MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS INSTITUTO DE PATOLOGIA TROPICAL E SAÚDE PÚBLICA Cláudio Henrique Ribeiro Reimer Prevalência e estudo neuropsicológico de transtornos cognitivos e demências decorrentes de neuroinfecções em hospital de referência Orientador: Prof. Dr. Leonardo Ferreira Caixeta Dissertação de Mestrado Goiânia-GO, 2009 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS INSTITUTO DE PATOLOGIA TROPICAL E SAÚDE PÚBLICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL Cláudio Henrique Ribeiro Reimer Prevalência e estudo neuropsicológico de transtonos cognitivos e demências decorrentes de neuroinfecções em hospital de referência Orientador: Prof. Dr. Leonardo Ferreira Caixeta Dissertação submetida ao PPGMT-UFG como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre na área de concentração de Doenças Infecciosas e Parasitárias Goiânia-GO, 2009 2 Catalogação Internacional na Publicação (CIP) (GPT/BC/UFG) Reimer, Cláudio Henrique Ribeiro. R363p Prevalência e estudo neuropsicológico de transtornos cognitivos e demências decorrentes de neuroinfecções em hospital de referência [manuscrito] / Cláudio Henrique Ribeiro Reimer. - 2009. xv, 60 f. : il.,qds, tabs. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Ferreira Caixeta. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, 2009. Bibliografia. Inclui lista de quadros e tabelas e de abreviaturas. 1. Demências 2. Transtornos cognitivo 3. Neuroinfecções. 4. Neuropsicologia 5. Neuropsiquiatria I. Título. CDU: 6161.892.3 3 “Não poríamos a mão no fogo pelas nossas opiniões: não temos assim tanta certeza delas. Mas talvez nos deixemos queimar para podermos ter e mudar as nossas opiniões.” Friedrich Wilhelm Nietzsche 4 AGRADECIMENTOS Agradeço aos pacientes pela gentileza; ao meu orientador pela paciência, a minha família pela compreensão; a minha namorada pela paciência e força; as acadêmicas de Medicina; aos profissionais do HDT, enfim... a todos que colaboraram de alguma forma para a execução deste trabalho. Obrigado! 5 Dedico este trabalho ao meu avô Fritz...quisera eu ter sua força e coragem. 6 SUMÁRIO Resumo Abstract Lista de quadros e tabelas Lista de abreviaturas 1 Introdução.............................................................................................................12 1.1 Encefalite Herpética................................................................................................15 1.2 Encefalopatia pelo HIV............................................................................................16 1.3 Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva.............................................................17 1.4 Neurotoxoplasmose.................................................................................................17 1.5 Panencefalite Esclerosante Subaguda....................................................................18 1.6 Meningites virais......................................................................................................18 1.7 Meningites Bacterianas Agudas..............................................................................19 1.8 Neurotuberculose....................................................................................................20 1.9 Neurossífilis.............................................................................................................21 1.10 Neurocisticercose..................................................................................................22 1.11 Meningites fúngicas...............................................................................................22 2 Justificativa...........................................................................................................24 3 Objetivos................................................................................................................25 4 Material e métodos............................................................................................26 5 Resultados............................................................................................................29 5.1 Meningite viral.........................................................................................................37 5.2 Encefalopatia pelo HIV............................................................................................38 5.3 Neurocriptococose...................................................................................................39 5.4 Neurotoxoplasmose.................................................................................................40 5.5 Meningites Bacterianas Agudas..............................................................................41 7 5.6 Outros diagnósticos.................................................................................................42 6 Discussão..............................................................................................................43 7 Conclusões...........................................................................................................47 8 Considerações finais........................................................................................47 Referências bibliográficas..................................................................................48 Anexos.......................................................................................................................56 8 Resumo Várias doenças infecciosas e parasitárias foram descritas como possíveis causadoras de prejuízos cognitivos, destacando-se as neuroinfecções que, pela localização no SNC, podem evolver para quadros demenciais francos (embora passíveis de reversão). As vastas possibilidades etiológicas tem como resultado grande heterogeneidade de sintomas neuropsiquiátricos, o que pode dificultar a avaliação clínica, mas se utilizarmos recursos de testagem neuropsicológica, aumentam-se as chances de detecção de sintomas cognitivos e comportamentais e consequentemente a precisão diagnóstica. O objetivo do estudo é estimar a prevalência de alterações cognitivas e demências nas neuroinfecções, além de caracterizar os sintomas psiquiátricos co-mórbidos. A amostra foi composta por 60 pacientes portadores de infecção do SNC no intuito de identificar possíveis alterações do desempenho no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) e questionário de atividades da vida diária de Pfeffer, além de realizar avaliação comportamental através do questionário BEHAVE-AD. Através da aplicação do MEEM e questionário de Pfeffer verificamos que 20 pacientes (33,3% da amostra) apresentaram transtornos cognitivos sem demência e 23 pacientes foram diagnosticados como demenciados, sendo este o quadro neuropsicológico mais prevalente (38,3% dos pacientes). Se incluirmos os pacientes com transtornos cognitivos sem demência e aqueles com demência em um só grupo, vamos obter um total de 71,7% da amostra estudada. No aspecto psiquiátrico, encontramos quadro de apatia em 30% dos casos e irritabilidade em 43,4% do total de pacientes. Através deste estudo, observamos alta prevalência de transtornos cognitivos (incluindo demências) entre os quadros de neuroinfecções, além de rica sintomatologia psiquiátrica associada, demonstrando a necessidade de investigação de aspectos cognitivos e comportamentais nos pacientes portadores de infecções do SNC. Palavras-chave: Neuroinfecções. Transtornos cognitivos. Demências. Neuropsicologia. Neuropsiquiatria. 9 Abstract Several infectious and parasitic diseases have been described as possible causes of cognitive loss, especially the neuroinfections that the location in the CNS, may evolve into frank dementia table (although subject to reversal). The vast possibilities as a result has large etiological heterogeneity of neuropsychiatric symptoms, which may hinder the clinical evaluation, but if using neuropsychological testing, it increases the chances of detection of cognitive and behavioral symptoms and therefore the diagnostic accuracy. The objective of the study is to estimate the prevalence of dementia and cognitive changes in neuroinfections, and characterize the co-morbid psychiatric symptoms. The sample comprised 60 patients with infection of the CNS in order to identify possible changes in performance in Mini-Mental State Examination (MMSE) and a questionnaire on activities of daily living for Pfeffer, and conduct behavioral assessment by questionnaire BEHAV - AD. By applying the MMSE and the Pfeffer questionnaire found that 20 patients (33.3% of the sample) had cognitive disorders without dementia and 23 patients were diagnosed as dementia, which is the framework neuropsychological most prevalent (38.3% of patients). If we include patients with cognitive disorders without dementia and those with dementia in one group, we obtain a total of 71.7% of the sample studied. In the psychiatric aspect, are part of apathy in 30% of cases and irritability in 43.4% of patients. Through this study, high prevalence of cognitive disorders (including dementia) between the tables of neuroinfecções, and psychiatric symptoms associated with rich, demonstrating the need for investigation of cognitive and behavioral aspects in patients with infections of the CNS. Keywords: Neuroinfections. Cognitive disorders. Dementias. Neuropsychology. Neuropsychiatry. 10 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 1 – Causas infecciosas e parasitárias que podem apresentar quadros demenciais (Almeida et al., 2005). Tabela 1 – Média e variações observadas (valores mínimos e máximos) das variáveis demográficas do total da amostra (n=60). Tabela 2 – Número de pacientes e distribuição em porcentagem de acordo com o diagnóstico. Tabela 3 – Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no total da amostra, adotando como valores referenciais estudo de Brucki et al. (2003). Tabela 4 – Pontuações médias do MEEM e do questionário de Pfeffer de acordo com os grupos diagnósticos dos pacientes com neuroinfecções. Tabela 5 – Prevalência de transtornos cognitivos e demências em relação aos diagnósticos encontrados. Tabela 6 - Prevalência de sintomas psiquiátricos, utilizando o questionário BEHAVEAD por categoria diangóstica. Tabela 7 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Meningite Viral - valores referenciais de acordo com estudo de Brucki et al. (2003). Tabela 8 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo com Encefalopatia pelo HIV - valores referenciais de acordo com estudo de Brucki et al. (2003). Tabela 9 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Neurocriptococose (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003). Tabela 10 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Neurotoxoplasmose, adotando valores referenciais de acordo com Brucki et al. (2003). Tabela 11 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Meningites Bacterianas, adotando valores referenciais de acordo com Brucki et al. (2003). Tabela 12 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo “Outros diagnósticos” (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003). 11 LISTA DE ABREVIATURAS EH – Encefalite Herpética LEMP – Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva PEES – Panencefalite Esclerosante Subaguda PGP – Paralisia Geral Progressiva NCC – Neurocisticercose SNC – Sistema Nervoso Central HDT – Hospital de Doenças Tropicais SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida MEEM – Mini-exame do Estado Mental MBA – Meningite Bacteriana Aguda HIV – Human immunodeficiency virus 12 1 Introdução Demências constituem síndromes caracterizadas por: alterações cognitivas (hipomnésia, déficit na atenção, declínio intelectual, afasia, apraxia, agnosia etc.), alterações do comportamento (inquietação, insônia, sintomas depressivos, alucinações, delírios etc.), prejuízo funcional (limitações nas atividades da vida diária, incluindo laborais e sociais) (Neary, 1994; Mutarelli, 1999; Caixeta, 2004). Se os prejuízos cognitivos ou comportamentais não são suficientes para prejudicar funcionalmente o paciente, então utilizamos o termo: comprometimento cognitivo leve (que já pode ser um indício de quadro demencial incipiente) (Petersen et al., 2001). Quadros demenciais reversíveis ocorrem em dez a vinte por cento dos casos de demência, sendo que até o início do século passado o conceito de irreversibilidade estava incluso no conceito de demência, fato esse modificado pelo sucesso no tratamento da Neurolues com o advento da malarioterapia (Senties-Madrid & EstanolVidal, 2006; Steel, 1926). A prevalência das demências infecciosas é maior em pacientes adultos e présenis, porém também há relato de casos em crianças, adolescentes e idosos. As demências degenerativas primárias (como, por exemplo, a Doença de Alzheimer) ocorrem em idades mais avançadas, dessa forma é imperativo uma investigação de causas infecciosas para os quadros demenciais em pacientes jovens e de meia-idade (Asada, 2008). Houve um acréscimo na esperança de cura dos pacientes com quadros demenciais após a descoberta de etiologias infecciosas para alguns casos de demência, tanto pelo próprio tratamento específico para a infecção, como pelo fato de haver um estímulo a estudos que envolvam investigações de possíveis causas virológicas para doenças como Doença de Alzheimer e Doença de Pick (Urosevic et al., 2008). Entre as doenças infecciosas e parasitárias que podem causar demência, podemos citar doenças comuns, mas que raramente causam demências (como as Meningites Bacterianas Agudas, Malária ou Doença de Chagas), doenças com alta prevalência em nosso meio e que podem se manifestar como síndrome demencial (Neurocisticercose ou SIDA), além de doenças raras, mas que a apresentação geralmente é por síndrome demencial como Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES), Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP) ou Doenças Priônicas (Quadro 1). 13 Quadro 1 – Causas infecciosas e parasitárias que podem apresentar quadros demenciais (Almeida et al., 2005). Bacterianas Virais Fúngicas Protozoários e Priônicas Doença de Lyme Encefalite Histoplamose Cerebral Helmintos Neurotoxoplasmose Doença de Herpética Candidíase Cerebral Neurotuberculose Esporotricose Cerebral LEMP Doença de Whipple Neurossífilis Doença de Chagas Jakob Malária Kuru Actinomicose Cerebral Neuroparacoccidioidomicose PEES Creutzfeldt- Aspergilose Cerebral Cromomicose Cerebral Meningites Nocardiose Cerebral virais Cladosporiose Neurocisticercose Neurocriptococose LEMP – Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva PEES – Panencefalite Esclerosante Subaguda Observamos uma explosão recente de trabalhos científicos relatando prejuízos cognitivos em pacientes com meningite, em parte pela valorização atual do campo da neuropsicologia - o que surpreendentemente não era observado no passado, a despeito da importância das funções mentais superiores nos desempenhos social, laboral e acadêmico. No entanto, não há relatos na literatura científica de trabalhos estabelecendo a prevalência de transtornos cognitivos e demências de etiologias infecciosas e suas repercussões neuropsiquiátricas com aplicação de testes neuropsicológicos. A diversidade de neuroinfecções, bem como a heterogeneidade de sintomas cognitivos e comportamentais dificulta a realização de correlações entre estas afecções, assim como a busca de um padrão de comprometimentos neuropsicológicos para cada uma delas. O Brasil apresenta, contudo, uma das mais altas taxas de neuroinfecções do mundo (Escosteguy et al., 2004), o que consequentemente torna o campo de estudo bastante vasto e as pesquisas promissoras. Verificamos uma intersecção entre especialidades médicas no estudo das demências de etiologias infecciosas, a saber: Infectologia, Neurologia e Psiquiatria. A introdução de um outro método na pesquisa, no caso o neuropsicológico, demonstra a necessidade de uma abordagem interdisciplinar nesta área. É claro que os mais diversos pontos de vista, desde que sustentados em bases científicas, ajudam a 14 entender melhor o processo da doença e, nesse caso, o paciente só tem a ganhar, desde que os resultados dos estudos sejam convertidos para a melhoria do tratamento. Nesse sentido, o destaque para os aspectos cognitivos pode e deve ser realizado, uma vez que a reabilitação terá maior chance de sucesso se houver correta identificação das limitações em cada área cerebral relacionada às funções superiores. Os prejuízos cognitivos não necessariamente ocorrem em todos os pacientes com alguma seqüela de neuroinfecção, mas especialmente algumas delas se destacam devido à preferência anatômica da lesão ou pelo mecanismo fisiopatológico envolvido. Algumas das mais relevantes serão discutidas, segundo os aspectos cognitivos, a saber: Encefalite Herpética, Encefalopatia pelo HIV, Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva, Neurotoxoplasmose, Panencefalite Esclerosante Subaguda, Meningites virais, Meningites bacterianas agudas, Neurotuberculose, Neurossífilis, Neurocisticercose e meningites fúngicas. 1.1 Encefalite Herpética 15 Os prejuízos cognitivos dos pacientes sequelados pela Encefalite Herpética (EH) caracterizam-se por amnésia anterógrada e prejuízo da memória semântica (pelo acometimento das regiões temporais) e de funções executivas, relacionadas aos lobos frontais (Hokkanen & Launes, 2007). Embora a existência de confabulações seja uma característica da síndrome de Korsakoff, as mesmas também podem ocorrer na EH (Ishihara et al., 2000). Del Grosso et al. (2002) chamam a atenção para possível quadro de confabulações com a publicação de relato de caso, em que foi observado também disfunção executiva. Em 2007, Noppeney e colaboradores publicaram estudo comparando acometimento dos lobos temporais na EH e na Demência Semântica, sendo que em ambos os grupos houve comprometimento estrutural das regiões anteriores dos lobos temporais esquerdos até as amígdalas, reforçando a importância do prejuízo da memória semântica nesta encefalite. A persistência do vírus no tecido encefálico (forma crônica da infecção) pode levar a uma reativação do mesmo e, como conseqüência, a deflagração de uma demência do tipo progressiva (Khmara et al., 1995). Os benefícios óbvios da terapêutica com Aciclovir, como a diminuição na morbimortalidade, são conhecidos, mas os ganhos também ocorrem na recuperação cognitiva dos pacientes (Hokkanen & Launes, 1995; Kaplan & Bain, 1997). Um campo promissor no tratamento dos sobreviventes encontra-se na reabilitação neuropsicológica, visando à compensação e adaptação dos prejuízos cognitivos destes pacientes (Miotto, 2007). 1.2 Encefalopatia pelo HIV 16 O complexo demencial relacionado ao HIV pode ser dividido em distúrbio cognitivo-motor menor associado ao HIV e complexo demencial associado ao HIV. Lembremos que o espectro das manifestações neurológicas relacionadas ao HIV é amplo, já que o acometimento do SNC pode ocorrer por agressão direta do vírus bem como por doenças secundárias à imunodeficiência (Budka et al., 1991). O vírus HIV-1 pode afetar o SNC já nos primórdios da doença e há uma predileção por estruturas subcorticais, lobos frontais e sistema límbico. Os transtornos cognitivos e demência associados ao HIV apresentam manifestações predominantemente subcorticais - lentificação global do pensamento, apatia, inércia, hipomnésia e diminuição da fluência verbal (Navia et al., 1986; Petty, 1994), ocorrendo principalmente na faixa etária de 30 a 44 anos e com demência presente em 7,2% dos casos (Jansen et al., 1991). Em estudo de Castellon et al. (1998) verificou-se que o quadro de apatia foi fortemente associado ao pior desempenho na memória de trabalho. Com a evolução da doença, os pacientes passam a apresentar piora da apatia, falta de concentração e diminuição das capacidades de abstração e planejamento, muitas vezes mimetizando um quadro de depressão maior (Navia et al., 1986). O complexo demencial associado ao HIV apresenta critérios clínicos para o diagnóstico de AIDS, porém a forma menor isoladamente não apresenta número de critérios suficientes. Esse aspecto pode dificultar bastante a percepção do quadro, uma vez que ocorre discreta lentificação na realização de atividades complexas, além disso, os exames físico, neurológico e do estado mental podem apresentar-se normais. Em estudo de Castro & Nitrini (1991) verificou-se que o teste neuropsicológico trail making apresenta grande sensibilidade para o diagnóstico de demência na encefalopatia pelo HIV uma vez que avalia velocidade de processamento de informações, concentração e atenção. 1.3 Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva 17 A Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP) é uma doença com acometimento da substância branca encefálica causada pelo vírus JC (papovavírus), em que se observa destruição de oligodendrócitos (Murayama et al., 2006). As principais manifestações clínicas ocorrem inicialmente através de hemiparesia ou hemianopsia, mas os prejuízos cognitivos podem já ocorrer no início do quadro, principalmente com alterações da linguagem (Murayama et al., 2006). Várias outras funções cognitivas podem ser alvos da doença como gnosia e memória, destacando-se também déficit de atenção e lentificação do pensamento (sintomas com “padrão” subcortical). Diversos outros sinais de acometimento da substância branca também podem ser encontrados, como tremores e lentificação motora. Tais manifestações clínicas podem ser confundidas com as do complexo AIDS-demência em alguns casos, porém o diagnóstico do complexo AIDS-demência deve ser de exclusão, além do que, na LEMP a evolução e deteriorações neurológicas e cognitivas são bem mais rápidas. Paul et al. em 2007 destacaram o aumento dos prejuízos no desempenho cognitivo de pacientes HIV+ portadores de LEMP quando comparados aos controles soropositivos sem esta co-morbidade. Com a progressão da doença podem surgir convulsões e nos estágios mais avançados inevitavelmente ocorre demência grave (Zunt et al., 1997). 1.4 Neurotoxoplasmose Diversos estudos têm relatado piora no desempenho psicomotor de pacientes acometidos por Neurotoxoplasmose, além de diferenças na personalidade entre os infectados e não infectados, mesmo nas formas latentes de Toxoplasmose (Havlicek et al., 2001; Flegr & Hrdz, 1994; Lindová et al., 2006). No entanto, a literatura correlacionando toxoplasmose cerebral e alterações cognitivas é bastante escassa. Em estudo de 2003, Flegr et al. verificaram não apenas alterações na performance psicomotora e personalidade dos infectados, mas também um pior desempenho intelectual e uma menor chance de atingir níveis educacionais elevados. 1.5 Panencefalite Esclerosante Subaguda 18 A Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES) é uma doença causada por um vírus “lento” (sarampo) com acometimento do SNC de forma progressiva e irreversível. A despeito das freqüentes e múltiplas manifestações neurológicas da doença, há casos com apresentação quase que apenas como demência progressiva do tipo cortical, conforme relato de Frings e coloboradores (2002) - inclusive sem apresentação de mioclonias, distonias ou convulsões. Em estudo realizado com 19 crianças e adolescentes com PEES, Swift e colaboradores (1984) observaram que os prejuízos cognitivos foram mais graves naqueles que iniciaram a doença em período de menor idade (4 a 13 anos), comparados àqueles que inauguraram os sintomas mais tardiamente (entre 14 e 18 anos), inclusive nesse aspecto, a PEES permite a criação de um modelo de estudo da dinâmica da desintegração de uma personalidade normal em construção, com uma perda progressiva das funções cognitivas numa ordem inversa à de aquisição. Nesse sentido e destacando a necessidade de um diagnóstico precoce, alguns autores procuraram criar escalas direcionadas para esse fim (Nester, 1996; Oktem et al., 1997), além da utilização das mesmas para o seguimento dos pacientes (já que nem todos os casos evoluem de forma fulminante), destacando os aspectos cognitivos da afecção e o fato de nem sempre esses aspectos serem valorizados. 1.6 Meningites virais Em 2006, Schimidt et al. realizaram estudo analisando as seqüelas neuropsicológicas de pacientes que apresentaram meningites virais em comparação àqueles que sofreram meningites bacterianas. Neste estudo, foram observados que em ambos os grupos de casos de meningites ocorreram prejuízos estatisticamente significantes nas funções cognitivas de forma global, porém foram mais proeminentes nos casos de meningites bacterianas. O mesmo ocorreu em relação às funções executivas: comprometidas em ambos, contudo mais intensas nos casos bacterianos. Destaca-se no mesmo trabalho a diferença mais acentuada nos achados em relação à memória de curto prazo e memória de trabalho, cujos comprometimentos se mostraram menos acentuadas nos casos de meningites virais. Em suma, os prejuízos 19 cognitivos parecem ser menos intensos nos casos de meningites virais quando comparados às meningites bacterianas. Seqüelas cognitivas também foram observadas por Chang et al. (2007) através de estudo de seguimento com 142 crianças que apresentaram meningite por Enterovirus. Como seria de se esperar, as seqüelas cognitivas foram maiores naqueles que apresentaram a infecção mais precocemente, porém aqueles que apresentaram parada cardíaca no intercurso da doença foram os que evoluíram com prejuízos cognitivos mais intensos. Já em adultos sobreviventes de meningites virais, as funções que apresentaram desempenho inferior foram principalmente as de memória não-verbal, atenção e velocidade no desempenho cognitivo, de acordo com estudo de Sittinger et al. (2002). 1.7 Meningites Bacterianas Agudas Vários estudos têm documentado os prejuízos cognitivos secundários às meningites bacterianas (Weisfelt et al., 2006; Schmidt et al., 2006; Hoogman et al., 2007). O aumento no número de trabalhos apresentando essa correlação deve-se, em parte à valorização e aplicação de testes neuropsicológicos em um campo que não se observava no passado. Especialmente nos casos das meningites bacterianas, podemos encontrar desempenhos mais pobres nas funções executivas, linguagem, memórias de trabalho e de curto prazo, quando comparadas a indivíduos saudáveis ou até mesmo em relação aos casos de meningites virais (Schmidt et al., 2006). Anderson et al. (1997) destacam também a importância da idade no momento da infecção, apontando que quanto mais jovem for o paciente no momento da meningite, maiores são as chances de seqüelas cognitivas. Hoogman et al. (2007) publicaram estudo com sobreviventes de meningites bacterianas e observaram que um terço dos casos apresentava comprometimento cognitivo, o que pareceu ser maior nos casos de meningites pneumocócicas quando comparados aos casos de meningites meningocócicas. Os testes específicos de memória também se mostraram piores nos pacientes com meningites pneumocócicas. 20 Porcentagem semelhante (32%) de crianças com limitações acadêmicas também foi observada em estudo com 182 escolares (Koomen et al., 2004). Os testes de linguagem aplicados a crianças entre 9 e 11 anos, também demonstraram prejuízos no desenvolvimento desta habilidade cognitiva, conforme trabalho de Pentland et al. (2000). 1.8 Neurotuberculose O reconhecimento dos prejuízos cognitivos na neurotuberculose, em especial a hipomnésia, tem sido descrito pela literatura há décadas – diferentemente do que ocorreu com os casos de meningites bacterianas agudas (Williams & Smith, 1954). Já na década de 60 do século XX, Lorber observou que 6% de crianças sobreviventes de Neurotuberculose apresentaram retardo mental profundo e mesmo quando a doença acometera adultos (visto que o esperado seriam menos seqüelas), porcentagem semelhante foi encontrada de pacientes com quadro demencial (Falk, 1965). Déficit cognitivo também foi observado em 60 de 76 crianças com Neurotuberculose, bem como alta porcentagem de distúrbios emocionais e desempenho acadêmico ruim das mesmas (Schoeman et al., 2002). Estudos recentes têm demonstrado que, dentre as seqüelas cognitivas e comportamentais tardias possíveis na Meningotuberculose, podemos encontrar o Transtorno de Hiperatividade com Déficit de Atenção (Wait et al., 2002). Estes autores postulam que tais déficits podem ser explicados pelo comprometimento de estruturas tronculares na Meningotuberculose (as lesões desta doença localizam-se preferencialmente nas porções mais basais do encéfalo, entre as quais o tronco encefálico), as quais estariam envolvidas na regulação dos processos atencionais. Além disso, estes autores encontraram também um aumento em de alterações do comportamento nestas 21 crianças estudadas longitudinalmente, quando comparadas ao grupo controle, tais como: dificuldades de sociabilização, traços obsessivocompulsivos, agressividade. 21 1.9 Neurossífilis A Neurossífilis ocorre como uma meningoencefalite progressiva que ocorre cerca de 10 a 20 anos após a infecção inicial não tratada. Seu início é insidioso, com deterioração sutil da cognição que se manifesta com dificuldade de concentração, irritabilidade, falta de interesse e discretas alterações de memória (Vargas et al., 2000). Na Neurossífilis podemos observar as mais diversas síndromes neuropsiquiátricas, entre elas variados transtornos cognitivos e demência, a depender do estágio da doença no paciente e de como ocorreu a evolução fisiopatogênica - que também é bastante heterogênea (Binder et al., 1980). No entanto, são nos casos de Paralisia Geral Progressiva (PGP) que encontramos a maioria das síndromes cognitivas, em especial nas formas classificadas como “demenciais simples”. Nessa formas verificam-se inícios insidiosos que evolvem com rápidas perdas de funções executivas, hipomnésia e sintomas produtivos - além das conseqüentes alterações comportamentais e sintomatologia neurológica (Ravi et al., 1984). É bastante comum a demência ser acompanhada ou mesmo precedida de sintomas produtivos e neurológicos diversos, daí verificarmos usualmente na PGP quadros mistos ou atípicos como: taboparalisia (associação de PGP com tabes dorsalis); paralisia geral de Lissauer (apresentando exuberante sintomatologia neurológica focal como paresias, convulsões e fenômenos cerebelares com acometimento demencial tardio); paralisia geral senil (estado demencial acentuado associado a sintomas neurológicos, com ocorrência entre 60 e 85 anos de idade) (Silva & Sougey, 1997). As primeiras manifestações podem ser evidenciadas por tremores faciais ou das mãos, fala apressada ou pouco compreensível e mesmo um quadro composto por mioclonias e convulsões, semelhante a uma encefalite viral aguda ou delirium. Posteriormente, as alterações de comportamento mostram-se acentuadas, tornando o paciente, muitas vezes, uma pessoa inadequada com significativa diminuição da censura, levando-o a cometer alguns delitos, como atentados ao pudor, furtos ou desenvolvimento de um quadro paranóide, fazendo com que ocorram constrangimentos ou freqüentes discussões familiares. Em um momento subseqüente, o quadro torna-se semelhante a um estado demencial orgânico qualquer, que evolverá em associação a relaxamento muscular generalizado (fácies atônica), além de espasmos faciais, movimentos distônicos em forma de mastigação e fibrilações peribucais. Com a progressão da doença, o paciente começa a apresentar tremores de extremidades (se antes não os apresentava), disartria, afasias, agnosias, praxias, 22 convulsões e perda do controle dos esfíncteres. A marcha torna-se progressivamente mais comprometida e logo o enfermo não consegue se manter mais ereto, permanecendo no leito e evolvendo brevemente para o óbito. Se não tratada, a doença progride de forma insidiosa em um período de três a quatro anos (Mandell, 2000). 1.10 Neurocisticercose Encontramos vários estudos desde o século XIX relatando declínio cognitivo em casos de Neurocisticercose (NCC), mas a grande maioria não se utilizou de testagem neuropsicológica (Kuchenmeister, 1886; Treatiakoff & Pacheco e Silva, 1924; Pupo et al., 1946; Bastos, 1953), o que tornam seus achados questionáveis (Caixeta et al. 2004). Em estudo mais recente já utilizando testagem neuropsicológica, Forlenza et al. relataram prejuízo cognitivo em 87,5% de pacientes com NCC, enquanto em outro estudo de 1994, com 10 pacientes, verificou-se que 100% apresentaram critérios para demência (Tavares, 1994). Já Nitrini et al. em 1995 não observaram qualquer caso de demência em amostra de 100 pacientes e outro estudo indiano de 2002 verificou 8% de casos demenciais em uma amostra maior de pacientes com Neurocisticercose (Jha, 2002). 1.11 Meningites Fúngicas Há pouquíssimos relatos sobre alterações cognitivas relacionadas aos diversos tipos de meningites fúngicas; o que observamos é que as alterações cognitivas relatadas guardavam relação com alterações do nível de consciência, sendo assim impossível estabelecer diagnóstico de comprometimento cognitivo leve ou demência (Masquin & Masquin, 1970; Wells, 1977). No entanto, Utz em estudo com 33 pacientes portadores de mengintes fúngicas (histoplasmose e neurocriptococose) verificou que três pacientes apresentaram comprometimentos cognitivos (Utz, 1964); nesse mesmo estudo, foi observado que as alterações cognitivas nos casos de histoplasmose 23 ocorreram no contexto de confusão mental, o que não ocorreu nos casos de neurocriptococose. 2 JUSTIFICATIVA 24 Verificamos que alterações cognitivas secundárias às neuroinfecções foram relatadas pela literatura científica, no entanto, ainda observamos que os aspectos neuropsicológicos nem sempre são valorizados durante a avaliação médica do paciente. Nesse sentido, existe uma carência de estudos que abordem as alterações neuropsiquiátricas nas doenças infecciosas e parasitárias. Esta lacuna repercute diretamente na falta de assistência neuropsiquiátrica desses pacientes portadores de seqüelas cognitivas e comportamentais, tanto no acompanhamento em regime de internação quanto ambulatorial. Não existindo o diagnóstico da condição neuropsiquiátrica, não haverá reabilitação do paciente. Notamos que existe uma cultura nos serviços de Infectologia de focar apenas a investigação e o tratamento etiológicos, em detrimento de considerações a respeito do prognóstico funcional e aspectos neuropsiquiátricos associados à readaptação social do paciente. O presente estudo também permite a oportunidade de correlacionarmos síndromes neuropsiquiátricas a substratos neuroanatômicos razoavelmente bem definidos, na medida em que se utiliza uma abordagem neuropsicológica. A importância do trabalho também se justifica pelo fato de não haver trabalhos (especialmente em Goiás) em hospital de referência sobre o assunto. Além disso, os transtornos cognitivos e estados demenciais são passíveis de tratamento desde que adequadamente identificados. 3 OBJETIVOS 25 Descrever a prevalência dos transtornos cognitivos e demências em pacientes com histórico de neuroinfecções em serviço de referência em doenças infecto-parasitárias Realizar a comparação dos possíveis prejuízos cognitivos e quadros demenciais entre os diversos diagnósticos de neuroinfecções através de avaliação cognitiva. Avaliar o grau de comprometimento funcional destes pacientes Descrever sintomatologia psiquiátrica secundária às neuroinfecções Realizar confrontação dos achados com os trabalhos encontrados na literatura 4 Material e Métodos 26 Material Estudo prospectivo desenvolvido junto ao departamento de Medicina Tropical e Dermatologia nas enfermarias e ambulatórios do Hospital de Doenças Tropicais (HDT). O delineamento desse estudo de prevalência permite medir a frequência dos eventos (transtornos cognitivos e comportamentais) na população de pacientes com neuroinfecções internados em um determinado período de tempo. Foi avaliada uma amostra de adultos portadores de neuroinfecções. Sessenta pacientes consecutivos, entre 18 e 63 anos de idade, não selecionados previamente, internados no Hospital de Doenças Tropicais, no período de dezembro de 2007 a dezembro de 2008. Os pacientes excluídos foram aqueles portadores de sintomatologia neurológica não decorrente da própria neuroinfecção, com histórico de alcoolismo ou uso de drogas ilícitas e portadores de condição psiquiátrica prévia. Também foram excluídos os pacientes que apresentavam quadro de ataxia ou plegia de membros superiores (devido à necessidade de escrever ou desenhar durante o exame), os portadores de amaurose e aqueles sem capacidade de comunicação verbal. Pacientes que apresentavam rebaixamento do nível de consciência ou confusão mental (delirium) também foram excluídos. Os diagnósticos das neuroinfecções foram realizados através de critérios clínicos, laboratoriais e de neuroimagem, tendo sido incluídos casos de meningites ou meningoencefalites e pacientes com encefalopatia pelo HIV sem meningite associada. O Comitê de Ética e Pesquisa do HDT autorizou o presente trabalho. Todos os pacientes foram submetidos a um termo de consentimento informado assinado pelos pacientes, ou familiares responsáveis. Métodos 27 Os pacientes foram submetidos às seguintes modalidades de avaliação: Avaliações da idade, escolaridade, sexo e diagnóstico Avaliação cognitiva global através do Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) (Folstein et al., 1975). Esta avaliação foi realizada com pontos de corte diferenciados segundo o nível de instrução (20 para analfabetos, 25 para aqueles com escolaridade entre 1 e 4 anos, 26 para os pacientes com escolaridade entre 5 e 8 anos, 28 para escolaridade entre 9 e 11 anos e 29 para aqueles com mais de 11 anos) (Brucki et al., 2003). Atividades da vida diária através do Questionário de atividades funcionais (Pfeffer et al., 1982), em que pontuação maior ou igual a 6 indica dependência para realização das atividades instrumentais de vida diária. Foram considerados portadores de demência aqueles pacientes que apresentaram pontuação no MEEM abaixo do valor referencial (de acordo com a escolaridade) associada a pontuação maior ou igual a 6 no Questionário de Pfeffer. Pacientes que não preencheram os critérios para demência, mas que apresentaram alterações no MEEM ou Questionário de Pfeffer foram classificados como portadores de transtornos cognitivos. Avaliação comportamental através do questionário BEHAVE-AD (Reisberg et al., 1987). Tratamento Estatístico Descrição dos dados demográficos individuais e a prevalência dos sintomas cognitivos e comportamentais na amostra. 28 Comparação entre os grupos de doenças, avaliando semelhanças e diferenças dos resultados obtidos em cada avaliação proposta. Realização de estatística descritiva do conjunto de doenças, efetuando cruzamento com os achados epidemiológicos (como sexo e idade) e pontuações obtidas no Miniexame do Estado Mental e Questionário de Pfeffer, obtendo média, desvio-padrão e frequência. Realização do teste Kolmogorov-Smirnov, utilizado para checar se os dados apresentam distribuição normal, pois a escolha do procedimento estatístico a se aplicar, depende desta informação. Utilização do Teste t de Student comparando as médias dos achados neuropsicológicos de toda a amostra (desde que apresentassem distribuição normal) com os valores referenciais obtidos através da literatura, uma vez que não incluímos grupo-controle. O Teste t também foi utilizado para comparar as médias dos achados neuropsicológicos de cada grupo de doença em separado com os valores referenciais da literatura. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. 5 Resultados 29 Dados demográficos da amostra Todos os 60 pacientes são brasileiros e residentes em Goiás. Há uma predominância do sexo masculino: 68,3% (n=41), com mulheres representando 31,7% (n=19) da amostra. A média de escolaridade dos pacientes se mostrou baixa: 7,3 anos com desvio padrão de 3,8 anos (Tabela 1). A idade dos pacientes variou de 18 a 63 anos (média: 36,3 anos, desvio padrão: 10,7) (Tabela 1). Tabela 1 – Média e variações observadas (valores mínimos e máximos) das variáveis demográficas do total da amostra (n=60). Idade Sexo Escolaridade anos (média) 36,3 (18 – 63) Homens 41 68,3% Mulheres anos (média) 19 7,3 31,7% (0-16) Quanto à distribuição da freqüência das neuroinfecções, verificamos que o diagnóstico de Neurocriptococose esteve presente em 13 pacientes (21,7% da amostra), tendo ocorrido o mesmo o número de pacientes para o diagnóstico de Neurotoxoplasmose (n=13, 21,7% da amostra). Meningite viral ocorreu em 10 pacientes, perfazendo 16,7% do total. Encontramos também 10 pacientes com histórico de meningites bacterianas (16,7% da amostra), uma vez que pacientes com Meningite pneumocócica (n=6, 10% do total) e Meningite meningocócica (n=4, 6,7% da amostra) foram incluídos em um mesmo grupo. Os pacientes com Encefalopatia pelo HIV apresentaram um total de 5 indivíduos, representando 8,3% da amostra. Neurotuberculose (n=4, 6,7% da amostra), Neurocisticercose (n=2, 3,3%), Abscesso cerebral estafilocócico (n=1, 1,7%), Histoplasmose cerebral (n=1, 1,7%) e Neurossífilis (n=1, 1,7%) foram incluídos no grupo “Outros diagnósticos” para análise estatística devido ao baixo n de cada diagnóstico em separado (Tabela 2 e Gráfico 1). Tabela 2 – Número de pacientes e distribuição em porcentagem de acordo com o diagnóstico 30 Diagnóstico Neurocriptococose Neurotoxoplasmose Meningite Viral Meningite pneumocócica Encefalopatia pelo HIV Meningite meningocócica Neurotuberculose Neurocisticercose Abscesso cerebral estafilocócico Histoplasmose cerebral Neurossífilis Total N 13 13 10 6 5 4 4 2 1 1 1 60 % 21,7 21,7 16,7 10,0 8,3 6,7 6,7 3,3 1,7 1,7 1,7 100,0 Gráfico 1 - Prevalência dos diagnósticos em % 25 Neurocriptococose 21,7 21,7 Neurotoxoplasmose 20 Meningite viral 16,7 Meningite pneumocócica 15 Encefalopatia pelo HIV Meningite meningocócica 10 10 Neurotuberculose 8,3 6,7 6,7 5 Neurocisticercose 3,3 1,7 1,7 1,7 0 Abcesso cerebral estafilocócico Histoplasmose cerebral Neurossífilis Observamos que os diagnósticos de Neurocriptococose e Neurotoxoplasmose representaram quase a metade da amostra (43,4%) e todos estes casos ocorreram no contexto de co-morbidade com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Se adicionarmos também os casos de Encefalopatia pelo HIV (5 casos) vamos obter um total de 31 pacientes, ou seja, 51,7% da amostra. 31 MEEM Na avaliação da amostra como um todo, o MEEM apresentou pontuações com variação de 3 a 30 pontos (média: 22, desvio padrão: 6,1) . Com relação aos valores de referência adaptados à escolaridade (Brucki et al., 2003), as faixas de escolaridade de 1 a 11 anos mostraram-se abaixo do ponto de corte, portanto sugestivo da 32 presença de demência (Tabela 3). No caso do grupo dos analfabetos, apesar de a média ter sido baixa (17 pontos), o resultado não foi estatisticamente significante (p=0,33) provavelmente pelo n ter sido muito baixo (n=2) nesse grupo. Já no grupo de escolaridade maior que 11 anos o n foi igual a 6, e também o resultado de p foi acima de 0,05 (p=0,06) ou seja, não podemos dizer que do ponto de vista estatístico a média do MEEM para este grupo foi significativamente abaixo dos valores referenciais. Tabela 3 – Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no total da amostra, adotando como valores referenciais estudo de Brucki et al. (2003). Escolaridade (anos) 0 1a4 5a8 9 a 11 >11 n 2 11 27 14 6 Média 17,0 20,0 21,1 24,3 25,8 Total MEEM Desvio Padrão 7,1 5,1 7,2 3,4 4,3 Referência t p ≥ 20 ≥ 25 ≥ 26 ≥ 28 ≥ 29 -0,60 -3,24 -3,56 -4,03 -1,82 0,33 0,004 0,001 0,001 0,06 Teste t de Student MEEM – Mini-Exame do Estado Mental Questionário de Atividades da Vida diária de Pfeffer. Observamos grande variação no questionário de Pfeffer (0 a 30), indicando que na amostra estudada existem desde indivíduos funcionalmente normais até aqueles 33 com comprometimento funcional grave. Se considerarmos somente a pontuação média global obtida no Pfeffer (7,6) temos um valor indicativo de demência. Tabela 4 – Pontuações médias do MEEM e do questionário de Pfeffer de acordo com os grupos diagnósticos dos pacientes com neuroinfecções. Diagnóstico Meningites virais Encefalopatia pelo HIV Neurocriptococose MBA Neurotoxoplasmose Outros MEEM Pfeffer 21,5 16,2 23,5 24,8 21,9 20,3 7,0 9,4 7,1 0 12,0 10,1 MEEM – Mini-Exame do Estado Mental MBA – Meningites Bacterianas Agudas Transtornos cognitivos e demências A partir dos critérios estabelecidos para diagnóstico de transtornos cognitivos e demências (baixo desempenho no MEEM e questionário Pfeffer) obtemos a prevalência destas entidades em cada grupo de neuroinfecção (Tabela 5). Tabela 5 – Prevalência de transtornos cognitivos e demências em relação aos diagnósticos encontrados. Normal Transtornos cognitivos Demências 34 Meningites virais 4 3 3 Encefalopatia pelo HIV 0 2 3 Neurocriptococose 5 4 4 Neurotoxoplasmose 1 3 9 MBA 5 5 0 Outros 2 3 4 Total 17 20 23 MBA – Meningites Bacterianas Agudas Observando a Tabela 5, percebemos que o total de pacientes com transtorno cognitivo foi igual a 20 (ou seja, um terço do total) e de portadores de demência igual a 23 (correspondente a 38,3% da amostra) (Gráfico 2). Observamos também que se colocarmos os pacientes portadores de transtorno cognitivo no mesmo grupo dos portadores de demência, vamos obter uma porcentagem de quase 72% (71,7%) do total de pacientes (Gráfico 3). Gráfico 2 – Distribuição do total da amostra segundo categorização cognitiva 35 Demências 39% Normal 28% Normal Transtornos cognitivos Demências Transtornos cognitivos 33% Gráfico 3 – Representação gráfica da prevalência de transtornos cognitivos e demências entre os pacientes avaliados Normal 28% Demências e transtornos cognitivos Demências e transtornos cognitivos 72% Normal Sintomas psiquiátricos (BEHAVE-AD) 36 Verificamos no presente estudo que algum sinal ou sintoma psiquiátrico esteve presente em 83,3% do total de pacientes, ou seja, 50 pacientes, demonstrando uma alta prevalência sintomatológica. O sintoma mais prevalente foi irritabilidade (48,3% do total), seguido de tristeza, presente em 45% dos pacientes (Tabela 6). Tabela 6 - Prevalência de sintomas psiquiátricos, utilizando o questionário BEHAVEAD por categoria diangóstica Meningites virais Encefalopatia pelo HIV Neurocriptococose Neurotoxoplasmose MBA Outros Total Tristeza 3 Apatia 2 Irritabilidade Euforia 5 1 Delírios Alucinações - - 1 3 - - 2 8 9 3 4 27 3 6 12 8 5 2 6 29 1 2 2 1 3 3 3 8 MBA – Meningites Bacterianas Agudas 5.1 Meningite Viral 37 No grupo de meningites virais observamos alterações estatisticamente significantes na pontuação do MEEM apenas na escolaridade de 9 a 11 anos (p=0,04); o mesmo não ocorreu na escolaridade de 5 a 8 anos (apesar da média e do n=6) pela grande variação na pontuação da amostra (3 a 28 pontos). Tabela 7 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Meningite Viral - valores referenciais de acordo com estudo de Brucki et al. (2003). Escolaridade (anos) 0 1a4 5a8 9 a 11 >11 Total MEEM Referência Média Desvio Padrão ≥ 20 12,00 ≥ 25 ≥ 26 20,7 9,2 ≥ 28 24,5 0,7 ≥ 29 30,0 - t p -1,4 -7,0 - 0,11 0,04 - MEEM – Mini-Exame do Estado Mental A pontuação no questionário de Pfeffer obteve média de 7,0, mas esta não foi estatisticamente significante (p=0,39), uma vez que o desvio-padrão foi de 10,99 e o n=10. Interessante notar a rica sintomatologia de sintomas psiquiátricos neste grupo (desenvolvida após o início da doença), já que todos apresentavam alguma queixa ou sintoma: tristeza em 30% dos casos, irritabilidade em 50%, apatia em 2 casos (20%) e elação do humor em uma paciente. 5.2 Encefalopatia pelo HIV 38 Todos os pacientes apresentaram MEEM abaixo do ponto de corte, porém, do ponto de vista estatístico e devido ao pequeno tamanho da amostra houve significância somente no grupo com escolaridade de 1 a 4 anos (já que na escolaridade de 5 a 8 anos e maior que 11 anos só existia um paciente em cada). Tabela 8 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo com Encefalopatia pelo HIV - valores referenciais de acordo com estudo de Brucki et al. (2003). Escolaridade (anos) 0 1a4 5a8 9 a 11 >11 Total MEEM Referência Média Desvio Padrão ≥ 20 ≥ 25 13,7 5,1 ≥ 26 19,0 ≥ 28 ≥ 29 21,0 - t p -4,16 - 0,03 - Teste t de Student MEEM – Mini-Exame do Estado Mental No questionário de Pfeffer não encontramos significância estatística na média da amostra, embora a média tenha sido de 10,8, o que revela presença de comprometimento funcional. Entre as manifestações psiquiátricas encontramos apenas um paciente com quadro de apatia, 2 pacientes (40% do total) com presença de alucinações auditivas e 60% da amostra com quadro de irritabilidade. 5.3 Neurocriptococose 39 O MEEM não apresentou média significativamente abaixo dos valores referenciais, de acordo com a escolaridade, já que todos os valores de p foram acima de 0,05 (Tabela 7). Tabela 9 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Neurocriptococose (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003). Escolaridade (anos) 0 1a4 5a8 9 a 11 >11 Total MEEM Referência Média Desvio Padrão ≥ 20 22,5 3,4 ≥ 25 23,5 7,0 ≥ 26 27,0 ≥ 28 24,0 5,7 ≥ 29 t p -1,46 -1,57 -1,25 0,12 0,09 0,22 Teste t de Student MEEM – Mini-Exame do Estado Mental Do ponto de vista de significância estatística, não podemos dizer que a média do questionário de Pfeffer (7,1) esteve alterada no grupo de Neurocriptococose (p=0,362), ainda que valores acima de 6 sejam considerados como disfuncionais, quando analisados individualmente. No aspecto psiquiátrico a presença de sintomas ocorreu na imensa maioria dos pacientes (n=11, 84,6% do total), sendo que a queixa de tristeza ocorreu em 8 casos (61,5%), irritabilidade também em 8 casos, seguidos de apatia (3 pacientes, 23,1%), alucinações (n=3, 23,1%) e um caso de euforia. 5.4 Neurotoxoplasmose 40 Do ponto de vista estatístico, só podemos relatar alteração significante ao MEEM na faixa de 5 a 11 anos (vale lembrar que o n para as outras faixas não ultrapassou a unidade). Tabela 10 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Neurotoxoplasmose, adotando valores referenciais de acordo com Brucki et al. (2003). Escolaridade (anos) 0 1a4 5a8 9 a 11 >11 Total MEEM Referência Média Desvio Padrão ≥ 20 24,0 ≥ 25 20,5 2,17 ≥ 26 22,2 4,97 ≥ 28 27,0 ≥ 29 t p -6,21 -2,61 - 0,001 0,03 - Teste t de Student MEEM – Mini-Exame do Estado Mental Na Neurotoxoplasmose encontramos resultado estatisticamente significante na avaliação do questionário Pfeffer (p=0,02), com o valor da média (12,0) bem acima do normal, indicando grande comprometimento funcional neste grupo. Assim como no grupo de Neurocriptococose, observamos rica presença de sintomas psiquiátricos, presentes em 11 pacientes do total de 13 (ou seja, 84,6% dos casos). O sintoma comportamental predominante foi tristeza, ocorrendo em 9 casos (69,2%), em seguida observamos 6 casos (46,2%) com apatia, 5 casos (38,5%) com irritabilidade, além de quadros de alucinações (n=3, 23,1%) e delírios (n=2, 15,4%). 5.5 Meningites Bacterianas Agudas Na avaliação do MEEM, os cálculos estatísticos para pacientes com meningites bacterianas não demonstraram médias significativamente abaixo dos valores de 41 referência, ou seja, este grupo de doenças não apresentou p<0,05 em nenhum subgrupo de escolaridade. Tabela 11 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo Meningites Bacterianas, adotando valores referenciais de acordo com Brucki et al. (2003). . Escolaridade (anos) 0 1a4 5a8 9 a 11 >11 Total MEEM Referência Média Desvio Padrão 22,0 ≥ 20 21,5 2,1 ≥ 25 26,4 3,6 ≥ 26 25,5 2,1 ≥ 28 ≥ 29 t p -2,33 0,24 -1,67 - 0,13 0,59 0,17 - Teste t de Student MEEM – Mini-Exame do Estado Mental No grupo das meningites bacterianas todos os pacientes apresentaram pontuação zero no questionário Pfeffer, ou seja, não apresentavam qualquer grau de dependência nas atividades de vida diária. Em relação à sintomatologia psiquiátrica este grupo apresentou manifestações que incluíam tristeza (3 pacientes – 30% da amostra), irritabilidade em 2 pacientes (20% do total) e um paciente com delírios paranóides. 5.6 Outros diagnósticos Neste grupo, englobando os casos de Neurotuberculose, Neurocisticercose, Abscesso cerebral, Histoplasmose cerebral e Neurossífilis, encontramos baixa pontuação ao MEEM em todas as escolaridades exceto para o caso com mais de 11 42 anos de escolaridade, mas significância estatística ocorreu apenas entre os pacientes com escolaridade de 5 a 11 anos (p<0,05) (Tabela 9). Tabela 12 - Média e desvio padrão do MEEM de acordo com a escolaridade e valor de p no grupo “Outros diagnósticos” (referência segundo estudo de Brucki et al., 2003). Escolaridade 0 1a4 5a8 9 a 11 >11 Total MEEM Referência Média Desvio Padrão ≥ 20 22,0 ≥ 25 10,0 5,0 ≥ 26 25,5 2,1 ≥ 28 29,0 ≥ 29 t p -5,54 -2,40 - 0,02 0,048 - Teste t de Student MEEM – Mini-Exame do Estado Mental A avaliação estatística do questionário Pfeffer não demonstrou significância (p=0,174), não obstante a média (10,1) ter sido maior que o ponto de corte de 6. Todos os pacientes deste grupo apresentaram alguma alteração do ponto de vista psiquiátrico. O sintoma irritabilidade esteve presente em 6 dos 9 pacientes, ou seja, em dois terços da amostra (66,6%). O segundo sintoma mais freqüente foi tristeza, ocorrendo em 4 pacientes (44,4%). No paciente portador de Neurossífilis foram observados sintomas de irritabilidade, labilidade emocional e desinibição, caracterizando seu quadro por uma síndrome de hipofrontalidade. 6 Discussão O presente estudo é o primeiro trabalho estabelecendo a prevalência de transtornos cognitivos e demências de etiologias infecciosas em hospital de referência, bem como as repercussões neuropsiquiátricas com aplicação de teste neuropsicológico, não sendo encontrado nenhum trabalho semelhante na literatura científica até o momento. 43 A abordagem neuropsicológica através de realização de testes é um importante aspecto no diagnóstico e na condução dos casos de pacientes com declínio cognitivo – lembrando que a abordagem clínica tradicional deve preceder o estudo neuropsicológico. Muitas variáveis podem influenciar o desempenho nos testes neuropsicológicos, como a idade, escolaridade, gênero, doenças sistêmicas e também o próprio prejuízo cognitivo ou déficits sensoriais que o indivíduo venha a apresentar. Dessa forma a análise de variáveis demográficas é fundamental para a compreensão do processo de doença e também para comparação com valores referenciais mais condizentes com a realidade do paciente. Observamos uma predominância masculina de casos de meningites e meningoencefalites na amostra, sendo condizente com achados da literatura (Cota et al., 2006; Leimann et al., 2008). No estudo de Leiman e colaboradores a média de idade dos pacientes com meningite criptocócica foi de 35,9 anos, bastante próxima da média do nosso estudo (36,3 anos), apesar de incluirmos neste os mais diversos diagnósticos de neuroinfecção. As médias de pontuações do MEEM, da amostra como um todo, mostraram-se alteradas mesmo com uma média de idade de 36,3 anos, já que os relatos na literatura apontam que os prejuízos cognitivos em neuroinfecções ocorrem geralmente na meia-idade (Hokkanen & Launes, 1995). Na análise dos grupos em separado, apenas o grupo Meningites Bacterianas Agudas não demonstrou alterações estatisticamente significantes no MEEM. Um aspecto importante a ser levado em consideração é o fato de o MEEM ter sido desenvolvido como um teste de varredura para doença de Alzheimer (Folstein et al., 1975). Nesse caso, alguns resultados podem ser falseados a depender do processo de perdas cognitivas de cada paciente – lembremos que o nosso estudo é composto por neuroinfecções diversas e por patofisiologias possivelmente variadas. Raciocínio semelhante pode ser feito em relação ao Questionário de Pfeffer, já que foi inicialmente desenvolvido para idosos e a nossa amostra é composta por jovens. Esta limitação pode, no entanto, ser minimizada se observarmos que mesmo sendo um instrumento desenhado para idosos, nossa amostra constituída sobretudo por jovens apresentou médias alteradas neste questionário. Ainda avaliando o total da amostra, através da alta média no Questionário de Pfeffer (7,6), percebemos que as alterações neuropsicológicas não se restringiram a prejuízos cognitivos leves, já que este questionário avalia justamente o desempenho nas atividades da vida diária e, se estas estão comprometidas, então podemos apontar o diagnóstico de síndrome demencial (Pfeffer et al., 1982). No entanto, analisando os grupos em separado, verificamos que apenas o grupo da 44 Neurotoxoplasmose apresentou alta média estatisticamente significante. Este é um aspecto bastante interessante, já que praticamente não encontramos trabalhos na literatura evidenciando alterações cognitivas em casos de Neurotoxoplasmose. O total de pacientes portadores do HIV foi de 51,7% (incluindo neste total os grupos Neurotoxoplasmose, Neurocriptococose e Encefalopatia pelo HIV), provavelmente pelo fato de coletarmos a amostra a partir de um hospital de referência em AIDS, já que outros possíveis casos de neuroinfecções podem ter sido acompanhados em hospitais especializados na área de Neurologia e até mesmo em nosocomios psiquiátricos. A portabilidade do vírus também pode ter influenciado os resultados para Neurotoxoplasmose e Neurocriptococose, considerando que o HIV-1 pode afetar o SNC nos primórdios da infecção e dessa forma influenciar também o desempenho neuropsicológico dos pacientes que não estão no grupo Encefalopatia pelo HIV. Interessante notar que, apesar de realizarmos o estudo em um hospital de referência, não verificamos casos de Leuconencefalopatia Multifocal Progressiva, além disso o n=5 para pacientes com Encefalopatia pelo HIV mostrou-se baixo. Um dos aspectos que pode ter contribuído para o baixo número de pacientes com Encefalopatia pelo HIV pode ter sido o fato de avaliarmos pacientes internados, e a Encefalopatia pelo HIV instala-se de uma forma insidiosa e mesmo silenciosa, dificultando a identificação dos casos, principalmente se o paciente apresentar a forma menor (Navia et al., 1986). Verificamos que o grupo das Meningites Bacterianas apresentou evidente dissonância comparado aos demais grupos, uma vez que nem o MEEM, nem o questionário de Pfeffer mostraram-se alterados. Esses dados vão de encontro com os achados da literatura, já que vários estudos tem relatado prejuízos congnitivos decorrentes de meningites bacterianas (Weisfelt et al., 2006; Schmidt et al., 2006; Hoogman et al., 2007). No entanto, na nossa amostra foram avaliados apenas adultos (média de idade de 36,3 anos) e os estudos que relatam seqüelas foram feitos em menores. Além disso, verificou-se que o comprometimento cognitivo é inversamente proporcional à idade da infecção (Anderson et al., 1997), dado curioso, pois contraria as noções de plasticidade cerebral, segundo as quais quanto mais jovem o cérebro, maiores serão as chances de recuperação cognitiva (Stiles et al., 2005). Entre as manifestações psiquiátricas encontradas, destacam-se os quadros de apatia e irritabilidade, presentes em 30% e 43,4% do total, respectivamente. Quadros de apatia denotam possível comprometimento mesial frontal, mas também podem indicar sintomatologia presente numa síndrome subcortical. Não observamos alta prevalência de apatia no grupo de pacientes com Encefalopatia pelo HIV (apenas 1 45 caso), ocorrendo discordância com a literatura (aliás, o sintoma predominante foi irritabilidade) (Navia et al., 1986). No caso da irritabilidade, podemos encontrar tal sintoma em quadros depressivos, quadros maniformes e mesmo na irritabilidade orgânica (com envolvimento das estruturas pertencentes ao sistema límbico). Por outro lado, encontramos trabalhos associando transtorno cognitivo leve e sintomas como irritabilidade, disforia, apatia e ansiedade em um nível superior aos grupos-controle (Demey et al., 2007). No grupo de meningites virais verificamos presença de sintomas psiquiátricos em todos os pacientes, um achado surpreendente se levarmos em conta a relatada benignidade deste grupo de doenças. Talvez possamos explicar em parte este achado pela contaminação com casos de meningites virais tipo herpética, reconhecidamente uma forma de meningoencefalite que cursa com altas taxas de morbidade psiquiátrica. É interessante notarmos que a irritabilidade esteve presente em dois terços dos pacientes do grupo “Outros diagnósticos” e em 8 de 11 pacientes do grupo da Neurocriptococose. No grupo da Neurotoxoplasmose outro sintoma que se destaca é a “tristeza”, ocorrendo em 9 (69,23%) dos 13 casos, lembrando que este pode ser um sintoma preditivo de depressão e poder influenciar o desempenho cognitivo, no entanto só foram inclusos pacientes que desenvolveram os sintomas psiquiátricos com o início da doença, ou seja, tais sintomas faziam parte do processo de neuroinfecção. Também no caso do grupo da Neurocriptococose a tristeza foi um sintoma com alta prevalência (61,53%) nos casos. Uma outra limitação deste trabalho está relacionada ao tamanho da amostra (n=60) que se torna pequena, se considerarmos o ponto de vista de que houve grande heterogeneidade diagnóstica, entre os grupos e dentro de um mesmo grupo. Um dos aspectos que contribuíram para a diminuição do total da amostra foi o critério de exclusão relacionado ao uso de álcool ou drogas ilícitas, já que a nossa amostra foi composta em grande parte por soropositivos (HIV) e a associação com o uso de álcool e drogas ocorreu com bastante freqüência entre os pacientes soropositivos internados no HDT. Ainda dentro das limitações, outro aspecto relevante foi o fato de não haver um grupo controle, dessa forma tivemos que comparar os grupos de doenças com valores encontrados na literatura. 46 7 Conclusões Através deste estudo verificamos: 47 Alta prevalência de transtornos cognitivos (incluindo demências) entre os quadros de neuroinfecções na amostra estudada (71,7% dos pacientes), sendo que 38,3% do total da amostra apresentou critérios para o diagnóstico de demência. Freqüente associação de manifestações psiquiátricas a esses quadros (cognitivos), colaborando para a disfunção das capacidades relacionadas às atividades da vida diária (verificada através das pontuações no questionário de Pfeffer). Tais sintomas psiquiátricos estiveram presentes em 83,3% do total de pacientes; 8 Considerações finais Considerando esta grande prevalência de manifestações neuropsiquiátricas entre os portadores de infecções do SNC, nos parece surpreendente o fato de muitos profissionais da área da saúde ainda não terem voltado seus olhos para as alterações cognitivas e comportamentais que possam vir a ocorrer na evolução das doenças infecciosas. Os resultados demonstram uma necessidade de abordagem preventiva e diagnóstica no intuito de minimizar os prejuízos cognitivos em pacientes com neuroinfecções. Políticas públicas deveriam ser direcionadas para investimento e acompanhamento de pacientes com seqüelas cognitivas, no entanto, esta parece ser uma distante realidade, considerando que o treinamento de profissionais direcionado à identificação de prejuízos cognitivos ainda é escasso, principalmente se considerarmos o campo das neuroinfecções, que ainda carece de maior volume de estudos com esse direcionamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alexopoulos GS, Abrams RC, Young RC, Shamoian CA. Cornell Scale for Depression in Dementia. Biol Psychiatry 1988;23(3):271-284. 48 Almeida, O, Lautenschlager, NT. Dementia associated with infectious diseases. International Psychogeriatrics 2005;17 Supp:S65-S77. Anderson V, Bond L, Catroppa C, Grimwood K, Keir E, Nolan T. Childhood bacterial meningitis: impact of age at illness and acute medical complications on long term outcome. J Int Neuropsychol Soc 1997;3(2):147-58. Asada T. 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G.O. L.A.M.P. J.M.S.N. R.A.S. O.C.V.S. Masculino Masculino Masculino Masculino Masculino Masculino 35 44 39 22 24 29 6 5 16 7 9 12 F.G.S. L.S.O. P.R.S.C. E.M.M. F.M.N.S. Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino 33 31 22 30 29 9 8 5 11 11 J.A.R.J. J.S.B.C.F. L.F.S. F.G.S. A.C.R.S. J.B.B. S.C.S. N.P.B. A.S.P. J.P.S. V.J.A. Masculino Feminino Masculino Masculino Masculino Masculino Feminino Feminino Masculino Masculino Masculino 28 31 45 27 48 28 39 35 26 38 41 8 11 4 5 16 6 4 8 8 8 13 M.A.S.C. Masculino 46 7 B.P.A. E.M.S.F. Masculino Feminino 33 56 4 5 A.V.C. Masculino 28 4 M.P.S. Masculino 63 0 M.C.P. G.J.S. D.M.F. J.S.F. J.S.B.S. Feminino Masculino Feminino Masculino Masculino 34 25 42 53 43 5 6 10 1 11 Diagnóstico Neurotoxoplasmose Meningite viral Abcesso cerebral estafilocócico Meningite estreptocócica Meningite viral Neurossífilis Meningite viral Neurotoxoplasmose Neurocriptococose Histoplasmose cerebral Neurotoxoplasmose Neurotoxoplasmose Neurotoxoplasmose Neurotoxoplasmose Meningite meningocócica Neurotoxoplasmose Neurocriptococose Neurocisticercose Neurocriptococose Neurocriptococose Neurotuberculose Neurotoxoplasmose Neurocriptococose Neurocriptococose Neurotoxoplasmose Meningite meningocócica Encefalopatia pelo HIV Neurocisticercose Encefalopatia pelo HIV Meningite pneumocócica Encefalopatia pelo HIV Meningite viral Neurotoxoplasmose Neurocriptococose Neurotuberculose 24 3 Questionário de atividades funcionais Pfeffer 12 30 28 0 28 26 29 28 20 28 0 0 3 0 27 0 23 23 21 19 27 0 6 0 27 17 28 17 22 10 20 26 22 19 30 25 27 0 3 28 28 18 0 16 4 0 11 16 29 0 8 15 28 14 15 8 22 0 19 20 28 18 25 5 0 0 2 0 Total MEEM 60 J.B.G.A. W.S. S.A.R. Feminino Masculino Masculino 53 26 42 3 7 5 E.A.B. Feminino 58 8 F.S.S. E.O.S. M.G.G. R.E.S. E.B.P. Masculino Masculino Masculino Masculino Masculino 18 40 35 34 38 6 2 10 5 7 C.A.S.O. Masculino 32 3 T.R.C. L.J.O.S. G.G.F. N.A.P.F. Feminino Feminino Feminino Masculino 29 41 41 42 11 5 10 6 C.M.A. G.R.P. I.F.S. M.O.S. L.J.S.A. P.F.R. M.A.N.S. E.N.A.C. I.R.S Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino Masculino Feminino Masculino Feminino 20 18 38 51 39 49 34 21 37 3 11 5 0 11 5 5 16 4 O.S.G.C. Feminino 49 11 J.V.A.S. Masculino 50 13 Meningite meningocócica Neurotoxoplasmose Neurotoxoplasmose Meningite pneumocócica Meningite meningocócica Neurocriptococose Neurotuberculose Neurocriptococose Neurotoxoplasmose Encefalopatia pelo HIV Meningite pneumocócica Meningite viral Meningite viral Meningite viral Meningite pneumocócica Meningite viral Neurocriptococose Meningite viral Neurocriptococose Neurocriptococose Neurotuberculose Meningite viral Neurocriptococose Meningite pneumocócica Encefalopatia pelo HIV 23 18 19 0 18 9 20 0 27 26 26 30 23 0 0 0 0 17 18 0 27 21 25 26 0 13 0 0 20 24 17 12 27 13 5 30 24 0 5 2 22 2 28 30 0 1 24 0 21 6 61