AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS E A

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AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS E A INFLUÊNCIA DAS
TEORIAS NEOLIBERAIS: FUNDANTES DE PHILIPPE PERRENOUD,
JACQUES DELORS E CÉSAR COLL
ALEXANDRA VANESSA DE MOURA BACZINSKI1
RESUMO: O presente artigo apresenta uma breve reflexão acerca da influência das
teorias educacionais neoliberais – presentes no pensamento de Philippe Perrenoud,
César Coll e Jacques Delors e nas políticas educacionais financiadas pelos organismos
internacionais como o Banco Mundial – nas propostas políticas de educação no Brasil.
O objeto de estudo encontra respaldo no atual contexto socioeconômico gerado pela
reorganização mundial da economia. Este “novo” contexto social implica na
reestruturação de políticas sociais e por sua vez, também educacionais. O estudo
proposto constitui-se, quanto a sua natureza, numa pesquisa qualitativa e, quanto à
dimensão das fontes classifica-se como bibliográfica e documental. Como método de
investigação, adotaremos os pressupostos do materialismo histórico dialético. Desse
modo, objetivamos contribui para que os profissionais da educação compreendam os
fundamentos teóricos e políticos do pensamento neoliberal educacional, assim como,
tenham maior clareza sobre as concepções de homem, sociedade e educação defendidos
por tais teorias, as quais se apresentam como propostas inovadoras e salvacionistas. Por
fim, a relevância deste estudo justifica-se por procurar explicitar o caráter pós-moderno
das propostas neoliberais de educação, além de destacar seus propósitos de defender a
reprodução do sistema capitalista, a minimização da responsabilidade do Estado para
com a escola pública, e a oferta de uma educação escolar – para a classe trabalhadora –
adequada às necessidades do mercado de trabalho. Além disso, busca-se esclarecer a
necessidade de superação de tais concepções e práticas pedagógicas, para garantir à
classe trabalhadora o acesso a uma formação integral, de qualidade e igualitária à todos.
Palavras-chave: Políticas Educacionais; Teorias Neoliberais; Educação Escolar
Brasileira.
1
Professora Assistente, do curso de Pedagogia, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, Campus de Francisco Beltrão. Mestre em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP. E-mail: [email protected].
O objeto de estudo que apresentamos no presente texto, o qual trata da
influência das teorias educacionais neoliberais nas políticas públicas para a educação
brasileira, encontra-se respaldo no atual contexto socioeconômico gerado pela
reorganização mundial da economia. Este “novo” contexto social implica na
reestruturação de políticas sociais e por sua vez, também educacionais.
No nosso entender, tanto a questão social, quanto as políticas educacionais
que hoje são implementadas no Brasil têm tido sua estruturação a partir da
internacionalização da economia e da implementação dos planos econômicos e políticos
a partir dos anos de 1990.
Na década de 1980 o Brasil viveu um momento de redemocratização do país,
diante da superação do regime de exceção imposto pela ditadura civil-militar. No
entanto, o modo de produção que imperou antes e durante o regime militar foi o
capitalismo, o qual permaneceu em processo constante de reprodução, garantindo sua
permanência.
A década de 1980 representou um alargamento das tentativas de
redemocratização do país entre as quais se inclui a luta pela implantação de um projeto
popular de educação. Vários estados elaboraram seus planos estaduais dando ênfase a
uma educação de cunho progressista e democrática. Com isso, principalmente nos
estados governados por partidos da oposição, no âmbito educacional passou-se a
elaborar propostas educacionais fundamentadas em concepções críticas de educação,
como por exemplo, a Pedagogia Histórico-Crítica no estado do Paraná.
Nossa pesquisa de mestrado que teve como objeto de estudo a implantação
oficial da Pedagogia Histórico-Crítica no estado do Paraná de 1984 a 1994, demonstrou
que tal pedagogia, estando inserida nas políticas educacionais de governo, não logrou
êxito. Constatou-se que a difusão da concepção de homem, sociedade e educação
defendida pela Pedagogia Histórico-Crítica se deu de forma autoritária, oportunista,
inconsistente e superficial. Verificou-se também não haver coerência entre os princípios
filosóficos e políticos da concepção liberal de homem, sociedade e educação e os
princípios filosóficos e políticas de uma concepção revolucionária de homem, sociedade
e educação como é o caso da Pedagogia Histórico-Crítica.
Ao nosso ver, a explicação para o que expomos está centrada na lógica de
reprodução e manutenção do modo de produção capitalista. Assim como o golpe militar
foi uma estratégia do capital para sua efetivação, a derrocada do regime e os discursos
de reconquista da democracia também se configuraram numa manobra diante da
necessidade de reestruturação do próprio sistema em nível mundial.
Nos anos de 1990 constata-se no país uma retomada dos ideais liberais de
educação, reflexo de decisões que vem sendo tomadas em nível mundial como as teorias
educacionais que refletem esses ideais presentes na educação brasileira. Esses ideais
estão expressos nos Parâmetros Curriculares Nacionais, nos Temas Transversais, na
teoria “construtivista”, na “Pedagogia das Competências2”, “empreendedora”,
“empresarial”, entre outras.
O problema que nos colocamos consiste em analisar a influência das teorias
educacionais do neoliberalismo educacional – presentes no pensamento de Philippe
Perrenoud, César Coll e Jacques Delors e nas políticas educacionais financiadas pelos
organismos internacionais como o Banco Mundial – nas propostas políticas de
educação no Brasil.
Essa questão estrutural do presente trabalho nos motiva a avaliar criticamente
os verdadeiros compromissos que tais teorias assumem com a educação escolar
brasileira. Ou seja, buscamos refletir se as referidas concepções neoliberais,
complementadas pelo ideário pós-moderno, interpõe-se no pensamento pedagógico com
a finalidade de esclarecer, reformar e melhorar o projeto educacional brasileiro, ou se
vêm para confundir e desobrigar o Estado de sua responsabilidade na formação
intelectual e integral do cidadão.
As teorias, objeto deste estudo, são definidas como neoliberais e de cunho
teórico pós-moderno, por se tratarem de teorias que entendem a educação escolar como
um processo de preparação de um indivíduo criativo e com ampla capacidade de
adaptação, para que dessa forma tenha condições de adequar-se constantemente às
novas exigências do mercado de trabalho. São teorias que trabalham em favor do
crescimento e perpetuação do modo de produção capitalista. Segundo SANFELICE
(2001 p. 07) pós-modernidade;
2
Na pedagogia das competências, o ensino dos conhecimentos, atitudes e habilidades próprios dos
processos sociais e históricos de produção e apropriação dos conhecimentos, onde o que importa é
aprender ao mesmo tempo os conteúdos produzidos e os caminhos percorridos para produzi-los, como
condições para utilizá-los e transformá-los coletivamente, e assim reconstruir as relações sociais, passa a
ser substituído pro comportamentos individuais e sociais desvinculados de conteúdos, em que a
afetividade e a criatividade passam a ser racionalizadas, o que é definido socialmente aparece como
resultado de ações individuais, as desigualdades e divergências são acomodadas sob uma pretensa
unidade, dissolvem-se as relações de poder e a política desaparece sob a racionalidade técnica. E tudo
isso, sob o discurso da valorização da escola como espaço de aprendizagem da critica e da criatividade, o
aprender a ser e a conviver, em substituição ao reles saber, e saber a fazer! (KUENZER, 2002, p. 21).
é um fenômeno, dentre outras coisas, que expressa uma cultura da
globalização e da sua ideologia neoliberal. A base material da pósmodernidade é então a globalização econômica com todas as implicações que
este fenômeno vem significando para as sociedades ou sujeitos, como já dito,
subjetivamente desprovidos de qualquer senso ativo de história. Impõem-se,
como se fossem absolutos e daqui em diante eternizados, a pós-modernidade,
a globalização, a lógica de mercado e o neoliberalismo que, apesar das
posturas pós-modernas, é a sua própria grande narrativa.
De acordo com essas concepções o professor tem o papel de estimular a
construção de conhecimentos, a investigação de acordo com os interesses dos alunos,
valorizando dessa forma o método em supressão ao próprio conteúdo. Considera-se de
forma negativa o ato de ensinar, de transmitir conhecimentos por parte do professor para
o aluno. Julga-se que aquilo que o aluno aprende sozinho contribui para formação da
autonomia intelectual, e o contrário, quando o sujeito aprende através de outro,
contribui para uma heteronomia intelectual.
Na perspectiva oposta entendemos que, “na contemporaneidade, a filosofia,
em suas bases estruturais e sistêmicas, consoante com a tradição ortodoxa que lhe dá
sustentação, nascida do iluminismo, filha das luzes, lança-se sóbria contra as miméticas
e assumidas formas de irracionalismo, contra a capitulação política derivada do
pessimismo cético e contra todas as tipologias pós-modernas de desrazão (NUNES,
1999, p. 66).
Segundo DUARTE, as teorias neoliberais expressas através do lema
“aprender a aprender”, do “construtivismo”, “pedagogia das competências”, entre
outras, produzem “exatamente o esvaziamento do trabalho educativo escolar,
transformando-o num processo sem conteúdo” (2004, p. 9). Tais políticas educacionais
neoliberais preocupam-se com a preparação do indivíduo para aquilo que deles será
exigido no processo produtivo capitalista. Considerando, contudo, menos importante a
função educativa de ensinar os conhecimentos objetivos e científicos.
É possível encontrar na teoria de Jean Piaget o fundamento teóricometodológico das teorias neoliberais anteriormente citadas, as quais se tornaram
modismos na educação do Brasil a partir das décadas de 1980 e 1990. O ideário
construtivista fundamenta-se na teoria Piagetiana, visto que em sua obra Piaget defende
que, aquilo que o sujeito aprende por si só constitui-se como princípio educativo mais
importante do que aquilo que o sujeito aprende a partir dos ensinamentos de outrem.
Quer dizer, para Piaget o método de aprender é mais importante que o próprio
conhecimento já produzido socialmente. Segundo Piaget;
...existem dois princípios fundamentais e correlacionados dos quais toda
educação inspirada pela psicologia não poderia se afastar: 1) que as únicas
verdades reais são aquelas construídas livremente e não aquelas recebidas de
fora; 2) que o bem moral é essencialmente autônomo e não poderia ser
prescrito. (...) Não apenas a compreensão entre os povos que se vê
prejudicada pelo ensino de mentiras históricas ou de mentiras sociais.
Também a formação humana dos indivíduos é prejudicada quando verdades,
que poderiam descobrir sozinhos, lhes são impostas de fora, mesmo que
sejam evidentes ou matemáticas: nós os privamos então de um método de
pesquisa que lhes teria sido bem mais útil para a vida que o conhecimento
correspondente! (PIAGET, 1998, p. 166, apud, DUARTE, 2004, p. 36).
No estudo elaborado por Duarte identifica-se que tais concepções pedagógicas
utilizadas como referencial teórico em documentos oficiais. Dentre eles, a nível
internacional, destaca-se o “Relatório Delors”, e a nível brasileiro os “Parâmetros
Curriculares Nacionais” (PCNs).
O “Relatório Delors” refere-se ao documento elaborado no período de 1993 a
1996 pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, presidido por
Jacques Delors, para a UNESCO, o qual tinha como finalidade elaborar as diretrizes
para a educação mundial para o próximo século (DUARTE, 2004). No referido
documento, expressa-se a necessidade da educação oferecer aos indivíduos a
instrumentalização necessária para sua constante adaptação ao processo evolutivo do
mercado de trabalho, segundo o “Relatório Delors”;
Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve
organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo
de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do
conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da
compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente;
aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em
todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que
integra as três precedentes. É claro que essas quatro vias do saber constituem
apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de
relacionamento e de permuta (in DELORS, 1998, p. 89-90, apud, DUARTE,
2004, p. 52).
Diante disso, é possível afirmar a estreita relação existente entre os ideais para
a educação do século XXI, difundidos por meio do “Relatório Delors”, com as teorias
epistemológicas, psicológicas e pedagógicas de cunho construtivistas. As quais pregam
implicitamente o individualismo, a competitividade, a capacidade de adaptação ao
mercado de trabalho e o avanço crescente do capitalismo contemporâneo.
De acordo com DUARTE (2004), tais concepções pedagógicas neoliberais
pretendem oferecer para a classe trabalhadora não apenas a miséria material – inerente
às péssimas condições de trabalho, baixos salários e ao exorbitante índice de
desempregos – mas também a miséria intelectual – mediante uma escola empobrecida
de conteúdos científicos e atividades que priorizam a aquisição de conhecimentos –
contribuindo para a formação de indivíduos alienados, vazios, que só conseguem pensar
e agir conforme os estereótipos ditados pela última moda. “A mesma sociedade – que
tanto prega a individualidade, a autonomia, a liberdade e a criatividade como seus
mais altos valores –, opera nos indivíduos a mais brutal padronização e o mais brutal
esvaziamento. A mesma sociedade que criou e desenvolveu formas extremamente
eficazes, do ponto de vista técnico, para a produção e a difusão do conhecimento
produz um brutal empobrecimento da cultura...” (DUARTE, 2004, p. 9).
Para compreendermos de que forma o pensamento neoliberal interfere nas
concepções pedagógicas, faz-se necessário explicitar os pilares que sustentam a
ideologia liberal, a qual se origina com a constituição do modo de produção capitalista a
partir da derrocada do feudalismo. Os princípios que sustentam esse novo modelo de
sociedade são a “individualidade”, a “liberdade”, a “propriedade”, a “igualdade” e a
“democracia”. Segundo JACOMELI e XAVIER (2003, p. 196), o princípio da
individualidade “(...) trazia consigo a concepção da diferença natural entre os homens,
que legitimaria posteriormente as desigualdades sociais geradas pela dominação
capitalista. O princípio da liberdade (...) traduzia-se no direito de viver em plenitude a
diferença (...). O princípio da propriedade (...) apresentando-se como recompensa da
capacidade e dos esforços individuais. (...) o quarto princípio reportava à noção de
justiça, através da igualdade de direitos”. A enfatização dos pilares do liberalismo fazse necessário diante da importância de compreendermos que o neoliberalismo, apesar de
pretender-se novo, em sua essência não tem nada de novo, constitui-se apenas no
liberalismo com novas roupagens.
Para explicitar a concepção de homem, sociedade e conhecimento defendidos
pelo neoliberalismo, utilizaremos a análise feita por DUARTE (2004) sobre o
pensamento de Hayek, considerado um dos principais pensadores neoliberais.
Para Hayek “o conhecimento é entendido como exclusivamente individual,
circunstancial e não passível de ser integrado a uma visão totalizadora do real. O
conhecimento da realidade é sempre parcial e particular. A visão que Hayek tinha do
conhecimento científico reduzia a ciência a uma classificação de fatos ou dados
perceptíveis” (DUARTE, 2004, p. 72). Ainda com relação ao conhecimento individual,
Hayek afirma que o homem possui uma capacidade limitada de conhecimento, sendo
capaz de conhecer apenas aquilo que o rodeia de forma imediata. Ou seja, o indivíduo
irá conhecer aquilo que lhe será interessante e necessário a partir de suas
particularidades. Contudo, as ações dos homens sobre a realidade, a partir dessa
concepção, são entendidas como casuais, inintencionais e individuais. Entendendo-se
dessa forma, a realidade social como uma produção humana da mesma forma
inintencional, individual e casual.
Para essa análise do pensamento de Hayek, DUARTE (2004) fundamenta-se
no estudo realizado por Wainwright (1998), a qual destaca a ligação epistemológica e
sociológica no pensamento de Hayek entre individualismo, o caráter fragmentado do
conhecimento, da causalidade na formação social e da naturalização do que é históricosocial. Segundo autores como Wainwright (1998), Chauí (1993), e Saviani (1991), só
para citar alguns, afirmam que a epistemologia individualista e naturalista que
fundamenta o pensamento de Hayek, também fundamenta o pensamento pós-moderno.
Uma vez que este último defende, igualmente, que a sociedade é resultado de ações
casuais e solipsistas da humanidade e, anuncia uma crise da ciência, da razão e crise dos
paradigmas.
Segundo CHAUÍ (1993, p. 22-23, apud, DUARTE, 2004, p. 77), para o
pensamento pós-moderno;
Categorias como universalidade, necessidade, objetividade, finalidade,
contradição, ideologia, verdade são consideradas mitos de uma razão
etnocêntrica, repressiva e totalitária. Em seu lugar, colocam-se o espaçotempo fragmentados, reunificados técnicamente pelas telecomunicações e
informações; a diferença, a alteridade; os micropoderes disciplinadores, a
subjetividade narcísica, a contingência, o acaso, a descontinuidade e o
privilégio do universo privado e íntimo sobre o universo público; o mercado
da moda, do efêmero e do descartável. Não por acaso, na cultura, o romance
é substituído pelo conto, o livro pelo paper, e o filme pelo vido-clip. O
espaço é a sucessão de imagens fragmentadas; o tempo, pura velocidade
dispersa.
Diante dessa breve definição das concepções defendidas pelo pensamento
neoliberal importa explicitar sobre a interferência dos ideários pós-modernos na reforma
estrutural da educação escolar brasileira. A referida reforma ocorrida nos anos 1990,
expressada através da aprovação da nova LDBEN 9394/96, foi organizada com
inspiração na reforma educacional espanhola, a qual tem a teoria do construtivista César
Coll como fundamentação teórico-metodológica.
Segundo NUNES (2001, p. 158-159).
a social-democracia espanhola também produziu sua reforma educacional,
marcada com as mesmas contradições, composições conservadoras e
pontuais avanços populares e democráticos, na direção da ampliação
ideológica do neoliberalismo e redução participativa real, dos setores
socialmente críticos à lógica instrumental e estreita dos centros planejados.
A reforma educacional espanhola assumia uma postura política socialdemocrata, moderna e colaboracionista, uma perspectiva operacional
técnico-administrativista, centrada em documentos e decretos que visavam
mudar pela força da lei e das diretrizes formais, o sistema educacional
supostamente ineficiente e superado.
Inspirados na reforma espanhola, além da elaboração da LDBEN 9394/96, foi
produzido no Brasil um documento que passou a nortear o trabalho educacional da
educação básica brasileira, os “Parâmetros Curriculares Nacionais” (PCNs). Estando
ele fundamentado numa perspectiva teórica impregnada pela epistemologia neoliberal e
pós-moderna, o “Construtivismo”.
Os PCNs foram elaborados, pela Fundação Carlos Chagas, a partir da
participação do Brasil na Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na
Tailândia em 1990 – tendo sido convocada pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco
Mundial – e ainda pela incorporação aos nove países em desenvolvimento de maior
contingente populacional do mundo, assinando a Declaração de Nova Delhi. Tendo
como objetivo maior a universalização do ensino fundamental e ampliar a possibilidade
de acesso à educação tanto às crianças como os jovens e adultos (BRASIL, 1997).
Os referidos Parâmetros apresentam um novo compromisso a ser assumido
pela educação escolar3, justificado pela constante evolução e transformação da
sociedade e do mercado de trabalho. Sendo esse novo compromisso explicitado da
seguinte forma;
Desde a construção dos primeiros computadores, na metade deste século,
novas relações entre conhecimento e trabalho começaram a ser delineadas.
Um de seus efeitos é a exigência de um reequacionamento do papel da
educação no mundo contemporâneo, que coloca para a escola um horizonte
mais amplo e diversificado do que aquele que, até poucas décadas atrás,
orientava a concepção e construção dos projetos educacionais. Não basta
visar a capacitação dos estudantes para futuras habilitações em termos das
especializações tradicionais, mas antes trata-se de ter em vista a formação
dos estudantes em termos de sua capacitação para a aquisição e o
desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se
produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder
lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos
e processos. Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem
capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, “aprender a
aprender”. Isso coloca novas demandas para a escola. A educação básica
tem assim a função de garantir condições para que o aluno construa
instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente.
(BRASIL, 1997, p. 34-35).
3
Há uma mudança de paradigma, desloca-se o eixo da liberdade de ensino para o direito de aprender.
O direito de aprender se concretiza quando conseguimos desenvolver no aluno um conjunto de
competências necessárias à inserção no mundo do trabalho. Dessa forma, no processo final da formação
escolar tem-se um cidadão que sabe fazer, agir, ser e conviver em seu entorno social.
A partir de então, é possível identificar a incorporação dos “quatro pilares da
educação” elaborados por Jacques Delors, nos Parâmetros. Quer dizer, apresenta-se de
forma explicita a necessidade de formar um sujeito criativo, com capacidades de
atualização autônoma, de construir novos conhecimentos e ainda com habilidades para
trabalhar e conviver coletivamente. É possível destacar, sobretudo, a apropriação da
teoria construtivista no documento em questão, como sendo uma teoria que supera todas
as tendências educacionais. Classifica-se como construtivista os conceitos de
concepções pedagógicas diversas, como a teoria de Piaget (psicologia genética),
Vigotski (sócio-interacionista) e Ausubel (atividade significativa).
Tal ecletismo pode ser ilustrado por uma passagem dos PCNs quando explicita
a concepção de educação escolar. Segundo tal proposta a educação escolar é concebida
“... como uma prática que tem a possibilidade de criar condições para que todos os
alunos desenvolvam suas capacidades e aprendam os conteúdos necessários para
construir instrumentos de compreensão da realidade e de participação em relações
sociais, políticas e culturais diversificadas e cada vez mais amplas” (BRASIL, 1997, p.
45). Tal passagem ressalta a importância do ensino de conteúdos significativos, o
desenvolvimento das capacidades individuais e subjetivas e ainda a participação social
como resultado desse processo de ensino aprendizagem.
A ligação entre os PCNs, a teoria Construtivista, e o ideário da reforma
educacional espanhola, destaca-se pelo ecletismo. Segundo DUARTE (2004, p. 58), “...
o princípio metodológico básico de César Coll que, dito de forma clara, nada mais é do
que a liberdade que esse autor concede a si mesmo, de extrair das várias teorias o que
lhe pareça mais útil, jogando fora o resto da teoria e interpretando como bem lhe
aprouver a parte que foi recortada”. Tal aproveitamento daquilo que é considerado
mais útil em cada teoria do desenvolvimento humano, passa a ser integralmente aceito e
desenvolvido nos Parâmetros Curriculares Nacionais brasileiros.
Após esta explicitação a cerca dos PCNs, não podemos deixar de mencionar a
influência dos organismos financiadores internacionais, como o Banco Mundial, e as
exigências por eles firmadas para liberação de recursos destinados à educação.
Apoiando-nos na reflexão elaborada por CASTANHO (2003, p. 11) daremos destaques;
às Políticas de Privatização, às quais são orientados para o afastamento do Estado na
oferta de serviços “estimulando o setor privado a substituir o público e dando
prioridade, na ação pública, ao ensino fundamental (...); ao mesmo tempo,
autonomização das escolas e afrouxamento na fiscalização estatal, descentralização
administrativa e financeira e aproximação das escolas com as empresas, favorecendo a
absorção da cultura empresarial”; às Política de Avaliação Institucional, à qual é
estimulado a priorização dos “padrões avaliativos da cultura empresarial, como
produtividade, qualidade total e competitividade”; e às Política de Formação de
Professores, sendo conduzidas pelo setor privado para assim “assumir sua lógica de
maximização dos lucros com a minimização dos custos, (...) estreita os laços entre
formação acadêmica e mercado, busca a capacitação em serviço mais do que a
formação inicial, e tende a flexibilizar o contrato de trabalho docente para contenção
da massa salarial”.
Tais políticas refletem a minimização da atuação do Estado, deixando
intencionalmente que a iniciativa privada e as leis do capitalismo tomem as rédeas da
sociedade e, da mesma forma da educação.
Constata-se inicialmente que as referidas concepções não apenas fundamentam
o pensamento pedagógico que define a prática dos educadores, mas figuram como
diretrizes para elaboração de políticas educacionais o que acaba por determinar a
organização escolar e o modo como os recursos financeiros, os instrumentos
pedagógicos, o uso das tecnologias e o processo ensino aprendizagem são efetivados.
Essa política educacional é difundida a nível internacional por organismos financeiros
como o Banco Mundial e as agências congêneres, as quais impõem suas estratégias e
políticas às políticas educacionais nacionais. Segundo SILVA (2002, p. 95);
Essas fontes documentais (acordos assinados entre o governo e o Banco
Mundial) de difícil acesso e circulação restrita permanecem guardadas nos
órgãos do governo. Assim, mesmo com distorções, resistências, modificações
e impossibilidades físicas, técnicas ou humanas, todas as escolas são
controladas, disciplinadas e reordenadas. Não sem resistências, distorções,
descontentamentos e modificações. Com raras exceções, a intervenção das
instituições externas não só é permitida, como conta com o consentimento e o
trabalho contínuo dos burocratas do ensino público. (Grifo nosso).
E ainda, afirma;
(...) para contemplar seus interesses políticos e subordinar a educação ao
modelo econômico, prescreviam o barateamento dos custos da educação para
o setor público, a racionalização da oferta do ensino, mediante adoção de
alternativas extra-escolares; o enfoque assistencialista compensatório, o
planejamentos seletivo, o controle do investimento do setor público e
estímulo do setor privado. As políticas para educação são tributárias dessa
lógica excludente. (...) O fundamentos destas políticas para a educação estão
nos mesmos que alicerçam o modelo econômico. Sob o pretexto de sintonia
entre educação e trabalho, os técnicos apregoam que é preciso formar
trabalhadores para obter lugar no mercado de trabalho e reduzem a formação
plena, considerando-a residual ou desnecessária. Assim, as políticas para a
educação emanadas do Banco Mundial são de natureza discricionáriaassistencialista e contencionista-reformista, reduzem o direito à educação
apenas ao ensino fundamental, a formação de professores a um treinamento à
distancia ou em serviço e o ensino a uma instrumentalização de pessoas que
conseguiram ultrapassar todas as barreiras e estão em condições de adaptar às
mudanças rápidas (idem, p. 112).
Desse modo, este estudo se justifica na medida em que contribui para que os
profissionais da educação compreendam os fundamentos teóricos e políticos do
pensamento neoliberal educacional, assim como, tenham maior clareza sobre as
concepções de homem, sociedade e educação defendidos por tais teorias, as quais se
apresentam como propostas inovadoras e salvacionistas.
Por fim, este estudo é relevante visto que procura explicitar o caráter pósmoderno das propostas neoliberais de educação, além de destacar seus propósitos de
defender a reprodução do sistema capitalista, a minimização da responsabilidade do
Estado para com a escola pública, e a oferta de uma educação escolar – para a classe
trabalhadora – adequada às necessidades do mercado de trabalho. Além disso, busca-se
esclarecer a necessidade de superação de tais concepções e práticas pedagógicas, para
garantir à classe trabalhadora o acesso a uma formação integral, de qualidade e
igualitária à todos.
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