Prevalência e estudo neupsicológico de transtornos - IPTSP

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
INSTITUTO DE PATOLOGIA TROPICAL E
SAÚDE PÚBLICA
Cláudio Henrique Ribeiro Reimer
Prevalência e estudo neuropsicológico de transtornos
cognitivos e demências decorrentes de neuroinfecções
em hospital de referência
Orientador:
Prof. Dr. Leonardo Ferreira Caixeta
Dissertação de Mestrado
Goiânia-GO, 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
INSTITUTO DE PATOLOGIA TROPICAL E
SAÚDE PÚBLICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
MEDICINA TROPICAL
Cláudio Henrique Ribeiro Reimer
Prevalência e estudo neuropsicológico de transtonos
cognitivos e demências decorrentes de neuroinfecções
em hospital de referência
Orientador:
Prof. Dr. Leonardo Ferreira Caixeta
Dissertação submetida ao PPGMT-UFG como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
na área de concentração de Doenças Infecciosas e
Parasitárias
Goiânia-GO, 2009
2
Catalogação Internacional na Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Reimer, Cláudio Henrique Ribeiro.
R363p
Prevalência e estudo neuropsicológico de transtornos
cognitivos e demências decorrentes de neuroinfecções em
hospital de referência [manuscrito] / Cláudio Henrique
Ribeiro Reimer. - 2009.
xv, 60 f. : il.,qds, tabs.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Ferreira Caixeta.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás,
Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, 2009.
Bibliografia.
Inclui lista de quadros e tabelas e de abreviaturas.
1. Demências 2. Transtornos cognitivo 3. Neuroinfecções. 4. Neuropsicologia 5. Neuropsiquiatria I. Título.
CDU: 6161.892.3
3
“Não poríamos a mão no fogo pelas
nossas opiniões: não temos assim tanta
certeza delas. Mas talvez nos deixemos
queimar para podermos ter e mudar as
nossas opiniões.”
Friedrich Wilhelm Nietzsche
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos pacientes pela gentileza; ao meu orientador pela paciência, a minha
família pela compreensão; a minha namorada pela paciência e força; as acadêmicas
de Medicina; aos profissionais do HDT, enfim... a todos que colaboraram de alguma
forma para a execução deste trabalho. Obrigado!
5
Dedico este trabalho ao meu avô Fritz...quisera eu ter sua
força e coragem.
6
SUMÁRIO
Resumo
Abstract
Lista de quadros e tabelas
Lista de abreviaturas
1 Introdução.............................................................................................................12
1.1 Encefalite Herpética................................................................................................15
1.2 Encefalopatia pelo HIV............................................................................................16
1.3 Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva.............................................................17
1.4 Neurotoxoplasmose.................................................................................................17
1.5 Panencefalite Esclerosante Subaguda....................................................................18
1.6 Meningites virais......................................................................................................18
1.7 Meningites Bacterianas Agudas..............................................................................19
1.8 Neurotuberculose....................................................................................................20
1.9 Neurossífilis.............................................................................................................21
1.10 Neurocisticercose..................................................................................................22
1.11 Meningites fúngicas...............................................................................................22
2 Justificativa...........................................................................................................24
3 Objetivos................................................................................................................25
4 Material e métodos............................................................................................26
5 Resultados............................................................................................................29
5.1 Meningite viral.........................................................................................................37
5.2 Encefalopatia pelo HIV............................................................................................38
5.3 Neurocriptococose...................................................................................................39
5.4 Neurotoxoplasmose.................................................................................................40
5.5 Meningites Bacterianas Agudas..............................................................................41
7
5.6 Outros diagnósticos.................................................................................................42
6 Discussão..............................................................................................................43
7 Conclusões...........................................................................................................47
8 Considerações finais........................................................................................47
Referências bibliográficas..................................................................................48
Anexos.......................................................................................................................56
8
Resumo
Várias doenças infecciosas e parasitárias foram descritas como possíveis
causadoras de prejuízos cognitivos, destacando-se as neuroinfecções que, pela
localização no SNC, podem evolver para quadros demenciais francos (embora
passíveis de reversão). As vastas possibilidades etiológicas tem como resultado
grande heterogeneidade de sintomas neuropsiquiátricos, o que pode dificultar a
avaliação clínica, mas se utilizarmos recursos de testagem neuropsicológica,
aumentam-se as chances de detecção de sintomas cognitivos e comportamentais e
consequentemente a precisão diagnóstica. O objetivo do estudo é estimar a
prevalência de alterações cognitivas e demências nas neuroinfecções, além de
caracterizar os sintomas psiquiátricos co-mórbidos.
A amostra foi composta por 60 pacientes portadores de infecção do SNC no
intuito de identificar possíveis alterações do desempenho no Mini-Exame do Estado
Mental (MEEM) e questionário de atividades da vida diária de Pfeffer, além de realizar
avaliação comportamental através do questionário BEHAVE-AD.
Através da aplicação do MEEM e questionário de Pfeffer verificamos que 20
pacientes (33,3% da amostra) apresentaram transtornos cognitivos sem demência e
23 pacientes foram diagnosticados como demenciados, sendo este o quadro
neuropsicológico mais prevalente (38,3% dos pacientes). Se incluirmos os pacientes
com transtornos cognitivos sem demência e aqueles com demência em um só grupo,
vamos obter um total de 71,7% da amostra estudada. No aspecto psiquiátrico,
encontramos quadro de apatia em 30% dos casos e irritabilidade em 43,4% do total de
pacientes.
Através deste estudo, observamos alta prevalência de transtornos cognitivos
(incluindo
demências)
entre
os
quadros
de
neuroinfecções,
além
de
rica
sintomatologia psiquiátrica associada, demonstrando a necessidade de investigação
de aspectos cognitivos e comportamentais nos pacientes portadores de infecções do
SNC.
Palavras-chave: Neuroinfecções. Transtornos cognitivos. Demências. Neuropsicologia.
Neuropsiquiatria.
9
Abstract
Several infectious and parasitic diseases have been described as possible
causes of cognitive loss, especially the neuroinfections that the location in the CNS,
may evolve into frank dementia table (although subject to reversal). The vast
possibilities as a result has large etiological heterogeneity of neuropsychiatric
symptoms, which may hinder the clinical evaluation, but if using neuropsychological
testing, it increases the chances of detection of cognitive and behavioral symptoms and
therefore the diagnostic accuracy. The objective of the study is to estimate the
prevalence of dementia and cognitive changes in neuroinfections, and characterize the
co-morbid psychiatric symptoms.
The sample comprised 60 patients with infection of the CNS in order to identify
possible changes in performance in Mini-Mental State Examination (MMSE) and a
questionnaire on activities of daily living for Pfeffer, and conduct behavioral
assessment by questionnaire BEHAV - AD.
By applying the MMSE and the Pfeffer questionnaire found that 20 patients
(33.3% of the sample) had cognitive disorders without dementia and 23 patients were
diagnosed as dementia, which is the framework neuropsychological most prevalent
(38.3% of patients). If we include patients with cognitive disorders without dementia
and those with dementia in one group, we obtain a total of 71.7% of the sample
studied. In the psychiatric aspect, are part of apathy in 30% of cases and irritability in
43.4% of patients.
Through this study, high prevalence of cognitive disorders (including dementia)
between the tables of neuroinfecções, and psychiatric symptoms associated with rich,
demonstrating the need for investigation of cognitive and behavioral aspects in patients
with infections of the CNS.
Keywords:
Neuroinfections.
Cognitive
disorders.
Dementias.
Neuropsychology.
Neuropsychiatry.
10
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 1 – Causas infecciosas e parasitárias que podem apresentar quadros
demenciais (Almeida et al., 2005).
Tabela 1 – Média e variações observadas (valores mínimos e máximos) das variáveis
demográficas do total da amostra (n=60).
Tabela 2 – Número de pacientes e distribuição em porcentagem de acordo com o
diagnóstico.
Tabela 3 – Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no total da amostra, adotando como valores referenciais estudo de Brucki et al.
(2003).
Tabela 4 – Pontuações médias do MEEM e do questionário de Pfeffer de acordo com
os grupos diagnósticos dos pacientes com neuroinfecções.
Tabela 5 – Prevalência de transtornos cognitivos e demências em relação aos
diagnósticos encontrados.
Tabela 6 - Prevalência de sintomas psiquiátricos, utilizando o questionário BEHAVEAD por categoria diangóstica.
Tabela 7 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Meningite Viral - valores referenciais de acordo com estudo de Brucki et al.
(2003).
Tabela 8 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo com Encefalopatia pelo HIV - valores referenciais de acordo com estudo de
Brucki et al. (2003).
Tabela 9 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Neurocriptococose (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003).
Tabela 10 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Neurotoxoplasmose, adotando valores referenciais de acordo com Brucki
et al. (2003).
Tabela 11 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Meningites Bacterianas, adotando valores referenciais de acordo com
Brucki et al. (2003).
Tabela 12 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo “Outros diagnósticos” (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003).
11
LISTA DE ABREVIATURAS
EH – Encefalite Herpética
LEMP – Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva
PEES – Panencefalite Esclerosante Subaguda
PGP – Paralisia Geral Progressiva
NCC – Neurocisticercose
SNC – Sistema Nervoso Central
HDT – Hospital de Doenças Tropicais
SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
MEEM – Mini-exame do Estado Mental
MBA – Meningite Bacteriana Aguda
HIV – Human immunodeficiency virus
12
1 Introdução
Demências constituem síndromes caracterizadas por: alterações cognitivas
(hipomnésia, déficit na atenção, declínio intelectual, afasia, apraxia, agnosia etc.),
alterações
do
comportamento
(inquietação,
insônia,
sintomas
depressivos,
alucinações, delírios etc.), prejuízo funcional (limitações nas atividades da vida diária,
incluindo laborais e sociais) (Neary, 1994; Mutarelli, 1999; Caixeta, 2004). Se os
prejuízos cognitivos ou comportamentais não são suficientes para prejudicar
funcionalmente o paciente, então utilizamos o termo: comprometimento cognitivo leve
(que já pode ser um indício de quadro demencial incipiente) (Petersen et al., 2001).
Quadros demenciais reversíveis ocorrem em dez a vinte por cento dos casos
de demência, sendo que até o início do século passado o conceito de irreversibilidade
estava incluso no conceito de demência, fato esse modificado pelo sucesso no
tratamento da Neurolues com o advento da malarioterapia (Senties-Madrid & EstanolVidal, 2006; Steel, 1926).
A prevalência das demências infecciosas é maior em pacientes adultos e présenis, porém também há relato de casos em crianças, adolescentes e idosos. As
demências degenerativas primárias (como, por exemplo, a Doença de Alzheimer)
ocorrem em idades mais avançadas, dessa forma é imperativo uma investigação de
causas infecciosas para os quadros demenciais em pacientes jovens e de meia-idade
(Asada, 2008).
Houve um acréscimo na esperança de cura dos pacientes com quadros
demenciais após a descoberta de etiologias infecciosas para alguns casos de
demência, tanto pelo próprio tratamento específico para a infecção, como pelo fato de
haver um estímulo a estudos que envolvam investigações de possíveis causas
virológicas para doenças como Doença de Alzheimer e Doença de Pick (Urosevic et
al., 2008).
Entre as doenças infecciosas e parasitárias que podem causar demência,
podemos citar doenças comuns, mas que raramente causam demências (como as
Meningites Bacterianas Agudas, Malária ou Doença de Chagas), doenças com alta
prevalência em nosso meio e que podem se manifestar como síndrome demencial
(Neurocisticercose ou SIDA), além de doenças raras, mas que a apresentação
geralmente é por síndrome demencial como Panencefalite Esclerosante Subaguda
(PEES), Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP) ou Doenças Priônicas
(Quadro 1).
13
Quadro 1 – Causas infecciosas e parasitárias que podem apresentar quadros
demenciais (Almeida et al., 2005).
Bacterianas
Virais
Fúngicas
Protozoários e
Priônicas
Doença de Lyme
Encefalite
Histoplamose Cerebral
Helmintos
Neurotoxoplasmose
Doença de
Herpética
Candidíase Cerebral
Neurotuberculose
Esporotricose Cerebral
LEMP
Doença de Whipple
Neurossífilis
Doença de Chagas
Jakob
Malária
Kuru
Actinomicose Cerebral
Neuroparacoccidioidomicose
PEES
Creutzfeldt-
Aspergilose Cerebral
Cromomicose Cerebral
Meningites
Nocardiose Cerebral
virais
Cladosporiose
Neurocisticercose
Neurocriptococose
LEMP – Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva
PEES – Panencefalite Esclerosante Subaguda
Observamos uma explosão recente de trabalhos científicos relatando prejuízos
cognitivos em pacientes com meningite, em parte pela valorização atual do campo da
neuropsicologia - o que surpreendentemente não era observado no passado, a
despeito da importância das funções mentais superiores nos desempenhos social,
laboral e acadêmico. No entanto, não há relatos na literatura científica de trabalhos
estabelecendo a prevalência de transtornos cognitivos e demências de etiologias
infecciosas e suas repercussões neuropsiquiátricas com aplicação de testes
neuropsicológicos.
A diversidade de neuroinfecções, bem como a heterogeneidade de sintomas
cognitivos e comportamentais dificulta a realização de correlações entre estas
afecções, assim como a busca de um padrão de comprometimentos neuropsicológicos
para cada uma delas. O Brasil apresenta, contudo, uma das mais altas taxas de
neuroinfecções do mundo (Escosteguy et al., 2004), o que consequentemente torna o
campo de estudo bastante vasto e as pesquisas promissoras.
Verificamos uma intersecção entre especialidades médicas no estudo das
demências de etiologias infecciosas, a saber: Infectologia, Neurologia e Psiquiatria. A
introdução de um outro método na pesquisa, no caso o neuropsicológico, demonstra a
necessidade de uma abordagem interdisciplinar nesta área. É claro que os mais
diversos pontos de vista, desde que sustentados em bases científicas, ajudam a
14
entender melhor o processo da doença e, nesse caso, o paciente só tem a ganhar,
desde que os resultados dos estudos sejam convertidos para a melhoria do
tratamento. Nesse sentido, o destaque para os aspectos cognitivos pode e deve ser
realizado, uma vez que a reabilitação terá maior chance de sucesso se houver correta
identificação das limitações em cada área cerebral relacionada às funções superiores.
Os prejuízos cognitivos não necessariamente ocorrem em todos os pacientes
com alguma seqüela de neuroinfecção, mas especialmente algumas delas se
destacam devido à preferência anatômica da lesão ou pelo mecanismo fisiopatológico
envolvido. Algumas das mais relevantes serão discutidas, segundo os aspectos
cognitivos, a saber: Encefalite Herpética, Encefalopatia pelo HIV, Leucoencefalopatia
Multifocal Progressiva, Neurotoxoplasmose, Panencefalite Esclerosante Subaguda,
Meningites virais, Meningites bacterianas agudas, Neurotuberculose, Neurossífilis,
Neurocisticercose e meningites fúngicas.
1.1 Encefalite Herpética
15
Os prejuízos cognitivos dos pacientes sequelados pela Encefalite Herpética
(EH) caracterizam-se por amnésia anterógrada e prejuízo da memória semântica (pelo
acometimento das regiões temporais) e de funções executivas, relacionadas aos lobos
frontais (Hokkanen & Launes, 2007).
Embora a existência de confabulações seja uma característica da síndrome de
Korsakoff, as mesmas também podem ocorrer na EH (Ishihara et al., 2000). Del
Grosso et al. (2002) chamam a atenção para possível quadro de confabulações com a
publicação de relato de caso, em que foi observado também disfunção executiva.
Em 2007, Noppeney e colaboradores publicaram estudo comparando
acometimento dos lobos temporais na EH e na Demência Semântica, sendo que em
ambos os grupos houve comprometimento estrutural das regiões anteriores dos lobos
temporais esquerdos até as amígdalas, reforçando a importância do prejuízo da
memória semântica nesta encefalite.
A persistência do vírus no tecido encefálico (forma crônica da infecção) pode
levar a uma reativação do mesmo e, como conseqüência, a deflagração de uma
demência do tipo progressiva (Khmara et al., 1995).
Os benefícios óbvios da terapêutica com Aciclovir, como a diminuição na
morbimortalidade, são conhecidos, mas os ganhos também ocorrem na recuperação
cognitiva dos pacientes (Hokkanen & Launes, 1995; Kaplan & Bain, 1997). Um campo
promissor
no
tratamento
dos
sobreviventes
encontra-se
na
reabilitação
neuropsicológica, visando à compensação e adaptação dos prejuízos cognitivos
destes pacientes (Miotto, 2007).
1.2 Encefalopatia pelo HIV
16
O complexo demencial relacionado ao HIV pode ser dividido em distúrbio
cognitivo-motor menor associado ao HIV e complexo demencial associado ao HIV.
Lembremos que o espectro das manifestações neurológicas relacionadas ao HIV é
amplo, já que o acometimento do SNC pode ocorrer por agressão direta do vírus bem
como por doenças secundárias à imunodeficiência (Budka et al., 1991).
O vírus HIV-1 pode afetar o SNC já nos primórdios da doença e há uma
predileção por estruturas subcorticais, lobos frontais e sistema límbico. Os transtornos
cognitivos
e
demência
associados
ao
HIV
apresentam
manifestações
predominantemente subcorticais - lentificação global do pensamento, apatia, inércia,
hipomnésia e diminuição da fluência verbal (Navia et al., 1986; Petty, 1994), ocorrendo
principalmente na faixa etária de 30 a 44 anos e com demência presente em 7,2% dos
casos (Jansen et al., 1991). Em estudo de Castellon et al. (1998) verificou-se que o
quadro de apatia foi fortemente associado ao pior desempenho na memória de
trabalho. Com a evolução da doença, os pacientes passam a apresentar piora da
apatia, falta de concentração e diminuição das capacidades de abstração e
planejamento, muitas vezes mimetizando um quadro de depressão maior (Navia et al.,
1986).
O complexo demencial associado ao HIV apresenta critérios clínicos para o
diagnóstico de AIDS, porém a forma menor isoladamente não apresenta número de
critérios suficientes. Esse aspecto pode dificultar bastante a percepção do quadro,
uma vez que ocorre discreta lentificação na realização de atividades complexas, além
disso, os exames físico, neurológico e do estado mental podem apresentar-se
normais. Em estudo de Castro & Nitrini (1991) verificou-se que o teste
neuropsicológico trail making apresenta grande sensibilidade para o diagnóstico de
demência na encefalopatia pelo HIV uma vez que avalia velocidade de processamento
de informações, concentração e atenção.
1.3 Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva
17
A Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP) é uma doença com
acometimento da substância branca encefálica causada pelo vírus JC (papovavírus),
em que se observa destruição de oligodendrócitos (Murayama et al., 2006).
As principais manifestações clínicas ocorrem inicialmente através de
hemiparesia ou hemianopsia, mas os prejuízos cognitivos podem já ocorrer no início
do quadro, principalmente com alterações da linguagem (Murayama et al., 2006).
Várias outras funções cognitivas podem ser alvos da doença como gnosia e memória,
destacando-se também déficit de atenção e lentificação do pensamento (sintomas com
“padrão” subcortical). Diversos outros sinais de acometimento da substância branca
também podem ser encontrados, como tremores e lentificação motora. Tais
manifestações clínicas podem ser confundidas com as do complexo AIDS-demência
em alguns casos, porém o diagnóstico do complexo AIDS-demência deve ser de
exclusão, além do que, na LEMP a evolução e deteriorações neurológicas e cognitivas
são bem mais rápidas. Paul et al. em 2007 destacaram o aumento dos prejuízos no
desempenho cognitivo de pacientes HIV+ portadores de LEMP quando comparados
aos controles soropositivos sem esta co-morbidade. Com a progressão da doença
podem surgir convulsões e nos estágios mais avançados inevitavelmente ocorre
demência grave (Zunt et al., 1997).
1.4 Neurotoxoplasmose
Diversos estudos têm relatado piora no desempenho psicomotor de pacientes
acometidos por Neurotoxoplasmose, além de diferenças na personalidade entre os
infectados e não infectados, mesmo nas formas latentes de Toxoplasmose (Havlicek
et al., 2001; Flegr & Hrdz, 1994; Lindová et al., 2006). No entanto, a literatura
correlacionando toxoplasmose cerebral e alterações cognitivas é bastante escassa.
Em estudo de 2003, Flegr et al. verificaram não apenas alterações na performance
psicomotora e personalidade dos infectados, mas também um pior desempenho
intelectual e uma menor chance de atingir níveis educacionais elevados.
1.5 Panencefalite Esclerosante Subaguda
18
A Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES) é uma doença causada por
um vírus “lento” (sarampo) com acometimento do SNC de forma progressiva e
irreversível. A despeito das freqüentes e múltiplas manifestações neurológicas da
doença, há casos com apresentação quase que apenas como demência progressiva
do tipo cortical, conforme relato de Frings e coloboradores (2002) - inclusive sem
apresentação de mioclonias, distonias ou convulsões. Em estudo realizado com 19
crianças e adolescentes com PEES, Swift e colaboradores (1984) observaram que os
prejuízos cognitivos foram mais graves naqueles que iniciaram a doença em período
de menor idade (4 a 13 anos), comparados àqueles que inauguraram os sintomas
mais tardiamente (entre 14 e 18 anos), inclusive nesse aspecto, a PEES permite a
criação de um modelo de estudo da dinâmica da desintegração de uma personalidade
normal em construção, com uma perda progressiva das funções cognitivas numa
ordem inversa à de aquisição. Nesse sentido e destacando a necessidade de um
diagnóstico precoce, alguns autores procuraram criar escalas direcionadas para esse
fim (Nester, 1996; Oktem et al., 1997), além da utilização das mesmas para o
seguimento dos pacientes (já que nem todos os casos evoluem de forma fulminante),
destacando os aspectos cognitivos da afecção e o fato de nem sempre esses
aspectos serem valorizados.
1.6 Meningites virais
Em 2006, Schimidt et al. realizaram estudo analisando as seqüelas
neuropsicológicas de pacientes que apresentaram meningites virais em comparação
àqueles que sofreram meningites bacterianas. Neste estudo, foram observados que
em ambos os grupos de casos de meningites ocorreram prejuízos estatisticamente
significantes nas funções cognitivas de forma global, porém foram mais proeminentes
nos casos de meningites bacterianas. O mesmo ocorreu em relação às funções
executivas: comprometidas em ambos, contudo mais intensas nos casos bacterianos.
Destaca-se no mesmo trabalho a diferença mais acentuada nos achados em relação à
memória de curto prazo e memória de trabalho, cujos comprometimentos se
mostraram menos acentuadas nos casos de meningites virais. Em suma, os prejuízos
19
cognitivos parecem ser menos intensos nos casos de meningites virais quando
comparados às meningites bacterianas.
Seqüelas cognitivas também foram observadas por Chang et al. (2007) através
de estudo de seguimento com 142 crianças que apresentaram meningite por
Enterovirus. Como seria de se esperar, as seqüelas cognitivas foram maiores
naqueles que apresentaram a infecção mais precocemente, porém aqueles que
apresentaram parada cardíaca no intercurso da doença foram os que evoluíram com
prejuízos cognitivos mais intensos.
Já em adultos sobreviventes de meningites virais, as funções que
apresentaram desempenho inferior foram principalmente as de memória não-verbal,
atenção e velocidade no desempenho cognitivo, de acordo com estudo de Sittinger et
al. (2002).
1.7 Meningites Bacterianas Agudas
Vários estudos têm documentado os prejuízos cognitivos secundários às
meningites bacterianas (Weisfelt et al., 2006; Schmidt et al., 2006; Hoogman et al.,
2007). O aumento no número de trabalhos apresentando essa correlação deve-se, em
parte à valorização e aplicação de testes neuropsicológicos em um campo que não se
observava no passado. Especialmente nos casos das meningites bacterianas,
podemos encontrar desempenhos mais pobres nas funções executivas, linguagem,
memórias de trabalho e de curto prazo, quando comparadas a indivíduos saudáveis ou
até mesmo em relação aos casos de meningites virais (Schmidt et al., 2006).
Anderson et al. (1997) destacam também a importância da idade no momento
da infecção, apontando que quanto mais jovem for o paciente no momento da
meningite, maiores são as chances de seqüelas cognitivas.
Hoogman et al. (2007) publicaram estudo com sobreviventes de meningites
bacterianas e observaram que um terço dos casos apresentava comprometimento
cognitivo, o que pareceu ser maior nos casos de meningites pneumocócicas quando
comparados aos casos de meningites meningocócicas. Os testes específicos de
memória também se mostraram piores nos pacientes com meningites pneumocócicas.
20
Porcentagem semelhante (32%) de crianças com limitações acadêmicas também foi
observada em estudo com 182 escolares (Koomen et al., 2004).
Os testes de linguagem aplicados a crianças entre 9 e 11 anos, também
demonstraram prejuízos no desenvolvimento desta habilidade cognitiva, conforme
trabalho de Pentland et al. (2000).
1.8 Neurotuberculose
O reconhecimento dos prejuízos cognitivos na neurotuberculose, em especial a
hipomnésia, tem sido descrito pela literatura há décadas – diferentemente do que
ocorreu com os casos de meningites bacterianas agudas (Williams & Smith, 1954). Já
na década de 60 do século XX, Lorber observou que 6% de crianças sobreviventes de
Neurotuberculose apresentaram retardo mental profundo e mesmo quando a doença
acometera
adultos (visto que o esperado seriam menos seqüelas), porcentagem
semelhante foi encontrada de pacientes com quadro demencial (Falk, 1965). Déficit
cognitivo também foi observado em 60 de 76 crianças com Neurotuberculose, bem
como alta porcentagem de distúrbios emocionais e desempenho acadêmico ruim das
mesmas (Schoeman et al., 2002).
Estudos recentes têm demonstrado que, dentre as seqüelas cognitivas e
comportamentais tardias possíveis na Meningotuberculose, podemos encontrar o
Transtorno de Hiperatividade com Déficit de Atenção (Wait et al., 2002). Estes autores
postulam que tais déficits podem ser explicados pelo comprometimento de estruturas
tronculares
na
Meningotuberculose
(as
lesões
desta
doença
localizam-se
preferencialmente nas porções mais basais do encéfalo, entre as quais o tronco
encefálico), as quais estariam envolvidas na regulação dos processos atencionais.
Além disso, estes autores encontraram também um aumento em de alterações do
comportamento nestas 21 crianças estudadas longitudinalmente, quando comparadas
ao grupo controle, tais como: dificuldades de sociabilização, traços obsessivocompulsivos, agressividade.
21
1.9 Neurossífilis
A Neurossífilis ocorre como uma meningoencefalite progressiva que ocorre
cerca de 10 a 20 anos após a infecção inicial não tratada. Seu início é insidioso, com
deterioração sutil da cognição que se manifesta com dificuldade de concentração,
irritabilidade, falta de interesse e discretas alterações de memória (Vargas et al.,
2000).
Na
Neurossífilis
podemos
observar
as
mais
diversas
síndromes
neuropsiquiátricas, entre elas variados transtornos cognitivos e demência, a depender
do estágio da doença no paciente e de como ocorreu a evolução fisiopatogênica - que
também é bastante heterogênea (Binder et al., 1980). No entanto, são nos casos de
Paralisia Geral Progressiva (PGP) que encontramos a maioria das síndromes
cognitivas, em especial nas formas classificadas como “demenciais simples”. Nessa
formas verificam-se inícios insidiosos que evolvem com rápidas perdas de funções
executivas, hipomnésia e sintomas produtivos - além das conseqüentes alterações
comportamentais e sintomatologia neurológica (Ravi et al., 1984).
É bastante comum a demência ser acompanhada ou mesmo precedida de
sintomas produtivos e neurológicos diversos, daí verificarmos usualmente na PGP
quadros mistos ou atípicos como: taboparalisia (associação de PGP com tabes
dorsalis); paralisia geral de Lissauer (apresentando exuberante sintomatologia
neurológica focal como paresias, convulsões e fenômenos cerebelares com
acometimento demencial tardio); paralisia geral senil (estado demencial acentuado
associado a sintomas neurológicos, com ocorrência entre 60 e 85 anos de idade)
(Silva & Sougey, 1997).
As primeiras manifestações podem ser evidenciadas por tremores faciais ou
das mãos, fala apressada ou pouco compreensível e mesmo um quadro composto por
mioclonias e convulsões, semelhante a uma encefalite viral aguda ou delirium.
Posteriormente, as alterações de comportamento mostram-se acentuadas, tornando o
paciente, muitas vezes, uma pessoa inadequada com significativa diminuição da
censura, levando-o a cometer alguns delitos, como atentados ao pudor, furtos ou
desenvolvimento
de
um
quadro
paranóide,
fazendo
com
que
ocorram
constrangimentos ou freqüentes discussões familiares. Em um momento subseqüente,
o quadro torna-se semelhante a um estado demencial orgânico qualquer, que evolverá
em associação a relaxamento muscular generalizado (fácies atônica), além de
espasmos faciais, movimentos distônicos em forma de mastigação e fibrilações
peribucais. Com a progressão da doença, o paciente começa a apresentar tremores
de extremidades (se antes não os apresentava), disartria, afasias, agnosias, praxias,
22
convulsões e perda do controle dos esfíncteres. A marcha torna-se progressivamente
mais comprometida e logo o enfermo não consegue se manter mais ereto,
permanecendo no leito e evolvendo brevemente para o óbito. Se não tratada, a
doença progride de forma insidiosa em um período de três a quatro anos (Mandell,
2000).
1.10 Neurocisticercose
Encontramos vários estudos desde o século XIX relatando declínio cognitivo
em casos de Neurocisticercose (NCC), mas a grande maioria não se utilizou de
testagem neuropsicológica (Kuchenmeister, 1886; Treatiakoff & Pacheco e Silva,
1924; Pupo et al., 1946; Bastos, 1953), o que tornam seus achados questionáveis
(Caixeta et al. 2004). Em estudo mais recente já utilizando testagem neuropsicológica,
Forlenza et al. relataram prejuízo cognitivo em 87,5% de pacientes com NCC,
enquanto em outro estudo de 1994, com 10 pacientes, verificou-se que 100%
apresentaram critérios para demência (Tavares, 1994). Já Nitrini et al. em 1995 não
observaram qualquer caso de demência em amostra de 100 pacientes e outro estudo
indiano de 2002 verificou 8% de casos demenciais em uma amostra maior de
pacientes com Neurocisticercose (Jha, 2002).
1.11 Meningites Fúngicas
Há pouquíssimos relatos sobre alterações cognitivas relacionadas aos diversos
tipos de meningites fúngicas; o que observamos é que as alterações cognitivas
relatadas guardavam relação com alterações do nível de consciência, sendo assim
impossível estabelecer diagnóstico de comprometimento cognitivo leve ou demência
(Masquin & Masquin, 1970; Wells, 1977). No entanto, Utz em estudo com 33 pacientes
portadores de mengintes fúngicas (histoplasmose e neurocriptococose) verificou que
três pacientes apresentaram comprometimentos cognitivos (Utz, 1964); nesse mesmo
estudo, foi observado que as alterações cognitivas nos casos de histoplasmose
23
ocorreram no contexto de confusão mental, o que não ocorreu nos casos de
neurocriptococose.
2 JUSTIFICATIVA
24
Verificamos que alterações cognitivas secundárias às neuroinfecções foram
relatadas pela literatura científica, no entanto, ainda observamos que os aspectos
neuropsicológicos nem sempre são valorizados durante a avaliação médica do
paciente. Nesse sentido, existe uma carência de estudos que abordem as alterações
neuropsiquiátricas nas doenças infecciosas e parasitárias. Esta lacuna repercute
diretamente na falta de assistência neuropsiquiátrica desses pacientes portadores de
seqüelas cognitivas e comportamentais, tanto no acompanhamento em regime de
internação
quanto
ambulatorial.
Não
existindo
o
diagnóstico
da
condição
neuropsiquiátrica, não haverá reabilitação do paciente.
Notamos que existe uma cultura nos serviços de Infectologia de focar apenas a
investigação e o tratamento etiológicos, em detrimento de considerações a respeito do
prognóstico funcional e aspectos neuropsiquiátricos associados à readaptação social
do paciente.
O presente estudo também permite a oportunidade de correlacionarmos
síndromes neuropsiquiátricas a substratos neuroanatômicos razoavelmente bem
definidos, na medida em que se utiliza uma abordagem neuropsicológica.
A importância do trabalho também se justifica pelo fato de não haver trabalhos
(especialmente em Goiás) em hospital de referência sobre o assunto. Além disso, os
transtornos cognitivos e estados demenciais são passíveis de tratamento desde que
adequadamente identificados.
3 OBJETIVOS
25
 Descrever a prevalência dos transtornos cognitivos e demências em pacientes com
histórico de neuroinfecções em serviço de referência em doenças infecto-parasitárias
 Realizar a comparação dos possíveis prejuízos cognitivos e quadros demenciais
entre os diversos diagnósticos de neuroinfecções através de avaliação cognitiva.
 Avaliar o grau de comprometimento funcional destes pacientes
 Descrever sintomatologia psiquiátrica secundária às neuroinfecções
 Realizar confrontação dos achados com os trabalhos encontrados na literatura
4 Material e Métodos
26
Material
Estudo prospectivo desenvolvido junto ao departamento de Medicina Tropical e
Dermatologia nas enfermarias e ambulatórios do Hospital de Doenças Tropicais
(HDT).
O delineamento desse estudo de prevalência permite medir a frequência dos
eventos (transtornos cognitivos e comportamentais) na população de pacientes com
neuroinfecções internados em um determinado período de tempo.
Foi avaliada uma amostra de adultos portadores de neuroinfecções. Sessenta
pacientes consecutivos, entre 18 e 63 anos de idade, não selecionados previamente,
internados no Hospital de Doenças Tropicais, no período de dezembro de 2007 a
dezembro de 2008.
Os
pacientes
excluídos
foram
aqueles
portadores
de
sintomatologia
neurológica não decorrente da própria neuroinfecção, com histórico de alcoolismo ou
uso de drogas ilícitas e portadores de condição psiquiátrica prévia. Também foram
excluídos os pacientes que apresentavam quadro de ataxia ou plegia de membros
superiores (devido à necessidade de escrever ou desenhar durante o exame), os
portadores de amaurose e aqueles sem capacidade de comunicação verbal. Pacientes
que apresentavam rebaixamento do nível de consciência ou confusão mental
(delirium) também foram excluídos.
Os diagnósticos das neuroinfecções foram realizados através de critérios
clínicos, laboratoriais e de neuroimagem, tendo sido incluídos casos de meningites ou
meningoencefalites e pacientes com encefalopatia pelo HIV sem meningite associada.
O Comitê de Ética e Pesquisa do HDT autorizou o presente trabalho. Todos os
pacientes foram submetidos a um termo de consentimento informado assinado pelos
pacientes, ou familiares responsáveis.
Métodos
27
Os pacientes foram submetidos às seguintes modalidades de avaliação:
 Avaliações da idade, escolaridade, sexo e diagnóstico
 Avaliação cognitiva global através do Mini-Exame do Estado Mental (MEEM)
(Folstein et al., 1975). Esta avaliação foi realizada com pontos de corte diferenciados
segundo o nível de instrução (20 para analfabetos, 25 para aqueles com escolaridade
entre 1 e 4 anos, 26 para os pacientes com escolaridade entre 5 e 8 anos, 28 para
escolaridade entre 9 e 11 anos e 29 para aqueles com mais de 11 anos) (Brucki et al.,
2003).
 Atividades da vida diária através do Questionário de atividades funcionais (Pfeffer et
al., 1982), em que pontuação maior ou igual a 6 indica dependência para realização
das atividades instrumentais de vida diária.
 Foram considerados portadores de demência aqueles pacientes que apresentaram
pontuação no MEEM abaixo do valor referencial (de acordo com a escolaridade)
associada a pontuação maior ou igual a 6 no Questionário de Pfeffer.
 Pacientes que não preencheram os critérios para demência, mas que apresentaram
alterações no MEEM ou Questionário de Pfeffer foram classificados como portadores
de transtornos cognitivos.
 Avaliação comportamental através do questionário BEHAVE-AD (Reisberg et al.,
1987).
Tratamento Estatístico
 Descrição dos dados demográficos individuais e a prevalência dos sintomas
cognitivos e comportamentais na amostra.
28
 Comparação entre os grupos de doenças, avaliando semelhanças e diferenças dos
resultados obtidos em cada avaliação proposta.
 Realização de estatística descritiva do conjunto de doenças, efetuando cruzamento
com os achados epidemiológicos (como sexo e idade) e pontuações obtidas no Miniexame do Estado Mental e Questionário de Pfeffer, obtendo média, desvio-padrão e
frequência.
 Realização do teste Kolmogorov-Smirnov, utilizado para checar se os dados
apresentam distribuição normal, pois a escolha do procedimento estatístico a se
aplicar, depende desta informação. Utilização do Teste t de Student comparando as
médias dos achados neuropsicológicos de toda a amostra (desde que apresentassem
distribuição normal) com os valores referenciais obtidos através da literatura, uma vez
que não incluímos grupo-controle. O Teste t também foi utilizado para comparar as
médias dos achados neuropsicológicos de cada grupo de doença em separado com
os valores referenciais da literatura.
 Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
5 Resultados
29
Dados demográficos da amostra
Todos os 60 pacientes são brasileiros e residentes em Goiás. Há uma
predominância do sexo masculino: 68,3% (n=41), com mulheres representando 31,7%
(n=19) da amostra. A média de escolaridade dos pacientes se mostrou baixa: 7,3 anos
com desvio padrão de 3,8 anos (Tabela 1). A idade dos pacientes variou de 18 a 63
anos (média: 36,3 anos, desvio padrão: 10,7) (Tabela 1).
Tabela 1 – Média e variações observadas (valores mínimos e máximos) das variáveis
demográficas do total da amostra (n=60).
Idade
Sexo
Escolaridade
anos (média)
36,3
(18 – 63)
Homens
41
68,3%
Mulheres
anos (média)
19
7,3
31,7%
(0-16)
Quanto à distribuição da freqüência das neuroinfecções, verificamos que o
diagnóstico de Neurocriptococose esteve presente em 13 pacientes (21,7% da
amostra), tendo ocorrido o mesmo o número de pacientes para o diagnóstico de
Neurotoxoplasmose (n=13, 21,7% da amostra). Meningite viral ocorreu em 10
pacientes, perfazendo 16,7% do total. Encontramos também 10 pacientes com
histórico de meningites bacterianas (16,7% da amostra), uma vez que pacientes com
Meningite pneumocócica (n=6, 10% do total) e Meningite meningocócica (n=4, 6,7%
da amostra) foram incluídos em um mesmo grupo. Os pacientes com Encefalopatia
pelo HIV apresentaram um total de 5 indivíduos, representando 8,3% da amostra.
Neurotuberculose (n=4, 6,7% da amostra), Neurocisticercose (n=2, 3,3%), Abscesso
cerebral estafilocócico (n=1, 1,7%), Histoplasmose cerebral (n=1, 1,7%) e Neurossífilis
(n=1, 1,7%) foram incluídos no grupo “Outros diagnósticos” para análise estatística
devido ao baixo n de cada diagnóstico em separado (Tabela 2 e Gráfico 1).
Tabela 2 – Número de pacientes e distribuição em porcentagem de acordo com o
diagnóstico
30
Diagnóstico
Neurocriptococose
Neurotoxoplasmose
Meningite Viral
Meningite pneumocócica
Encefalopatia pelo HIV
Meningite meningocócica
Neurotuberculose
Neurocisticercose
Abscesso cerebral estafilocócico
Histoplasmose cerebral
Neurossífilis
Total
N
13
13
10
6
5
4
4
2
1
1
1
60
%
21,7
21,7
16,7
10,0
8,3
6,7
6,7
3,3
1,7
1,7
1,7
100,0
Gráfico 1 - Prevalência dos diagnósticos em %
25
Neurocriptococose
21,7 21,7
Neurotoxoplasmose
20
Meningite viral
16,7
Meningite pneumocócica
15
Encefalopatia pelo HIV
Meningite meningocócica
10
10
Neurotuberculose
8,3
6,7 6,7
5
Neurocisticercose
3,3
1,7 1,7 1,7
0
Abcesso cerebral
estafilocócico
Histoplasmose cerebral
Neurossífilis
Observamos que os diagnósticos de Neurocriptococose e Neurotoxoplasmose
representaram quase a metade da amostra (43,4%) e todos estes casos ocorreram no
contexto de co-morbidade com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Se
adicionarmos também os casos de Encefalopatia pelo HIV (5 casos) vamos obter um
total de 31 pacientes, ou seja, 51,7% da amostra.
31
MEEM
Na avaliação da amostra como um todo, o MEEM apresentou pontuações com
variação de 3 a 30 pontos (média: 22, desvio padrão: 6,1) . Com relação aos valores
de referência adaptados à escolaridade (Brucki et al., 2003), as faixas de escolaridade
de 1 a 11 anos mostraram-se abaixo do ponto de corte, portanto sugestivo da
32
presença de demência (Tabela 3). No caso do grupo dos analfabetos, apesar de a
média ter sido baixa (17 pontos), o resultado não foi estatisticamente significante
(p=0,33) provavelmente pelo n ter sido muito baixo (n=2) nesse grupo. Já no grupo de
escolaridade maior que 11 anos o n foi igual a 6, e também o resultado de p foi acima
de 0,05 (p=0,06) ou seja, não podemos dizer que do ponto de vista estatístico a média
do MEEM para este grupo foi significativamente abaixo dos valores referenciais.
Tabela 3 – Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no total da amostra, adotando como valores referenciais estudo de Brucki et al.
(2003).
Escolaridade
(anos)
0
1a4
5a8
9 a 11
>11
n
2
11
27
14
6
Média
17,0
20,0
21,1
24,3
25,8
Total MEEM
Desvio Padrão
7,1
5,1
7,2
3,4
4,3
Referência
t
p
≥ 20
≥ 25
≥ 26
≥ 28
≥ 29
-0,60
-3,24
-3,56
-4,03
-1,82
0,33
0,004
0,001
0,001
0,06
Teste t de Student
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
Questionário de Atividades da Vida diária de Pfeffer.
Observamos grande variação no questionário de Pfeffer (0 a 30), indicando que
na amostra estudada existem desde indivíduos funcionalmente normais até aqueles
33
com comprometimento funcional grave. Se considerarmos somente a pontuação
média global obtida no Pfeffer (7,6) temos um valor indicativo de demência.
Tabela 4 – Pontuações médias do MEEM e do questionário de Pfeffer de acordo com
os grupos diagnósticos dos pacientes com neuroinfecções.
Diagnóstico
Meningites virais
Encefalopatia pelo HIV
Neurocriptococose
MBA
Neurotoxoplasmose
Outros
MEEM
Pfeffer
21,5
16,2
23,5
24,8
21,9
20,3
7,0
9,4
7,1
0
12,0
10,1
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
MBA – Meningites Bacterianas Agudas
Transtornos cognitivos e demências
A partir dos critérios estabelecidos para diagnóstico de transtornos cognitivos e
demências (baixo desempenho no MEEM e questionário Pfeffer) obtemos a
prevalência destas entidades em cada grupo de neuroinfecção (Tabela 5).
Tabela 5 – Prevalência de transtornos cognitivos e demências em relação aos
diagnósticos encontrados.
Normal
Transtornos
cognitivos
Demências
34
Meningites virais
4
3
3
Encefalopatia pelo HIV
0
2
3
Neurocriptococose
5
4
4
Neurotoxoplasmose
1
3
9
MBA
5
5
0
Outros
2
3
4
Total
17
20
23
MBA – Meningites Bacterianas Agudas
Observando a Tabela 5, percebemos que o total de pacientes com transtorno
cognitivo foi igual a 20 (ou seja, um terço do total) e de portadores de demência igual a
23 (correspondente a 38,3% da amostra) (Gráfico 2). Observamos também que se
colocarmos os pacientes portadores de transtorno cognitivo no mesmo grupo dos
portadores de demência, vamos obter uma porcentagem de quase 72% (71,7%) do
total de pacientes (Gráfico 3).
Gráfico 2 – Distribuição do total da amostra segundo categorização cognitiva
35
Demências
39%
Normal
28%
Normal
Transtornos cognitivos
Demências
Transtornos
cognitivos
33%
Gráfico 3 – Representação gráfica da prevalência de transtornos cognitivos e
demências entre os pacientes avaliados
Normal
28%
Demências e transtornos
cognitivos
Demências e
transtornos
cognitivos
72%
Normal
Sintomas psiquiátricos (BEHAVE-AD)
36
Verificamos no presente estudo que algum sinal ou sintoma psiquiátrico esteve
presente em 83,3% do total de pacientes, ou seja, 50 pacientes, demonstrando uma
alta prevalência sintomatológica. O sintoma mais prevalente foi irritabilidade (48,3% do
total), seguido de tristeza, presente em 45% dos pacientes (Tabela 6).
Tabela 6 - Prevalência de sintomas psiquiátricos, utilizando o questionário BEHAVEAD por categoria diangóstica
Meningites virais
Encefalopatia pelo
HIV
Neurocriptococose
Neurotoxoplasmose
MBA
Outros
Total
Tristeza
3
Apatia
2
Irritabilidade Euforia
5
1
Delírios Alucinações
-
-
1
3
-
-
2
8
9
3
4
27
3
6
12
8
5
2
6
29
1
2
2
1
3
3
3
8
MBA – Meningites Bacterianas Agudas
5.1 Meningite Viral
37
No grupo de meningites virais observamos alterações estatisticamente
significantes na pontuação do MEEM apenas na escolaridade de 9 a 11 anos (p=0,04);
o mesmo não ocorreu na escolaridade de 5 a 8 anos (apesar da média e do n=6) pela
grande variação na pontuação da amostra (3 a 28 pontos).
Tabela 7 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Meningite Viral - valores referenciais de acordo com estudo de Brucki et al.
(2003).
Escolaridade
(anos)
0
1a4
5a8
9 a 11
>11
Total MEEM
Referência
Média Desvio Padrão
≥ 20
12,00
≥ 25
≥ 26
20,7
9,2
≥ 28
24,5
0,7
≥ 29
30,0
-
t
p
-1,4
-7,0
-
0,11
0,04
-
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
A pontuação no questionário de Pfeffer obteve média de 7,0, mas esta não foi
estatisticamente significante (p=0,39), uma vez que o desvio-padrão foi de 10,99 e o
n=10.
Interessante notar a rica sintomatologia de sintomas psiquiátricos neste grupo
(desenvolvida após o início da doença), já que todos apresentavam alguma queixa ou
sintoma: tristeza em 30% dos casos, irritabilidade em 50%, apatia em 2 casos (20%) e
elação do humor em uma paciente.
5.2 Encefalopatia pelo HIV
38
Todos os pacientes apresentaram MEEM abaixo do ponto de corte, porém, do
ponto de vista estatístico e devido ao pequeno tamanho da amostra houve
significância somente no grupo com escolaridade de 1 a 4 anos (já que na
escolaridade de 5 a 8 anos e maior que 11 anos só existia um paciente em cada).
Tabela 8 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo com Encefalopatia pelo HIV - valores referenciais de acordo com estudo de
Brucki et al. (2003).
Escolaridade
(anos)
0
1a4
5a8
9 a 11
>11
Total MEEM
Referência
Média Desvio Padrão
≥ 20
≥ 25
13,7
5,1
≥ 26
19,0
≥ 28
≥ 29
21,0
-
t
p
-4,16
-
0,03
-
Teste t de Student
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
No questionário de Pfeffer não encontramos significância estatística na média
da amostra, embora a média tenha sido de 10,8, o que revela presença de
comprometimento funcional.
Entre as manifestações psiquiátricas encontramos apenas um paciente com
quadro de apatia, 2 pacientes (40% do total) com presença de alucinações auditivas e
60% da amostra com quadro de irritabilidade.
5.3 Neurocriptococose
39
O MEEM não apresentou média significativamente abaixo dos valores
referenciais, de acordo com a escolaridade, já que todos os valores de p foram acima
de 0,05 (Tabela 7).
Tabela 9 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Neurocriptococose (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003).
Escolaridade
(anos)
0
1a4
5a8
9 a 11
>11
Total MEEM
Referência
Média Desvio Padrão
≥ 20
22,5
3,4
≥ 25
23,5
7,0
≥ 26
27,0
≥ 28
24,0
5,7
≥ 29
t
p
-1,46
-1,57
-1,25
0,12
0,09
0,22
Teste t de Student
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
Do ponto de vista de significância estatística, não podemos dizer que a média
do questionário de Pfeffer (7,1) esteve alterada no grupo de Neurocriptococose
(p=0,362), ainda que valores acima de 6 sejam considerados como disfuncionais,
quando analisados individualmente.
No aspecto psiquiátrico a presença de sintomas ocorreu na imensa maioria dos
pacientes (n=11, 84,6% do total), sendo que a queixa de tristeza ocorreu em 8 casos
(61,5%), irritabilidade também em 8 casos, seguidos de apatia (3 pacientes, 23,1%),
alucinações (n=3, 23,1%) e um caso de euforia.
5.4 Neurotoxoplasmose
40
Do ponto de vista estatístico, só podemos relatar alteração significante ao
MEEM na faixa de 5 a 11 anos (vale lembrar que o n para as outras faixas não
ultrapassou a unidade).
Tabela 10 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Neurotoxoplasmose, adotando valores referenciais de acordo com Brucki
et al. (2003).
Escolaridade
(anos)
0
1a4
5a8
9 a 11
>11
Total MEEM
Referência
Média Desvio Padrão
≥ 20
24,0
≥ 25
20,5
2,17
≥ 26
22,2
4,97
≥ 28
27,0
≥ 29
t
p
-6,21
-2,61
-
0,001
0,03
-
Teste t de Student
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
Na Neurotoxoplasmose encontramos resultado estatisticamente significante na
avaliação do questionário Pfeffer (p=0,02), com o valor da média (12,0) bem acima do
normal, indicando grande comprometimento funcional neste grupo.
Assim como no grupo de Neurocriptococose, observamos rica presença de
sintomas psiquiátricos, presentes em 11 pacientes do total de 13 (ou seja, 84,6% dos
casos). O sintoma comportamental predominante foi tristeza, ocorrendo em 9 casos
(69,2%), em seguida observamos 6 casos (46,2%) com apatia, 5 casos (38,5%) com
irritabilidade, além de quadros de alucinações (n=3, 23,1%) e delírios (n=2, 15,4%).
5.5 Meningites Bacterianas Agudas
Na avaliação do MEEM, os cálculos estatísticos para pacientes com meningites
bacterianas não demonstraram médias significativamente abaixo dos valores de
41
referência, ou seja, este grupo de doenças não apresentou p<0,05 em nenhum
subgrupo de escolaridade.
Tabela 11 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo Meningites Bacterianas, adotando valores referenciais de acordo com
Brucki et al. (2003).
.
Escolaridade
(anos)
0
1a4
5a8
9 a 11
>11
Total MEEM
Referência
Média Desvio Padrão
22,0
≥ 20
21,5
2,1
≥ 25
26,4
3,6
≥ 26
25,5
2,1
≥ 28
≥ 29
t
p
-2,33
0,24
-1,67
-
0,13
0,59
0,17
-
Teste t de Student
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
No grupo das meningites bacterianas todos os pacientes apresentaram
pontuação zero no questionário Pfeffer, ou seja, não apresentavam qualquer grau de
dependência nas atividades de vida diária.
Em relação à sintomatologia psiquiátrica este grupo apresentou manifestações
que incluíam tristeza (3 pacientes – 30% da amostra), irritabilidade em 2 pacientes
(20% do total) e um paciente com delírios paranóides.
5.6 Outros diagnósticos
Neste grupo, englobando os casos de Neurotuberculose, Neurocisticercose,
Abscesso cerebral, Histoplasmose cerebral e Neurossífilis, encontramos baixa
pontuação ao MEEM em todas as escolaridades exceto para o caso com mais de 11
42
anos de escolaridade, mas significância estatística ocorreu apenas entre os pacientes
com escolaridade de 5 a 11 anos (p<0,05) (Tabela 9).
Tabela 12 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de
p no grupo “Outros diagnósticos” (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003).
Escolaridade
0
1a4
5a8
9 a 11
>11
Total MEEM
Referência
Média Desvio Padrão
≥ 20
22,0
≥ 25
10,0
5,0
≥ 26
25,5
2,1
≥ 28
29,0
≥ 29
t
p
-5,54
-2,40
-
0,02
0,048
-
Teste t de Student
MEEM – Mini-Exame do Estado Mental
A avaliação estatística do questionário Pfeffer não demonstrou significância
(p=0,174), não obstante a média (10,1) ter sido maior que o ponto de corte de 6.
Todos os pacientes deste grupo apresentaram alguma alteração do ponto de
vista psiquiátrico. O sintoma irritabilidade esteve presente em 6 dos 9 pacientes, ou
seja, em dois terços da amostra (66,6%). O segundo sintoma mais freqüente foi
tristeza, ocorrendo em 4 pacientes (44,4%). No paciente portador de Neurossífilis
foram observados sintomas de irritabilidade, labilidade emocional e desinibição,
caracterizando seu quadro por uma síndrome de hipofrontalidade.
6 Discussão
O presente estudo é o primeiro trabalho estabelecendo a prevalência de
transtornos cognitivos e demências de etiologias infecciosas em hospital de referência,
bem
como
as
repercussões
neuropsiquiátricas
com
aplicação
de
teste
neuropsicológico, não sendo encontrado nenhum trabalho semelhante na literatura
científica até o momento.
43
A abordagem neuropsicológica através de realização de testes é um importante
aspecto no diagnóstico e na condução dos casos de pacientes com declínio cognitivo
– lembrando que a abordagem clínica tradicional deve preceder o estudo
neuropsicológico. Muitas variáveis podem influenciar o desempenho nos testes
neuropsicológicos, como a idade, escolaridade, gênero, doenças sistêmicas e também
o próprio prejuízo cognitivo ou déficits sensoriais que o indivíduo venha a apresentar.
Dessa forma a análise de variáveis demográficas é fundamental para a compreensão
do processo de doença e também para comparação com valores referenciais mais
condizentes com a realidade do paciente.
Observamos uma predominância masculina de casos de meningites e
meningoencefalites na amostra, sendo condizente com achados da literatura (Cota et
al., 2006; Leimann et al., 2008). No estudo de Leiman e colaboradores a média de
idade dos pacientes com meningite criptocócica foi de 35,9 anos, bastante próxima da
média do nosso estudo (36,3 anos), apesar de incluirmos neste os mais diversos
diagnósticos de neuroinfecção.
As médias de pontuações do MEEM, da amostra como um todo, mostraram-se
alteradas mesmo com uma média de idade de 36,3 anos, já que os relatos na
literatura apontam que os prejuízos cognitivos em neuroinfecções ocorrem geralmente
na meia-idade (Hokkanen & Launes, 1995). Na análise dos grupos em separado,
apenas o grupo Meningites Bacterianas Agudas não demonstrou alterações
estatisticamente significantes no MEEM.
Um aspecto importante a ser levado em consideração é o fato de o MEEM ter
sido desenvolvido como um teste de varredura para doença de Alzheimer (Folstein et
al., 1975). Nesse caso, alguns resultados podem ser falseados a depender do
processo de perdas cognitivas de cada paciente – lembremos que o nosso estudo é
composto por neuroinfecções diversas e por patofisiologias possivelmente variadas.
Raciocínio semelhante pode ser feito em relação ao Questionário de Pfeffer, já que foi
inicialmente desenvolvido para idosos e a nossa amostra é composta por jovens. Esta
limitação pode, no entanto, ser minimizada se observarmos que mesmo sendo um
instrumento desenhado para idosos, nossa amostra constituída sobretudo por jovens
apresentou médias alteradas neste questionário.
Ainda avaliando o total da amostra, através da alta média no Questionário de
Pfeffer (7,6), percebemos que as alterações neuropsicológicas não se restringiram a
prejuízos cognitivos leves, já que este questionário avalia justamente o desempenho
nas atividades da vida diária e, se estas estão comprometidas, então podemos
apontar o diagnóstico de síndrome demencial (Pfeffer et al., 1982). No entanto,
analisando os grupos em separado, verificamos que apenas o grupo da
44
Neurotoxoplasmose apresentou alta média estatisticamente significante. Este é um
aspecto bastante interessante, já que praticamente não encontramos trabalhos na
literatura evidenciando alterações cognitivas em casos de Neurotoxoplasmose.
O total de pacientes portadores do HIV foi de 51,7% (incluindo neste total os
grupos
Neurotoxoplasmose,
Neurocriptococose
e
Encefalopatia
pelo
HIV),
provavelmente pelo fato de coletarmos a amostra a partir de um hospital de referência
em AIDS, já que outros possíveis casos de neuroinfecções podem ter sido
acompanhados em hospitais especializados na área de Neurologia e até mesmo em
nosocomios psiquiátricos. A portabilidade do vírus também pode ter influenciado os
resultados para Neurotoxoplasmose e Neurocriptococose, considerando que o HIV-1
pode afetar o SNC nos primórdios da infecção e dessa forma influenciar também o
desempenho neuropsicológico dos pacientes que não estão no grupo Encefalopatia
pelo HIV. Interessante notar que, apesar de realizarmos o estudo em um hospital de
referência, não verificamos casos de Leuconencefalopatia Multifocal Progressiva, além
disso o n=5 para pacientes com Encefalopatia pelo HIV mostrou-se baixo. Um dos
aspectos que pode ter contribuído para o baixo número de pacientes com
Encefalopatia pelo HIV pode ter sido o fato de avaliarmos pacientes internados, e a
Encefalopatia pelo HIV instala-se de uma forma insidiosa e mesmo silenciosa,
dificultando a identificação dos casos, principalmente se o paciente apresentar a forma
menor (Navia et al., 1986).
Verificamos que o grupo das Meningites Bacterianas apresentou evidente
dissonância comparado aos demais grupos, uma vez que nem o MEEM, nem o
questionário de Pfeffer mostraram-se alterados. Esses dados vão de encontro com os
achados da literatura, já que vários estudos tem relatado prejuízos congnitivos
decorrentes de meningites bacterianas (Weisfelt et al., 2006; Schmidt et al., 2006;
Hoogman et al., 2007). No entanto, na nossa amostra foram avaliados apenas adultos
(média de idade de 36,3 anos) e os estudos que relatam seqüelas foram feitos em
menores. Além disso, verificou-se que o comprometimento cognitivo é inversamente
proporcional à idade da infecção (Anderson et al., 1997), dado curioso, pois contraria
as noções de plasticidade cerebral, segundo as quais quanto mais jovem o cérebro,
maiores serão as chances de recuperação cognitiva (Stiles et al., 2005).
Entre as manifestações psiquiátricas encontradas, destacam-se os quadros de
apatia e irritabilidade, presentes em 30% e 43,4% do total, respectivamente. Quadros
de apatia denotam possível comprometimento mesial frontal, mas também podem
indicar sintomatologia presente numa síndrome subcortical. Não observamos alta
prevalência de apatia no grupo de pacientes com Encefalopatia pelo HIV (apenas 1
45
caso), ocorrendo discordância com a literatura (aliás, o sintoma predominante foi
irritabilidade) (Navia et al., 1986).
No caso da irritabilidade, podemos encontrar tal sintoma em quadros
depressivos, quadros maniformes e mesmo na irritabilidade orgânica (com
envolvimento das estruturas pertencentes ao sistema límbico). Por outro lado,
encontramos trabalhos associando transtorno cognitivo leve e sintomas como
irritabilidade, disforia, apatia e ansiedade em um nível superior aos grupos-controle
(Demey et al., 2007). No grupo de meningites virais verificamos presença de sintomas
psiquiátricos em todos os pacientes, um achado surpreendente se levarmos em conta
a relatada benignidade deste grupo de doenças. Talvez possamos explicar em parte
este achado pela contaminação com casos de meningites virais tipo herpética,
reconhecidamente uma forma de meningoencefalite que cursa com altas taxas de
morbidade psiquiátrica. É interessante notarmos que a irritabilidade esteve presente
em dois terços dos pacientes do grupo “Outros diagnósticos” e em 8 de 11 pacientes
do grupo da Neurocriptococose.
No grupo da Neurotoxoplasmose outro sintoma que se destaca é a “tristeza”,
ocorrendo em 9 (69,23%) dos 13 casos, lembrando que este pode ser um sintoma
preditivo de depressão e poder influenciar o desempenho cognitivo, no entanto só
foram inclusos pacientes que desenvolveram os sintomas psiquiátricos com o início da
doença, ou seja, tais sintomas faziam parte do processo de neuroinfecção. Também
no caso do grupo da Neurocriptococose a tristeza foi um sintoma com alta prevalência
(61,53%) nos casos.
Uma outra limitação deste trabalho está relacionada ao tamanho da amostra
(n=60) que se torna pequena, se considerarmos o ponto de vista de que houve grande
heterogeneidade diagnóstica, entre os grupos e dentro de um mesmo grupo. Um dos
aspectos que contribuíram para a diminuição do total da amostra foi o critério de
exclusão relacionado ao uso de álcool ou drogas ilícitas, já que a nossa amostra foi
composta em grande parte por soropositivos (HIV) e a associação com o uso de álcool
e drogas ocorreu com bastante freqüência entre os pacientes soropositivos internados
no HDT. Ainda dentro das limitações, outro aspecto relevante foi o fato de não haver
um grupo controle, dessa forma tivemos que comparar os grupos de doenças com
valores encontrados na literatura.
46
7 Conclusões
Através deste estudo verificamos:
47
 Alta prevalência de transtornos cognitivos (incluindo demências) entre os quadros
de neuroinfecções na amostra estudada (71,7% dos pacientes), sendo que 38,3% do
total da amostra apresentou critérios para o diagnóstico de demência.
 Freqüente associação de manifestações psiquiátricas a esses quadros (cognitivos),
colaborando para a disfunção das capacidades relacionadas às atividades da vida
diária (verificada através das pontuações no questionário de Pfeffer). Tais sintomas
psiquiátricos estiveram presentes em 83,3% do total de pacientes;
8 Considerações finais
Considerando esta grande prevalência de manifestações neuropsiquiátricas
entre os portadores de infecções do SNC, nos parece surpreendente o fato de muitos
profissionais da área da saúde ainda não terem voltado seus olhos para as alterações
cognitivas e comportamentais que possam vir a ocorrer na evolução das doenças
infecciosas.
Os resultados demonstram uma necessidade de abordagem preventiva e
diagnóstica no intuito de minimizar os prejuízos cognitivos em pacientes com
neuroinfecções. Políticas públicas deveriam ser direcionadas para investimento e
acompanhamento de pacientes com seqüelas cognitivas, no entanto, esta parece ser
uma distante realidade, considerando que o treinamento de profissionais direcionado à
identificação
de
prejuízos
cognitivos
ainda
é
escasso,
principalmente
se
considerarmos o campo das neuroinfecções, que ainda carece de maior volume de
estudos com esse direcionamento.
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Anexos
Mini-Exame do Estado Mental (Folstein et al., 1975)
56
Questionário de Atividades de Vida Diária (Pfeffer et al., 1982)
57
58
59
Diagnóstico relacionado ao sexo, idade, escolaridade, MEEM e Pfeffer.
Nome
Sexo
Idade Escolaridade
J.F.S.
P.H.P.A.
Feminino
Masculino
28
19
4
6
E.P.S.
Masculino
50
11
D.B.D.
G.O.
L.A.M.P.
J.M.S.N.
R.A.S.
O.C.V.S.
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
35
44
39
22
24
29
6
5
16
7
9
12
F.G.S.
L.S.O.
P.R.S.C.
E.M.M.
F.M.N.S.
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
Masculino
33
31
22
30
29
9
8
5
11
11
J.A.R.J.
J.S.B.C.F.
L.F.S.
F.G.S.
A.C.R.S.
J.B.B.
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Masculino
Feminino
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Feminino
Feminino
Masculino
Masculino
Masculino
28
31
45
27
48
28
39
35
26
38
41
8
11
4
5
16
6
4
8
8
8
13
M.A.S.C.
Masculino
46
7
B.P.A.
E.M.S.F.
Masculino
Feminino
33
56
4
5
A.V.C.
Masculino
28
4
M.P.S.
Masculino
63
0
M.C.P.
G.J.S.
D.M.F.
J.S.F.
J.S.B.S.
Feminino
Masculino
Feminino
Masculino
Masculino
34
25
42
53
43
5
6
10
1
11
Diagnóstico
Neurotoxoplasmose
Meningite viral
Abcesso cerebral
estafilocócico
Meningite
estreptocócica
Meningite viral
Neurossífilis
Meningite viral
Neurotoxoplasmose
Neurocriptococose
Histoplasmose
cerebral
Neurotoxoplasmose
Neurotoxoplasmose
Neurotoxoplasmose
Neurotoxoplasmose
Meningite
meningocócica
Neurotoxoplasmose
Neurocriptococose
Neurocisticercose
Neurocriptococose
Neurocriptococose
Neurotuberculose
Neurotoxoplasmose
Neurocriptococose
Neurocriptococose
Neurotoxoplasmose
Meningite
meningocócica
Encefalopatia pelo
HIV
Neurocisticercose
Encefalopatia pelo
HIV
Meningite
pneumocócica
Encefalopatia pelo
HIV
Meningite viral
Neurotoxoplasmose
Neurocriptococose
Neurotuberculose
24
3
Questionário
de
atividades
funcionais
Pfeffer
12
30
28
0
28
26
29
28
20
28
0
0
3
0
27
0
23
23
21
19
27
0
6
0
27
17
28
17
22
10
20
26
22
19
30
25
27
0
3
28
28
18
0
16
4
0
11
16
29
0
8
15
28
14
15
8
22
0
19
20
28
18
25
5
0
0
2
0
Total
MEEM
60
J.B.G.A.
W.S.
S.A.R.
Feminino
Masculino
Masculino
53
26
42
3
7
5
E.A.B.
Feminino
58
8
F.S.S.
E.O.S.
M.G.G.
R.E.S.
E.B.P.
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
Masculino
18
40
35
34
38
6
2
10
5
7
C.A.S.O.
Masculino
32
3
T.R.C.
L.J.O.S.
G.G.F.
N.A.P.F.
Feminino
Feminino
Feminino
Masculino
29
41
41
42
11
5
10
6
C.M.A.
G.R.P.
I.F.S.
M.O.S.
L.J.S.A.
P.F.R.
M.A.N.S.
E.N.A.C.
I.R.S
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
Masculino
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
20
18
38
51
39
49
34
21
37
3
11
5
0
11
5
5
16
4
O.S.G.C.
Feminino
49
11
J.V.A.S.
Masculino
50
13
Meningite
meningocócica
Neurotoxoplasmose
Neurotoxoplasmose
Meningite
pneumocócica
Meningite
meningocócica
Neurocriptococose
Neurotuberculose
Neurocriptococose
Neurotoxoplasmose
Encefalopatia pelo
HIV
Meningite
pneumocócica
Meningite viral
Meningite viral
Meningite viral
Meningite
pneumocócica
Meningite viral
Neurocriptococose
Meningite viral
Neurocriptococose
Neurocriptococose
Neurotuberculose
Meningite viral
Neurocriptococose
Meningite
pneumocócica
Encefalopatia pelo
HIV
23
18
19
0
18
9
20
0
27
26
26
30
23
0
0
0
0
17
18
0
27
21
25
26
0
13
0
0
20
24
17
12
27
13
5
30
24
0
5
2
22
2
28
30
0
1
24
0
21
6
61
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