a paz, esperança, vivacidade e o amor que
precisei para conquistar esse objetivo que ora
se materializa.
Dedico, ainda, a meus pais, que são duas
pessoas especiais, que cultivei, em silêncio
como modelos de vida.
14
Agradeço a Deus por me dar um coração e
uma vontade forte de concluir mais uma tarefa
em minha vida.
Registro a gratidão pela confiança depositada e
aval didático de imensa valia, externados pelo
professor orientador, Dr. Lourival José de
Oliveira. Agradeço ainda, a gentileza e o apoio,
obtidos nos momentos decisivos.
Agradeço, também, a todos os meus
professores do curso de mestrado, que
abdicaram do convívio familiar em inúmeros
finais de semana, em cumprimento da sagrada
missão do magistério.
Agradeço por fim, a todos que eu amo: meus
sogros Galdino e Heloísa; meus avós Dilma e
Sérgio; e, aos meus amigos: Juliana Mendes
Ramos e José Luiz Rufino Júnior, pela amizade
e paciência durante esta jornada.
15
A EFETIVIDADE DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO:
RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DA EMPRESA BRASILEIRA
Resumo:
Este estudo baseia-se no papel da empresa brasileira moderna na efetivação do
valor social do trabalho. Apresentar-se-á, primeiramente, o Estado e os direitos
sociais, passando pelo estudo do Estado Intervencionista e suas bases e o Estado
Social de Direito. Propõe-se à análise das transformações ocorridas no mundo do
trabalho frente ao ritmo acelerado dos avanços tecnológicos e da flexibilização das
leis trabalhistas. Esboçar-se-á as características da empresa moderna brasileira
dotada de responsabilidade social, passando agir na sociedade e receber os anseios
sociais. A mudança na forma de gestão da empresa moderna, incluindo-se a
participação do trabalhador, é um fator decisivo para a consecução dos seus
objetivos sociais. Faz-se uma qualificação das políticas de emprego centrando-se a
atenção nas mudanças ocorridas a partir dos anos 80 no Brasil, suas principais
limitações e avanços. Parte-se para uma exposição das políticas sociais adotadas
pelo atual governo brasileiro para redução da desigualdade e exclusão social.
Palavras-chave: 1. Valorizaçao do trabalho. 2. Responsabilidade da empresa
moderna. 3.Dignidade do trabalhador.
16
THE EFFECTIVENESS OF THE SOCIAL VALUE OF THE WORK:
RESPONSIBILITY OF THE STATE END OF THE BRAZILIAN
COMPANY
Summary:
This study bases on the paper of the modern Brazilian company in the effective of the
social value of the work. He will come, firstly, the State and the social rights, going by
State Intervencionista's study and your bases and the Social State of Right. He
intends to the analysis of the transformations happened in the world of the work front
to the accelerated rhythm of the technological progresses and of the flexible of the
labor laws. It will be sketched the characteristics of the Brazilian modern company
endowed with social responsibility, passing to act in the society and to receive the
social longings. The change in the form of administration of the modern company,
being included the worker's participation, it is a decisive factor for the attainment of
your social objectives. A qualification of the employment politics is made being
centered the attention in the changes happened starting from the eighties in Brazil,
your principal limitations and progresses. He breaks for an exhibition of the social
politics adopted by the current Brazilian government for reduction of the inequality
and social exclusion.
Wordkey: 1. valorization of the work. 2. responsibility of the company
modern. 3.dignity of the worker.
17
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 – O ESTADO E OS DIREITOS SOCIAIS ........................................ 12
1.1 DO LIBERALISMO CLÁSSICO AO INTERVENCIONISMO............................. 12
1.2 O ESTADO SOCIAL...................................................... 16
1.2.1 O Estado Social de Direito
18
1.2.2 Os Direitos Sociais e sua Natureza Jurídica ................................................. 22
1.2.3 A Constituição Socioeconômica e os Direitos Sociais 29
1.3 ESTADO NEOLIBERAL ................................................................................... 30
1.3.1 Os Princípios da Ordem Econômica da Constituição Federal de
1988 face ao Neoliberalismo ......................................................................... 33
CAPÍTULO 2 - DA CRISE DO ESTADO E A FLEXIBILIZAÇÃO DE
DIREITOS.............................................................................................. 35
2.1 A GLOBALIZAÇÃO .......................................................................................... 35
2.2 A FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS.......... 43
2.3
A
CONSTITUIÇÃO
SOCIOECONÔMICA
E
A
FLEXIBILIZAÇÃO...................................................................................................
.................................................................................................................. 50
2.3.1
Formas
Constitucionais
e
Infraconstitucionais
de
Flexibilização de Direitos
Trabalhistas............................................................... 56
2.4 A FLEXIBILIZAÇÃO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL ............. 63
2.5 FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO DIREITO
ALIENÍGENA................................................................................................... 71
CAPÍTULO 3 – DO DISCURSO NEOLIBERAL E O PAPEL DA EMPRESA....... 77
3.1 DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS DENTRO DA EMPRESA. .................... 77
3.2 DAS FINALIDADES SOCIAIS DA EMPRESA ................................................. 81
3.3 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS ................ 86
18
3.4
DA CONSTITUIÇÃO SOCIOECONÔMICA E SEUS PARADIGMAS
EMPRESARIAIS
94
3.5 A DIFERENCIAÇÃO DO MODO DE PROCESSO DE FLEXIBILIZAÇÃO E A
DEMOCRACIA NA EMPRESA......................................................................... 95
3.6 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO
HUMANO ........................................................................................................ 100
3.7 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES NO BRASIL –
PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..................................... 103
3.8 ADOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PROPICIAR OS MEIOS
DE EXISTÊNCIA DIGNA AOS TRABALHADORES........................................ 106
3.8.1 Programas Sociais do Atual Governo Federal .............................................. 113
CONCLUSÕES ...................................................................................................... 118
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 122
INTRODUÇÃO
Este trabalho desenvolve-se tendo como enfoque a efetivação do valor social
do trabalho pela empresa brasileira dos dias atuais. A dignidade do trabalhador
consagra-se como valor e ponto fundamental, tendo-se em vista o caráter humanista
do Direito do Trabalho, na garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores e na
proibição de todo e qualquer retrocesso social.
No Brasil, mesmo com a revolução dos avanços tecnológicos a partir da
década de 90, o Direito do Trabalho positivado mantém-se inerte, aguardando
aprovação do Projeto de Lei nº 5.483/2001, que contém propostas de flexibilização
das normas trabalhistas fundamentadas no fato de que o Direito é reflexo da
sociedade e deve acompanhar a evolução desta para regular as novas relações de
trabalho.
O fenômeno da globalização ganha notoriedade ao propor a liberalização das
economias nacionais e a expansão de mercados, com repercussões nas relações de
trabalho. Poder-se-á verificar como os países estrangeiros, que já adotaram o
19
sistema de flexibilização trabalhista, estão avaliando os benefícios e os malefícios
que esta adaptação está causando-lhes na prática.
A empresa contemporânea tem um papel significativo na efetivação dos
trabalhadores no mercado de trabalho. Necessário se faz que as empresas se
organizem para se adaptarem aos métodos de competição econômica no cenário de
livre fluxo de mercados, com intuito de reduzir os seus custos e melhorar a qualidade
de sua produção. Em vista disso, a nova organização empresarial vem utilizando-se
de estratégias para conseguir maximização de resultados, investindo em capital
humano, introduzindo novas formas de gestão. Verificar-se-á que a intelectualidade
do trabalho vivo e cooperante passou a ser o centro dos interesses empresariais. As
reestruturações produtivas exigem a efetiva participação de trabalhadores na gestão
da empresa, implicando a democratização empresarial para resgate da cidadania.
Busca-se, com este trabalho, compreender o papel da empresa brasileira a
partir da década de 90, sua parceria com o Estado nos programas sociais na busca
da minimização das desigualdades sociais e exclusão social, para valorizar o
trabalho humano e a dignidade da pessoa.
20
CAPÍTULO 1 – O ESTADO E OS DIREITOS SOCIAIS
1.1
DO LIBERALISMO CLÁSSICO AO INTERVENCIONISMO
O Estado Liberal constituía-se antítese do absolutista, pois, com a ascensão
da burguesia ao poder político, passaram a viger os seus princípios e valores.
Caracterizam o Estado Liberal o princípio da legalidade, a separação de
poderes, o voto censitário, a liberdade contratual, a propriedade privada dos meios
de produção, o fator "trabalho" e, ainda a separação entre os trabalhadores e os
meios de produção.1
Os elementos essenciais do liberalismo clássico são principalmente, o
individualismo, a limitação do poder político, as funções do mercado e a liberdade.
Dentre os liberais clássicos destacam-se três figuras que representam momentos
distintos e sintetizam a era liberal: John Locke, Adam Smith e Stuart Mill.
1
SCAFF, Fernando. Responsabilidade do Estado intervencionista. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 2632.
21
Em Locke encontra-se o liberalismo no que tange ao direito natural e ao
contratualismo. Esse autor participa da formação do liberalismo, cujos pontos
principais eram a reivindicação de direitos religiosos, políticos e econômicos e a
tentativa de controlar o poder político.
Locke moderniza a idéia de direito natural, como decorrente do conceito
medieval de direitos subjetivos, para o qual os homens possuem o domínio sobre
suas vidas ou bens, não como um corolário do direito civil ou do intercurso social,
mas da própria natureza das pessoas como seres humanos. Dessa idéia de direito
natural surge o contratualismo.
O contratualismo defende a valorização do indivíduo, atendendo a dois
princípios: a legitimidade de autopreservação e a ilegalidade do dano arbitrário feito
aos outros. A autoridade legítima passou a ser encarada como coisa fundada em
pactos voluntários feitos pelos súditos do Estado. Percebe-se, então, a principal
contribuição de Locke para o contratualismo: a noção de consentimento, que deveria
ser tácito, periódico e condicional. Segundo Merquior, "Locke encarou os
governantes como curadores da cidadania e, de forma memorável, imaginou um
direito à resistência e mesmo à revolução. Dessa maneira, o consentimento tornouse a base do controle político”. 2
Merquior assim explicita seu raciocínio sobre o contratualismo de Locke:
Hobbes, antes dele, e Rosseau, depois, imaginaram contratos
sociais em que os indivíduos alienariam por inteiro seu poder em
favor do rei ou da assembléia. Por contraposição, em Locke os
direitos pessoais provêm da natureza, como dádiva de Deus, e
estão longe de dissolverem-se no pacto; no caso de Hobbes,
abandonam todos os seus direitos, exceto um - suas vidas-, já os
indivíduos de Locke só abandonam um direito - o direito de fazer
justiça com as próprias mãos - e conservam todos os outros. Ao
sacralizar a propriedade como direito natural anterior à associação
civil e política, Locke realçou uma tendência que já tinha quinhentos
anos de idade: a fusão pós-clássica de ius e dominium, de direito e
2
MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo: antigo e moderno. São Paulo: Nova Fronteira, 1991, p.
45.
22
propriedade. Entronizando o direito de resistência, ele ampliou o
princípio individualista de vontade e consentimento. E
consentimento, em lugar de tradição, é a principal característica da
legitimidade em política liberal.3
A contribuição de Adam Smith está no âmbito do pensamento econômico,
pois elabora o texto básico da economia clássica - A Riqueza das Nações - em que
estudou detalhadamente os mecanismos de mercado e a divisão do trabalho como
fator subjacente da prosperidade moderna.
Merquior também analisa a figura do liberal Adam Smith:
[...] verdadeiro iluminista, Adam Smith conferiu ao tema do progresso
sua profundidade socioeconômica. Promotor do pensamento liberal,
Smith introduziu a idéia do progresso na defesa do liberalismo. Não
espanta que ele tenha sido um crítico persistente do privilégio e da
proteção. Como pilares encadeados da sociedade pré-moderna, o
privilégio e a proteção não foram muito atingidos pelos porta-vozes
da virtude cívica. Mas tornaram-se alvos naturais do liberalismo
enquanto a voz da modernidade.4
Stuart Mill, por sua vez, produz um ensaio que é tido como o ABC do
liberalismo, intitulado On Liberty. Neste ensaio, Mill entrelaça vários ramos do
pensamento liberal: liberdade política, autonomia negativa, autodesenvolvimento,
liberdade como intitulamento, liberdade de opinião, liberdade como autogoverno,
liberdade como privacidade e independência. Mill expressa, ainda, a necessidade de
antepor limites ao poder, mesmo quando este poder é o da maioria, louva a
fecundidade do conflito, elogia a diversidade e condena o conformismo.
O Estado para ele não deve apenas proteger um indivíduo do outro, mas
também todos os indivíduos em seu conjunto, enquanto grupo, de um outro Estado.
Mill, para assegurar tal conjunto, introduz um princípio de Justiça distributiva, embora
não sabendo ao certo o que distribuir.
3
4
MERQUIOR, op. cit., p. 45.
MERQUIOR, ob. p. 58.
23
Daí conclui-se que o liberalismo clássico nasce assentado no primado da
liberdade individual com seus consectários, no princípio da liberdade de empresa e
da livre concorrência de mercado. Ao Estado cabiam apenas os assuntos políticos,
não os econômicos. A intervenção do Estado nesse domínio era considerada
prejudicial ao da concorrência perfeita. Evidentemente que tal modelo liberal nunca
chegou a se realizar.5
Scaff e autores como Moreira, Nusdeo, Bonavides, Silva e Vidigal apontam as
causas da transformação do Estado Liberal em Intervencionista: o surgimento do
capitalismo em sua fase monopolista, as crises cíclicas do capital, as exigências
sociais advindas da produção, o ideário socialista em conjunto com o planejamento
econômico, a transformação da força de trabalho em mercadoria e, por fim, as
guerras mundiais.6
Como se percebeu, então, que as forças livres do mercado (a "mão invisível")
não seriam só por si garantidoras da realização do interesse geral sobre o interesse
individual, como supunha a ideologia liberal, reaparece a idéia de ser necessário que
o Estado, elemento político, interferisse no mercado para discipliná-lo.
Os neoliberais Hayek e Mises foram os que mais criticaram a intervenção do
Estado na economia. Mises considerava que a existência de duas ordens de
organização social com divisão do trabalho - a ordem da propriedade pública e a da
propriedade privada, mas não presumiria uma terceira ordem, qual seja, a da
propriedade privada regulamentada pelo governo, conforme suas palavras,
[...] incidentalmente, devemos distinguir, cuidadosamente, entre a
questão de o governo ser ou não necessário e a questão de em que
casos a autoridade do governo é admissível. O fato de a vida social
não poder prescindir dos instrumentos de coerção do governo não
pode ser usado para se concluir, também, que o controle da
consciência, a censura e medidas semelhantes sejam desejáveis, ou
que certas medidas de economia sejam necessárias, úteis, ou
apenas exequíveis. 7
5
SCAFF, op. cit., p. 38.
Ibid., p. 33- 37.
7
MISES, Ludwig Von. Uma crítica ao intervencionismo. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1987, p. 16.
6
24
Hayek se opunha ao intervencionismo, justificando que essa forma de
atuação do Estado fora a grande culpada pelas crises econômicas do séc. XX, pois
não se tratava de uma aceitação voluntária do cidadão e sim de regras instituídas.
Intervenção do Estado x Sistema de Mercado.8
Para Hayek e seus companheiros, as raízes da crise decorriam do poder
excessivo dos sindicatos e do movimento operário, por suas pressões reivindicativas
sobre os salários e por forçar o Estado a aumentar os gastos sociais.9
Esses dois processos abalaram os níveis necessários de lucro das empresas
e desencadearam processos inflacionários que terminaram numa crise generalizada
das economias de mercado.
A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno.
1.2
O ESTADO SOCIAL
A ideologia liberal se encerra com a Grande Depressão (1929-1933), que
desencadeia uma crise mundial na economia, a partir da quebra das Bolsa de
Valores de Nova York.
Sandroni explica esta situação:
A Grande Depressão – assim designada a crise econômica mundial
de 1929/1933, ocorrida nos Estados Unidos em razão da quebra da
Bolsa de Valores de Nova York, alastrou-se mundo afora, causando
retração econômica e falência de bancos e empresas. O
desemprego atinge trinta milhões de pessoas, ocorrência que influi
na formação do consenso da necessidade de intervenção ao
liberalismo.10
8
Confrontando HAYEK e OLSON. Direito, Estado e Sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: PUC-Rio,
Depto. Ciências Jurídicas, n. 1, 1991. p. 13- 29.
9
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado
democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 10.
10
SANDRONI, Paulo (Org.). Novo Dicionário de economia. São Paulo: Beste Seller, 1994, p. 154.
25
O Estado Social ganha mais espaço. A “liberdade e a igualdade já não se
contradizem com a veemência do passado”. 11
Nas ações do Estado passam a convergir o poder e o cidadão, com a
finalidade de concretizar direitos, princípios, valores que fazem o Homem acreditar
que pode ser livre, igualitário e fraterno. Surgia, na acepção de Paulo Bonavides:
[...] um Estado, pois, para debelar as crises e recessões da ordem
capitalista, sem fechamento, porém, do sistema político, que
permanecia pluralista e aberto. Um Estado, certamente, da economia
de mercado, embora debaixo de alguma tutela ou dirigismo, que
pouco ou nada lhe afetava as estruturas, posto que interditasse
determinados espaços da ordem econômica, subtraídos ao livre jogo
das forças produtivas.12
Conforme Passos: “O Estado Social configura-se para alguns como o realce
da sociedade em face do indivíduo e, para outros, a busca da compatibilização do
valor liberdade com o valor igualdade [...]”.13
O Estado Social – Estado do Bem-Estar – caracteriza-se pela intervenção do
Estado nas relações de trabalho, implementando assistência previdenciária,
intervindo na economia, entre outras formas de intervenção. Bonavides destaca:
“estende a sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em
grande parte, à área de iniciativa individual [...]”.14
Ainda
dissertando
sobre
o
assunto,
Bonavides
descreve
que,
os
acontecimentos que fizeram surgir e crescer o Estado de Bem-Estar tornaram o
11
BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 6. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros,
1996, p. 33.
12
BONAVIDES, op. cit., p.33.
13
PASSOS apud CUNHA, Carlos Roberto. Flexibilização de direitos trabalhistas à luz da Constituição
Federal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004, p. 42.
14
BONAVIDES, op. cit., p. 186.
26
sistema capitalista ajustável às oscilações da economia, exigindo que o Estado se
adaptasse a certas condições históricas; ora recuando, ora transigindo.15
A reestruturação do sistema capitalista, consoante Siqueira Neto, pode ser
identificada pelo:
[...] redesenho de plantas industriais, desenvolvimento e
incorporação produtiva de novos materiais, da microeletrônica e da
informática, barateamento dos transportes, novas formas de gestão
empresarial, etc. [...] não rompeu apenas com o paradigma
produtivo e tecnológico anterior, como também com os mecanismos
de gestão e regulação do trabalho até então consolidados. A partir
daqui passou-se a viver o período de alta valorização da empresa,
de racionalização e de precarização das relações de trabalho.16
A crise do petróleo dos anos setenta, a saturação dos mercados de consumo
interno devido à concorrência do Japão, debilita o Estado de Bem-Estar, provocando
uma reestruturação do sistema capitalista de produção e propicia o surgimento de
uma nova fase de acumulação.
Beltran destaca que “tal período representou um marco divisor entre o grande
desenvolvimento do Direito do Trabalho, até então patrocinado pelo Estado de BemEstar e o retrocesso: o direito laboral entra em crise”.17
1.2.1
O Estado Social de Direito
Após a Primeira Guerra Mundial, que se instalou em 1914, as normas de
tutela do trabalho haviam-se fortalecido, insculpidas em Constituições, a exemplo da
Constituição do México, de 1917, e de Weimar, de 1919, sendo certo também que a
força da Doutrina Social da Igreja colabora decisivamente para o início da
15
Ibid., p. 183.
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho.
Revista Direito Mackenzie. São Paulo: Mackenzie, n. 1, p. 53-55, jan./jun. 2000, p. 55.
17
BELTRAN, Ari Possidônio. Flexibilização, globalização, terceirização e seus impactos nas relações
de trabalho. In Revista LTr. São Paulo, v. 61, p. 61-04/490, abr. 1997.
16
27
implementação de normas legais de tutela e proteção dos direitos dos
trabalhadores.18
A Doutrina Social da Igreja dignifica o trabalho, justificando que o homem
trabalha por ser pessoa, diferentemente dos outros seres vivos. Guerra Filho
comenta com muita propriedade o assunto:
O trabalho humano se distingue do trabalho animal precisamente
porque depende de uma ideação prévia, como atividade
propriamente humana, tal como demonstra o filósofo Ernest Cassirer,
ao ressaltar, em seu ensaio em busca de uma definição do homem,
que a característica notável, a marca que o distingue, não é a sua
natureza metafísica ou física – mas o seu trabalho. É este trabalho, o
sistema das atividades humanas, que define e determina o círculo da
humanidade (...), ou seja, das qualidades específicas do ser humano.
Assim, é decisivo no trabalho humano a anteposição do seu objeto,
situado idealmente, como condição primeira e ultima. Então, a
alteração efetuada pelo processo mecânico de intercambio entre o
organismo e o meio está subordinada à teologia. No término do
processo de trabalho surge um resultado que já estava presente
idealmente desde o início da representação do trabalhador.”19
Gomes relata como surgiu esse movimento da Igreja no desenvolvimento do
trabalho:
A firme atuação da Igreja somente ocorreu após o desenvolvimento
do trabalho de uma pluralidade de grupos nas diversas
comunidades européias: na Itália, com a União Católica, fundada em
1889; na Alemanha, onde as vigorosas análises do Mons. Ketteler
preconizavam a formação de organizações profissionais para
atenderem as exigências da justiça social; foram decisivos
igualmente os trabalhos da Union catholique d´études sociales, em
Friburgo, Suíça, sob a presidência do Mons. Mermillod.20
Leão XIII na encíclica Rerum Novarum, reconhece o trabalho como um modo
de expressão direta da pessoa, não como uma mercadoria, pois é a única fonte dos
18
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito doTrabalho e dignidade da pessoa humana, no
contexto da globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 87.
19
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Política do Direito: uma introdução política ao Direito.
Brasília. Brasílica Jurídica, 2000, p. 47-48 apud GOMES, p. 34.
20
CHENU, Marie Dominique. La Dottrina Sociale della Chiesa – origine e sviluppo ( 18911971).Bréscia: Queriniana, 1977, p. 12-13 (tradução livre) apud GOMES, op.cit. p. 34.
28
meios de subsistência para a maioria das pessoas, defendendo que, por esse
motivo, a remuneração deve ser justa, não podendo ser determinada exclusivamente
pelas leis do mercado.21
O Sumo Pontífice afirma que as classes trabalhistas dependem uma da outra,
porque não poder haver trabalho sem capital; nem capital sem trabalho.
Gomes avalia:
A encíclica Rerum Novarum, além de acelerar a multiplicação das
leis sociais-trabalhistas [...] retomando o alto sentido de valorização
do homem ao valorizar o trabalho, eis que, por meio deste, se eleva
o homem a uma posição de dignidade. Ao condenar a influência da
riqueza nas mãos de pequeno número de pessoas, diante da
indigência da multidão, conclama a atuação do Estado nas relações
de trabalho, a enfatizar a impossibilidade de solução do problema
social, se mantida a insaciável ambição provocada pelas anacrônicas
concepções do liberalismo econômico.22
A Encíclica Quadragésimo Anno foi publicada em 1931, em homenagem aos
quarenta anos da Rerum Novarum. Pio XI destaca nesta a importância da
participação dos operários na propriedade, ou na gestão, ou, em certa medida, nos
lucros obtidos.23
A Encíclica Quadragésimo Anno teve por base os ideais da justiça social, no
desejo de se obter uma sociedade bem constituída mediante a realização do bem
comum.
Gomes, relata como se deu o surgimento da lei trabalhista:
21
ALVES, Cleber Francisco. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: o Enfoque da Doutrina
Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 31.
22
GOMES, op. cit. p.36.
23
Idem, p. 36.
29
[...] A ação da Igreja fez despertar o interesse dos governantes pela
tutela das classes trabalhadoras por meio de uma intervenção direta,
materializada em normas jurídicas de natureza imperativa, com
natural tendência à uniformização e à universalização. Nesse quadro,
inicia-se a nova era social: emerge a legislação trabalhista com
notável expansão e desenvolvimento.24
Russomano relata o surgimento das leis trabalhistas:
As primeiras leis trabalhistas surgiram bem antes, como, por
exemplo, na Inglaterra, em 1824, com o reconhecimento dos
sindicatos; na França, em 1864, com a garantia do exercício do
direito de greve; na Alemanha, em 1881, com os seguros sociais; na
Itália, em 1883, com a previsão de tutela dos acidentados do
trabalho, que se estendeu para a Alemanha, em 1884.25
O Papa João XXIII escreveu a encíclica Pacem in Terris, em 1963, na qual
proclama que as pessoas devem ser livres para escolher sua profissão, mas, acima
de tudo, deve ter o direito ao trabalho. Defende ainda que as mulheres precisam
trabalhar em condições adequadas às suas necessidades e deveres de esposas e
mães.26
Gomes, novamente, comenta que: “Na mesma encíclica, o pontífice ressalta,
ainda, o direito a uma remuneração do trabalho, conforme aos preceitos da justiça;
remuneração que, em proporção dos recursos disponíveis, permita ao trabalhador e
à sua família um teor de vida condizente com a dignidade humana”.27
O sumo pontífice João Paulo II, trata do trabalho e da dignidade da pessoa
humana na encíclica Laborem Exercens, de 14 de setembro de 1981, proclamando
que o trabalho é um bem do homem, pois, por meio dele, o homem não somente
transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas realiza a si
mesmo.28
24
Ibidem, p. 37
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: José Konfino, 1972, p.
17.
26
GOMES , op. cit. p. 37-38.
27
Idem, p. 38
28
In: João Paulo II, Encíclica – Edição Comemorativa do jubileu de Prata do pontificado do Papa João
Paulo II – 1978/2003. Organizadores Armando Casimiro Costa e Ives Gandra da Silva Martins Filho.
3ª. Ed., São Paulo. LTr, 2003, p. 114 apud GOMES, op. cit. p. 39.
25
30
O mesmo pontífice, em sua encíclica Centesimus Annus, de 5 de maio de
1991, ressalta que: “o lucro não é o único indicador das condições da empresa.
Pode acontecer que a contabilidade esteja em ordem e, simultaneamente, os
homens, que constituem o patrimônio mais precioso da empresa, sejam humilhados
e ofendidos em sua dignidade”.29
Conclui-se, então, que a empresa não deve visar simplesmente ao lucro, deve
se conscientizar de que ela é formada por homens que buscam a satisfação das
suas necessidades fundamentais. Portanto, todos os homens, devem seguir os
mandamentos dessas encíclicas na busca da valorização do trabalho e do próprio
trabalhador para não ficarem presos apenas aos critérios do sistema econômico.
Com as encíclicas verificou-se a multiplicação das leis trabalhistas. Mas,
Nunes salienta que:
[...] à medida que os trabalhadores foram conquistando o direito ao
sufrágio universal e a generalidade dos direitos civis e políticos
(liberdade de expressão, direito de associação, liberdade sindical,
etc), o laissez-faire começou a experimentar dificuldades crescentes,
que culminaram com a Grande Depressão dos anos 1929-1933 e o
risco de um colapso iminente do próprio capitalismo.30
Nesse sentido, relevante influência mostra o Tratado de Versalhes, de 28 de
junho de 1919, ao instituir a Organização Internacional do Trabalho – OIT.
1.2.2
Os Direitos Sociais e sua Natureza Jurídica
Hoje há uma forte tendência de predominância do capitalismo que reduz a
dignidade do empregado. Far-se-á um breve relato das conquistas sociais, tendo
29
30
Idem, p. 39
NUNES, Antonio José Avelãs. Neoliberalismo e direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
p. 23.
31
sempre em foco a valorização do trabalho humano e sua influência nos direitos do
trabalhador.
Bigo ensina que na Idade Média a produção para fora dos círculos familiares,
voltada aos interesses da cidade. O primado do serviço sobre o lucro prevalecia, ou
seja, o ganho só se justifica se o trabalho tivesse sido realizado, condenando assim,
o ganho sem limite. Os operários tinham que ser hábeis para prestar um serviço com
qualidade. Não há normas que estabeleça uma jornada de trabalho, só havendo
limitações quanto ao trabalho noturno, por não ser benéfico à qualidade do serviço,
exigência neste período.31
Segundo Gomes:
[...] As corporações, que nada mais eram que associações de
produtores, ditam suas próprias regras profissionais, sendo ainda
beneficiárias de privilégios concedidos pelos reis no intuito de
enfraquecer, cada vez mais, o poderio dos nobres senhores da terra.
Mais tarde, esse quadro muda, quando os próprios reis sentem a
necessidade de restringir a atuação diretiva das corporações, talvez
no interesse de amenizar as condições dos aprendizes e
companheiros, sob o forte domínio dos mestres.32
Gomes ainda comentando sobre o assunto, relata um fato que ilustra uma
intervenção no direito regulamentar das corporações:
Os conflitos, no âmbito das corporações iniciaram-se quando foi introduzido o
numerus clausus, ou seja, as vagas que poderiam até então ser ocupadas pelos
companheiros dos mestres que eram capazes passaram a pertencer exclusivamente
aos filhos dos mestres. A partir daí, os excluídos começaram a lutar pela liberdade
de trabalho, tendo como conseqüência o aparecimento dos sindicatos ou
31
GOMES, op. cit., p. 74-75.
32
Ibid., p. 75.
32
associações de operários no século XIV para, constituir “o marco divisório entre a
economia cooperativa e a economia capitalista”, nas palavras de Russomano.33
Gomes relata como o regime das corporações chegou ao fim:
A Inglaterra pôs fim ao regime das corporações a partir do século
XVI, quando lhes proibiu a posse de bens de qualquer natureza e, no
século XVIII, aparece como o país da eclosão do capitalismo –
desenvolvia-se a indústria têxtil, resultante das primeiras invenções:
máquinas de fiar e fio de seda. A máquina a vapor, inventada em
1769, passava a fornecer a energia à nova indústria e liberá-la da
energia hidráulica. Essas invenções, aliadas a outras como a
conquista da energia atômica, fazem com que as pequenas
empresas sejam absorvidas pelas grandes oficinas e indústrias, o
que ajuda para desencadear a miséria moral e material de toda a
classe trabalhadora, mormente diante do Estado Liberal que não
intervém nas relações de trabalho decorrentes. 34
Importante trazer os relatos feitos por Marx e Engels a respeito da expansão
da indústria:
Desenvolvendo-se irresistivelmente no século XVII, a concentração
do comércio e da manufatura em um país, a Inglaterra foi criando
para este país um relativo mercado mundial e, com ele, uma procura
dos produtos manufaturados que já não podia ser satisfeita pelas
forças produtivas até aí existentes na indústria. Esta procura, que
crescera mais do que as forças de produção, foi a força motora que
deu origem ao terceiro período da propriedade privada desde a Idade
Média com a criação da grande indústria – a aplicação de forças
elementares para fins industriais, a maquinaria e a mais extensa
divisão do trabalho [...] A concorrência universal obrigou todos os
indivíduos à mais intensa aplicação de sua energia. Aniquilou, tanto
quanto lhe era possível, a ideologia, a religião, a moral, etc., e no
qual não o conseguiu fez delas uma mentira palpável. Foi ela que,
pela primeira vez, criou a história universal, na medida em que tornou
dependentes de todo o mundo, todas as nações civilizadas e todos
os indivíduos nela existentes para a satisfação de suas
necessidades, e aniquilou a exclusividade até ai natural de cada uma
das nações. Subordinou ao capital a ciência da natureza e retirou da
divisão do trabalho a última aparência de naturalidade [...].35
33
RUSSUMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no direito brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 1984, p. 6.
34
BIGO apud GOMES, op.cit., p. 76.
35
MARX; ENGELS apud GOMES, op.cit., p. 76-77.
33
O contratualismo, em conformidade com o princípio da igualdade coloca o
empregado e empregador no mesmo nível, como seres livres, dando-lhes liberdade
para negociar as condições de trabalho. Contudo, os empregadores continuavam a
decidir as condições de trabalho impondo aos trabalhadores tais normas só restando
a estes se sujeitarem para não enfrentarem o desemprego que amedrontava os
grandes centros, em face da tecnologia - a máquina – que, até nos dias atuais,
assusta os trabalhadores por poder substituir a execução do trabalho humano.
Assim como acontece atualmente, o homem tornou-se individualista
proporcionando a exploração do homem pelo homem.
Bresciani narra a situação decadente desse último grupo, em Londres, na
metade do século XIX:
[...] tem em si qualquer coisa de repugnante que revolta a natureza
humana [...] A desagregação da humanidade em mônadas, no qual
cada um possui um princípio e uma finalidade de vida particulares,
essa atomização do mundo, foi aqui levada em conta ao extremo.
Resulta disso que a guerra social, a guerra de todos contra todos,
aqui, está abertamente declarada.36
E continua a historiadora a contar o que Engels relatara sobre os bairros ruins
de Londres:
[...] A massa de casas de três a quatro andares, construídas sem
planejamento, em ruas estreitas, sinuosas e sujas, abriga parte da
população operária [...]. O cheiro é nauseante. A cena torna-se mais
espantosa no interior das moradias, nos pátios e nas ruelas
transversais: ‘não há um único vidro de janela intacto, os muros são
leprosos, os batentes das portas e janelas estão quebrados, e as
portas, quando existem, são feitas de pranchas pregadas’. Nas casas
até os porões são usados como lugar de moradia e em toda parte
acumulam-se detritos e água suja. ‘Aí moram os mais pobres dentre
os mais pobres, os trabalhadores mal pagos misturados aos ladrões,
aos escroques e às vítimas da prostituição’.37
36
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. 4. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 23-24 apud GOMES, Dinaura p.24-30.
37
Ibid., apud GOMES, p. 24-25.
34
Em 1860, os filhos dos tecelões de seda de Londres perambulavam pela
cidade dizendo não terem emprego e terem suas tentativas de obtê-lo sido frustadas
até no exército, dada sua compleição física débil e a pouca altura.38
O cidadão-trabalhador, sem o amparo do Estado liberal e então visto apenas
como um meio de produção, competia diretamente com a máquina, sendo obrigado
a trabalhar em sobre jornada, ou seja, além do suportado pela sua própria
resistência física para, ao final, receber um salário aviltante, devido à grande oferta
de mão-de-obra que enfrentava a massa de desempregados.
Ianni compara a situação do trabalhador de hoje com aquele do final do
século XVII:
Se, globalmente, pode-se definir a revolução industrial do século
XVIII pela passagem da ferramenta à máquina-ferramenta, a
automação designaria a passagem da máquina-ferramenta ao
sistema de máquinas auto-reguladas – o que implica a capacidade
das instalações automatizadas de substituir não somente a mão
humana mas também as funções cerebrais requisitadas pela
vigilância das máquinas ferramenta. Poder-se-ia, definir, pois, a
automação pela auto-regulação das máquinas em circuito fechado.
Noutras palavras, a máquina se vigia e se regula a si mesma.39
Bercovici tece comentários sobre a liberdade estabelecida pelo Estado
Liberal:
O Estado Liberal garantia assim uma liberdade de ação praticamente
sem limites para as forças econômicas. A não intervenção do Estado
não passa de uma ideologia encobridora, pois o verdadeiro princípio
da sociedade civil capitalista não é a ausência de intervenção estatal,
mas a mobilização privada do poder estatal para uma poderosa
intervenção no domínio econômico a serviço dos interesses
particulares da classe dominante. [...] O Estado de Direito Liberal
delega a organização do trabalho e da economia para os agentes
econômicos, prevalecendo, nestes setores, o poder econômico.40
38
39
ibidem, op. cit., GOMES, p. 25-30.
IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 126.
35
As fábricas e as indústrias só tinham como objetivo auferir o maior lucro, pois
neste período o valor econômico predominava.
Nunes entende que:
O liberalismo econômico funcionou nas condições dos séculos XVIII
e XIX, em uma época em que a tecnologia industrial era
relativamente rudimentar e adaptada a empresas de pequena
dimensão; em que era inexistente ou pouco relevante a concentração
capitalista; em que trabalhadores não estavam organizados (ou
dispunham de organizações de classe de existência precária, débeis
e inexperientes) e não gozavam da totalidade dos direitos civis e
políticos [...] O capitalismo era então, sem disfarces, um sistema em
que os que não podiam trabalhar também não podiam comer.41
O Direito apenas garantia a riqueza patrimonial do homem, esquecido de que
este, além dos bens materiais, tinha direitos morais que necessitavam ser
protegidos, e que a própria dignidade humana estava rebaixada diante da opressão
econômica.
Segadas Vianna salienta que:
[...] em nome da liberdade, não podia haver restrições sob o pretexto
da autonomia contratual. Abstinha-se o legislador de tomar medidas
para garantir a igualdade jurídica que desaparecia diante da
desigualdade econômica. Reporta-se ainda às lições de Joaquim
Pimenta, extraídas de sua obra Sociologia Jurídica do Trabalho, para
destacar, em que se defrontavam operário e patrão, ambos iguais
porque ambos soberanos no seu direito, cedia e se tornava ficção
com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do
segundo. Se a categoria de cidadão colocava os dois no mesmo
plano de igualdade, não impediria essa igualdade, como alguém
observou, que o cidadão-proletário, politicamente soberano no
Estado, acabasse economicamente escravo na fábrica.42
40
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente. Rio de Janeiro: Azougue
Editorial, 2.004, p.130.
41
NUNES apud GOMES, op. cit., p. 82.
42
VIANNA, op. cit., p. 37.
36
Com o sufrágio universal, o operário passa a representar em número a parte
mais significativa da população. Passa a ser a massa, então, mais valorizada pelos
políticos, pois o voto dele possui o mesmo valor daquele do patrão. Os partidos
políticos percebem a necessidade de elaboração de leis trabalhistas.
A primeira lei social surgiu em 1841, proibindo empregar-se na indústria,
crianças com menos de 8 anos e ocupar, por mais de oito horas por dia, as crianças
de 8 a 12 anos.43
O direito de associação surge em 1848, quando, também na França, a
jornada é reduzida para 10 horas, para os adultos, em Paris, e em 11 horas, na
província, sendo certo que, também lá, em 1864, torna-se reconhecido o direito de
greve.44
Marx, funda a primeira Associação Internacional de Trabalhadores. Em 1881,
na Alemanha, são previstos os seguros sociais; em 1883, na Itália, há previsão de
tutela aos acidentados do trabalho que se estende para a Alemanha, em 1884.45
Gomes relata a luta de Karl Marx na defesa do trabalhador e do trabalho:
O início da materialização dos anseios como primeiras conquistas do
trabalhador foi consubstanciado na pregação de Marx, com seu
“Manifesto Comunista” em prol da união dos trabalhadores.[...] Não
se tratava mais de restabelecer o primado do trabalho sobre o capital
privado, mas, sim, de abolir radicalmente este último para considerar
o trabalho a única causa legítima de renda. É desse modo que se
propaga a doutrina marxista tendente a instaurar a ditadura do
proletariado.[...] A proposta marxista visava, pois, a uma mudança
dos fundamentos econômicos de toda nação, colocando a luta de
classes como um elemento determinante em prol da nacionalização
integral dos meios de produção.[...] Destarte, não é somente o
primado do trabalho sobre a propriedade que Marx afirma. É mais
que isso: invoca a destruição da propriedade como meio de
produção, ou seja, o capital, com o qual se choca o trabalho. E,
incisivamente, assim proclama: o proletariado utilizará o seu domínio
político para ir arrancando todo o capital das mãos da burguesia,
para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do
43
BIGO apud GOMES, op. cit., p. 84.
BERNARDES, Hugo Gueiros. Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1989, p. 26-27.
45
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: José Konfino, 1972,
p.17 apud GOMES, op. cit., p. 84.
44
37
Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e
para aumentar o mais rápido possível a massa das forças produtivas
[...].46
O poder político configura-se como o poder organizado de uma classe para a
opressão de outra. Em lugar da velha sociedade burguesa, com as suas classes e
antagonismos de classes, surge uma associação em que o livre desenvolvimento de
cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.
Diante do exposto, o Estado, como reação a estas idéias, passa a intervir nas
relações de emprego, ditando normas de proteção ao trabalhador. Inegavelmente, é
assim que o Estado Social de Direito sai em busca de um capitalismo social, de
raízes solidaristas, como forma de evitar a ruptura da ordem capitalista.
1.2.3
A Constituição Socioeconômica e os Direitos Sociais
A era do constitucionalismo social se firma e avança mundo afora, inaugurada
pela Constituição mexicana de 1917.
A notoriedade, entretanto, é lograda pela Constituição alemã de 1919
(Constituição de Weimar), que “trouxe vários preceitos trabalhistas, ficando
conhecida pelo mundo como a base das novas democracias sociais”.47
A Constituição de Weimar buscava uma nação que fosse social-democrata,
procurando conciliar princípios liberais e socialistas. Cunha salienta: “A Constituição
brasileira de 1934 foi a primeira a dispor sobre os direitos sociais dos trabalhadores,
elencando dispositivos que foram mantidos na Constituição de 1937, 1946 e 1967”.48
Vaz da Silva explica que a partir daí, “passou a ser retrocesso dificilmente
imaginável o desaparecimento, em nosso universo jurídico e social, das normas
46
MARX apud GOMES, op. cit., p. 86.
ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito Constitucional do Trabalho: sua eficácia e impacto do modelo
neoliberal. São Paulo: LTr, 1998, p. 29.
48
CUNHA, op. cit., p.37.
47
38
básicas da vida social e da vida econômica, seja com uma ou outra orientação
ideológica e política”.49
Na vigência da Constituição de 1937 – período do Estado Novo (1937-1945) foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo Decreto-Lei n.
5.452/43.50
No âmbito das relações de trabalho, a Constituição de 1946 inseriu alguns
direitos, como o de greve, salário noturno diferenciado, previsão de participação nos
lucros.
A Constituição de 1967 surpreendeu ao substituir a estabilidade no emprego,
pelo instituto do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o salário-família,
além de restringir o direito de greve. É na Constituição de 1988 que a dignidade da
pessoa humana e os valores sociais do trabalho, são proclamados como bases do
Estado, que tem como objetivos o combate às desigualdades sociais, promover o
bem de todos, de modo a atingir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 1º, III e IV
e art. 3º, I, III e IV, ambos da CF/88). A participação dos trabalhadores só é
regulamentada pela Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000, dependendo de
negociação entre empregados e empresas, com participação sindical.51
Conclui-se que rol dos direitos trabalhistas foi ampliado. O art. 7º da CF/88
repete o elenco constante da Carta anterior e se desdobra em trinta e quatro incisos,
contendo direitos como, por exemplo, aviso prévio, férias e adicional, décimo terceiro
salário, adicional de horas extras, estabelecendo tratamento isonômico ao
trabalhador urbano e rural, dentre outros.
1.3
O ESTADO NEOLIBERAL
49
SILVA, Floriano Corrêa Vaz da. Constitucionalismo social. In: ROMITA, Arion Sayão (Org.). Curso
de direito constitucional do trabalho. São Paulo: LTr, 1991. v. 1, p. 35-71.
50
CUNHA, op. cit., p.37.
51
Idem, p.38.
39
O neoliberalismo nasce logo depois da II Guerra Mundial, nas regiões da
Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo, configurando-se como
uma reação teórica e política veemente contra o Estado Intervencionista e do Bemestar. Seu texto básico de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek,
escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos
mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciado-a como uma ameaça letal
à liberdade, não somente econômica, mas também política.52
Com o advento da crise do Estado intervencionista, a contar de 1973, a
doutrina ganha prestígio. As pressões do movimento sindical e conseqüente
elevação de salário e melhores condições de trabalho, segundo os neoliberais, eram
os fatores responsáveis pela alta da inflação, crise e ruptura das bases de
acumulação capitalista. Era preciso desarticular os movimentos reivindicativos,
reduzir vantagens e flexibilizar as relações de emprego.53
Da Inglaterra, pelas mãos da dama de ferro, Margareth Thatcher, implantado
em 1979, o neoliberalismo chegou aos Estados Unidos, no governo de Ronald
Reagan, em 1980, sendo em seguida adotado pelos países europeus, alastrando-se
aos poucos para outros continentes. Por derradeiro, soçobra o socialismo com a
queda do muro de Berlim e do regime político soviético, avantajando seu triunfo
sobre ideologias rivais.
Trata-se, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, das antigas “idéias
liberais agora ‘recauchutadas’ com o rótulo de ‘neo’, propondo liminarmente a
eliminação ou sangramento das conquistas trabalhistas e direitos sociais, ao mesmo
passo em que revive o imperialismo pleno e incontestado, sob a designação
aparentemente técnica de ‘globalização’”. Antevê o jurista “um retorno ao mesmo
esquema de poder, nos planos interno e internacional, vigente no final do século
52
53
HAYEK, F. A. O Caminho da Servidão. Rio de Janeiro: Globo, 1946, p. 33.
ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. Trad. Luís Fernandes e Emir Sader. IN SADER,
Emir, GENTILI, Pablo (Orgs). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 5. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 9-11.
40
passado e início deste, sob aplausos praticamente unânimes em ambas as
frentes”.54
A constituição do receituário, aviada em reunião ocorrida em 1979, conhecida
por Consenso de Washington, cuja expressão máxima – com força cogente e rigor
absoluto para os países periféricos –, está centrada na redução de déficits fiscais,
diminuição de gastos sociais, liberalização do sistema financeiro com o fito de tornar
fácil a volatibilidade – livre entrada e saída de capitais especulativos, além de outros.
A retórica de menor intervenção estatal encerra um paradoxo: os paladinos da
fórmula neoliberal, apregoam liberdade de mercado, livre comércio, mas adotam as
teses, movidos por interesses e conveniência exclusiva, centrados na obtenção de
dividendos lucrativos.
O discurso ideológico neoliberal consegue, pois, grande proeza teórica, uma
verdadeira revolução epistemológica ao transformar tudo em coisa, em objeto, enfim,
em mercadoria, sendo que, inclusive a terra, o trabalho e a pessoa humana passam
a ser considerados e reduzidos a uma mera mercadoria. Tudo é mercadoria. Isso
significa que o trabalho não tem direito.
A globalização, sob o signo da ideologia neoliberal, tem rendido um banquete
para poucos: a riqueza está sob o império de algumas pessoas, dos grandes
escritórios de corretoras, conglomerados financeiros, grandes transnacionais e de
alguns países hegemônicos. Ampliam-se, cada vez mais, as desigualdades sociais.
Lembra Bonavides que “socialmente, o Brasil é o País mais injusto do mundo;
por um paradoxo, sua riqueza fez seu povo mais pobre e suas elites mais ricas
numa proporção de desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todos
os países”.55.
Economicamente,
o
neoliberalismo
fracassou,
não
conseguindo
a
revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o
54
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista de
Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 212, abr./jun. 1998, p. 70.
55
BONAVIDES, op. cit., p. 30.
41
neoliberalismo conseguiu atingir muitos dos seus objetivos, criando sociedades
marcadamente desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e
ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus
fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que
não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou
negando, têm de adaptar-se a suas normas.
Em decorrência dos ajustes neoliberais capitaneados pelas forças operantes
transnacionais, pode-se afirmar, frente ao receituário do FMI para os países
periféricos, especialmente no caso brasileiro, a idéia de que as condições são
dadas, não existindo outra saída que não esta ou aquela, determinada
exclusivamente pelo mercado e por sua lógica.
A globalização e o neoliberalismo esgarçam o tecido social, em face da
prioridade absoluta do capital sobre o trabalho. As políticas neoliberais têm como
meta o absenteísmo do Estado, a adoção de políticas de desregulamentação, na
revisão de direitos trabalhistas e reformas fiscais pró-empresa. Essa política só
contribui para aumentar a concentração da renda e as desigualdades sociais.
Segundo Silva:
A resposta a essas problemáticas tem sido trazida pelos governos
diariamente, pelos meios de comunicação, resultando no caso
brasileiro, a descaracterização do Estado Democrático de Direito
dezessete anos depois de promulgada a constituição cidadã.56
1.3.1
Os Princípios da Ordem Econômica da Constituição Federal de 1988
face ao Neoliberalismo
Partindo de um referencial teórico que admite que o neoliberalismo
anacroniza os pilares do paradigma liberal-legal, sobre o qual está erigido o
56
SILVA, Karine de Souza. O custo social da globalização na América Latina. 1998. 181f (Mestrado
em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. p. 108.
42
ordenamento jurídico brasileiro, convém fazer uma breve análise de como a ordem
econômica brasileira e seus princípios estatuídos na Constituição sentem a
repercussão do ideário neoliberal.
Alguns desses princípios são amplamente receptivos ao neoliberalismo, tais
como a propriedade privada (inciso II do art. 170 da Constituição Federal de 1988) e
a livre concorrência (inciso IV do art. 170 da Constituição Federal de 1988), outros,
porém, chocam-se com a perspectiva neoliberal, como a busca do pleno emprego
(inciso VIII do art. 170 da Constituição Federal de 1988), uma meta de teor
keynesiano, a quem o neoliberalismo é antípoda; a função social da propriedade e a
redução das desigualdades regionais e sociais (incisos III e VII do art.170 da
Constituição Federal de 1988), perfazendo um princípio de justiça distributiva
correlato da justiça social; além da soberania nacional (inciso I do art. 170 da
Constituição
Federal
de
1988),
desprezada
pelo
capital
monopolista
e
internacionalista.
O quadro constitucional brasileiro, diante do neoliberalismo, é de clara
indeterminação, pois diante do conflito entre princípios antagônicos no que tange a
seu arcabouço ideológico, reitera-se a idéia inicial deste tópico de que o
neoliberalismo anacroniza o paradigma liberal-legal sob o qual está erigido o
ordenamento jurídico.
43
CAPÍTULO 2 – DA CRISE DO ESTADO E A FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS.
2.1 GLOBALIZAÇÃO – Principal causa da crise do Estado.
A globalização - novo modo de produção – ganhar ênfase com a grande
revolução tecnológica e tem como proposta a liberalização das economias nacionais
e a expansão dos mercados.
Esse processo de globalização, na seara econômica, nada mais é que a
integração entre os Estados pela formação de blocos econômicos, com ajuste entre
as políticas econômicas de cada Estado a fim de que as barreiras alfandegárias
sejam eliminadas e ocorra a expansão dos mercados por meio da troca de produtos.
Dallegrave Neto explica, com clareza, o real sentido da chamada integração
entre os Estados:
O objetivo destes blocos regionais nada tem a ver com a idéia de
globalização em seu sentido de integração ou abertura
44
indiscriminada de mercados nacionais. Não passa de uma estratégia
de integração regional e autocentrada com o objetivo de se tornar
mais forte no selvagem mercado competitivo. Não é à toa que os
blocos regionais estão sempre centrados nas grandes potências:
USA, Alemanha e Japão.57
Essa política de integração gera crescimento mais rápido, criação de
emprego, trocas comerciais e de mão-de-obra, acarretando mudanças, inclusive no
campo do trabalho.
Ianni fala sobre as influências da globalização no mercado mundial do
trabalho:
O movimento do trabalho internacionalizou-se até certo ponto, muito
embora ainda regulamentado em cada país pela ação governamental
na tentativa de conformá-lo às necessidades nacionais do capital.
Assim, a Europa ocidental e os Estados Unidos agora dispõem de
um vasto reservatório que se estende por ampla região da Índia e do
Paquistão no Leste, passando pelo norte da África e extremo sul da
Europa, por todo o Caribe e outras partes da América latina no
Ocidente. Trabalhadores hindus, paquistaneses, turcos, gregos,
italianos, africanos, espanhóis, das Índias Orientais e outros
suplementam a subclasse indígena da Europa setentrional e
constituem seus estratos mais baixos. Nos Estados Unidos, o mesmo
papel é desempenhado pelos trabalhadores porto-riquenhos,
mexicanos e outros da América latina, que foram acrescentados ao
reservatório de trabalho mais mal pago, constituído sobretudo de
negros.58
O fenômeno da globalização tem levado os governos a uma revisão daquele
modelo estatal que se corporificou, a partir do início do séc. XX, com intervenções
flagrantes na economia ao lado da extensiva atividade regulamentadora, mormente
no âmbito das relações de emprego. Fala-se muito em flexibilização ou até mesmo
em desregulamentação das leis trabalhistas, assunto do próximo capítulo deste
trabalho.
A fase de transição, principalmente na economia, atinge também a área
empresarial que, dentre vários fatores, sente a necessidade de se adequarem a
57
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Transformações das relações de trabalho à luz do
neoliberalismo. In: Transformações do Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá, 2002, p. 59.
58
IANNI, op. cit., p. 131.
45
métodos eficientes de competição econômica em um cenário de livre fluxo de
mercados. As empresas tentam reduzir seus custos - pela substituição da mão-deobra humana pelas máquinas - e melhorar a qualidade de sua produção, reduzindo,
portanto, o número de empregos.
A exportação continua a desempenhar o papel de variável principal na
dinâmica do crescimento, porém seu efeito final dependerá cada vez mais da
capacidade da economia para diversificar sua estrutura produtiva ligada ao mercado
interno, ou seja, a industrialização.
Outra forma de globalização é a globalização financeira. Para Vigevani:
[...] a globalização do capital financeiro debilita as instituições
nacionais que o deveriam controlar (como é o caso dos Bancos
Centrais); e ao mesmo tempo incide sobre as estratégias de
investimento das grandes empresas multinacionais nos países em
desenvolvimento. 59
A globalização política está caracterizada ao se verificarem os processos
decisórios nos Estados, que adotam padrões semelhantes, com base nas regras
ditadas pelas organizações internacionais. As decisões econômicas influenciam
diretamente as decisões políticas e vice-versa. Um fato que dificulta o processo de
globalização é que cada país tem objetivos próprios e fixados de acordo com a
necessidade e com o seu contexto sócio-político.
As regressões políticas verificadas em países em desenvolvimento ou da
periferia e os crescentes conflitos sociais que aparecem com mais intensidade em
todo o mundo, decorrentes, por um lado, do aumento de grupos excluídos e, por
outro, da crise do Estado que não tem mais capacidade de atuar como amortecedor
das tensões sociais, leva à reflexão sobre suas conseqüências nas sociedades
contemporâneas.
59
VIGEVANI, Tulio; LORENZETTI, Jorge. Globalização e integração regional: atitudes sindicais e
impactos sociais. São Paulo: LTr, 1998, p. 19.
46
Como conseqüência desse processo globalizador, tem-se a globalização
cultural, representada pelo avanço da rapidez das telecomunicações, outros
avanços tecnológicos e a ocidentalização do mundo. O desenvolvimento da
automação, por meio da robotização e computadorização, revolucionou não só o
mercado de trabalho e da indústria, mas a sociedade como um todo. A facilidade na
circulação de informações e de produtos tem sido a principal forma de expressão
cultural, transformando o modo de pensar e agir das pessoas.
Até mesmo a mão-de-obra tornou-se globalizada. Como as grandes
empresas têm como prioridade a diminuição de custos sociais, procuram a mão-deobra mais barata. Um exemplo é a empresa NIKE, uma das maiores produtoras de
calçados esportivos do mundo, que não produz sequer um cadarço. Terceirizam sua
produção, habilitando fornecedores da Indonésia à Polônia, ou mesmo no México e
Estados Unidos, dependendo de onde encontrar os menores custos.60
O mercado mundializado traz conseqüências ampliadas, já que exige altos
investimentos das empresas em tecnologia. Segundo Fernando Passos:
[...] o impacto desta revolução tecnológica está acentuado pela
globalização, pelo simples fato de esta última haver instituído a
competitividade de forma avassaladora, sendo que as empresas
somente conseguem competir na medida exigida com enormes
concentrações em desenvolvimento tecnológico. Neste sentido aquilo
que era meramente estrutural, localizado, passou a ser exigência.61
Com todas as modificações que vêm ocorrendo no processo produtivo,
assinala-se uma nova crise social no cenário internacional e nacional: o
desemprego.
60
MARTIN, Hans-Peter, SCHUMANN, Harald. A armadilha da globalização. Trad. Waldtraut U. E.
Rose. 5. ed. São Paulo: Globo, 1999 apud DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Transformações das
relações de trabalho à luz do neoliberalismo. In: Transformações do Direito do Trabalho. Curitiba:
Juruá, 2002, p. 56.
61
PASSOS, Fernando. O impacto da globalização da economia nas relações individuais e coletivas
de trabalho. In: Revista LTr. São Paulo, v. 62, n. 03, mar. 1998, p. 341.
47
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa
Mensal do Emprego (PME) realizada em seis regiões metropolitanas do país para
medir o desemprego aberto (pessoa que trabalhava, foi demitida ou se demitiu e
continua procurando emprego, porém não encontra), existia, em junho de 1999, uma
população de 1.401.074 desempregados. A pesquisa levava em conta apenas as
pessoas acima de 15 anos.62
O desemprego se estabelece, segundo alguns autores, por dois grandes
motivos: a globalização da economia aliada à política neoliberal e, por outro lado,
o
avanço tecnológico que exige do homem trabalhador maiores habilidades,
conhecimentos diversificados e muita criatividade para colocar-se apto a concorrer
nesse novo mercado de trabalho.
Acredita-se que, somente com o investimento em educação e em formação
profissional aliado a uma política de desenvolvimento econômico sustentável,
poderão ser traçados novos contornos para o atual quadro de desemprego, bem
como das demais questões sociais no país.
Por fim, cumpre advertir que o processo de globalização, além de não ser
uniforme, não atinge todos os países do mesmo modo. Ou melhor, até o momento a
globalização só tem ido em direção das grandes potências, que dominam os
processos de renovação tecnológica, e que estão criando regras do jogo cada vez
mais favoráveis a elas mesmas.
Atualmente, diante do fenômeno da globalização econômica, o Estado-nação,
ao promulgar suas leis, cada vez mais tem de levar em conta o cenário internacional,
para saber o que pode regular realmente e quais serão as normas efetivamente
respeitadas.
A globalização tem sido apontada como uma das principais causas da crise
do Estado provocando, segundo Dunn, quatro rupturas com a ordem mundial
passada: a capacidade estatal de garantir a segurança dos cidadãos e a integridade
62
Disponível em: http:< www.ibge.org.br.> Acesso em 28.03.06.
48
territorial; a mundialização da economia; a internacionalização do Estado e o direito
internacional.63
Importantes acontecimentos marcaram o avanço da globalização: a queda do
muro de Berlim, em 1989, com a unificação da Alemanha; a crise do socialismo no
Leste Europeu e o fim da Guerra Fria.
Com o fim da bipolarização mundial entre capitalismo e socialismo, surge uma
nova ordem mundial fundada no ideário neoliberal, inicialmente implementado pelo
governo de Margaret Thatcher (1979) e, posteriormente, por Ronald Reagan (1981).
Esse projeto de governo abrange âmbito mundial, tornando-se parte integrante do
processo de mundialização do capital.
Este ideário neoliberal consiste em políticas voltadas à desestatização da
economia, com a minimização da interferência do Estado; abertura de mercado ao
comércio internacional, com o objetivo de estimular a concorrência com os produtos
nacionais e propiciar a modernização e desenvolvimento da estrutura produtiva
nacional; estabilização monetária, a fim de atrair investimentos estrangeiros e amplo
processo de privatização, com objetivo de diminuir as dívidas internas e externas.
Diante disso, o Estado, em vez de ofertar serviços, passa a fiscalizar e avaliar
a oferta pela iniciativa privada. O processo de privatização é exemplo disso - tem
intuito de o Estado interferir o mínimo possível no mercado e investir mais recursos
na área social.
O mundo passa a vivenciar uma nova etapa da economia mundial, construída
pelos blocos econômicos, transferindo-se o poder para a seara do capital com a
hegemonia das empresas transnacionais.64
63
DUNN, J. Political Science Political Theory and Policy – Marking in na Interdependent World,
“Government and Opposition”, v. 28, n.2, London, p. 242-260, 1993 apud ROTH, André. O Direito em
Crise: fim do Estado Moderno. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica:
implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996, p.18.
49
As chamadas comunidades supranacionais – Comunidade
Econômica Européia CEE/União Européia, NAFTA, MERCOSUL,
etc. – particularmente a primeira, impuseram uma nova lógica às
relações
internacionais
e,
conseqüentemente
atingiram
profundamente as pretensões de uma soberania descolada de
qualquer vínculo ou limitação.65
Assim, o desenvolvimento dos modos de produção, o crescimento dos
intercâmbios e a internacionalização das empresas limitam o Estado em suas
políticas fiscais e intervencionistas, razão pela qual a participação dos Estados em
organizações internacionais está em progressão e influi sobre os processos políticos
internos.
O desenvolvimento do Direito Internacional, tornado princípio normativo
superior, permitindo aos indivíduos reivindicar sua aplicação ou denunciar sua
violação pelo Estado, demonstra uma das formas de ruptura com a ordem mundial
passada.
O crescimento da interferência da sociedade civil por meio das ONGs
(Organizações Não-Governamentais), em questões sobre a regulamentação do
mercado de trabalho e na universalização dos direitos humanos e valores éticos, ou
seja, a prática da chamada cidadania global, tem contribuído para o aumento da
crise da soberania do poder político do Estado. A atuação dessas organizações em
nível internacional acaba se sobrepondo ao poder do Estado, visto que acordos
internacionais estão de certa forma condicionados aos relatórios dessas entidades,
no que diz respeito à atuação estatal.66
Todas as rupturas trouxeram para os Estados perda de soberania e de
autonomia na formulação de políticas internas. O Estado torna-se impotente diante
destas mudanças trazidas pela globalização, não conseguindo mais regular a
sociedade civil nacional de maneira soberana, pois tem de compartilhar o mundo, o
64
GUERRA, Sidney. Soberania: antigos e novos paradigmas. Rio de Janeiro: [s.n.], 2004, p. 332-334.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan. Ciência Política eTeoria Geral do Estado. 4. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 132.
65
66
FERRER, Walkiria Martinez Heinrich; SILVA, Jacqueline Dias da. A soberania segundo os clássicos
e a crise conceitual na atualidade. In: Argumentum – Revista de Direito: Unimar. Marília, n. 3, 2003, p.
121.
50
poder com outras forças hierarquicamente em posição melhor, que transcendem o
nível nacional.
O Professor Bonavides afirma que o conceito de soberania está passando por
uma “crise contemporânea”, reconhecendo que a concepção clássica da soberania
popular engloba centenas ou milhares de partes da soberania unidas em um único
corpo e, com a soberania nacional, esse corpo transforma-se em uma “pessoa
privilegiadamente soberana: a Nação, em que
povo e Nação formam uma só
entidade, compreendida organicamente como ser novo, distinto e abstratamente
personificado, dotado de vontade própria, superior às vontades individuais que o
compõem. A Nação, assim constituída, apresenta-se nessa doutrina como um corpo
político vivo, real, atuante, que detém a soberania e a exerce através de seus
representantes”.67
Daí entende-se que o Estado é também uma sociedade, porém, com um
poder que abrange todo o território. Constitui-se de um povo que desenvolve suas
relações econômicas, sociais, entre outras, baseadas em normas jurídicas impostas
por esse mesmo Estado, para a organização de sociedades que têm como objetivo a
obtenção do bem-comum.
Tanto o Estado como o ordenamento jurídico que limita o poder de cada
sociedade devem ser soberanos. Mas o que está acontecendo na atualidade é que
este poder soberano tem enfraquecido em virtude de tratados internacionais e
pluralismo de ordenamentos soberanos. Acaba-se concordando com Streck e
Morais quando afirmam que a crise atual do conceito de soberania do Estado se dá
em
virtude
da
proliferação
de
ordenamentos
soberanos
transnacionais,
paralelamente aos do Estado.68
Entretanto, não se pode falar que o Estado perdeu a soberania. Do ponto de
vista interno, a soberania deve ser considerada um elemento constitutivo do Estado
67
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 131-132.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolsan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 4. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.157.
68
51
e
base para que cada sociedade se organize e obtenha o bem-comum. Neste
âmbito, a soberania mantém-se um poder incontestável.
Do ponto de vista externo, a soberania é considerada um elemento
característico do Estado, pois, apesar de estar enfraquecida na atualidade, não se
modifica a constituição do mesmo.
Como bem salienta a Constituição da República Federativa do Brasil, de
1988, a soberania é um dos fundamentos da República, ou seja, ela é base
sustentadora do nosso ordenamento jurídico. Sem ela os outros fundamentos, os
princípios
da
independência
nacional,
prevalência
dos
direitos
humanos,
autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa
da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo,
cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo
político (art. 1º e 4º) não existirão.
Diante disso, se percebe que a soberania permanece, de fato, como o atributo
fundamental do Estado, cuja a independência não está, de modo algum,
comprometida, nem a sua soberania violada pela existência de obrigações
internacionais.
2.2 FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS.
O Direito do Trabalho se originou da disputa de classes no período da
Revolução Industrial (século XIX) e se firmou como ramo do Direito dotado de
princípios norteadores da legislação laboral. O sistema capitalista cedeu espaço
para o nascimento das primeiras leis protetoras do trabalhador.
Pode-se constatar que as soluções adotadas naquela época pós-Revolução
Industrial efetivaram várias medidas protetoras ao trabalhador, como a adoção de
leis para jornada de trabalho, proteção ao menor e proteção à mulher trabalhadora.
Estava, enfim, regulamentado o Direito do Trabalho.
52
Hoje, o Estado adota uma postura de produção, organização e acumulação,
que já era notada desde o fordismo. A crise do petróleo nos anos 70 pôs em dúvida
o Estado de Bem-Estar, desregulou o modelo econômico social-democrático
construído no pós-guerra, provocando enorme recessão nos países desenvolvidos e
abrindo caminho para revolução tecnológica desencadeada com o objetivo de
reduzir o impacto do custo da energia e do trabalho no preço final dos bens e
serviços.
Cunha informa que para pôr fim com a crise, devem ser adotadas novas
experiências na seara da organização industrial - a passagem do fordismo para o
sistema que Harvey denomina de acumulação flexível.69
Conforme esclarece Sandroni: “o fordismo, método desenvolvido pelo
americano Henry Ford para a linha de produção de automóveis, significa a
especialização empresarial num só produto e cada operário realizando determinada
tarefa”.70
Rudiger salienta a existência de rigoroso controle de tempo e hierarquia
funcional que garantia a separação entre a concepção e a execução das tarefas.71
O fordismo permaneceu nos períodos entre 1910-1.960. Sua produção
consistia na divisão de tarefas dos operários, separando a mão-de-obra gerencial,
dotada de um núcleo de trabalhadores especializados e uma grande massa de
operários sem qualificação. O regime de acumulação fordista está centrado na
produção em massa, por uma linha de montagem em que o trabalho é fragmentado,
assegurando unidade do processo de produção.
Segundo Cunha:
A relação de emprego típica no modelo fordista denota um
trabalhador submetido a um poder hierárquico, em regime de jornada
69
CUNHA, op. cit., p. 46.
SANDRONI, Paulo (Org.). Novo Dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 1994, p.144.
71
RUDIGER, Dorothee Susanne. Globalização econômica, descentralização produtiva e direitos
fundamentais dos trabalhadores. In: RUDIGER, Dorothee Susanne (Org.). Tendências do Direito do
Trabalho para o século XXI. São Paulo: LTr, 2000, p. 22.
70
53
de trabalho completa, contratado por prazo indeterminado, na linha
de produção em massa e reunido em categorias homogêneas,
integrante de sindicatos com poder de reivindicação, dada a
representatidade ampla.72
Um conjunto de profundas transformações foram operadas em oposição ao
fordismo,
desenrolando
um
período
de
reestruturação
econômica
e
de
reajustamento social e político. Segundo David Harvey:
O formato das novas experiências denomina-se sistema de
acumulação flexível e tem, como ponto de apoio, a flexibilidade dos
métodos e dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de
consumo. É caracterizado “pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços
financeiros, novos mercados”.73
Harvey continua seu raciocínio:
O mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma radical
reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento
da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões
tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande
quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou
subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais
flexíveis.74
Por conseqüência, as relações de trabalho tornaram-se instáveis, pois as
empresas passam a ter facilidade para dispensa e utilização de trabalhadores
eventuais, bem como para adotar outros meios de redução dos custos do trabalho.
Nas últimas décadas, a revolução tecnológica, somada ao processo de
globalização, assume proporções homéricas. As transformações advindas da soma
desses dois fatores mudam radicalmente a natureza do trabalho humano, que
requer com urgência a definição de novos paradigmas, para, no âmbito nacional
concatenar o Estado com a realidade vigente e, no internacional, impedir a reificação
72
CUNHA, op. cit., p. 47.
HARVEY, David. Condição Pós-moderna. Trad. Adail Ubirajara Sobra e Maria Stela Gonçalves. 7.
ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998. p.140.
74
Ibid., p. 143-144.
73
54
do trabalho humano pelos imperialistas da era do conhecimento, por meio da
institucionalização de uma nova ordem, legitimada pelos direitos humanos
internacionais.
Vários são os reflexos causados pela acelerada revolução tecnológica e a
globalização: necessidade de mão-de-obra qualificada para que se possa implantar
e dirigir esse novo aparato tecnológico; o surgimento de novas formas de trabalho
para se amoldarem às necessidades decorrentes do novo perfil do empresariado e a
diminuição da necessidade de mão-de-obra desqualificada ou com pouca
qualificação.
Nesta nova economia, o sistema de proteção ao trabalho vem cada vez mais
sendo apontado como obstáculo ao livre desenvolvimento do país. Por esse motivo,
a tese da flexibilização ganha espaço no ordenamento jurídico.
Pastore comenta:
As normas trabalhistas precisam passar por mudanças que
possibilitem a abertura do diálogo entre o trabalhador e o
empregador, tendo-se como instrumento o contrato. Este se baseia
no princípio da negociação, o que permite a flexibilização para se
ajustar essa negociação às necessidades da revolução tecnológica.
Assim, a forma de contratação do trabalho no Brasil tende a renovarse, na busca de adaptar-se às necessidades do mercado. Por outro
lado, a questão do trabalho nesse país, nas últimas décadas, tem
refletido efeitos perversos, tais como baixo crescimento, educação
insuficiente e a resistência de uma legislação inflexível.75
O Brasil, não sendo a exceção perante a organização mundial, sofre
alterações no mercado de trabalho pós-guerra e no nível de desemprego e
desestabilização da economia, propiciando o surgimento do chamado "mercado
informal" de trabalho que, em regra, é constituído pela força de trabalho dita
excedente, em função da pequena oferta de empregos. Dados estatísticos apontam
índice altíssimo da população economicamente ativa, que integra este setor
produtivo.
75
PASTORE, José. Flexibilização dos mercados de trabalho: a resposta moderna para aumento da
55
A idéia, doutrina ou princípio da flexibilização surge na Europa dos anos 60.
Na Itália, a flexibilização das normas trabalhistas evoluiu muito na segunda metade
da década de 70, devido à excessiva rigidez da legislação italiana sobre salários.
Àquela época, eram negociados diversos acordos tripartites (entre Estado,
sindicatos e empregadores), com o objetivo de diminuir o desemprego.
A flexibilização pode se referir ao mercado de trabalho, ao salário, à jornada
de trabalho ou às contribuições sociais. Trata-se de uma adaptabilidade das normas
trabalhistas face às mudanças ou às dificuldades econômicas, sob a alegação de
que a rigidez traz aumento do desemprego.
Na prática, a flexibilização das leis trabalhistas é vista pelos Tribunais como
uma forma de se evitar o desemprego, sendo o contrato de trabalho disciplinado de
forma diversa. A princípio, pode parecer que fere o princípio tutelar do Direito do
Trabalho, deixando de assegurar direitos já conquistados pelos trabalhadores.
Contudo, a flexibilização vem, na verdade, reforçar aquele princípio, uma vez que
pode significar a continuidade do próprio emprego. Acórdão n. 6876, de 23.10.96,
proferido pela Segunda Turma do TST em Recurso de Revista. Redator Min.
José Luciano da Castilho Pereira. Recorrente: Fertisul S/A. Recorrido: Morency
Goulart Gonçalves.
A decisão proferida pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST
em 15.04.97, Acórdão n. 448, Relator Min. Antônio Ribeiro aponta uma vantagem
obtida pela flexibilização:
[...] os princípios da flexibilização e da autonomia privada
consagrados pela Constituição da República conferem aos
Sindicatos maior liberdade para negociar com as entidades
patronais, valorizando, assim, a atuação dos segmentos econômicos
e profissionais na elaboração das normas que regerão as
respectivas relações, cuja dinâmica torna impossível ao Poder
Legislativo editar Leis que atendam à multiplicidade das situações
delas decorrentes. Desta forma, não podemos desestimular essas
negociações, avaliando as cláusulas de um Acordo de forma
individual, com um enfoque sectário, sem considerar a totalidade do
instrumento normativo, porquanto as condições mais restritivas para
os trabalhadores foram por eles acordadas em prol de outros
competição. Revista LTr, São Paulo, v. 4, n.58, p.401-408, dez, 1994.
56
dispositivos, que instituem vantagens ou benefícios além dos
patamares legalmente fixados".
Com efeito, uma maior liberdade de negociação poderá trazer como
conseqüência o fortalecimento dos sindicatos, mesmo que a longo prazo.
Há, contudo, autores que criticam as idéias de flexibilização das leis
trabalhistas por entenderem que o objetivo é o enfraquecimento dos direitos
trabalhistas duramente conquistados.
Carvalho, defensor do direito alternativo, é um dos opositores, entendendo
que a flexibilização admite a possibilidade de restrição em decorrência de
dificuldades econômicas. Segundo ele “flexibilizar" representa, na ótica alternativa,
um retrocesso, posto que busca restringir direitos já conquistados pela classe
trabalhadora".76
Não é bem assim. Embora pertinente e justificável sua preocupação com a
possibilidade de restrição de direitos conquistados, cabe lembrar o Acórdão n. 4310
da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, o qual relata,
quanto ao salário, que, embora a flexibilização autorize o sindicato a acordar sua
redução, não haverá prejuízo ao trabalhador se, em negociação coletiva, for
estabelecida compensação por meio de garantias quaisquer que, em determinada
circunstância, sejam ainda mais vantajosas para a totalidade da categoria. Para os
casos apresentados, sempre se deve atentar para que aquilo que for acordado no
instrumento coletivo, na sua integralidade, não possa causar prejuízo aos
empregados. Acórdão n. 4310 da Subseção I Especializada em Dissídios
Individuais do TST, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817. Embargo em
Recurso de Revista. Embargante: Mineração Morro Velho Ltda. Embargados:
Valdir Margarido dos Santos e outros. Relator: Min.Rider Nogueira de Brito.
57
O que se deve perquirir é se, considerando a integralidade dos direitos e
garantias, houve ou não redução. Assim, dependendo das circunstâncias do caso
concreto, o afastamento de algum direito pode em última instância, beneficiar o
trabalhador e o empregador, e ser conveniente para ambos.
Essa flexibilização dos direitos trabalhistas no Brasil está prevista a partir da
alteração do artigo 618 da CLT, conforme Projeto de Lei nº 5.483/2001, o qual
estabelece que os acordos celebrados entre os sindicatos de empregados e
empregadores passam a prevalecer sobre a legislação:
As mudanças previstas no Projeto de Lei 5.483/01 passam a surtir
efeitos a partir da data de publicação da lei no "Diário Oficial" da
União. A lei teria prazo de vigência determinado de dois anos uma
vez que, após esse período, a mesma se extingue. Durante os dois
anos em que estiver em vigor, a medida pode ser alterada por uma
lei ordinária. Esse projeto tem como foco principal a negociação de
direitos realizada por acordo ou convenção coletiva entre os
sindicatos de empregados e sindicatos patronais. O trabalhador não
pode pedir ao patrão a flexibilização de direitos. O sindicato
profissional que o representa é que tem legitimidade para participar
das negociações. Para o empregado que pertence a uma categoria
que não está representada por um sindicato, a negociação pode
ocorrer entre as federações ou as confederações de trabalhadores e
os empresários ou sindicatos patronais. O sindicato dos empregados
não pode negociar sem consultar os trabalhadores, pois para haver
flexibilização das leis trabalhistas, o primeiro tem que fazer uma
assembléia e colocar a mudança em votação. Se a mudança for
aprovada pela maioria dos trabalhadores, a votação tem de ser
registrada em uma ata. Os empregados também devem assinar uma
lista de presença. Após essas etapas, o acordo tem de ser registrado
na Delegacia Regional do Trabalho ou no Ministério do Trabalho,
como já ocorre hoje com os acordos coletivos ou convenções
negociados na data-base dos trabalhadores. .77
O Projeto estabelece que deverão prevalecer as condições de trabalho
ajustadas em convenção ou acordo, respeitados os direitos sociais definidos na
Constituição, as matérias reservadas à lei complementar, as normas de segurança e
76
CARVALHO, Amílton Bueno de. "Flexibilização x Direito Alternativo". In: SOUZA JÚNIOR, José
Geraldo e AGUIAR, Roberto (org.).Introdução crítica ao Direito doTrabalho. Brasília, UnB, 1993, p.97102.
77
Notícias.
Câmara
aprova
flexibilização
da
CLT.
Disponível
no
http//www.datamace.com.br/index.cfm?conteúdo-id=4. Acesso em 31 de março de 2.006.
site:
58
saúde do trabalho e o FGTS. Não poderão ser objeto de negociação as parcelas
integrantes da remuneração do trabalhador. Também estão excluídas as normas
previdenciárias e tributárias.
O Projeto de Lei 5.483/01 foi aprovado na Câmara dos Deputados e, ao ser
encaminhado ao Senado Federal, para revisão, teve sua tramitação suspensa pelo
atual Presidente da República que justificou tal decisão afirmando que a matéria
será submetida a um processo de discussão prévia em encontros relacionados à
área trabalhista.
Embora represente uma necessidade real, a flexibilização das normas
trabalhistas deve ser implementada gradativamente e sem prejuízo ao trabalhador, a
quem se deve garantir um mínimo de direitos inegociáveis, alicerce para uma vida
condigna.
Não se pode deixar que essa mudança nas leis trabalhistas resulte na
prevalência da vontade dos detentores do poder econômico sobre as necessidades
do trabalhador. Corresse o risco de não haver, de fato, negociação entre sindicatos,
mas sim, imposições de condições de trabalho aos trabalhadores, incapazes de
sustentar qualquer resistência ou esboçar a mínima reação diante da necessidade
do trabalho e da absoluta ausência de garantias legais de manutenção do emprego.
2.3
A CONSTITUIÇÃO SOCIOECONÔMICA E A FLEXIBILIZAÇÃO
A flexibilização já está prevista na Constituição Federal – art. 7º, incisos VI,
XIII e XIV, embora seja permitida, apenas, para possibilitar a alteração daqueles
direitos dos trabalhadores que não sejam básicos nem irrenunciáveis, mediante
compensação, ou, ainda, em situações especiais e, sempre, com a assistência
sindical. Deve ser aplicada, portanto, no sentido de favorecer a adaptação das
59
condições de trabalho – já regulamentadas por lei ou norma coletiva mais favorável
– à dinâmica da realidade empresarial, a ensejar a diversificação das mesmas, com
observância dos direitos essenciais que não podem ser eliminados, em sintonia com
os princípios que informam a proteção ao emprego.
Com efeito, se as normas legais que regem as relações de trabalho devem se
adequar à realidade, urge não perder de vista seu papel ético-cultural de referência
às conquistas históricas da humanidade.
O trabalho é um princípio constitucional fundamental do Estado democrático
do Direito (art. 1º, IV da Constituição Federal de 1988). Além disso, a mesma Lei
Maior proclama que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do
trabalho (art. 170 da Constituição Federal de 1988) e que a ordem social tem por
base o primado do trabalho (art. 193 da Constituição Federal de 1988).
Gomes diz ser conveniente não se esquecer dos direitos no âmbito
internacional, ressaltando que:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, igualmente
proclama, entre outros, os seguintes direitos: o direito ao trabalho e à
livre escolha do emprego (art. 23); o direito ao repouso e ao lazer
(art. 24); o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a
sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos: o direito à segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice(art.25); o direito à
instrução (art.26). Insta realçar, também, ter o Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e culturais ampliado e
aperfeiçoado tal catálogo de direitos, o que foi observado,
igualmente, no âmbito do sistema regional, pelo Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San
Salvador, assinalado em 17 de novembro de 1988, ratificado pelo
Brasil em 21 de agosto de 1996.78
Nesse contexto, o trabalhador brasileiro encontra-se sob o manto protetor das
normas expressas nos arts. 7º e 8º da Constituição Federal de 1988. Conclui-se que,
78
GOMES, op. cit, p. 95.
60
mesmo sendo inevitáveis as mudanças impostas pelas leis do mercado, nas
relações de trabalho, importante preservar a figura do ser humano.
Processa-se
ampla
discussão
a
respeito
da
crise
da
Constituição
Socioeconômica identificada como uma Constituição cuja previsão de direitos sociais
apresenta contornos jurídicos rígidos.
Melgar por flexibilidade dos direitos sociais: “se traduz tanto uma debilitação
da presença estatal – protetora – no sistema das relações de trabalho, como uma
redução dos direitos dos trabalhadores”.79
O renomado Bobbio não se surpreende com o que a doutrina liberal escreve,
[...] com plena convicção e certa de não causar escândalos, que o
liberalismo é contra a igualdade e é, ao contrário, tolerante para com
a disparidade de rendas e riqueza. Os liberais, esclarece, jamais
consideram a desigualdade de riqueza um mal em si, um mal social
intolerável, pois a consideram efeito colateral da economia produtiva.
80
Neste sentido, é possível relacionar, em caráter provisório, a flexibilidade à
adaptabilidade constitucional dos direitos sociais às variantes do mercado de
trabalho e às exigências de competitividade econômica e de modernização
tecnológica das empresas privadas.
Novamente Malhadas explica que:
Flexibilidade é elasticidade, facilidade de manuseio, adaptabilidade; e
flexibilização é dar flexibilidade a [...] Nesse passo, a “flexibilidade de
79
MELGAR, Alfredo Montoya. Tendências actuales del derecho del trabajo em Espana. In: Revista do
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Curitiba, v.16, n. 1, jan./jun. 1991.
80
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. Tradução de
Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: UNESP, 1995, p. 127.
61
direitos há de ser a adaptabilidade das normas, a sua facilidade do
manuseio, e flexibilização de direitos, tornar adaptáveis e de fácil
manuseio as normas, ou fazer normas apropriadas e facilmente
manejáveis.81
A Constituição Federal não estabelece, expressa e exaustivamente, todos os
princípios informadores do Direito do Trabalho, tal como procede com outros títulos,
mas confere, como um dos fundamentos da República, os valores sociais do
trabalho e a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, a Constituição estabelece, em seus princípios maiores, a
proteção do trabalho, elencando-o como direito social, pugnando pelo respeito à
dignidade do trabalhador e o constitui como um dos direitos supraestatais inerentes
ao ser humano.
Forte nessa premissa, ao relacionar os princípios gerais da atividade
econômica, a Constituição atual consolida a proteção ao trabalho e ao trabalhador,
mormente no artigo 170 quando observa que, como norte na exploração da
atividade econômica nacional, devem ser respeitadas a valorização do trabalho
humano, a justiça social, a função social da propriedade e a busca do pleno
emprego e, ainda, no artigo 193, dispõe que a ordem social tem como base o
primado do trabalho.
O direito social ao trabalho, é condição da efetividade da existência digna,
fundamento também da República Federativa do Brasil, assim como os direitos
individuais ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito
social ao trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e
formação profissional, à livre escolha do trabalho, assim como o direito à relação de
emprego e o seguro-desemprego, visando à melhoria das condições sociais dos
trabalhadores.
81
MALHADAS, Júlio Assunpção. Flexibilização de direitos. In: Relações Coletivas de Trabalho.
Estudos em homenagem ao Ministro Arnaldo Sussekind. São Paulo, LTr, 1989, p. 378.
62
Apesar de a Constituição não conferir a garantia absoluta do emprego,
assegura que a relação de emprego seja protegida contra despedida arbitrária ou
sem justa causa e prevê lei complementar que regulamentará os demais direitos
trabalhistas dele inerentes.
Da análise constitucional, pode-se, ainda, partindo-se do princípio da proteção
ao trabalhador, observar outros princípios relacionados ao direito do trabalhador que
são dele defluentes, como o princípio da irrenunciabilidade, segundo o qual os
direitos trabalhistas não podem ser renunciados pelas partes do contrato de
trabalho, diferente do contrato civil, em que há liberdade total em discutir as
cláusulas contratuais e o princípio protetor, pelo qual o Estado deve proteger as
relações de trabalho, acolhendo o trabalhador como parte hipossuficiente da relação
de trabalho, tratando-o de modo diferente e dando-lhe maiores vantagens e direitos.
No mundo do Direito do Trabalho, como em toda ciência, existem também
princípios peculiares à sua essência. Dentre vários, tem-se:
a) o princípio “in dúbio pro operário”, que leva o intérprete legal a escolher
sempre a norma mais favorável ao trabalhador, desde que não seja contra a idéia
principal do legislador, nem se trate de matéria probatória;
b) o princípio da norma mais favorável, pela qual, independentemente da sua
colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, se aplica, sempre, no caso
concreto, a norma que for mais favorável ao trabalhador;
c) o princípio da condição mais benéfica, que determina a prevalência das
condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou
resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma
jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção ao trabalhador e que não
sejam com ela incompatíveis;
63
d) o princípio da primazia da realidade, aquele no qual a relação objetiva
demonstrada pelas provas demonstre que a verdadeira relação jurídica estipulada
pelos contratantes não correspondente à realidade;
e) os princípios da integralidade e da intangibilidade do salário, que visa à
proteção
do
salário
quanto
a
descontos
abusivos,
preservando
sua
impenhorabilidade, assegurando uma posição privilegiada em caso de insolvência
do empregador.
A Carta Magna, no tocante ao Direito do Trabalho, indica, mais precisamente,
o princípio da não-discriminação em seu art. 7º, XXX, que proíbe diferença de
critério de admissão, de exercício de funções e de salário por motivo de sexo, idade,
cor ou estado civil, ou de critério de admissão e de salário em razão de deficiência
física, no artigo 7º, XXXI e, ainda, no artigo 7º, XXXII, que se distinga, na aplicação
das normas gerais, entre o trabalho manual, o técnico e o intelectual ou entre os
respectivos profissionais.
Informa, também, o princípio da continuidade da relação de emprego, o qual,
embora flexível, uma vez que a Constituição não tendencia para estabilidade
absoluta do trabalhador no emprego, emana normas sobre a indenização devida nas
despedidas arbitrárias, independentemente do levantamento do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço, no artigo 7º, I, e do aviso prévio para a denúncia do contrato
de trabalho proporcional à antiguidade do empregado (art. 7º, XXI).
No art. 7º, VI, traz o princípio da irredutibilidade do salário, já embutido na
regra da inalterabilidade salarial decorrente do princípio protetor, o qual, somente em
casos especiais, explicitamente mencionados, pode ser afetado pelos instrumentos
da negociação coletiva e flexibilização sob tutela sindical.
Por final, o princípio da boa-fé também tem sua aplicação nas relações de
trabalho embora se trate de um princípio geral de Direito, devendo constar das
relações de emprego em virtude do intenso e permanente relacionamento entre o
trabalhador e o empregador, ou seus prepostos, assim como entre as partes
64
envolvidas na negociação coletiva, posto que, numa execução de contrato de
trabalho, é de suma importância que o empregado procure, de boa-fé, cumprir as
obrigações pactuadas, visando ao melhor atendimento e rendimento no trabalho,
enquanto o empregador deve cumprir, por si ou pelos seus prepostos, com lealdade
e boa-fé, as obrigações que lhe são cabíveis.
Portanto, mesmo diante do fenômeno da globalização, a Constituição Federal
sustenta a atuação do Estado, no sentido de poder e dever regular e fazer respeitar
as normas mínimas de proteção ao trabalho, ainda que os interesses econômicos
queiram conduzir, por meio de processos de programas de privatizações, a um
esfacelamento da máquina pública de controle e de efetividade dos Direitos Sociais.
2.3.1 Formas Constitucionais e Infraconstitucionais de Flexibilização de
Direitos Trabalhistas
No Brasil, a flexibilização de direitos trabalhistas despontou há mais de três
décadas e avança em ritmo irrefreável, à medida que se propala a necessidade de
submissão da força de mão-de-obra às leis de mercado.
A Constituição Federal de 1988, ao permitir a flexibilidade, autoriza a
aplicação do direito tutelar, em virtude de crises econômicas que se sucedem na
economia enfrentada por uma empresa. Autoriza o Constituinte a realização de
alterações contratuais, tais como a redução de salários e da jornada de trabalho, por
meio de negociação coletiva (art. 7º, inc. VI), além da compensação de horários e
ampliação da jornada de seis horas, nos casos de turnos ininterruptos de
revezamento (art. 7º, inc. XIV).
A quebra do princípio da irredutibilidade salarial só é válida sob a tutela
sindical. Sussekind adverte que “poderá – obviamente em situações excepcionais –
65
formalizar essa redução, com as condições em que ela perdurará, no instrumento
pertinente da negociação coletiva”.82
Mas, só será lícita a redução salarial se o empregado auferir em troca a
garantia de emprego. Assim, a redução pura e simplesmente, sem a contrapartida
do emprego garantido, padece de juridicidade.
A flexibilidade dos salários – escreve Nassar :
[...] é obtida, freqüentemente, por meio de congelamento ou embate
livre entre preços e salários, sem imposição de uma política salarial
por parte do Estado, que deixa para o mercado a fixação livre, de
acordo com a convenção dos contratantes.83
Reforçada pela fixação de salário misto, que nada mais é que uma parte fixa
e outra variável, relacionada com a performance da empresa. Os encargos são
reduzidos e os riscos da atividade econômica são partilhados com o trabalhador.
Entende-se que essa flexibilidade é uma forma de se evitar a dispensa de
trabalhadores e conseqüente aumento de desemprego.
Outro instituto manifestamente flexível é a compensação de horários,
conhecida por banco de horas, que protege o trabalho em sobrejornada, até o limite
de dez horas num determinado dia e redução correspondente, noutro dia, sem o
pagamento de horas extras.
O art. 6º da Lei 9.601/98 deu nova redação ao § 2º do art. 59 da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), instituindo o banco de horas, autorizando a
compensação de horas num espaço de 120 (cento e vinte) dias. A Medida Provisória
82
SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.150151.
83
NASSAR apud CUNHA, op. cit., p. 267.
66
nº 1.779/98, amplia esse prazo para um ano. A nova redação do § 2º do art. 59
ficou, então, assim:
Art. 59, §2º. poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por
força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de
horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição
em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um
ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja
ultrapassado limite máximo de dez horas diárias.
Vieira considera o banco de horas um elemento, que sem dúvida, é de grande
interesse para os empregadores, à medida em que permite o aproveitamento da
mão-de-obra, de acordo com as necessidades e demanda de serviços. Além disso,
“o banco de horas é sinônimo de mais trabalho e este esforço adicional pode gerar
tensão mental, especialmente porque o convívio social é diminuído, causando um
aumento do risco dos acidentes de trabalho”.84
Esta carga horária mais extensa pode, certamente, afetar a saúde física do
trabalhador, pois tal jornada pode se estender por semanas e meses. Por
conseqüência, o trabalhador fica cansado e pode cometer alguns acidentes, pondo
em risco a sua própria vida.
Se a análise do banco de horas for feita com uma visão mais ampliada, verse-á que este instituto tem um efeito social perverso. Ele comprime o mercado de
trabalho, explorando a mão-de-obra que já possui, sem ônus.
Salienta Dorneles sobre o banco de horas:
[...] longe de representar uma medida efetiva de combate ao
desemprego, constitui-se em um artifício para se possibilitar o
incremento da produtividade empresarial com menores custos, de
84
VIEIRA, Maria Margareth Garcia. A globalização e as relações de trabalho. Curitiba: Juruá, 2000, p.
107-108.
67
acordo com os novos paradigmas de organização produtiva flexíveis,
dispensando o pagamento das horas extras. 85
Nos casos de turnos ininterruptos de revezamento, a jornada pode, também,
ser ampliada para além das seis horas fixadas pela Constituição Federal em seu art.
7º, inciso XIV.
O indivíduo que trabalha na jornada de seis horas ininterruptas, mediante
revezamento dos empregados, ora de dia, ora de noite, tem uma desregulagem
completa no seu relógio biológico, o que resulta em danos à saúde. Além disso, esta
alternância de horários é obstáculo para outras ocupações, como estudar ou para o
próprio convívio social e familiar.
Carrion atenta que a jornada especial reduzida – seis horas – “não se aplica
aos turnos fixos, porque o sentido consagrado da expressão trabalho em
revezamento sempre implicou a permanente alteração em rodízio da prestação
laboral”.
86
A flexibilização da jornada reduzida, estipulada em seis horas diárias,
pode ser, entretanto, contornada por negociação coletiva, como autoriza a
Constituição Federal, e pelo uso do poder diretivo empresarial.
A instituição das férias anuais remuneradas tem como objetivo possibilitar ao
trabalhador um período de descanso, longe do seu ambiente de trabalho, para que
ele volte a se equilibrar tanto mentalmente como fisicamente.87
Gomes entende que este instituto das férias:
Não se trata, pois, de um prêmio, mas de um direito cujo exercício
vem assegurado pelo Estado por motivo de higiene social, atestado
pela ciência, no sentido de propiciar a necessária restauração do
equilíbrio orgânico e mental do trabalhador. Destarte, a pretensão de
se reduzirem as férias a quinze dias, por meio de uma norma coletiva
de trabalho, diferentemente do que prevê a lei, que estabelece um
85
DORNELES, Leandro do Amaral D. A transformação do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002,
p. 151.
86
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 22. ed. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 1997, p. 99.
87
GOMES, op.cit., p.106.
68
período corrido de trinta dias, sujeito apenas à conversão de um
terço em dinheiro, justamente para propiciar ao trabalhador meios
financeiros para, efetivamente, gozar as férias, implicará a anulação
desse direito, mediante o desvirtuamento de sua finalidade, sendo
manifesto o desrespeito a seu fundamento e à sua natureza
jurídica.88
O décimo terceiro salário, tem por objetivo proporcionar ao trabalhador, meios
financeiros de festejar com sua família as festas natalinas. Desse modo, não se
pode permitir a negociação coletiva tendente ao recebimento parcelado dessa
gratificação no decorrer do ano que precede as festas natalinas, em doze parcelas,
pois desse modo, estaria possibilitando manobras patronais para suplantar
majorações ou reajustes salariais, suprimindo o direito.89
Existem, também, várias formas infraconstitucionais de flexibilização, tais
como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), novo contrato por prazo
determinado, terceirização, cooperativas de trabalho, entre outras.
Pode-se afirmar que a grande flexibilização ocorrida no ordenamento jurídico
trabalhista brasileiro foi a troca da estabilidade no emprego pelo Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS), criado pela Lei nº 5.107 de 13 de setembro de 1966,
modificada pelo Decreto-Lei nº 20, de 14.09.66, regulamentados pelos Decretos nº
59.820 de 20.12.66 e 61.405 de 28.09.67, respectivamente. Atualmente, é regido
pela Lei 8.036 de 11.05.90, regulamentada pelo Decreto 99.684 de 08.11.90.90
A Constituição Federal de 1988 faz menção ao FGTS (Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço) no art. 7º, inciso III, como direito dos trabalhadores urbanos e
rurais. O FGTS resulta da contribuição compulsória por parte do empregador,
equivalente a 8% (oito por cento) da remuneração mensal do empregado, levada a
depósito numa conta vinculada, aberta em nome deste, junto à Caixa Econômica
Federal (art. 7º e 15 da Lei 8.036/90).
88
Idem, p.106.
RUSSOMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no Direito Brasileiro. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 377-378.
90
CUNHA, op. cit., p. 199.
89
69
O art. 7º, inciso I, da Constituição brasileira, autoriza, ainda, o legislador
ordinário a editar lei complementar em proteção à relação de emprego, prevendo
uma indenização compensatória, em caso de despedida arbitrária ou sem justa
causa, sem prejuízo de outros direitos. Entende-se que, com este inciso, o legislador
tenha tido a intenção de dificultar a despedida do empregado, tornando-a mais
onerosa, em vez de proibi-la, mesmo sendo arbitrária. De acordo com Arnaldo
Sussekind, “A Constituição Federal de 1988, por isso mesmo, prima pela efetividade
do trabalhador no emprego”.91
Antes da criação do instituto do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), a Consolidação das Leis de Trabalho assegurava em seu artigo 492:
Art. 492. O empregado que contar com mais de dez anos de serviço
na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de
falta grave ou circunstância de força maior, devidamente
comprovadas.
As empresas estrangeiras exigiram o fim da estabilidade porque a entendiam
prejudicial aos seus interesses de investimentos aqui no Brasil. E os militares da
época defenderam o fim desta garantia, fazendo apologia às conveniências da
política econômica, inclusive à necessidade de atração, para o território nacional, de
capitais privados estrangeiros.92
A partir deste momento, o regime jurídico do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS) passou a ser adotado pelas empresas como condição básica
para admissão do trabalhador. O empregado antigo também teve que adotá-lo sob
pena de perder o emprego.
Martins tece comentários sobre a natureza jurídica deste instituto:
91
SUSSEKIND, op. cit., p. 104-123.
RUSSOMANO, Mozart Victor. O empregado e o empregador no Direito Brasileiro. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 428.
92
70
[...] a natureza jurídica desse Fundo é, em relação ao trabalhador,
um modo de poupança forçada; já para o empregador, constitui
obrigação compulsória de recolhimento, porque a Constituição
Federal de 1988 o trata como uma contribuição social, nos termos do
seu art. 149, por tratar-se de uma contribuição de intervenção no
domínio econômico e de interesse das categorias profissionais,
principalmente.93
Outra modalidade infraconstitucional de flexibilização é a flexibilização
ocorrida no contrato de trabalho por prazo determinado que, até o advento da Lei
9.601, de 21 de janeiro de 1998, só era permitido para atender serviços de cuja
natureza ou transitoriedade justificasse a predeterminação do prazo, atividades
empresariais de caráter transitório e, em caso de contrato de experiência, nos
termos do art. 443, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Pela Lei 9.601, de 21 de janeiro de 1998, o ajuste do contrato por prazo
determinado só se dará por meio sindical, através de acordo ou convenção coletiva
de trabalho. Além disso, com esta lei, ampliou-se o prazo de contratação,
permitindo-se múltiplas prorrogações, até o limite de dois anos (§ 2º do art. 1º desta
Lei) e para os casos de rescisão antecipada, a indenização será aquela estabelecida
por negociação coletiva (§ 1º, do art. 1º da Lei).94
A referida Lei trouxe prejuízo aos trabalhadores. Admitiu-se a redução dos
depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), de 8% (oito por
cento) para 2% (dois por cento) da remuneração mensal, destinados à conta
vinculada do trabalhador. (inciso II, do art. 2º da Lei supra mencionada)95
Outro prejuízo ao trabalhador foi a desobrigação do empregador ao
pagamento da multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) e aviso prévio, ao término da relação de emprego. 96
93
MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000, p. 74.
DANTAS, Raimundo. Contrato de emprego por prazo determinado – a nova realidade. Revista
Síntese Trabalhista, v. 120, jun./99, p.33. Porto Alegre: Editora Síntese, 1999.
95
CUNHA, ob. cit., p. 236.
94
96
Idem.
71
A Consolidação das Leis do Trabalho impõe limites qualitativos para a
contratação a prazo certo. Já a Lei 9.601/98 traça parâmetros quantitativos, só
permitindo contratações da espécie até um certo número, segundo percentual
estabelecido no art. 3º da referida Lei.
Assim, essa lei reduz claramente as vantagens trabalhistas dos empregados,
margeando para a instabilidade e potencial perda do emprego sem maiores
empecilhos legais e ônus financeiros para o empregador.
2.4. A FLEXIBILIZAÇÃO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL
O mercado de trabalho passa, aos poucos, a ser orientado por trabalhadores
de núcleo ou de centro e periféricos. Aqueles, com tempo integral, fruindo de maior
segurança no emprego, perspectivas de carreira e portadores de vantagens
relativamente boas, enquanto os últimos, descartáveis, realizam serviços rotineiros,
não-especializados,
sem
oportunidades
de
ascender
profissionalmente,
submetendo-se toda essa categoria significativa a empregos por tempo determinado
e mesmo por tempo parcial.
Guerra esclarece:
Retorna, assim, com todo vigor, no final do século XX, a mais valia
absoluta, como forma mais adequada de obter ‘mais trabalho’, e
agora sem sofrer grande resistência por parte do movimento sindical,
pois os trabalhadores têm o ‘seu próprio negócio’, se confundem com
72
seus antigos patrões, com quem passaram a ter uma relação
‘puramente mercantil’.97
Nesse contexto, os sindicatos foram afetados substancialmente e se viram
engessados, sem capacidade de organização e de resposta que pudesse frenar o
avanço da reestruturação capitalista, in pejus, de precarização das condições de
trabalho.
Do ponto de vista das organizações empresariais, a globalização da
economia, a necessidade e a competitividade exigem que a própria empresa se
flexibilize. Assim, o trabalhador que se mantém produtivo no emprego, deixa de ser
tratado como de custo variável, descartável, executante de tarefas simples e
repetitivas. Diminuem, então, paulatinamente as elevadas diferenças de status que
antes eram proporcionadas por pesadas hierarquias.
Esse novo modelo organizacional tem focalizado a equipe como unidade
responsável pelo desempenho empresarial. O que importa é o conhecimento de
cada um, não mais o cargo, sendo assim determinada sua influência sobre os
demais, de tal forma que os empregados desse nível cultural e profissional mais
elevado têm sido cada vez mais chamados a participar da gestão, por meio de
comissões e grupos de trabalho, para, efetivamente, discutir metas, objetivos,
participações em produtividade e resultados e, em alguns casos, até com
participação acionária.
Diante da necessidade de participação do trabalhador, trazida por esse novo
modelo, deu-se ensejo a uma forma efetiva de democratização empresarial. Com
isso, a tutela legal do trabalho subordinado garantiu ao cidadão o direito de
participar, afastando-o, por conseguinte, da exclusão social.
Essa possibilidade de participação configura manifestamente o resgate da
cidadania, exercida por meio do acesso ao trabalho subordinado, sendo uma das
97
GUERRA FILHO, Georgeonor de Souza Franco (Org.). Presente e futuro das relações de trabalho.
São Paulo: LTr, 2000, p. 78.
73
bandeiras da justiça econômica, haja vista que o Direito ao Trabalho está
intimamente ligado ao direito de ganhar.
O processo produtivo fragmenta-se, repassando para outras empresas partes
do processo, sem perder o domínio sobre o produto final – operando-se a
descentralização produtiva.
O sistema produtivo se renova. Transfere-se o grosso do serviço para outras
empresas muitas vezes situadas em regiões geográficas em que o trabalho é menos
especializado, menos remunerado e menos organizado em termos sindicais,
condições propícias à oferta de um produto mais barato.
Chesnais afirma que:
[...] os grupos industriais tendem a se reorganizar como ‘empresarede’. As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se de
complexas modalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes
grupos a reconciliar a centralização do capital e a descentralização
das operações, explorando as possibilidades proporcionais pela
teleinformática e pela automatização.98
Um quadro funcional enxuto é composto de trabalhadores de núcleo,
especializados e trabalhadores periféricos, não especializados.
Para os trabalhadores, especialmente os não especializados, o que se
pretende é restringir-lhes a proteção “mediante o afrouxamento das legislações
trabalhistas e das leis sociais”, culminando numa maior liberdade para contratações
e dispensas, diminuindo, dessarte, ainda mais os custos da produção.
Ao racionalizar os custos do trabalho e acelerar a produtividade, a automação
gera um grande excedente de mão-de-obra. Então, o trabalhador da pósmodernidade se vê numa verdadeira encruzilhada: os não qualificados são expulsos
98
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Tradução de Silvana Finzi Foá. São Paulo:
Xamã, 1996, p. 33.
74
do mercado de trabalho e os que se qualificarem não têm a mínima garantia
assegurada de ingressar neste comprimido espaço.
Oliveira entende que a chamada flexibilização das normas trabalhistas
equivale a:
Ajustar as leis a uma nova ordem de produção, de maneira a fazer
com que essa legislação atenda concretamente os anseios sociais
propiciando o incremento da geração de emprego, sem, contudo,
deixar de atender os princípios constitucionais maiores.99
Importante é que haja uma adaptação das normas e da política do trabalho às
realidades nacionais e que as normas sejam efetivamente cumpridas, incentivando o
desenvolvimento econômico para que se tenha um progresso nacional.
A flexibilização deve ocorrer verificando-se sempre se os princípios
constitucionais atualmente vigentes estão sendo respeitados. Pois se assim não for,
estará ocorrendo a sobreposição dos interesses econômicos sobre os sociais,
resultado contrário dos objetivos perseguidos pelo Estado Democrático de Direito.
O mercado de trabalho, no Brasil e no mundo, compreende, guardando as
devidas proporções, três modelos de relação de trabalho: a) o modelo típico, que
congrega os trabalhadores do setor formal da economia e cujos atributos essenciais
da relação de trabalho são o contrato de duração indeterminada, a jornada de tempo
completo, a vinculação a um único empregador e a proteção contra a dispensa
desmotivada; b) o modelo quase-típico, que abrange os trabalhadores de empresas
subcontratadas mediante a terceirização, tendo, regra geral, salários e condições de
trabalho muito mais precários do que os trabalhadores contratados no modelo típico;
e c) o modelo atípico, ou o modelo dos excluídos, concernente aos subempregados
no setor informal da economia. Os desempregados, enquanto excluídos, também se
inserem neste último modelo. O slogan dos direitos sociais propõe-se a rever o
99
OLIVEIRA, Lourival José de. Os princípios do Direito do Trabalho frente ao avanço tecnológico. In:
Argumentum – Revista de Direito: Unimar. Marília, n. 2, 2002, p. 87.
75
“modelo típico de relação de trabalho”. Empresas flexíveis exigem um mercado de
trabalho igualmente flexível.
Segundo o Prof. Lampreia:
No Brasil, durante a década de 90, e, mais acentuadamente nos
anos mais recentes, houve grande aumento do grau de informalidade
das relações de trabalho. Houve, também, significativo aumento do
número de trabalhadores por conta própria, como o caso do
comércio ambulante, cujo grau de competitividade não se compara a
nenhum setor econômico. Importante esclarecer que o emprego no
setor informal significa que o contrato do trabalho se dá à margem da
legislação trabalhista, podendo, portanto, ser rompido mais
facilmente; ao mesmo tempo, o trabalhador não tem assegurado os
direitos sociais previstos naquela legislação nem os benefícios
vinculados à Previdência Social.100
O Professor Lampreia, fala sobre um dos determinantes do aumento do setor
informal da economia. Segundo relatório do governo federal, “é o descrédito do
empresariado no poder de fiscalização do Estado”. Nos termos da Constituição
Liberal, a realidade brasileira atual demonstra, ao mesmo tempo, “evidente
fragilização
das
relações
trabalhistas”
e
o
“decorrente
agravamento
das
características da pobreza”.101
Silva descreve as diversas formas de trabalho flexíveis:
Dentre as diversas formas de trabalho mais flexíveis e distintas do
modelo típico, propugnam-se como hipóteses atípicas: 1- O contrato
de trabalho de duração determinada e desmotivado, nos moldes do
contrato temporário de trabalho introduzido no Brasil por iniciativa do
Poder Executivo, e o contrato de trabalho temporário; 2- o chamado
trabalho “extranumerário”, em contrato de trabalho em tempo parcial
e o contrato de trabalho a ser executado em dias alternados da
semana (exemplos em contraste com a jornada de tempo complexo);
3- a disseminação do trabalho eventual e o incentivo ao
fortalecimento do sistema de sociedades cooperativas (propostas em
dissonância com a vinculação a um único empregador); e 4- a
abolição das formas do contrato de trabalho em domicílio em regime
de exploração familiar e do “teletrabalho”(iniciativas avessas à
100
LAMPREIA, Luiz Felipe. Relatório brasileiro sobre desenvolvimento social. In: Estudos Avançados.
São Paulo: USP, v. 9, n. 24, maio/ago. 1995, p. 29.
101
LAMPREIA, Luiz Felipe. Relatório brasileiro sobre desenvolvimento social. In: Estudos Avançados.
São Paulo: USP, v. 9, n. 24, maio/ago. 1995, p. 29-30.
76
proteção contra a dispensa desmotivada e aos gastos empresariais
com pessoal).102
A Consolidação das Leis do Trabalho em seu art 224, § 1º, “considera-se
extranumerário o empregado não efetivo, candidato à efetivação que se apresentar
normalmente
ao
serviço,
embora
só trabalhe
quando for necessário.
O
“extranumerário” só receberá os dias de trabalho efetivo”. Além disso, a mesma
define em seu art. 442, § único, a relação de trabalho da sociedade de cooperativa:
“Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe
vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre esses e os tomadores
de serviço daquela”.
Silva acrescenta:
A Constituição Federal de 1988 é muito clara quando inclui a
atividade legislativa em matéria de direito social (inclusive a previsão
de flexibilidade negocial) com o intento de promover a melhoria da
condição de vida do trabalhador (artigo 7º, caput), não se pode
deixar de constatar o vício de inconstitucionalidade material de que
padece a lei do contrato temporário de trabalho, haja vista a sua falsa
justificação no plano dos fatos. Com efeito, sem outro propósito
senão “reduzir direitos trabalhistas e eliminar quaisquer garantias no
emprego”, a lei do contrato temporário não possui talento para
enfrentar o problema do desemprego.103
Pastore entende que:
Em razão da dinâmica da economia a flexibilidade acaba sendo
apontada como verdadeira panacéia para todos os males da
empresa e também para certos males sociais como o desemprego.
Tanto é assim que se costuma divulgar que, “quando as relações
trabalhistas dependem muito da legislação, as adaptações são
lentas, as empresas perdem a competição e os trabalhadores ficam
sem emprego”.104
102
SILVA, Reinaldo Pereira. O mercado de trabalho humano: a globalização econômica, as políticas
neoliberais e a flexibilidade dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr, 1998, p. 79-80.
103
SILVA, Reinaldo Pereira. O mercado de trabalho humano: a globalização econômica, as políticas
neoliberais e a flexibilidade dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr, 1998. p. 81.
104
PASTORE, José. Flexibilização dos mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr,
1994, p. 14.
77
A defesa da flexibilidade dos direitos sociais é também exigência de um ajuste
empresarial mais eficiente e mais justo com relação aos trabalhadores em geral, pois
pretende favorecer, “eqüitativamente”, também aqueles hoje não protegidos. E não
se trata do emprego de uma pretensa crise para impor a lei do mais forte.105
Alguns estudiosos acham que as normas trabalhistas protegem em excesso
os trabalhadores, dificultando tanto a adaptação das empresas às exigências do
mercado internacionalizado e aos câmbios tecnológicos, quanto a criação de novos
postos de ocupação. Contraditoriamente, sustenta-se que essas mesmas normas
asseguram modestíssima proteção, dado o número cada vez maior de trabalhadores
que se encontram à margem da sua incidência.
Robortella entende que:
[...] “se a moderação da proteção ao emprego e o advento de formas
atípicas, como expressão jurídica da flexibilidade, puderem ensejar
maior distribuição de postos de trabalho, não se pode descartá-los
de plano, ao argumento de que constituem um retrocesso ou uma
involução da técnica trabalhista”. 106
Pastore comenta as mudanças que estão acontecendo com o surgimento da
flexibilização, inclusive no campo empresarial:
[...] ninguém detém os movimentos de capitais. ... No campo da mãode-obra, eles procuram baixo custo, alta qualidade e, sobretudo, a
mais ampla flexibilidade para contratar, descontratar e remunerar a
força de trabalho. Para evitar sua fuga, os países desenvolvidos
estão sendo obrigados a promover inúmeras mudanças para
proteger os capitais. Os capitais só ficam no seu país de origem na
medida em que os mercados de trabalho garantam as condições de
flexibilidade demandadas para a corrida tecnológica e pelo aumento
da competição. Do contrário, eles voam mesmo.107
105
MOLINA apud SILVA, Reinaldo Pereira. O mercado de trabalho humano: a globalização
econômica, as políticas neoliberais e a flexibilidade dos direitos sociais no Brasil. São Paulo: LTr,
1998. p. 83
106
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno Direito doTrabalho. São Paulo: LTr. 1994, p. 101.
107
PASTORE, op. cit., p. 402-403.
78
Necessário redefinir os requisitos da relação de emprego, que se encontram
nos artigos 2º e 3º da CLT, tais como: trabalho prestado por uma pessoa física; de
forma não-eventual; com pessoalidade; mediante subordinação e, recebimento de
salário.
Quanto ao requisito da não-eventualidade, como nos casos dos contratos
com cláusula de intermitência, a sua amplitude deve ser aumentada. Esta cláusula
prevê o revezamento de períodos de trabalho e de inatividade, sendo o empregado
retribuído em função do tempo e volume de trabalho efetivamente prestado.
Com relação à prestação intuitu personae do empregado, o conceito deve ser
flexibilizado para alcançar os casos job-sharing - partilha de emprego. É a repartição
de um posto de trabalho a tempo completo e de um só salário por dois ou mais
trabalhadores, que dividem tarefas, responsabilidades e benefícios sociais segundo
um cálculo proporcional.
Também ocorrem modificações no requisito salário. Uma mudança é que a
regra geral de pagamento por tempo à disposição passa a ser exceção e a antiga
exceção de forma de pagamento por unidade de obra ou tarefa transforma-se em
regra. Outra alteração significativa atinge o caráter de persistência do salário em
situações em que não há trabalho por motivos independentes da vontade do
empregado. O vínculo empregatício continua existindo.
A hierarquia e a fiscalização que antes eram rígidas, hoje, no quadrante da
produção flexível, são vistas muitas vezes à distância, como é caso do tele trabalho.
Além dessas modificações, o operador do Direito do Trabalho, para averiguar
a existência da relação empregatícia tem de observar o requisito da alteridade, ou
seja, a relação de emprego deve se caracterizar pelo trabalho prestado por conta
alheia. É a força de trabalho de uma pessoa para outra, mediante retribuição.
Katz analisa o processo de flexibilização trabalhista, afirmando que tal
processo tem como objetivo reforçar o exército de desempregados e desvalorizar a
79
força de trabalho, pela atomização da classe operária, aumentando o controle do
capital sobre o processo de trabalho. Esta estratégia faz parte das metas das
corporações ou da organização patronal e pouco tem a ver, segundo o autor, com a
inovação tecnológica.108
Já Malhadas conceitua positivamente este fenômeno da flexibilização:
Flexibilização, no Direito do Trabalho, significa a possibilidade de as
partes – trabalhador e empresa – estabelecerem, diretamente ou
através de suas entidades sindicais, a regulamentação de suas
relações sem total subordinação ao Estado, procurando regulá-las na
forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando-se
recíprocas concessões.109
Entretanto, mais uma vez, ressalta-se que sempre se deve utilizar a
Constituição Federal Brasileira como guia maior, por atribuir a importância devida à
valorização do trabalho humano e por assegurar não só direitos trabalhistas (arts. 7º
a 11º) mas direito ao trabalho (arts. 6º, 170 e 193), além de classificar a valorização
do trabalho humano como um fundamento da República Federativa Brasileira (art.1º,
inciso IV).
2.5
FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO DIREITO
ALIENÍGENA
A doutrina sobre flexibilização do trabalho tem dado uma grande ênfase aos
países da Europa. De fato, nos últimos dez anos, eles deram passos decisivos
nesse campo.
108
KATZ, Cláudio. Sete teses sobre as novas tecnologias da informação. In: COGGIOLA, O.; KATZ,
C. Neoliberalismo ou crise do capital? São Paulo: Xamã, 1995b, p. 113.
109
MALHADAS, Julio Assunpção. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. São Paulo: LTr, 1991,
p. 143.
80
Na Europa, no "berço do Estado de Bem-Estar Social" haveria mais de 2
milhões de menores trabalhando, logo após a revogação da lei de 1919 que proibia
o trabalho de menores. A flexibilização trabalhista, ao mesmo tempo em que atrairia
os investimentos para a periferia, pressionaria o nível de vida dos trabalhadores
europeus e norte-americanos para baixo.110
A constatação da existência de níveis sociais e salariais baixos, no Terceiro
Mundo, torna inconsistentes as queixas patronais acerca dos "custos salariais" e
"excesso de gastos" da previdência social. O argumento empresarial de que a
desregulamentação trabalhista diminuiria o desemprego também é facilmente
refutado. A Espanha liderou a introdução da legislação flexível e tem 33% da força
de trabalho precarizada. Segundo Katz, a desocupação é estrutural, ocasionada pelo
baixo nível da produção e do consumo em relação à produtividade ou, em outras
palavras, ocasionada pela não absorção das inovações pelo capitalismo.111
Siqueira Neto salienta que:
[...] Na Europa Ocidental a flexibilização viabilizou-se com a
consagração da ampla liberdade de contratação coletiva assegurada
pelos respectivos ordenamentos jurídicos, devidamente sustentada
por legislações de garantia da liberdade sindical e da representação
de trabalhadores nos locais de trabalho, por amplo processo de
negociação setorial e por empresas e diversificados meios
voluntários de composição de conflitos de trabalho.112
Verifica-se, então, que nestes países ainda existe equilíbrio de forças entre o
capital e o trabalho, e a flexibilidade laboral tem sido usada com freqüência para
adaptar o Direito do Trabalho aos novos tempos.
Porém, a partir da análise da flexibilização dos direitos trabalhistas em alguns
países, poder-se-á perceber a conseqüência que tal medida acarreta no sistema das
relações de trabalho; tornam-se nítidos os métodos de exploração da mão-de-obra
110
KATZ, Cláudio. Tecnologia e capitalismo na década de 90. In: COGGIOLA, O.; KATZ, C.
Neoliberalismo ou crise do capital? São Paulo: Xamã, 1995a, p.228-229.
111
KATZ, 1995a, op.cit., p. 231.
112
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho.
Revista Direito Mackenzie. São Paulo: Mackenzie, n. 1, jan./jun. 2000. p. 53.
81
quebrando a supremacia do modelo clássico de emprego, tumultuando, assim, o
mundo do trabalho.
Nos Estados Unidos vige a doutrina do employment at will, desde 1.870
quando os tribunais estaduais adotaram a liberdade ampla do empregador na
fixação das condições do contrato de trabalho.
As limitações provêm da negociação coletiva ou da política adotada por
algumas empresas no trato dos empregados. O tomador de serviços possui
incontestáveis poderes para contratações, dispensas e fixação da duração do
trabalho, de acordo com suas necessidades. O empregado pode ser despedido por
justa causa e corte de pessoal por extrema necessidade, por negociação coletiva.
Quanto à organização empresarial, os acordos coletivos seguem suas
próprias regras no que tange à possibilidade de remoção de trabalhadores por
motivo de criação de novas unidades de produção e negociação dos limites
salariais.113
Aquino explica as alterações nas leis:
As leis do trabalho não são codificadas seguindo a tradição anglosaxônica. A Lei Wagner de 1.935 estabelece as normas de proteção
dos trabalhadores quanto à organização e negociação coletiva,
disciplinando as práticas desleais dos empregadores. Tal Lei passou
por alterações em 1.947 e 1.959, mas conservou seus princípios de
reconhecimento da dissimilaridade do poder de negociação entre os
empregados que não granjeiam liberdade de associação ou de
contratação, bem como declarando-se que os EUA têm por missão
eliminar as causas que obstruem o comércio, estimulando a prática
da negociação coletiva, assegurando-se aos trabalhadores a
organização em prol de um entendimento satisfatório, de mútua
proteção entre os parceiros sociais.114
113
BARROS JUNIOR, Cássio de Mesquita. Flexibilização do Direito do Trabalho. In: Revista LTr. São
Paulo, v. 59, n. 8, p. 59-08/1040. 1995.
114
AQUINO, Sonia Aparecida Menegaz Tomaz de. Flexibilização, desemprego e o Direito do
Trabalho. 1999. 254 f. (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999, p. 152.
82
A negociação coletiva nos Estados Unidos não é centralizada, mas firmada no
local e por empresas, estabelecimentos e até mesmo por departamentos.
Descentralizados assim, os acordos contratuais atingiram alto grau de flexibilização.
Pastore ressalta que:
De modo geral, o declínio da sindicalização americana foi
acompanhado por um aumento da produtividade e participação dos
trabalhadores. Hoje, os sindicatos estão sendo desafiados a ajudar
na preparação dos recursos humanos para um sistema de produção
que coloca mais ênfase na administração descentralizada, na
produção sob medida e no desenvolvimento da carreira pela via da
especialização.115
Aquele país, entretanto, apresenta conseqüências sociais negativas advindas
do seu sistema de relações de trabalho extremamente flexibilizado e em decorrência
da falta de legislação social, falta essa que contribui para a formação de
subproletariado urbano em muitas cidades americanas, onde têm surgido unidades
de produção não mecanizada, que se utilizam de trabalho manual em condições
precárias.
O Direito do Trabalho espanhol, por sua vez, revela uma importante
experiência em termos de flexibilização de direitos trabalhistas. Com seu Estatuto
dos Trabalhadores (Lei n. 8 de 10.03.80) tentou-se combater o desemprego. Embora
o modelo-tipo da relação de emprego fosse por tempo indeterminado (art. 15.1 do
Estatuto dos Trabalhadores), eram permitidas contratações excepcionais para
atender situações transitórias.116
Permitia-se, pois, o contrato parcial, trabalho em domicílio e contratação a
termo para pessoas idosas e jovens, aspirantes ao mercado de trabalho (arts. 12,
13.1, 17.3 do Estatuto dos Trabalhadores) e, ainda, a flexibilidade da jornada capaz
de ser reescalonada em módulos anuais (banco de horas).117
115
PASTORE, op. cit., p. 39-40.
CUNHA, op. cit., p. 163.
117
ROBOREDO apud CUNHA, op. cit., p. 163.
116
83
A partir de 1994, o contrato de trabalho por tempo determinado tornou-se
regra imperativa, surgindo o chamado sistema conjuntural de contratação a prazo,118
com as seguintes modalidades contratuais instituídas contrato eventual em razão da
produção; contrato para substituição de trabalhadores com direito à reserva do posto
de trabalho; contrato para lançamento de nova atividade; contrato de formação;
contrato de aprendizagem e outros da mesma natureza para a esfera pública,
conforme nova redação do art. 15 do Estatuto dos Trabalhadores.119
Por meio da Lei nº 14, de 01.06.94, foi alterado o art.43.1 do Estatuto dos
Trabalhadores, legalizando as contratações de trabalhadores por empresas de
trabalho temporário, antes só permitidas para estivadores.120
O afrouxamento da legislação do trabalho não surtiu os efeitos esperados.
Reduziram-se os custos dos encargos sociais, previdenciários e indenizatórios em
benefício dos empresários, mas nenhuma vantagem se obteve no terreno das
relações de trabalho. Os contratos temporários, de curta duração, fomentaram a
substituição continuada da força de trabalho e, além dessa alta rotatividade de mãode-obra, o consumo interno decaiu, as empresas deixaram de investir em
aperfeiçoamento profissional e a situação se agravou ainda mais.
Conforme dados divulgados em veículo eletrônico, o índice de desemprego
na Espanha alcançou mais de dois milhões de trabalhadores, equivalente a quase
13% (treze por cento) da população economicamente ativa. É o maior índice de
desocupação da União Européia (7,8%).121
Pelo Decreto-lei nº 8 e nº 9 de 16.05.97, a Espanha abandonou a flexibilidade
maximizada. Restringiram-se os contratos a termo para períodos não inferiores a
seis meses e não superiores a dois anos. O estímulo de conversão dos contratos a
termo para prazo indeterminado alcançou até os contratos de aprendizagem, de
estagiários. Para os contratos em vigor, a migração para o novo sistema – prazo
118
VIEIRA, op. cit., p. 69-70.
CUNHA, op. cit., p. 164.
120
MARTINS, op. cit., p. 30.
121
Conforme dados divulgados pelo Jornal do Brasil de 12.11.01, versão
www.jonline.com.br, sob o título “Espanha tem mais de 2 milhões de desempregados”.
119
eletrônica,
84
indeterminado – a lei ofereceu redução de 40% (quarenta por cento) e até 50%
(cinqüenta por cento) das contribuições previdenciárias.122
Os experimentos de flexibilidade de direitos trabalhistas na Argentina iniciouse pela Lei nº 24.013/91 – Ley Nacional de Empleo, que objetivava a redução do
emprego informal, prevenção das dispensas coletivas e favorecimento do ingresso
de trabalhadores no mercado de trabalho.
Vieira ressalta que:
[...] as previsões legais para o novo modelo de contrato de trabalho
introduzido na Argentina através da Lei nº 24.013/91 buscavam, sob
o argumento de fomentar o emprego, tal qual acontece hoje no Brasil
com a Lei 9.601/98 possibilita essa forma de contratação apenas
para ampliação dos quadros de empregados nas empresas”.123
As Leis nº 24.465/95 e 24.467/95, editadas posteriormente, favorecem a
desregulamentação por ampliar as hipóteses de contratação por tempo determinado.
Acabou-se por fustigar a precariedade das relações de trabalho. As mulheres,
por exemplo, foram equiparadas aos trabalhadores incapacitados e, em prol do
ingresso e reinserção destes no mercado de trabalho, foi-lhes permitida a
contratação por tempo determinado, sem qualquer direito à indenização.
Em 1995 foi editada a Ley Pymes (Lei 24.467/95) que possibilita a
contratação a termo, sem necessidade de prévia negociação coletiva, em condições
favoráveis para as pequenas empresas.
Todas estas experiências vivenciadas pela Argentina tiveram como resultado
a precariedade, as condições socioeconômicas deploráveis, o aumento de
122
Ibid., p.112.
85
rotatividade de mão-de-obra e o desemprego, favorecendo a miséria e a exclusão
social.
Nos países que optaram pela flexibilização da legislação trabalhista, constatase a diminuição da massa salarial na renda nacional e conseqüente aumento de
renda e de riqueza em favor dos detentores do capital.
Adverte-se, porém, que a flexibilização dos direitos trabalhistas, embora seja
para alguns países uma destruição das conquistas sociais, para países
desenvolvidos, como é o caso de alguns países europeus, é uma solução para
modelar as relações de trabalho, idéia formada pelo fato de esses países europeus
terem a participação de atores sociais com maturidade cultural, política, econômica e
social, diferentemente dos países em desenvolvimento.
CAPÍTULO 3 – DO DISCURSO NEOLIBERAL E O PAPEL DA EMPRESA
3.1
DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS DENTRO DA EMPRESA.
Pode-se dizer que a empresa é, atualmente, o elemento central da economia
moderna. Atua como entidade econômica, por ser centro de produção ou de
circulação de bens, desenvolvendo uma verdadeira parceria entre capital e trabalho.
A empresa possui tal complexo de direitos e de obrigações que mereceu um
tratamento próprio no Código Civil. A empresa ganhou, então, novo conceito e nova
contextualização, surgindo um novo modo de produção.
Em artigo publicado em 1.943, intitulado “Perfis da empresa” e traduzido por
Fábio Konder Comparato, o jurista italiano Alberto Asquini considerou que a
empresa deveria ser, pela sua importância na realidade socioeconômica, examinada
não de modo linear, mas como fenômeno econômico que, no plano jurídico, teria
123
VIEIRA, op. cit., p. 77.
86
diversos perfis, como o perfil subjetivo (a empresa como empresário), o perfil
funcional (a empresa como atividade empresarial), o perfil objetivo (a empresa como
estabelecimento) e o perfil corporativo (a empresa como instituição).124
Segundo Coelho:
A atividade econômica organizada na empresa possui atualmente
quatro fatores de produção: capital, mão-de-obra, insumos e
tecnologia. Pode-se dizer que a atividade empresarial é considerada
como profissão voltada à atividade econômica organizada para a
produção ou circulação de bens ou serviços, sendo uma instituição
fundamental da ordem socioeconômica.125
Em vista disso, o trabalho, o desemprego e a forma de o homem produzir sua
vida também mudaram. Enquanto a empresa se fortalece e se transforma, o Estado
perde uma parte do seu poder em decorrência da falta de meios financeiros para
atender as necessidades da sociedade e/ou pela criação de grupos regionais de
comércio, como o Mercosul, o Nafta e a União Européia. Alguns doutrinadores
entendem que essa crise do Estado se dê em virtude da descentralização
administrativa e maior autonomia dada às regiões ou às federações que as
compõem.
No decorrer do século XX, empregados e executivos passaram a participar
mais ativamente da empresa, estabelecendo-se um certo equilíbrio de poderes entre
os acionistas controladores, minoritários, administradores e empregados.
A gestão empresarial assume novas características e, por meio de novas
técnicas de produção e robotização, mudam-se os níveis educacional, social e
econômico
dos
trabalhadores
das
empresas
mais
modernizadas
e,
conseqüentemente, suas relações com os detentores do capital.
124
ASQUINI, Alberto.“Perfis da empresa”, trad. Fábio Konder Comparato. In Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, ano XXXV, nº 104, outubrodezembro/1.966, p.109-126.
125
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.002. p.
87
As formas participativas ou co-gestionárias reduzem os poderes patronais
mediante repartição ou maior controle da gestão pelos trabalhadores. Democratizouse e flexibilizou-se a empresa, em virtude da pulverização do capital e do surgimento
de novas tecnologias.
A empresa não mais se identifica exclusivamente com o seu proprietário ou
controlador, mas também com seus diretores, executivos, técnicos e trabalhadores.
De tal fato decorre que o capital e o trabalho deixam de ser os únicos fatores de
produção, incluindo-se entre eles, o saber e a tecnologia que assegura a
produtividade da empresa. Nos tempos modernos, os fatores mais importantes de
crescimento econômico são a organização, o conhecimento e a tecnologia. Entendese que está ocorrendo uma reestruturação da empresa.
Segundo Robortella: “Cabe ao Direito do Trabalho não só proteger o
empregado, vinculado ao contrato clássico, mas também outras formas de trabalho
conhecidas como atípicas”.126
É criação do Direito alemão pós-guerra e foi adotada, parcialmente, também
pelo Direito Francês.127
E, por ser um elemento do poder social, proclamada nos mais modernos
documentos políticos, deriva da influência da organização da sociedade, com a
formação dos grupos que se manifestam e atuam em defesa de liberdades, como os
grupos que defendem a ecologia. Robortella afirma que essas formas de
organização da sociedade criaram o desejo de participação nas relações entre o
capital e o trabalho, no âmbito da empresa.128
Deve-se entender que esta participação dos trabalhadores parte de sua
condição de fornecedores de trabalho, não se confundindo com o acionariado. Os
empregados não adquirem ações da sociedade. Não se trata de ações de capital,
126
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Relações de trabalho na integração regional. In: Relações de
Trabalho na Integração Regional. São Paulo: Observador Legal, 2002, p. 126.
127
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5. ed. rev. e atual. de acordo com o novo
Código Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 232.
128
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 1994, p.271.
88
mas sim, da circunstância do trabalhador colocar sua força de trabalho no interesse
dos objetivos da empresa.
Grau lembra que:
No Brasil, a Constituição Federal em vigor consagra o regime de
mercado organizado, ao ter optado pelo tipo liberal do processo
econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir
abusos e preservar a livre concorrência de qualquer interferência,
quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à
formação do monopólio de lucros – mas sua posição corresponde à
do neoliberalismo ou social-liberalismo, com a defesa da livre
iniciativa.129
A Lei Maior assegura aos trabalhadores, a participação na gestão da empresa
no seu art. 7º, inciso XI. Assim, o trabalho é visto de modo valorizado, como
irradiação da própria dignidade humana.
Tem-se percebido que as empresas vêm utilizando de estratégias em vista da
maximização de resultados, investindo em capital humano, tendente à introdução de
novas formas de gestão. Pode-se dizer que a revolução tecnológica transformou o
setor produtivo, colocando o conhecimento do homem trabalhador no centro dos
interesses empresariais.
Os empresários estão redescobrindo o interesse pela pessoa do empregado
como elemento-chave da rentabilidade e competitividade da empresa, convencidos
de que sem sua cooperação e compromisso é impossível aumentar a produtividade
e melhorar a qualidade.130
A classe trabalhadora – mais qualificada – passa a se envolver na tomada de
decisões relativas à produção e, com isso, compromete-se com os interesses da
empresa e com os resultados objetivados. A polivalência e plurifuncionalidade dos
129
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 216.
89
trabalhadores passam a ser condições essenciais para introduzir e fomentar as
inovações tendentes a assegurar a produtividade e a rentabilidade da empresa.
Para se adequar as exigências neoliberais, as leis de mercado impuseram
outras formas de gerir e de organizar o trabalho, tal como a terceirização, sem a
preocupação maior voltada à valorização do trabalho e à dignidade da pessoa.
Gomes entende que:
Há necessidade de se democratizar a regularização das relações
individuais de trabalho, no âmbito das empresas, com a valorização
do trabalhador engajado nessas novas formas de organização
produtiva que dependem dos êxitos (e conseqüências) da crescente
expansão da informática e da telecomunicação. A efetiva
participação de trabalhadores na gestão da empresa, como vêm
exigindo as reestruturações produtivas, implica a democratização
empresarial, por propiciar o resgate da cidadania. Daí entende-se
que a dignidade do trabalhador está acima da ideologia neoliberal, da
globalização decorrente e do interesse em aumentar a eficiência
produtiva com a redução de custos. O trabalhador exercita sua
liberdade e inteligência em sintonia com o dinamismo que se exige
da sociedade pós-industrial, para alcançar não só a finalidade de
crescimento econômico e financeiro da empresa, da qual faz parte,
mas para manter a própria sobrevivência desta.131
Por fim, é dever do Estado, em parceria com a sociedade civil, implementar
sólidos programas de formação profissional, treinamento e requalificação da força de
trabalho para atender as novas exigências do mercado global. Trata-se, pois, de
investimentos a criarem necessárias qualificações para o trabalho.
De fato, o artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal atual, ao prescrever
que a propriedade atenderá sua função social, que a empresa, como expressão
econômica da livre iniciativa e da livre concorrência, tem também sua função social
(art. 170, III, da CF/88).
Para Barroso, a função social da empresa na articulação participativa da mãode-obra na gestão empresarial tornou-se princípio contido na Constituição Federal
130
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinariedade: o currículo integrado. Tradução
Cláudia Schilling. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 18.
131
GOMES, op. cit., p. 142.
90
de 1.988, em seus artigos 7º, inciso XI, na condição de direito social e, portanto,
direito fundamental.132
3.2
DAS FINALIDADES SOCIAIS DA EMPRESA
O tema “papel social das empresas” vem sendo amplamente discutido e
divulgado pela mídia no Brasil nos últimos anos. Entre os diversos fatores que
podem explicar a repentina valorização desse assunto no ambiente está o fato de
que, ao assumirem uma responsabilidade mais ampla sobre o conjunto da
sociedade, as empresas suprem necessidades comunitárias que até então não
estavam satisfatoriamente atendidas. Nesse sentido, pode-se afirmar que as ações
de responsabilidade das empresas representam uma das formas da iniciativa
privada atuar com finalidade pública.
Sabe-se que as empresas são agentes de transformações e suas atividades
provocam mudanças no meio em que atuam. É fundamental, portanto, para o
desenvolvimento da sociedade como um todo, que as empresas tenham consciência
do seu papel. Em vista disso, apesar de todas as dificuldades que enfrenta no seu
dia-a-dia, o empresariado nacional tem percebido sua função de protagonista no
contexto das mudanças sociais. Como o Estado não tem condições de oferecer
respostas tão ágeis e rápidas aos problemas da população como as empresas que,
em tempos de competitividade, estão aptas a atuarem com mais eficiência. Desse
modo, o setor privado vê a importância de sua participação no ambiente social,
promovendo uma verdadeira revolução cívica. É inegável, portanto, que a
organização empresarial, independentemente de qualquer ramo ou tamanho, pode
contribuir para melhoria da qualidade de vida, da promoção dos direitos humanos,
da divulgação do conhecimento e da cultura, e para a preservação do meio
ambiente. Enfim, a empresa deve lutar por um mundo melhor. Esse é papel da
empresa. Isso é cidadania empresarial.
132
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6ª ed. São Paulo: Saraiva,
2.004 apud ALMEIDA, Renato Rua de. A teoria da empresa e a regulação da relação de emprego no
contexto da empresa. In Revista do Advogado, ano XXV, junho/2005, nº 82, p.104 -113.
91
Cabe esclarecer que, nesse contexto, a palavra função se traduz em poderdever ou dever-poder. Importa salientar que, segundo Grau, “[...] não é a coisa
objeto da propriedade que tem a função, mas sim o titular da propriedade. Em outros
termos, quem cumpre ou deve cumprir a função social é o proprietário da coisa”.133
Grau entende a função social como mero poder de polícia, por meio da
imposição de limites negativos ao proprietário e configura-se como mera projeção
ideológica do Estado Liberal. Ela deve ser interpretada numa concepção positiva,
geradora de comportamentos positivos do proprietário.134
No mais, quanto à inclusão do princípio da garantia da propriedade
privada entre os princípios da ordem econômica, tem o condão de
não apenas afetá-los pela função social – canúbio entre os incisos II
e III do art. 170 – mas além disso, de subordinar o exercício dessa
propriedade aos ditames da justiça social e de transformar esse
mesmo exercício em instrumento para a realização do fim de
assegurar a todos existência digna.135
A empresa precisa, em primeiro lugar, inserir o sujeito no mercado,
assumindo, dessa forma, sua finalidade pública de inserção do direito ao trabalho.
Urge centralizar interesses no restabelecimento da primazia do trabalho como
expressão da dignidade da pessoa humana, jungida ao fortalecimento da concepção
institucional e comunitária de empresa, ou seja, a volta da tendência de
investimentos em recursos humanos que remete à valorização do trabalho, porque,
diante das regras de competitividade sem fronteiras, as empresas são obrigadas a
revisar e modificar os processos de produção e comercialização.
Gomes explica:
[...] O que se busca no âmbito empresarial é desenvolver o regime de
participação em que a valorização do trabalho se impõe, por força de
maior produtividade e competitividade no mercado global, a dispersar
133
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 9. ed.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 219.
134
Ibid., p. 220-221.
135
I GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 9. ed.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 223.
92
a esfera de produção, em face da velocidade das mudanças
científicas, tecnológicas e dos meios de informação.136
O incremento da concorrência comercial, decorrente dessa globalização, vem
exigindo maior produtividade, melhor qualidade de produtos e serviços, além da
redução dos custos.137
Sabe-se que o Estado é incapaz de oferecer soluções definitivas aos
problemas de desemprego, dentre outros que assola o país. Para suprir esta
deficiência, o Estado transfere sua função às empresas privadas pois devido ao seu
caráter institucional coloca-se, segundo Gomes, “como uma comunidade que
congrega empreendedores e empregados não só voltados aos interesses de cada
um, mas, e principalmente, à satisfação de interesses direcionados à promoção
social de toda a comunidade que dela depende direta e indiretamente”.138
A Constituição Federal Brasileira de 1.988 adota o sistema econômico
fundado na iniciativa privada e não só reconhece o direito de propriedade como
inscreve a propriedade privada e sua função social da propriedade como princípios
da ordem econômica, conforme art 170, II e III. Silva esclarece que os princípios da
ordem econômica são pré-ordenados, à vista da realização de um fim: assegurar a
todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. Provém daí a
assertiva de toda e qualquer propriedade privada, aí incluída aquela dos meios de
produção, só se legitimar se cumprir uma função dirigida à justiça social.139
No mundo globalizado, não se pode mais reservar unicamente ao Estado a
responsabilidade pela solução dos problemas sociais. É preciso que haja a
participação dos cidadãos para que a sociedade civil se sinta fortalecida.
É nesse contexto que se revela a importância do papel da empresa ao se
assumir como uma comunidade capaz de realizar plenamente sua destinação
econômica e social.
136
GOMES, op. cit., p.124.
SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito doTrabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 51-52.
138
GOMES, op. cit., p. 124.
137
93
Mesquita disserta que:
Deve, pois, acima dos interesses particulares dos que nela estão
integrados, predominar os interesses sociais, assim como o bem
comum da empresa deve subordinar-se ao bem comum de toda a
coletividade civil [...] A necessidade de se combinar o
desenvolvimento econômico dos povos e Nações com a
implementação, cada vez mais plena, dos direitos sociais, tem como
ponto central a empresa como verdadeira instituição social que assim
se transforma em um grupo constitucional e democrático, condição
necessária para se poder alcançar uma economia verdadeiramente
humana e justa.140
Não se pode deixar de considerar atualíssimas as lições do mestre italiano
Alberto Asquini, ao enfatizar que:
Na empresa como organização de pessoas, compreendendo o
empresário e os seus colaboradores, concentram-se todos os
elementos característicos da instituição; o fim comum, isto é, a
conquista de um resultado positivo, socialmente útil, que supera os
fins individuais do empresário (intermediação, lucro) e dos
empregados (salário); o poder ordenatório do empresário em relação
aos trabalhadores subordinados; a relação de cooperação entre
esses; a conseqüente formação de um ordenamento interno da
empresa, que confere às relações de trabalho, além do aspecto
contratual e patrimonial, um particular aspecto institucional [...].141
O fordismo manteve-se durante décadas. A produção em massa e em série
apoiava-se nas linhas de montagem, com o intuito de diminuir os períodos ociosos
da força de trabalho, nas diversas operações de transformação das matérias-primas.
Segundo Maria Margareth Garcia Vieira, nesse modelo “Há estrita separação entre o
trabalho braçal e intelectual; que serviu de paradigma para as grandes empresas do
século passado”.142
139
SILVA, José Afonso da. Propriedade dos meios de produção e propriedade socializada. In: Curso
de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 786.
140
MESQUITA, Luiz José. Direito Disciplinar do Trabalho. São Paulo: LTr, 1991, p. 25.
141
ASQUINI, op.cit, p. 123-124.
142
VIEIRA, op. cit., p. 52.
94
Gomes explica que uma das grandes causas da frgamentação e
diversificação dos mercados está no processo de globalização, que impôs a
desconcentração e a descentralização da produção.143
A Constituição Federal de 1.988 adota o sistema econômico, fundado na
iniciativa privada, ao reconhecer o direito de propriedade como um dos princípios da
ordem econômica. Por outro lado, estabelece que toda propriedade – inclusive a
empresa – não pode se afastar de sua função social, ou seja, assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social. Tanto é assim que Silva
observa - “A Constituição teve o objetivo maior de criar, no mínimo, um capitalismo
social, por meio da estruturação de uma ordem social intensamente preocupada com
a justiça social e a dignidade da pessoa humana”. 144
O trabalhador não pode estar a serviço de interesses econômicos de
empresas e pessoas físicas que só se preocupam com o aumento de lucros e a
redução de gastos. Porém há casos previstos na Lei Maior, art. &º, inciso I, em que
as leis de mercado são notadas por meio de decisões unilaterais como as
despedidas abusivas. Nesta situação, além deste ato privar o indivíduo de um
trabalho impede a empresa de cumprir sua função social. Outra situação ocorre
quando despede empregado que se encontra sob a proteção do instituto da
estabilidade provisória, como as gestantes, os dirigentes sindicais, dentre outros.
A livre iniciativa deve ser exercida por meio de conduta que atinja um fim,
sempre tomando por base a justiça social. Assim, a empresa deve se organizar para
formar uma comunidade de trabalhadores, de modo a relacionar a dignidade da
pessoa humana à liberdade de iniciativa, bem como à valorização do trabalho
humano.
Gomes conclui:
143
GOMES, op. cit., p. 131.
95
A atividade empresarial, nessa conjuntura, necessita muito mais da
colaboração econômico-social entre as partes envolvidas, patrão e
empregados, que manter a clássica relação de trabalho, voltada à
mera prestação de serviços, em vista de uma contraprestação
salarial que não leva em conta a dignidade da pessoa humana e os
valores sociais do trabalho, sem os quais nunca será possível
construir uma sociedade livre, justa e solidária.145
3.3
CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS
O tema “papel social da empresa” tem sido utilizado, reiterada e recentemente
no Brasil, tanto nos meios de comunicação quanto nos meios acadêmicos, ainda
que haja pouca convergência de opiniões sobre o conceito e sobre as formas
adequadas de avaliá-lo. Nesse enfoque, as obrigações vão mais longe e interagem
com vários outros conceitos, incluindo tributação, concorrência, emprego, meio
ambiente, etc. Em decorrência disso, algumas instituições procuram definir o
conceito social das empresas. De acordo com a FIESP/CIESP (Federação e Centro
das Indústrias do Estado de São Paulo), que, por seu Núcleo de Ação Social, forma
conceitos éticos que devem fazer parte do dia-a-dia das empresas associadas,
fornecedores e prestadores de serviços, “ter responsabilidade social é incorporar
valores éticos ao processo de decisões de negócios, cumprir a legislação e respeitar
as pessoas, as comunidades e o meio ambiente”.146
O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma associação
de empresas que pretende discutir meios de propagar a cidadania empresarial no
país e conta atualmente com mais de 240 associados. O Instituto afirma que a
empresa é socialmente responsável quando “vai além da obrigação de respeitar as
leis, pagar impostos e observar as condições adequadas de segurança e saúde dos
trabalhadores, e faz isso por acreditar que assim será uma empresa melhor e estará
contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa”. Contudo, o Instituto
não oferece uma extensiva definição do que seja a função social da empresa em
144
SILVA, José Afonso da. Dos meios de produção e propriedade socializada. In: Curso de Direito
Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 786.
145
GOMES, op. cit., p. 135.
96
termos conceituais e não fundamenta teoricamente a origem dos indicadores que
propõe.147
Atualmente, muitos consumidores preferem marcas e produtos envolvidos
com algum tipo de ação social, desde que esses tenham preço e qualidade
competitivos. Esta é uma forte constatação de que o consumidor começa a
desenvolver uma consciência social e cobrar mais das empresas, fazendo com que
criem uma nova postura, que é a de tornar-se uma empresa-cidadã.
Como foi visto, o conceito da função social da empresa é muito amplo
envolvendo dimensões econômicas, legais e éticas.
A dimensão econômica visa garantir a lucratividade, a sustentabilidade, o
impacto na geração de empregos e o aumento do nível de renda da comunidade. A
responsabilidade propicia condições ideais de trabalho para os seus colaboradores,
além de remuneração justa, capacitação profissional, realização pessoal e estímulo
ao diálogo e a participação no processo de tomada de decisões. A ética passa a se
constituir num atributo fundamental, tomando o interesse coletivo como a referência
maior na condução dos negócios.
Na dimensão legal, espera-se que a empresa cumpra com seus deveres de
tributação, encargos e regulamentações legais que regem o seu negócio. Um dos
instrumentos de política econômica, que tradicionalmente vem sendo acionado com
maior intensidade pelo governo federal, é a concessão de incentivo fiscal.Por meio
da desoneração tributária, o Estado procura atingir objetivos de desenvolvimento
econômico e social. É por meio da dedução do Imposto de renda, da diferenciação
das alíquotas do Imposto de Importação ou de isenções dos Impostos sobre
Produtos Industrializados, que a União tem permitido a redução das incertezas e dos
riscos privados, assim como dos custos e da implantação de determinados projetos
que visam a atingir, de maneira, mais eficaz, os objetivos de desenvolvimento do
País, geralmente colocados em planos ou programas governamentais.
146
147
Disponível em: <http://www.fiesp.org.br/foco/social/social.htm>. Acesso em 13 jun. 2004.
Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em 13 jun. 2004.
97
Esses incentivos fiscais podem ser percebidos pelas empresas como uma
forma indireta de uso de recursos próprios, principalmente quando têm origem em
impostos gerados por suas próprias organizações produtivas. Na realidade, esses
recursos precisam ser tratados como uma despesa implícita realizada pelo Estado.
Assim estes incentivos não devem ser vistos como uma doação ou transferência do
setor público para o privado, mas como instrumentos que visam a induzir os
empresários a direcionarem seus esforços para objetivos de relevante interesse
público ou como meio que dispões o Estado para aumentar as despesas de
investimentos em determinadas atividades, atribuindo à iniciativa privada a liderança
dos projetos em resposta aos incentivos concedidos.
O Estado tem o direito de se valer desta estratégia como forma de buscar
benefício para o desenvolvimento social da comunicada que administra. Entetanto,
para tanto, deve buscar também uma alternativa que vise a restaurar o equilíbrio
fiscal perdido, por meio de otimização da arrecadação, de forma que esta ocorra
pelo menos nos mesmos níveis da receita renunciada, no mesmo exercício e nos
dois seguintes, sob pena de o incentivo fiscal ser considerado ilegal.
Em se tratando de isenções de caráter geral, o seu cerne teleológico reside
na redução do preço final ao consumidor. Logo, se uma empresa é beneficiada com
um incentivo fiscal, pressupõe-se que o consumidor de seus produtos pagará menos
por estes, porque estarão desonerados, parcial ou totalmente, da carga tributária.
Ganha o consumidor, porque economiza; ganha a empresa, porque contabiliza
maiores lucros; ganham seus acionistas/cotistas, porque auferem maiores
dividendos; ganham os empregados, porque se fortalece o nível de oferta de
empregos diretos e indiretos; ganha a comunidade, porque produz a natural redução
das tensões sociais, como decorrência do incremento das atividades econômicas;
ganha o Estado, porque, se de um lado “perde arrecadação”(em decorrência dom
incentivo fiscal), de outro lado percebe receita tributária maior em decorrência do
incremento de vendas em escala mais elevada.
98
A renúncia fiscal tem o condão de incentivar o empresário a aplicar o seu
capital em atividade lucrativa de cunho empresarial. Logo, gera mais empregos
diretos e indiretos, ativa a economia, promove a comunidade e gera tributos para o
Estado.
Claro que sempre existirá o risco de manipulação perpetrada por empresários
individualistas. Por isso, defende-se a tese de que as empresas – todas as médias e
grandes empresas, inclusive aquelas que não foram beneficiadas com incentivos
fiscais – deveriam ser sensibilizadas a publicar anualmente o seu balanço social, por
se constituir num importante instrumento de gestão, que tem o poder de dar
transparência à performance financeira e econômica da empresa, em relação ao
cumprimento de sua função social. Não cremos que essa publicação deva ser
obrigatória, pois quando há uma imposição legal aumentam-se os riscos de se
apresentarem peças maquiadas, que nenhum valor têm. O mais adequado, embora
se reconheça ser mais difícil, é sensibilizar o empresariado para essa nova realidade
empresarial, pois não mais se admitem empresas de perfil tradicional, que pugnam
pelo lucro, pura e simplesmente.
Por meio da publicação de seu balanço social, uma empresa que revela estar
efetivamente comprometida com a preservação do meio ambiente, por exemplo, tem
mais condição de conquistar novos investidores e novos clientes sensíveis a essa
causa.
Mister se faz ressaltar que a empresa não deve cumprir tão somente a sua
função social, mas tem, uma responsabilidade social corporativa que não se limita
tão somente à instalação de creches para os filhos de seus funcionários ou oferecer
empregos para um contingente de profissionais portadores de deficiência física, por
exemplo. Na verdade, a responsabilidade social é uma atitude concreta que
ultrapassa a fronteira dos muros físicos da empresa, como forma de retribuição pelo
fato de ser brindada com a preferência de seus clientes, fornecedores, investidores e
comunidade.
99
Sabe-se que não é tarefa fácil compatibilizar interesses dos acionistas,
concorrência de mercado e responsabilidade social, porque muitas vezes ocorre um
notável conflito entre eles. O acionista cobra dos administradores das empresas a
maximização de seus dividendos; o consumidor exige a minimização dos preços dos
produtos e dos serviços; a sociedade clama por investimentos da empresa para ao
menos arrefecer os problemas sociais! A fórmula que muitas empresas têm adotado
para digerir, pelo menos parcialmente, esse imbróglio é a de não – assumir uma
postura de responsabilidade social, empregando crianças de tenra idade (e algumas
vezes em trabalho insalubre ou perigoso), poluindo o meio ambiente, criando
embaraços para a atuação de sindicatos, robotizando suas atividades sem se
preocupar com a reinserção de seus ex-funcionários no mercado de trabalho.
Diante desse quadro, é de se concluir que a concessão de incentivos fiscais é
apenas uma das inúmeras estratégias de que dispõe o Estado para dinamizar as
ações de responsabilidade social das empresas, uma vez que toda renúncia fiscal
contribui para com a redução do custo e, conseqüentemente, do preço de venda
final do produto ou serviço, fato esse que beneficia a comunidade como um todo,
direta e indiretamente. Mesmo que o incentivo fiscal não influencie a formação do
custo do produto, a comunidade como um todo também é beneficiada pela
concessão dos incentivos fiscais, porque, na pior das hipóteses, esse benefício
tributário irá resultar na ampliação da oferta do trabalho, na ativação da economia,
na geração de novos tributos, tudo isso concentrado no respeito à dignidade da
pessoa humana.
E, finalmente, na dimensão ética, busca-se fazer o que é certo, correto e
justo. Além dos projetos sociais, esta dimensão engloba programas de valorização
de talentos e qualidade de vida no trabalho, entre outros. A responsabilidade social
implica a preservação do meio ambiente, privilegiando a gestão de recursos com a
oferta de produtos não-agressivos à natureza, com a fabricação e a prestação de
serviços que respeitem efetivamente os interesses e as demandas dos
consumidores.
100
Atender a estas dimensões de maneira efetiva significa inserir a lógica da
responsabilidade social à gestão de negócios como um todo, integrando-a ao
planejamento estratégico da organização.
A responsabilidade deve estar associada a uma filosofia de negócios que
contempla aspectos que extrapolam a mera relação comercial e financeira das
empresas.
Assim, as empresas têm tomado consciência da interação entre seus
negócios e a sua imagem, na sociedade contemporânea, construída a partir de sua
ação socialmente responsável. O cerne não é apenas a divulgação do trabalho feito
em prol da comunidade, que deve ser realizado com competência, de modo a
estimular novas iniciativas e a posicionar a empresa ou entidade como socialmente
responsável, mas coloca-lá de forma transparente para a avaliação dos públicos de
interesse e da sociedade.
Em vista disso, as empresas precisam definir exatamente quais são seus
públicos de interesse e conhecer mais precisamente o perfil dos mesmos, de modo a
atender adequadamente às demandas e expectativas. Precisam, ainda, avaliar o
impacto que seus produtos e serviços e o seu próprio patrimônio físico (fábricas,
lojas, etc) provocam junto a esses públicos. Devem ter em mente uma perspectiva
de longo prazo, discutindo internamente os seus valores, princípios e a razão de sua
própria existência, ou seja, saber o papel que pretendem desempenhar no mercado
e na sociedade.
Constata-se, pelos estudos realizados, que as empresas no Brasil começam a
despertar para o seu papel social, buscando uma nova estratégia para potencializar
seu desenvolvimento, fortalecer sua imagem no mercado e aumentar seus lucros.
Para a sociedade, o grande ganho é a transparência da atuação de cada
empresa. Exemplo de empresa que se preocupa com e, a sociedade e ao mesmo
tempo, fortalece seus lucros é a Colgate-Palmolive.148
148
Disponível em:<http: www.colgate.com.br/app/Colgate/br> Acesso em 22 de fevereiro de 2006.
101
Possui um programa global - Sorriso Saudável, Futuro Brilhante, com
o propósito de proporcionar educação e melhoria na qualidade de
vida das crianças, ressaltando aspectos preventivos e práticos da
higiene bucal. No Brasil, desde 1995, quase 38 milhões de crianças
foram beneficiadas com este programa que atua em 27 estados
brasileiros, abrangendo de maneira eficaz escolas e comunidades de
cada região do País. O Programa é dividido em diversos subprojetos,
o que otimiza a cobertura do Sorriso Saudável, Futuro Brilhante e
atende crianças do país inteiro, até mesmo em comunidades
indígenas. O Sorriso Saudável, Futuro Brilhante distribui informações
sobre prevenção e manutenção da saúde bucal, além de prover
diagnósticos e tratamentos. O projeto visa a sensibilizar a criança
quanto aos cuidados com a saúde bucal, ensinando o uso adequado
da escova de dentes, creme dental e fio dental e a importância da
higienização bucal para a saúde. O ideal é que as crianças se tornem
agentes mirins e repassem o aprendizado para toda a família e
amigos. O projeto foi reconhecido pela OMS (Organização Mundial
da Saúde) e Associação Brasileira de Odontologia. Com o
reconhecimento da comunidade é vencedor do Prêmio Eco 99 –
Câmara Americana do Comércio e Top Social 2000 – Associação
dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil. As parcerias entre a
Colgate-Palmolive,
associações
odontológicas,
secretarias
educacionais e de saúde, prefeituras e entidades primam pela
qualidade de vida, conquistando resultados importantes na
propagação de informações sobre a higiene bucal. Este esforço
coletivo junto às atividades em congresso garantiram a entrega de 3
milhões e novecentos kits de produtos em eventos comunitários.
Pode-se dizer que essa empresa é socialmente responsável, pois, além da
obrigação de respeitar as leis, pagar impostos e observar as condições adequadas
de segurança e saúde dos trabalhadores, proporciona educação e melhoria na
qualidade de vida de pessoas, ressaltando aspectos preventivos e práticos da
higiene bucal.
Por meio de estudo realizado pelo IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, intitulado Pesquisa Ação Social das Empresas -, analisou-se a atuação
social das empresas privadas nas regiões Sudeste e Nordeste em 2.004. O estudo
considerou desde pequenas doações eventuais a pessoas ou instituições até
grandes projetos mais estruturados.pelas empresas. O resultado:
A pesquisa identificou que, de 1999 até o final de 2003, observou-se
um crescimento generalizado do percentual de empresas que atuam
na área social (por região, estado, porte e setor de atividade
econômica) e também revelou uma surpresa. No Sudeste, a atuação
102
social empresarial praticamente estagnou, crescendo apenas 6%; já
nos estados do Nordeste, há um expressivo crescimento do ativismo
social das empresas entre os anos de 1999 e 2003, cuja atuação foi
ampliada em 35%, passando de 55% em 1999 para 74% em 2003.
No Sudeste, esse incremento foi apenas de 67% para 71% no
mesmo período. Verificou-se que as ações sociais foram em sua
maioria voltadas ao combate à fome. Os resultados apontam que 100
mil empresas das duas regiões deram sua contribuição e a maior
parte delas (70%) doou alimentos. Pelos números, percebe-se na
atuação dos empresários nordestinos um maior envolvimento com a
causa já que as iniciativas de combate à fome aconteceram de
maneira mais homogênea e envolveram 31% das empresas. No
Sudeste, 28% colaboraram de alguma forma, mas o comportamento
variou conforme o setor de atividade, porte e Estado. 149
Constata-se, por esta pesquisa, que necessário se faz que as empresas, o
governo e a sociedade tenham consciência de que não há solução definitiva para os
problemas se não houver a cooperação de todos.
Não se pode deixar passar despercebido o fato de que muitas empresas
realizam ações sociais junto à comunidade, mas não consideram suas relações
internas de trabalho no mesmo nível, estabelecendo uma situação de trabalho semiescravo, exemplo este de processos que influenciam e alimentam a pobreza,
exclusão social e a fome no Brasil.
3.4
DA CONSTITUIÇÃO SOCIOECONÔMICA E SEUS PARADIGMAS
EMPRESARIAIS
Várias mudanças caracterizam uma revolução empresarial. As novas formas
de prestação de serviços, a presença feminina na fábrica, os novos hábitos e locais
de trabalho contribuíram para que o Estado fosse reconstruindo a sua atual forma de
participação na relação de trabalho. A empresa não mais se identifica
exclusivamente com o seu proprietário ou controlador, mas representa também a
sua diretoria, seus executivos, seus técnicos e seus trabalhadores. O capital e o
trabalho não são mais os únicos fatores de produção. Inclui-se nesses a tecnologia,
que garante a produtividade. Hoje, os fatores mais importantes do crescimento
econômico são a organização, o conhecimento e a aquisição da tecnologia. Houve
149
Disponível
em:
<http://jc.uol.com.br/2004/12/30/not_80396.php.
Crescimento
não
é
desenvolvimento//acaodacidadania.infolink.com.br/templates/acao/novo/publicacao/publicacao.asp?c
103
também a reestruturação da empresa e, por isso, deve ser reestruturado o direito
que incide sobre a empresa.
Em virtude da globalização, a função do empresário também mudou. Ele
precisa ser o líder de sua equipe, conhecedor da realidade do seu tempo,
organizador da produção e da comercialização, sabendo exatamente quais são os
interesses da empresa, dos seus empregados e das necessidades tanto do mercado
externo como interno.
O planejamento empresarial deve admitir a ocorrência de futuros desafios,
prevendo a necessidade de reciclagem contínua. Hoje, cabe adequar este
planejamento ao mundo externo que é marcado por uma nova fase surgida com o
desaparecimento das distâncias e com a presença marcante das multinacionais.
As próprias qualidades básicas do empresário sofreram modificações. Não
lhe basta ser racional e audacioso. Agora o empresário precisa ter intuição e
ponderação. Exige-se que seja administrador eficiente e hábil negociador,
dominando as técnicas da informação e da comunicação.
A evolução da empresa constitui um elemento básico para a compreensão do
mundo contemporâneo. A empresa passa a ser o quinto pilar do direito privado, ao
lado da propriedade, da família, do contrato e da responsabilidade, tornando-se o
centro da atividade econômica.
A atual passagem para uma economia global permite a emergência de um
conjunto ainda maior de novas empresas globais. Compra global, produção global e
vendas globais estão todas combinadas numa impecável cadeia global de
suprimento.
Diante dos avanços tecnológicos, da concorrência entre as empresas e da
busca pelo lucro, os empresários são impulsionados a construir uma nova empresa
od_Canal=6&cod_Publicacao=913 Acesso em 27 de março 2006.
104
adaptada a este novo cenário mundial em virtude de sua própria sobrevivência. São
mudanças exigidas para que elas se relacionem entre si e com a sociedade.
Surgem
novos
contextos
empresariais,
tais
como
terceirização,
quarteirização, o trabalho a domicílio, entre outros que trazem como conseqüências
a produção de postos de trabalho com baixos salários, quadro de demissões
crescentes, inclusive de trabalhadores mais experientes.
Além dos novos contextos empresariais, a nova organização empresarial tem
de ser eficiente. Hoje, a empresa faz parte de um ambiente “aberto” de organização,
ou seja, a empresa que não se adaptar ao novo ambiente surgido ou às mutações
desse ambiente onde está inserida perecerá. As que conseguirem acompanhar os
processos de transformação poderá sobreviver.
3.5
A DIFERENCIAÇÃO DO MODO DE PROCESSO DE FLEXIBILIZAÇÃO E A
DEMOCRACIA NA EMPRESA
Também tem havido exigência de que a flexibilização se faça acompanhar da
democracia na empresa. Se este entendimento não for o correto, pode-se pressupor
que o discurso da flexibilidade está voltado a fortalecer, nas relações de trabalho, a
ditadura do empregador, em detrimento dos direitos dos empregado.
A boa relação entre trabalhadores e empregadores é condição para que se
tenha a modernização da empresa. Um novo conceito de empresa, participativa e
preocupada com o homem é o que mais interessa no debate em torno dos direitos
sociais.
Uma empresa autoritária, que não é democrática, pode até tentar impor um
modelo de flexibilidade, conciliando o trabalhador com o trabalho, mas não será uma
solução para as contradições e, sim, uma nova manipulação.
O progresso econômico da sociedade cada vez mais depende da livre
iniciativa e, portanto, da empresa e dos empreendedores. Fica realçada a função
105
social da empresa com a valorização de suas atividades e iniciativas na
comunidade.
Em momento algum a exigência de democracia na empresa ingressa no
âmbito do sistema capitalista: a acumulação de capital. Se o trabalhador tivesse voz
sobre o objetivo e o desenvolvimento do processo de trabalho, a acumulação do
capital cessaria de ser a finalidade dominante da produção; ela seria contraposta a
outros objetivos, tais como a satisfação e o interesse pelo trabalho, sua utilidade, o
valor de uso dos produtos, o aumento de tempo livre, etc.
No Brasil falta um padrão de proteção social, como os valores da fraternidade,
liberdade e igualdade, o meio para combater-se a autofagia da sociedade capitalista
do final do milênio.
A luta pela manutenção do emprego, a grande reivindicação social da
atualidade, evidencia a completa ausência de fraternidade entre os indivíduos. É
preciso que seja criado algum mecanismo de proteção, como um sindicato para os
trabalhadores que realizam o trabalho de forma atípica e os desempregados, pois os
trabalhadores com carteiras assinadas já possuem um sindicato organizado por
categoria.
A Central Única dos Trabalhadores – CUT – visando a ampliar o número de
postos de trabalho nos “serviços rotineiros de produção”, defende a “jornada
contínua com redução da duração de trabalho”.150
Gomes tece comentários:
Esta proposta de redução de jornada reforça o modelo de produção
capitalista, pois incentiva o lucro das empresas. Ela deve estar
vinculada à idéia de construir uma nova sociedade com base no
tempo livre de cada trabalhador. Seria uma forma de proporcionar ao
trabalhador maior valorização da sua própria existência, da vida de
seus semelhantes e da cultura e não só uma iniciativa para criar
novos empregos. Mesmo sob o domínio da ideologia neoliberal, a
150
SILVA, op. cit., p. 104.
106
cidadania no Estado Democrático Brasileiro do século XXI pressupõe
uma participação política apta a fazer valer reivindicações, perante
os governantes, em sintonia com a evolução dos instrumentos
protetores dos direitos humanos que visam a garantir o
aprimoramento da ordem jurídica, voltada à formação de uma
sociedade cada vez mais livre, justa e solidária. Como a Constituição
é posta não apenas como limite, mas, sobretudo, como fundamento
da ordem jurídica, o processo de sua concretização depende da
capacidade de participação e controle dos cidadãos junto às
instituições políticas.151
A mesma autora observa que:
Ainda são poucos os resultados da adoção da concepção da
cidadania, no âmbito local, regional e global, diante da desigualdade
social, aliada à deficiente possibilidade de acesso ao ensino de
qualidade em seus diversos níveis, ou seja, do ensino básico e
fundamental até o ensino superior. Esses fatores sociais impedem o
exercício de uma cidadania ativa, nos moldes delineados por uma
sociedade que se diz democrática e participativa.152
Somente há uma década e meia, o Brasil ratificou os tratados internacionais
de proteção dos direitos humanos, tanto no âmbito global quanto no regional, depois
que o modelo de Estado Democrático de Direito veio a ser instaurado. Será que se
pode dizer que é por esse motivo que os governantes ainda não se conscientizaram
a respeito da necessidade de dar mais ênfase e efetividade aos direitos sociais já
consagrados?
Uma das possibilidades, por meio do diálogo e do debate, é trazer para o
centro dos interesses políticos da vida democrática – de forma concreta e menos
populista – a implementação dos direitos sociais, lembrando-se sempre do princípio
da fraternidade, e, assim, chegar a uma sociedade mais justa, mesmo ciente da
impossibilidade de se abolirem todas as desigualdades.
Gomes oferece em sua obra dados publicados pela Folha de São Paulo,
151
152
GOMES, op. cit., p. 149.
Idem, p. 150.
107
[...] a ONU (Organização das Nações Unidas) passou a estimular
ações das empresas contra a pobreza. Tem estabelecido metas,
desde o ano 2000, além de criar uma comissão de notáveis para
focar seu trabalho em ações e exemplos que estimulem o surgimento
de pequenos e médios empresários, traçando recomendações de
política macroeconômica, regras de comércio, idéias de legislação e
caminhos para atração de investimento estrangeiro direto. Essa ação
da ONU assinala um novo rumo para a entidade em direção ao setor
privado. Os problemas para o cumprimento das Metas do Milênio
ficaram evidentes nos números levantados pelo Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento). A redução da pobreza, por
exemplo, primeiro dos objetivos traçados, pouco avançou, salvo a
China que tirou 150 milhões da pobreza. A ONU, por meio de seus
dirigentes, percebeu que não se pode atingir as metas (do Milênio)
sem um setor privado forte em países em desenvolvimento, “para
criar empregos e construir prosperidade.153
Se todas as pessoas tiverem igualdade de oportunidades e os que não
possuem as mesmas condições que os mais favorecidos começarem a ter a mesma
oportunidade que aqueles, a comunidade é se beneficiaria com o resultado. Assim,
se as pessoas almejassem o bem comum, com certeza, ensejariam o crescimento
econômico pela diminuição das desigualdades.154
O que falta no Brasil é maior possibilidade de acesso à educação. Tal direito é
consagrado como fundamental pela Constituição Federal de 1.988 em seus artigos
23, inc. V; arts. 205 a 214, que prevêem o acesso à educação primária obrigatória e
gratuita. Só com a efetiva implementação desse direito, de forma satisfatória, haverá
a real possibilidade de se obter maior participação social no processo de tomada de
decisões que afetam o desenvolvimento do País.
Santos opina sobre este assunto:
Não se pode mais retardar a tomada de firmes posições
governamentais, no sentido de reorientar o gasto público para os
setores sociais. Devem ser consideradas como prioridades a
educação básica de qualidade, a construção de escolas, a formação
de professores de Primeiro e Segundo graus, a níveis satisfatórios,
153
154
Folha de São Paulo, 29 de julho de 2004, p. A 13 apud GOMES, op. cit., p. 154.
GOMES, op. cit., p.155.
108
além do desenvolvimento da pesquisa, para se produzirem
inovações necessárias em sintonia com os parâmetros da economia
mundial.155
As empresas devem ser colocadas em condições que estimulem a
competição econômica para a melhor satisfação das exigências do consumidor, e a
renda dos empregados deve depender dos resultados finais da produção dos lucros.
As empresas devem estar prontas a mudar tanto a área de sua atuação,
como o mercado no qual funcionam, o que exige do empresário moderno e de suas
equipes com agilidade e rapidez na obtenção e assimilação das informações, assim
como no procedimento decisório. Devido a essas exigências, as empresas são
obrigadas a se reorganizar para ter uma estrutura além de mais democrática e
participativa, eficiente e com poderes amplos de gestão.
Como já foi apresentado, é grande o número de empresas no Brasil que
começam a despertar para o seu papel social, buscando nova estratégia para
potencializar seu desenvolvimento, fortalecer sua imagem no mercado e aumentar
seus lucros, ainda que se observe pouco consenso sobre a definição do conceito do
papel social da empresa.
A sociedade civil vem assumindo uma clara posição ao enfrentar os
problemas sociais ao invés de deixá-los para o Estado. Impõe-se, desse modo, às
organizações empresariais uma transformação no processo de condução desses
temas, que assumem uma posição mais estratégica na medida em que afetam a
imagem corporativa. O povo parece estar mais predisposto a punir empresas que
não sejam socialmente responsáveis.
3.6
O
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTADO
NA
VALORIZAÇÃO
DO
TRABALHO HUMANO
155
SANTOS, Theotonio dos. Economia mundial, Integração regional e, desenvolvimento sustentável:
as novas tendências da economia mundial e a integração latino-americana. Petrópolis: Vozes, 1999,
p. 96.
109
Uma falha se detecta na atual teoria da empresa. Com vista à competição,
pouca importância é dada à localização do homem neste contexto empresarial.
Diante desta situação, o homem deve encontrar meios para retornar ao trabalho. O
homem tem de voltar a se sentir útil.
Conforme já afirmado, o avanço tecnológico é realmente um dos principais
fatores que contribuiu para as mudanças ocorridas no meio empresarial, e, por
conseqüência, também nas formas de prestação de trabalho. O trabalho, dentro da
nova reorganização produtiva, foi incorporado à atividade empresarial.
A constituição das redes de empresas, os controles exercidos através de
empresas financeiras sobre os países pobres, os acordos internacionais apoiados
por grandes organismos (Organização Mundial do Comércio) contribuíram para a
chamada “tendência de hierarquização do trabalho”, esclarecida por Ladislau
Dawbor:
Constatamos assim que o processo de avanço tecnológico sem as
transformações institucionais correspondentes, leva a uma nova
hierarquização do trabalho característica do subdesenvolvimento
tecnificado. No topo da pirâmide, o emprego nobre no setor formal,
com salários relativamente elevados e normas de trabalho
relativamente respeitadas, mas envolvendo um segmento minoritário
da população [...] Mais abaixo, o conjunto de atividades terceirizadas
mais ou menos instáveis, onde a precariedade leva a uma grande
insegurança, e gera um volume elevado de pequenas e médias
empresas de elevadíssima taxa de mortalidade. Em torno deste
espaço formal, desenvolve-se um amplo sistema de economia
informal, que hoje ocupa freqüentemente um terço da totalidade de
mão-de-obra, e onde os níveis salariais, respeito a normas de
trabalho e preservação ambiental são cada vez mais baixos.
Finalmente, uma massa hoje muito significativa da mão-de-obra opta
pela economia ilegal [...] como tem sido constatado, por exemplo,
desde as favelas do Rio de Janeiro até a produção popular de coca
na Colômbia [...].156
156
DAWBOR, Ladislau. O que aconteceu com o trabalho? Disponível em:
<http://ppbr.com/ld/actrab.asp.> Acesso em 23 set. 2004.
110
Para os empresários pós-fordistas, interessante é ter trabalhadores não
dependentes entre si. Hoje, o modelo de organização produtiva centralizada,
hierarquizada e fundado na distribuição rígida de tarefas cedeu lugar a um novo
modelo baseado no processo de coordenação horizontal e de exteriorização de
fases do ciclo produtivo.
Os trabalhadores do século XXI possuem um patrimônio de conhecimento, de
especialização profissional, que os torna capazes de fornecerem um resultado, um
serviço, sem a necessidade da rigorosa direção que tipifica o trabalho subordinado.
Esses trabalhadores necessitam coordenar-se de modo estável e continuado com as
empresas para desenvolver suas atividades pessoais.
Em face da reestruturação produtiva por que passam as economias, surge,
como significativa mudança no trabalho, o trabalho informal, que deixou de ser
marca dos países pobres e começou a penetrar nas economias mais desenvolvidas.
Pode-se considerar, nesse processo de reificação, que a mão-de-obra não
passa de mera mercadoria perante as leis de mercado. Acontece que a
informalidade é também um produto da modernidade em consonância com a
reorganização empresarial.
O trabalho informal é uma forma variável, descontínua e desburocratizada do
trabalho, como exige o atual modo organizacional de uma empresa moderna. Hoje,
pode-se dizer, que metade do mercado brasileiro remunerado, é composto por
trabalhadores nesta situação.
Diante de todas as transformações no mundo do trabalho, devidas à
reorganização empresarial, o trabalhador deve lutar para manter-se no emprego
frente à ideologia de que o mundo do trabalho foi feito para os fortes e não para os
fracos, entendendo-se como fortes aqueles que enfrentam as dificuldades
apresentadas e produzem dentro de uma certa perspectiva racional. Os fracos
seriam aqueles que se opõem a esse tipo de trabalho, criam espírito de corpo entre
os empregados, debatem as idéias, não primando assim pelo bem-estar da empresa
na sua luta pela concorrência. O trabalhador atual está sendo remunerado de acordo
com o seu desempenho, assim como os setores que mais faturam no mercado.
111
Desse modo, este medo que os trabalhadores sentem de perder o emprego
acaba fazendo-os perder direitos historicamente conquistados - descanso semanal
remunerado, férias, entre outros – dando lugar a doenças profissionais, sofrimento
do trabalhador, por conta de que o “espírito operário” estará preso à conservação do
emprego. Premido, assim, pelas circunstâncias, o trabalhador está se tornando cada
vez mais individualista, contribuindo para sua própria exploração.
Uma distinção importante, aparentemente simples, está associada à
relação entre desemprego e a falta de qualificação do trabalhador.
Segundo a educadora Azuete Fogaça, da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), existe de fato uma população de baixa
escolaridade que, na maioria dos casos, não apresenta qualificação
formal adequada para as funções e atividades produtivas que
eventualmente venham a exercer. No entanto, ela ressalta que
"políticas de qualificação profissional não são políticas de geração de
emprego". Já Remi Castioni, economista e consultor de programas e
projetos educacionais, é um pouco mais enfático. Para ele, essa
questão envolve um problema maior: "Em parte, esse discurso, “falta
de educação” subsidiou as explicações para responder à crise do
emprego. Os indivíduos foram nomeados como responsáveis por não
terem esse atributo - mais escolaridade - ao mesmo tempo em que
se tirou a responsabilidade da sociedade e do Estado e, por
conseqüência, da política econômica”.157
Ao que parece, o desenvolvimento tecnológico é considerado o verdadeiro
“culpado” pela perda dos postos de trabalho e exclusão dos trabalhadores com baixa
escolaridade. Realmente as máquinas têm ficado muito baratas e inteligentes e, as
empresas para manter-se na competição do mercado, utilizam-nas para produzir
cada vez mais com menos trabalhadores. No entanto, José Pastore diz que este
tema é controvertido, explicando:
A simples coincidência de avanços tecnológicos com aumento de
desemprego não é suficiente para se concluir que as inovações
tecnológicas são destruidoras de empregos. Tudo depende em que
ambiente elas caem. Quando são usadas para baixar os preços, criar
novos produtos, inventar processos e instigar a demanda por bens e
serviços, os benefícios são enormes. Quando caem no meio de uma
157
“Apenas
qualificação
não
garante
emprego”
<http://www.comciencia.com.br>. Acesso em 18 fevereiro 2005.
[s.n].
Disponível
no
site
112
população educada e de legislação trabalhista adequada, elas geram
muitos empregos.158
Não se pode tratar o avanço tecnológico como a grande causa do
desemprego e má valorização do trabalho que atinge os países menos
desenvolvidos, inclusive o Brasil, pois se assim fosse, os países desenvolvidos como
os Estados Unidos e Japão, por exemplo, apresentariam os mais altos índices de
desemprego. E, na realidade, o percentual de desemprego nestes países causa
inveja ao restante do mundo.
3.7 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES NO BRASIL –
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
No contexto brasileiro, nem todos os direitos do Título II da Constituição
Federal são materialmente fundamentais. O art. 5º, caput, da Constituição tem como
direitos fundamentais básicos: direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e
propriedade, que são considerados fundamentos de todos os outros direitos.
Torna-se necessária a concretização imediata desses direitos, que não pode
ser relegada pelo Estado, sendo a exeqüibilidade plena desses direitos uma barreira
jurídica para impedir que o Estado se converta em fim de si mesmo.
É neste cenário que se destaca o direito ao trabalho como meio de uma
existência digna: alimentação, moradia, vestuário e transporte. Juntamente com o
direito à saúde e à educação, o direito do trabalho constitui o núcleo fundamental
dos direitos econômicos sociais.
No que tange à dignidade da pessoa humana como valor fundamental da
ordem jurídica, não se pode aludir ao direito à vida sem o direito ao trabalho, porque
por meio deste último se obtêm as condições mínimas de uma existência digna.
158
PASTORE, José. “Flores, tecnologia e emprego- Publicado no Jornal da Tarde em 18/02/2004.
Disponível no site <http;// www.josé pastore.com.br/artigos>. Acesso em 18 fevereiro 2005.
113
Para que isso ocorra é preciso que o governo adote políticas públicas que
impulsionem o crescimento econômico com a finalidade de realçar a valorização do
trabalho como expressão da pessoa humana.
Existe um número enorme de trabalhadores que não detêm emprego fixo,
submetido a contratos temporários, entre outros. Muitos trabalhadores encontram-se
desempregados, acabando por se sujeitar ao trabalho informal, sem garantias legais.
Por isso necessário se faz buscar os meios para que haja a concretização dos
direitos fundamentais dos trabalhadores não só para proteger os empregados
vinculados ao contrato clássico, mas, também, para cuidar de todos os tipos de
trabalhadores, ameaçados pela competitividade decorrente da globalização.
Os direitos fundamentais sociais, que estão vinculados ao mínimo existencial,
passam a integrar o núcleo básico de todo ordenamento constitucional.
Embora o princípio da dignidade humana esteja vinculado ao pensamento
clássico, está também ligado ao pensamento cristão. Por isso, este princípio não é
uma criação puramente constitucional.
Reale salienta que “O homem é o valor fundamental, algo que vale por si
mesmo, identificando seu ser com sua valia. De todos os seres, só o homem é
capaz de valores, e as ciências dos homens são inseparáveis de estimativas”.159
Os movimentos políticos do final do século XIX, início do XX, transformaram o
velho e formal Estado de Direito num Estado Democrático, onde além da mera
submissão à lei deveria haver a submissão à vontade popular e aos fins propostos
pelos cidadãos.
Desse modo, o conceito de Estado democrático não é um conceito formal,
técnico, onde se dispõe um conjunto de regras relativas à escolha dos dirigentes
políticos. Daí, o entendimento do constitucionalista português Canotilho:
159
REALE apud GOMES, op.cit., p. 21.
114
Da mesma forma que o princípio do Estado de direito, também o
princípio democrático é um princípio jurídico-constitucional com
dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais. O
princípio democrático, constitucionalmente consagrado, é mais do
que um método ou técnica de os governados escolherem os
governantes. Como princípio normativo, considerado nos seus vários
aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, ele aspira a
tornar-se impulso dirigente de uma sociedade.160. (Grifos no
original)
A partir deste esclarecimento entende-se que a democracia é algo dinâmico,
em constante aperfeiçoamento, sendo válido dizer que nunca foi plenamente
alcançada. O Estado de Direito é o direito bem ordenado.
Utilizando-se, mais uma vez, do saber de Canotilho, agora juntamente com
Vital Moreira percebe-se que:
Este conceito é bastante complexo, e as suas duas componentes- ou
seja, a componente do Estado de direito e do Estado democrático –
não podem ser separadas uma da outra. O Estado de direito é
democrático e só sendo-o é que é de direito; o Estado democrático é
Estado de direito e só sendo-o é que é Estado de direito.161
O Estado Democrático de Direito surge regulado por meio de um sistema de
princípios e regras voltado a limitar e controlar o poder estatal, concretizando o
postulado da dignidade da pessoa humana. Tem como finalidade a busca constante
de uma interação expansionista dos valores da liberdade e da igualdade baseados
na dignidade humana. A democracia é o reconhecimento de uma igual dignidade em
todas as pessoas, individualmente, a ser acatada no convívio social.
O princípio da dignidade da pessoa humana é, então, um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito, tornando-se o elemento referencial para a
160
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional, 6ª ed. revista, Coimbra: Almedina,
1993, p.360 e 414.
161
Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª edição, Coimbra Ed., 1984, v. 1, p.73.
115
interpretação e aplicação das normas jurídicas, além de se tornar o epicentro do
grande elenco de direitos civis, políticos, econômicos e culturais. O ser humano não
pode ser tratado como um mero objeto, principalmente na condição de trabalhador,
ainda que muitas vezes o homem seja assim tratado quando está a serviço da
economia, servindo como apenas uma coisa que a faz se desenvolver.
Esse princípio acabou tornando-se um dos fundamentos da organização
nacional, mediante a adoção de instrumentos direcionados à realização de justiça
participativa. A participação ativa do cidadão concede uma qualidade a cada pessoa
de ter direito a ter direitos. Esta participação ativa passa a ser um dos fundamentos
da sociedade contemporânea organizada nos moldes do Estado Democrático de
Direito, que tem como objetivo fazer valer os direitos à pessoa humana.
3.8. ADOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PROPICIAR OS MEIOS DE
EXISTÊNCIA DIGNA AOS TRABALHADORES
O princípio da dignidade da pessoa humana como valor fundamental da
ordem jurídica é de suma importância, pois a vida tem valor mínimo se não existir o
direito ao trabalho, porque conforme proclamado na Encíclica Centesimus Annus,
escrita por João Paulo II, é por meio deste que o Homem vem obtendo as condições
mínimas de uma existência digna.
Mas a realidade brasileira mostra um número significativo de trabalhadores
que não têm esse direito ao trabalho, não possuem emprego fixo, se submetendo a
contratos precários, temporários, por prazo determinado, entre outras condições.
Além disso, grande parte da população ativa encontra-se desempregada, sujeitandose ao trabalho informal, sem as garantias legais.
Gomes apresenta importantes dados colhidos publicados em veículo
jornalístico: “No Brasil, segundo economistas, 2,118 milhões de pessoas
encontravam-se desempregadas nas seis regiões metropolitanas, conforme
pesquisa mensal de emprego do IBGE, de dezembro de 2.002. No mundo, 180
116
milhões é o número de desempregados, segundo estudo da OIT (Organização
Internacional do Trabalho)”.162
Ressalta a mesma autora que é oportuno destacar o índice de exclusão social
no Brasil, que é o mais recente dos muitos indicadores que se propõem a medir o
grau de desenvolvimento humano da população. Segundo uma matéria publicada
constatou-se que:
[...] 42% das cidades têm alta exclusão social, ou seja, dos 5.507
municípios presentes no Censo de 2.000, 42% registravam um alto
índice de exclusão social. De outro lado, apenas 200 municípios, que
somam 25% da população, possuíam índice considerado satisfatório
[...] Esses números flutuam em um quadro de extrema desigualdade
regional, por 86% dos municípios, com maior exclusão social,
estarem no Norte e no Nordeste [...]163.
Informa, ainda, a mesma índices de desemprego publicados na imprensa:
54 milhões de pessoas, no Brasil, ou seja, 32,1% da população,
vivem com menos de meio salário mínimo por mês, segundo dados
divulgados no dia 03.12.02, pelo IBGE e pelo Fundo de População
das Nações Unidas. O panorama da atualidade indica que, diante da
recessão que “freia o consumo”, a tendência é aumentar
drasticamente o índice de desemprego e a economia informal, sendo
certo que a General Motors, no dia 22.07.03, decidiu demitir 450
trabalhadores, e a Volkswagen anunciou que 3.933 de seus
empregados no país estão ociosos.164
A necessidade de uma política governamental que atue diretamente sobre o
mercado de trabalho, visando maximizar a oferta de emprego, dada a restrição
macroeconômica e o contexto institucional (salário-mínimo, relações capital-trabalho,
etc.), foi uma tendência em todo o mundo desenvolvido a partir da década passada,
e nos países periféricos nos anos 90. Essa política estruturou-se no que se
convencionou denominar de Sistema Público de Emprego, que associa assistência
ao desempregado, intermediação, formação e reciclagem profissional.
162
Tais índices estão publicados na Folha de S. Paulo, de 16.02.03, p. B 6, sob o título “Lula enfrenta
maior desemprego da história” apud GOMES, op. cit.,p. 215.
163
Folha de S. Paulo, 23.01.03, p. A 7 apud GOMES, op. cit., p. 215.
164
Folha de S. Paulo, 23.07.03, p. B 1. apud GOMES, ob. Cit. p. 215.
117
As primeiras medidas de combate ao desemprego deram-se através do
Sistema Nacional de Emprego - SINE (1970) e do Seguro-Desemprego, bem como
dos primeiros programas de geração de emprego e renda estabelecidos por
iniciativas de instituições internacionais. Mas é, precisamente, a partir de 1994 que
vem sendo realizada uma ação efetiva de âmbito nacional, coordenada pelo
Ministério do Trabalho em quatro principais programas: 1) Seguro-Desemprego; 2)
Intermediação da Mão-de-Obra; 3) Qualificação Profissional e 4) Programa de
Geração e Renda.
Em fevereiro de 1986, por ocasião do lançamento do Plano Cruzado, foi
instituído um Programa de Seguro-Desemprego. Tratava-se de medida há muito
reclamada, em face da extrema precariedade do auxílio-desemprego vigente e da
necessidade de complementar o sistema de proteção social do país com um
mecanismo de proteção financeira ao trabalhador no momento do desemprego.165
Azeredo e Ramos fazem alguns apontamentos de extrema importância sobre o
Programa Seguro-Desemprego:
A Lei n 7 998, de janeiro de 1990, representou um avanço
significativo em relação ao antigo programa de seguro-desemprego.
Os novos critérios de acesso ao benefício permitiram um significativo
aumento da cobertura do programa, que passou de 16% para 43%
dos desligados no mercado de trabalho formal. As mudanças
efetuadas no valor dos benefícios, por sua vez, tiveram por objetivo
principal favorecer os trabalhadores de mais baixa renda, que são
aqueles, tradicionalmente, com maior instabilidade no mercado de
trabalho e os primeiros a serem atingidos nas fases de recessão.
Enquanto o antigo programa pagava, para os que recebiam até três
salários-mínimos, apenas a metade do último salário, as novas
regras possibilitaram um benefício de cerca de 80% do último salário.
Já aqueles que recebiam entre três e cinco salários-mínimos, cujo
benefício era de 1,5 salário-mínimo, passaram a ter direito a um
seguro de, pelo menos, 68% do seu salário.166
165
AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e
desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso em 17.04.06.
118
A nova lei do seguro-desemprego, não se restringiu somente em dar
assistência financeira ao trabalhador desempregado. Incluiu outras funções, tais
como: a ajuda na recolocação do trabalhador no mercado de trabalho e a sua
reciclagem profissional.
Azeredo e Ramos analisa esta situação:
Dessa forma, o seguro revestiu-se de um caráter mais amplo,
possibilitando um avanço na direção de um sistema público de
emprego, nos moldes das experiências dos países desenvolvidos,
nos quais conjugam-se políticas ativas e passivas voltadas para o
mercado de trabalho. Quanto à forma de financiamento, a lei do
seguro-desemprego inovou ao criar o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT), integrado, principalmente, pela arrecadação do
PIS-PASEP. De acordo com a Constituição, 40% dos recursos são
transferidos ao BNDES, que pode aplicar, também, os recursos que
não são utilizados de imediato no custeio do seguro-desemprego e
do abono salarial. O BNDES, por sua vez, tem por obrigação a
garantia da remuneração mínima prevista em lei, a transferência ao
FAT dos rendimentos das aplicações dos recursos, bem como, em
caso de necessidade para o custeio do programa de segurodesemprego e do abono salarial, a devolução de parcelas dos saldos
de recursos transferidos ao banco.167
Essa forma de financiamento representa uma clara distinção em relação aos
países desenvolvidos, cujos programas de seguro-desemprego são tradicionalmente
financiados por receitas orçamentárias, na maior parte das vezes provenientes de
contribuições sobre a folha de salários. Com o FAT, o seguro passa a ser financiado
com receitas provenientes, principalmente, do faturamento das empresas, e por um
instrumento claramente compensatório face aos movimentos cíclicos da economia.
Nos anos de elevado nível de atividade, o fundo tende a crescer, com o aumento
das aplicações, em virtude do incremento da arrecadação do PIS-PASEP e da
diminuição do desemprego, minimizando os desembolsos para atender aos
desempregados. Já nos anos de retração cíclica, a maior acumulação observada
nos períodos de auge permite atender aos desempregados, cujo número cresce face
ao declínio da atividade econômica. Em resumo, o seguro deixa de estar atrelado às
receitas correntes do governo e pode ser ampliado e aperfeiçoado a partir do retorno
166
AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e
desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso em 17 abril 2006.
119
das aplicações dos recursos. 168
A nova lei criou o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(CODEFAT), que segundo Azeredo e Ramos é: “órgão de representação tripartite e
paritária, tem amplas funções relativas ao seguro-desemprego e à destinação dos
recursos, possibilitando o controle social dos recursos que integram o FAT,
arrecadados pelas empresas, pagos por toda a população, e considerados
patrimônio dos trabalhadores”.169
Conclui-se, a partir de dados ofertados por Azeredo e Ramos que:
A evolução do Programa de Seguro-Desemprego nestes cinco anos,
após a promulgação da lei que instituiu o FAT, apresenta avanços
significativos em termos dos benefícios pagos e, principalmente, do
volume de trabalha-dores beneficiados. Neste período, foram
promovidas sucessivas mudanças nos critérios de acesso ao
programa, permitindo um aumento de sua cobertura, que alcançou,
em 1994, cerca de 40% dos trabalhadores demitidos sem justa
causa. O valor médio do benefício, por sua vez, atingiu neste período
o patamar de 1,5 salário-mínimo, o que representa um elevado grau
de reposição da renda anterior do trabalhador para uma parcela.170
O Programa de Geração de Emprego e Renda - PROGER. Instituído em
1995, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, o PROGER
consolidou-se como um dos instrumentos de que dispõem o Governo e a sociedade
para fazer com que pequenos e microempreendedores urbanos e rurais, suas
cooperativas e formas associativas de produção e os trabalhadores autônomos
passem a ter acesso facilitado ao crédito, aliado a programas de qualificação
técnico-gerencial e profissional. Da mesma forma, o programa tem atuado no
fortalecimento da agricultura familiar, graças à alocação de recursos para a
167
Idem
AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e
desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso em 17 abril 2006.
169
Idem.
170
Idem.
168
120
assistência financeira, por intermédio do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar - PRONAF, garantindo-se mais empregos no campo. 171
O PROGER e o PRONAF prestam grande contribuição ao esforço nacional de
manter e gerar ocupação e renda, promovendo igualdade de condições de acesso a
novas oportunidades. Direcionados às famílias mais carentes, numa perspectiva
não-assistencialista, esses programas oferecem apoio técnico e financeiro àqueles
que já são empreendedores e desejam ampliar seus negócios e aos que pretendem
se tornar donos de seu próprio empreendimento.172
Azeredo e Ramos descrevem o Programa Nacional de Qualificação do
Trabalhador – PLANFOR.
Foi implementado a partir de 1995, com o objetivo de mobilizar e
articular, gradualmente, toda a competência e infra-estrutura de
qualificação profissional existentes no País. A intenção é atender
anualmente pelo menos 20% da População Economicamente Ativa PEA. Seguindo os objetivos de uma expansão sustentada das metas
anuais, o PLANFOR atingiu a marca de 1,8 milhão de trabalhadores
treinados, em 1997, com a aplicação de R$ 315,8 milhões.173
O Sistema Nacional de Emprego - SINE, operado em convênio com os
Estados, tem a finalidade de integrar a concessão do seguro-desemprego com a
intermediação de mão-de-obra e o encaminhamento para cursos de reciclagem
profissional. Foram destinados R$ 59 milhões de recursos do FAT, que
possibilitaram o atendimento de 1,87 milhão de trabalhadores e representam
crescimento de 38% em relação ao ano anterior. Duzentos e dez mil trabalhadores
foram reempregados pelo SINE, em 1997.174 171
Disponível em em< http://www.emprego.sp.gov.br/> Acesso em 11 out. 2005.
172
Disponível em< http://www.emprego.sp.gov.br/ > Acesso em 11 out. 2005.
173
AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e
desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso 17 abril 2006.
174
AZEREDO, Beatriz e RAMOS, Carlos Alberto. Políticas Públicas de Emprego: experiências e
desafios. Disponível no site: http://www.ipea.gov.Br/pub/ppp/Ppp12.html. Acesso 17 abril 2006.
121
Para dinamizar a atuação do SINE, implantou-se o projeto-piloto visando a
transformá-lo num efetivo Sistema Público de Emprego. Esse projeto experimental
desenvolve uma nova sistemática de concessão do benefício do segurodesemprego, para que todos os recursos materiais e humanos do SINE se voltem à
atividade nobre do sistema, que é a intermediação. As atividades burocráticas de
concessão do seguro-desemprego passarão a ser executadas exclusivamente pela
Caixa Econômica Federal - CEF. Com isso, amplia-se a capacidade do sistema para
a habilitação e para a suspensão do benefício e evita-se a fraude. O novo modelo
será implantado em vários Estados. Também para reduzir as fraudes no seguro-desemprego e em outras áreas
do seguro social foi instituído o novo modelo da Carteira de Trabalho, em papel
moeda e com fotografia digitalizada.
No campo da proteção dos direitos e da promoção da cidadania, um
dos principais programas governamentais é o de Combate ao
Trabalho Escravo, Infantil e Degradante, cuja execução é
compartilhada entre vários órgãos governamentais e entidades da
sociedade. O combate ao trabalho escravo, infantil e degradante é
um dos principais programas do Governo Federal.175
Merecem destaque as providências adotadas a partir de 1995 no
sentido de ampliar as ações de fiscalização e de prevenção,
tais como: a instituição da fiscalização móvel; a implantação do
Programa de Ações Integradas - PAI, que tem como finalidade a
retirada das crianças do ambiente de trabalho, principalmente das
carvoarias, dos canaviais e das áreas de produção de sisal; a
dinamização do Grupo Executivo de Erradicação do Trabalho
Forçado - GERTRAF, instituído em 1995; e a realização do
Diagnóstico dos Focos do Trabalho Infantil e do Adolescente no
Brasil.
A partir dessas ações, o Brasil começou a politizar o problema da fome e da
miséria. Esse movimento, que iniciou uma parceria governo-sociedade civil no
tocante às medidas de combate à exclusão, esteve restrito, em um primeiro
175
Disponível em< http://www.emprego.sp.gov.br/ > Acesso em 11 out. 2005.
122
momento, à distribuição de alimentos. Porém, à medida que essa forma de
solidariedade ganhava espaço, começaram a ser demandadas políticas que fossem
além do emergencial e compensatório.
3.8.1. Programas Sociais do atual Governo Federal
A unificação dos programas de transferência de renda do Governo Federal,
tendo como “carro-chefe” o Bolsa-Família, criado em outubro de 2.003, consolidou
no final desse mesmo ano um novo padrão de relacionamento entre os governos
federal e municipal.
Na transferência de renda, o Governo Federal repassa o recurso diretamente
aos beneficiados e faz o gerenciamento do programa. Nesse caso, o governo
verifica se as crianças se mantêm matriculadas na escola e se a saúde está em dia.
Já os municípios ficam com a tarefa de cadastrar as famílias e auxiliar na
fiscalização.
O Bolsa-Família é o maior e mais ambicioso programa de
transferência de renda da história do Brasil. Nasce para enfrentar o
maior desafio da sociedade brasileira, que é o de combater a fome e
a miséria, e promover a emancipação das famílias mais pobres do
país. Através do Bolsa Família, o governo federal concede
mensalmente benefícios em dinheiro para famílias mais
necessitadas. É um programa de transferência de renda destinado às
famílias em situação de pobreza, com renda “per capita de até R$
100 mensais”, que associa à transferência do benefício financeiro o
acesso aos direitos sociais básicos – saúde, alimentação, educação
Disponível
em:<
e
assistência
social.
http://www.mds.gov.br/ascom/hot_site/livreto/lamina_pt.pdf)
em 28 março 2006
Acesso
123
Atende duas finalidades básicas: enfrentar o maior desafio da sociedade
brasileira, que é o de combater a miséria e a exclusão social, e também promover a
emancipação das famílias mais pobres.
Por decisão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Bolsa Família unificou
todos os benefícios sociais (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e
o Auxílio Gás) do governo federal num único programa. A medida proporcionou mais
agilidade na liberação do dinheiro a quem precisa, reduziu burocracias e criou mais
facilidade no controle dos recursos, dando assim mais transparência ao programa.
O balanço feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
constatou os seguintes investimentos neste programa:
a) foram transferidos o valor de R$ 15,4 bilhões alcançando 8,7
milhões de famílias;
b) 97% das crianças dessas famílias têm freqüência escolar regular
em 80% das escolas públicas e em 100% dos municípios;
c) 98,1% das crianças são vacinadas regularmente, segundo
informação das próprias famílias.176
O Fome Zero é outra estratégia impulsionada pelo governo federal para
assegurar o direito humano à alimentação adequada, priorizando as pessoas com
dificuldade de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da
segurança alimentar e nutricional e contribui para a erradicação da extrema pobreza
e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome.
Segundo dados fornecidos pelo Governo Federal:
Os recursos destinados ao Fome Zero cresceram de R$ 5,7 bilhões
no primeiro ano do atual governo, em 2003, para R$ 9,2 bilhões em
2004. E estão fixados em mais de R$ 12,2 bilhões para 2005. A
176
Disponível em:< http://www.mds.gov.br/ascom/hot_site/livreto/lamina_pt.pdf) Acesso em 28 março
2006.
124
soma desses números informa que, ao fechar deste ano, somente a
União investiu, a partir de 2003, mais de R$ 27 bilhões nesta
estratégia que traça, executa e impulsiona, em parcerias com
governos estaduais e municipais e 104 empresas e entidades de
todo o país, o combate à pobreza e à fome. Os números evidenciam
não apenas a contínua reafirmação do Fome Zero como prioridade
da agenda do governo, mas a evolução acentuada dos
investimentos. De 2003 para 2004, a soma das dotações
orçamentárias cresceu 82%. Comparada a dotação de 2003 à de
2005, a evolução chega a 113%, não apenas em conseqüência do
aumento das dotações de programas e ações desenvolvidos já no
primeiro ano de governo, mas também por causa da criação e
execução de novos programas e ações. 177
O Fome Zero conta com o apoio de vários ministérios do governo para que
ele se desenvolva, tais como: Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome; Desenvolvimento Agrário; Educação, dentre outros. O programa envolve
várias ações, dentre elas: acesso à alimentação, fortalecimento da agricultura
familiar, promoção de processos de geração de renda e articulação, mobilização e
controle social.178
Além do Programa Fome Zero contar com o apoio dos Ministérios, também
atua em parceria com várias empresas que dão sua contribuição ao Fome Zero por
meio de ações de geração de trabalho e renda, ações complementares do programa
Bolsa Família, ações de proteção social e segurança alimentar.179
Pode-se citar algumas empresas parceira do Programa Fome Zero:
a)O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) que é uma Fundação, vinculada ao Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCT), é uma das empresas parceiras do Programa
Fome Zero, por meio da mobilização das universidades para a
solução de problemas nas comunidades de baixa renda e bolsa de
iniciação ao trabalho; b) O Sistema Coca-Cola no Brasil, é outra
empresa que se prontifica a implantar restaurantes populares, como
forma de participar do Programa Fome Zero, dando assistência
alimentar às pessoas com menos renda; c) O Grupo Pão de Açúcar,
grande rede de supermercado, contribui com o Fome Zero por meio
de postos de coleta de alimentos, ações de apoio à economia
solidária e apoio ao Primeiro Emprego de jovens; d) A Nestlé, grande
177
Disponível em:<http://www.fomezero.gov.br/> Acesso em 28 março 2006.
Idem
179
Ibdem
178
125
empresa mundial de alimentos participa do Fome Zero através dos
programas de educação alimentar e política do Primeiro Emprego.180
Outro programa do governo que merece destaque é o PETI:
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) é um
programa de transferência direta de renda do governo federal para
famílias de crianças e adolescentes envolvidos no trabalho precoce.
Tem como objetivo erradicar as chamadas piores formas de trabalho
infantil no País, aquelas consideradas perigosas, penosas, insalubres
ou degradantes. Para isso, o PETI concede uma bolsa às famílias
desses meninos e meninas em substituição à renda que traziam para
casa. Em contrapartida, as famílias têm que matricular seus filhos na
escola e fazê-los freqüentar a jornada ampliada. O programa
abrange famílias com crianças e adolescentes na faixa etária dos 7
aos 15 anos envolvidos em atividades consideradas como as piores
formas de trabalho infantil. Essas atividades foram regulamentadas
pela Portaria nº 20, de 13 de setembro de 2001, da Secretaria de
Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego. Entre
elas, podem ser citadas as atividades em carvoarias, olarias, no corte
de cana-de-açúcar, nas plantações de fumo e lixões. Os Estados, por
intermédio dos seus órgãos gestores de Assistência Social, realizam
levantamento dos casos de trabalho infantil que ocorrem em seus
municípios. Esse levantamento é apresentado às Comissões
Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil para validação e
estabelecimento de critérios de prioridade para atendimento às
situações de trabalho infantil identificadas – como, por exemplo, o
atendimento preferencial dos municípios em pior situação econômica
ou das atividades mais prejudiciais à saúde e segurança da criança e
do adolescente. As demandas validadas pela Comissão Estadual são
submetidas à Comissão Intergestora Bipartite (CIB), para pactuação.
As necessidades pactuadas são informadas ao MDS, com a relação
nominal das crianças e adolescentes a serem atendidos e as
respectivas atividades econômicas exercidas. O MDS aprova e
informa ao Estado as etapas a serem cumpridas, pelos municípios,
para implantação do Programa.181
Afonso, economista, comenta sobre a aplicação destes programas na prática:
Será necessário rediscutir a coordenação entre os governos visando
garantir ações que ajudem as famílias beneficiadas a saírem da
situação de pobreza. Se os programas de transferência de renda
forem limitados a uma função meramente assistencialista, os
governos subnacionais continuarão à margem do processo e ficam
dispensados de uma tarefa, que é preciso reconhecer, bastante
180
Disponível em:<http://www.mds.gov.br/programas/programas04.asp.> Acesso em 28 março 2006.
181
Idem
126
árdua e complexa – formular e implantar medidas que efetivamente
reduzam a pobreza.182
Além disso, a saúde e a educação devem estar aliadas a ações que levem à
indução do desenvolvimento local, inclusive com programas de qualificação
profissional.
182
Disponível no site: http://clippingplanejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=253160. Acesso em
10 maio 2006.
127
CONCLUSÕES
1. Pode-se explicar as alterações do modelo de Estado, considerando o
liberalismo econômico propugnador do Estado mínimo e abstencionista como uma
resposta do Estado Absoluto e intervencionista que o antecedeu. Da mesma forma o
estado do bem-estar Social nasceu de uma reação ao Estado Liberal que, ao deixar
de intervir, propiciou exploração do capital sobre o trabalho. Por sua vez, o Estado
Neoliberal é um retorno à política do Estado mínimo, que não intervém na economia
e nas relações entre capital e trabalho.
2. O mundo do trabalho busca adaptar-se à nova realidade advinda da
revolução tecnológica e da globalização da economia que, conjugados, marcam esta
época e impõem os desafios das mudanças paradigmáticas. De fato, estes
fenômenos derrogaram as bases em que se assentavam as relações do trabalho
assalariado, tanto na dimensão institucional quanto nos campos da administração,
da economia, da sociologia, entre outras.
3. No contexto de mundialização do capital, os Estados vêm perdendo seu
poder decisório, pois quem dita as normas, atualmente, são as grandes agências
internacionais de consultorias de investimentos, num primeiro plano, e as multi e
transnacionais, num plano secundário. A soberania nacional e a democracia
cederam espaço para supremacia do capital internacional.
4. A flexibilização deve ser abordada, mantendo-se o contrato como alicerce
da relação jurídica entre o empregado e a empresa; entretanto, reprimindo a
predominância do capitalismo perverso e arrasador de qualquer mínimo da
dignidade do hipossuficiente.
A flexibilização do Direito do Trabalho deve atender os princípios
constitucionais da valorização do trabalho, da dignidade da pessoa humana, da
produção da justiça social, sempre em busca da elevação do nível de vida do
trabalhador. Portanto, defende-se a flexibilização, desde que ela não deixe que os
128
interesses econômicos se sobreponham aos interesses sociais, pois estes últimos
sim, são objetivos perseguidos pelo Estado Democrático de Direito.
5. A atual realidade brasileira mostra um número significativo de
trabalhadores que não detém emprego fixo, ficando submetidos a contratos
precários, temporários, por prazo determinado, entre outras condições. Além disso,
grande parte da população ativa encontra-se desempregada, sujeitando-se ao
trabalho informal, sem as garantias legais. Diante desse quadro preocupante,
verifica-se a necessidade de se buscar os meios à efetiva concretização dos direitos
fundamentais dos trabalhadores, para não proteger só os trabalhadores vinculados
ao contrato clássico, mas também outros tipos que se encontram nas condições
acima apontadas.
6. A empresa é, atualmente, o elemento central da economia moderna. Atua
como entidade econômica, por ser centro de produção ou de circulação de bens,
desenvolvendo uma verdadeira parceria entre capital e trabalho. Nos dias atuais, o
principal capital das empresas modernas são seus recursos humanos. Sendo assim,
o elemento diferenciador que vai aparecer é o valor dos integrantes (trabalhadores)
de determinada empresa.
7. As empresas precisam dar ao homem condições de trabalho antes mesmo
de ter ele o trabalho. O objeto de proteção deixa de ser o empregado e passa a ser
o trabalho. E a função social da empresa desprende-se da função de provedora dos
seus empregados e torna-se impulsionadora da inserção do direito ao trabalho,
através do resgate da condição de trabalho para os membros que compõe a
sociedade.
8. A nova forma de organização produtiva prescinde de uma nova iniciativa
empresarial dirigida para o equilíbrio, entendendo o trabalho como parte da
comunidade regional em que o homem está inserido.
9. O Estado moderno baseia-se na livre iniciativa dos indivíduos e das
organizações
privadas.
Necessário
valorizar
o
cidadão
enquanto
sujeito
individualmente considerado e enquanto inserido na comunidade. Por isso, o Estado
129
tem que participar na proteção do trabalho por meio da edição de normas
trabalhistas protetivas, de inserção social, dentre outras.
10. O lucro destaca-se como elemento que de certa forma impossibilita que a
empresa atinja sua finalidade social. Assim, busca-se um elemento integrativo para
romper esta barreira entre capital e trabalho. A efetiva participação do empregado na
gestão de cada empresa é uma alternativa para a concretização dos ideários da
empresa com fins sociais. É uma verdadeira mudança de poder dentro da própria
empresa, que contribuirá para o surgimento de novos objetivos a serem
conquistados.
11. No Estado Democrático de Direito onde a Constituição Federal não só
reconhece a existência e a eminência da dignidade da pessoa humana, mas
transforma-a em valor supremo da ordem jurídica, não se pode dar mais atenção
aos
interesses
da
economia
que
condicionam
e
engessam
a
atuação
governamental, e deixar o trabalhador vagar solitário no meio das leis do mercado.
11. O trabalho deve ser visto sempre como valor social (art. 1º, inc. IV da
Constituição Federal brasileira), sendo certo, que tanto a ordem econômica quanto a
ordem social devem ter por base o primado do trabalho humano. Diante disso, o
trabalhador não pode ser colocado apenas a serviço dos interesses econômicos de
empresas e pessoas físicas, que, preocupam-se tão só com o aumento de lucros e a
redução de gastos.
12. O Brasil, apesar da consciência generalizada da necessidade de uma
política de emprego para reduzir a precariedade da inserção no mercado de trabalho
e enfrentar os desafios do novo paradigma tecnológico e a globalização da
economia, não conta com uma estratégia definida nessa matéria. O país conta com
uma fonte de recursos sólida. Deve existir vontade política para a implementação de
programas
eficazes
e
eficientes
de
emprego,
combinada
com estruturas
administrativas que permitam essa implementação.
13. A formação, a reciclagem e a intermediação dos trabalhadores não devem
estar restritas aos trabalhadores desempregados que recebem seguro. A força de
130
trabalho ocupada, tanto no segmento formal quanto no informal, também deve fazer
parte do público-alvo das políticas de emprego, uma vez que uma das finalidades do
seguro-desemprego é a qualificação do trabalhador (independentemente de sua
condição de empregado ou desempregado, formal ou informal).
14. A baixa escolaridade do trabalhador brasileiro, que não impediu no
passado a sua integração ao mercado de trabalho, configura hoje um sério
obstáculo para o aumento da competitividade e produtividade do sistema produtivo.
A educação geral representa, hoje, um requisito essencial para a qualificação
profissional exigida pelas mudanças na base produtiva.
15. Conclui-se, assim, que o Estado é pressionado a cumprir seus fins, com a
cooperação de grupos representativos da sociedade civil, principalmente de grupos
empresariais de grande porte, nacionais e transnacionais, desenvolvendo políticas
públicas voltadas, de um lado, ao fomento da economia de forma a propiciar o
crescimento do País em seus diversos setores e, de outro, a qualificação da mão-deobra, à capacitação profissional dos trabalhadores e melhor distribuição de renda,
mormente diante das inovações tecnológicas, como meios de se combater as
desigualdades sociais.
131
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