ROBSON GON Previdência Privada F ROBSON GONÇALVES

Propaganda
ESCOLA DA MAGISTRATURA DO DISTRITO FEDERAL
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO E JURISDIÇÃO
ROBSON GONÇALVES DOURADO
DOU
Previdência Privada Fechada – Fundos de Pensão –
ea
Relação de Consumo
Brasília, maio de 2013
ROBSON GONÇALVES DOURADO
Previdência Privada Fechada – Fundos de Pensão –
ea
Relação de Consumo
Monografia apresentada como requisito para
conclusão do curso de Especialização em Direito e
Jurisdição da Escola da Magistratura do Distrito
Federal.
Orientador: Dr. Héctor Valverde Santana
Brasília, maio de 2013
RESUMO
Esta pesquisa discute a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas
entre Entidade Fechada de Previdência Complementar – fundos de pensão – e participante de
benefícios, a partir de argumentos doutrinários contrários e favoráveis, aí considerando a
jurisprudência correspondente. O ponto de referência é a Súmula 321 do Superior Tribunal de
Justiça, que ensejou controvérsias sobre seu nível de amplitude de aplicação. O estudo
pautou-se pela identificação de pontos convergentes na hermenêutica de dispositivos legais do
CDC e de legislação específica atrelada ao tema, provenientes de doutrinadores e julgadores
com posicionamentos divergentes. Em que pese a complexidade do tema, inclusive a exigir
outras discussões, esta pesquisa permite concluir pela plausibilidade e razoabilidade da
incidência do CDC nas relações jurídicas entre fundos de pensão e participantes de benefícios.
Palavras-chave: Previdência privada, EFPC; EAPC, CDC, fundos de pensão, consumidor,
participante, fornecedor.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 5
1.
História e principais características da Previdência Privada Complementar ....... 8
2.
As EFPC no contexto da relação consumerista e as questões a serem postas .... 16
3.
Metodologia aplicada na pesquisa jurisprudencial ............................................. 24
4.
Argumentos contrários à aplicação do CDC nas EFPC ..................................... 28
5.
Argumentos favoráveis à aplicação do CDC nas EFPC ..................................... 44
6.
Reflexões sobre os argumentos contrários e favoráveis à aplicação do CDC .... 60
nas relações jurídicas envolvendo as EFPC
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 72
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 74
5
INTRODUÇÃO
As dificuldades da previdência estatal no Brasil, do Regime Geral do INSS – Instituto
Nacional do Seguro Social – têm colocado na incerteza inúmeros trabalhadores em relação à
renda futura, que, muitas vezes, é bem inferior à recebida na vida ativa. Em função disso, a
previdência privada tem sido uma alternativa atraente para aqueles que desejam complementar a
renda, além de poderem contar com outros benefícios e deduções para efeito de imposto de
renda. Esse movimento tem colocado a previdência privada com um papel alavancador ou
fomentador do próprio país.
Dessa forma, um dos fundamentos da previdência privada é de assegurar
complementação de renda aos participantes. Além disso, as previdências privadas se colocam
como agentes financiadoras do desenvolvimento do país, o que é possível graças às
características dos montantes geridos por essas entidades, cabendo destacar: a) grande volume de
recursos; b) recursos de baixo custo (juros baixos); c) financiamento de longo prazo; d) recursos
não inflacionários.
Em relação ao tema, cabe assinalar que a promulgação da Constituição Federal de 1988
foi um marco histórico e jurídico, haja vista que a única norma existente até então – Lei nº 6.435,
de 15.07.1977 – não conseguia delinear com clareza suficiente o sentido e a finalidade das
Entidades abertas de previdência complementar – EAPC – e Entidades fechadas de previdência
complementar – EFPC – respectivamente. Em observância à previsão constitucional, houve
detalhamento do funcionamento e das relações envolvendo as entidades abertas e fechadas de
previdência privada e seus participantes, que foram consubstanciados nas Leis Complementares
nº 108/2001 e 109/2001.
6
Nesse contexto, tem ocorrido crescimento da previdência privada no Brasil,
especialmente das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC – o que tem
gerado discussões no campo jurídico sobre sua natureza jurídica e as implicações daí
decorrentes, tais como sobre a norma aplicável nas situações envolvendo participantes de planos
de benefícios e as próprias EFPC. Tal debate tem como ponto referencial a edição da Súmula
321 do STJ de 2005, que prevê a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação
jurídica entre entidade de previdência privada e seus participantes.
Diante disso, o presente trabalho busca debater a incidência do Código de Defesa do
Consumidor nas relações envolvendo as EFPC e seus participantes. Assim, no Capítulo 1 são
apresentados o contexto histórico e as principais características da entidade aberta de previdência
complementar (EAPC) e da entidade fechada de previdência complementar (EFPC), enquanto no
Capítulo 2 são indicadas suas principais diferenças jurídicas e o problema da incidência do CDC
à luz do que dispõe a Súmula 321 do STJ.
Em seguida, no Capítulo 3, é feita descrição da metodologia aplicada na pesquisa
jurisprudencial, tendo sido pinçados julgados por amostragem no do Superior Tribunal de Justiça
– STJ; Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – TJGO; Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul – TJRS; Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT; Tribunal
de Justiça de São Paulo – TJSP e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA.
No Capítulo 4 são apresentados os argumentos jurídicos contrários à aplicação do Código
de Defesa do Consumidor nos conflitos judiciais entre fundos de pensão e participantes de
benefícios, bem como a jurisprudência correspondente. De forma semelhante, no Capítulo 5 são
indicados argumentos jurídicos que se mostram favoráveis à incidência do CDC nesse tipo de
relação jurídica, inclusive julgados com esse mesmo posicionamento.
7
Por último, no Capítulo 6, são realizadas reflexões a respeito dos argumentos doutrinários
contrários e favoráveis à aplicação do CDC na relação jurídica entre fundos de pensão e
participantes de planos de benefícios, de modo a se permitir posicionamento crítico e conclusivo,
em nível da temática posta nesta pesquisa, indicando-se outras questões passíveis de
aprofundamento em estudo específico.
8
1. História e principais características da Previdência Privada Complementar
A temática da previdência privada fechada – fundos de pensão – na perspectiva jurídica,
ou seja, com viés de regulamentação é relativamente recente, tendo emergido abordagem mais
específica com a edição da Lei nº 6.435 de 1977 – a qual foi revogada pela Lei Complementar nº
109 de 2001 – numa clara inspiração no modelo norte-americano de gestão de fundos de pensão,
a fim de atender à própria necessidade de regulamentar as entidades até então em operação no
país vinculadas ao setor estatal. Em artigo publicado na Revista Fundos de Pensão, Ricardo Pena
traz síntese clara e objetiva a respeito da regulamentação da previdência privada no Brasil, in
verbis:
A previdência complementar no Brasil surgiu, de forma regulamentar, com a lei nº.
6.435, de 1977, em consonância com a experiência norte-americana do ERISA
(Employee Retirement Income Security Act), na necessidade de regulamentação dos
montepios, da canalização da poupança previdenciária ao desenvolvimento do mercado
de capitais no País a partir do 2º Programa Nacional de Desenvolvimento e no
funcionamento de algumas entidades de previdência privada ligadas ao setor estatal.
O sistema de fundos de pensão em sua origem nasceu pela administração de planos de
aposentadoria na modalidade de benefício definido em que se tem o risco atuarial e
evoluiu, durante a década de 80 e 90, para as empresas privadas e para os planos de
contribuição definida e mistos no qual esses riscos foram mitigados. 1
Por outro lado, não se pode olvidar que o embrião da previdência privada no Brasil
remonta ao Século XVI, momento em que passaram a surgir as santas casas de misericórdia,
montepios e sociedades beneficentes, tendo caráter mutualista. Há de se consignar a criação do
Montepio para a Guarda Pessoal de D. João VI, ainda em 1808, bem como do Montepio Geral
dos Servidores do Estado (Mongeral), já em 1835, que se tornou a primeira entidade particular
no Brasil a entrar em operacionalização. 2
Verifica-se que o mutualismo era um aspecto marcante na previdência privada em
construção no Brasil desde o período colonial. Para Weintraub, o mutualismo securitário na
1
PENA, Ricardo. Previdência Complementar no Brasil: história, evolução e desafios. Revista Fundos de Pensão. da
Abrapp/ICSS/Sindapp, Ano XXVII, Número 340, de maio/2008, p. 13-15.
2
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 31.
9
perspectiva previdenciária “consiste num esforço recíproco de indivíduos cujos interesses são
semelhantes para que haja proteção de todos membros desse conjunto [...] há um cunho altruísta,
mesmo que involuntário, no âmbito da solidariedade envolvendo esforço conjunto [...] 3
Também Manuel Sebastião Soares Póvoas descreve o processo histórico da previdência
privada no Brasil – inclusive destaca o caráter mutualista inerente aos montepios - de maneira
que faz um recorte das principais fases por que passaram as entidades privadas, até chegar à
regulamentação ocorrida mediante a Lei nº 6.435 de 1977, in verbis:
O sistema de previdência privada foi institucionalizado pela Lei 6.435 de 15 de julho de
1977, que como ela própria expressa à guisa de sumário ‘dispõe sobre as entidades de
previdência privada e dá outras providências’ e que foi corrigida, em alguns pormenores
adjetivos, pela Lei 6.462 de 09 de novembro de 1977.
O Brasil deu um grande passo, institucionalizando a previdência privada, o que sem
dúvida o elege como um dos primeiros neste domínio. A índole do povo brasileiro é de
preocupação para com o futuro, o que explica os seculares exemplos de estruturas
mutualistas na forma de misericórdias e de montepios.
A constituição dessas estruturas começou nos primeiros anos do Brasil-Colônia no
seguimento da tradição portuguesa das misericórdias devida a inspiração de D. Leonor
de Lencastre, rainha viúva do Rei D. João II, e não mais parou.
A realidade que, em termos de veículos operacionais, existia quando da promulgação da
Lei 6.435, era um quadro mutualista tradicional formado pelos montepios, um certo
número de fundações instituídas por empresas estatais e um número indeterminado de
esquemas previdenciários criados pelas empresas sem outra garantia que não fosse a sua
expressão nos respectivos balanços, denominados ‘fundos contábeis’, expressão sem
dúvida inconsistentes, na medida em que tais fundos não passavam de meras provisões
sem qualquer especificação material e, sem garantirem quaisquer direitos [...] 4
De acordo com Weintraub, as primeiras instituições criadas no Brasil com caráter de
previdência privada foram a fundação do Montepio dos Oficias da Marinha da Corte (de 23 de
setembro de 1795); Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado – MONGERAL –
(de 10 de janeiro de 1835) e, na sequência, vários montepios, denominados de “Caixas Mútuas
de Pensões e Pecúlios”. Destaca, ainda, o autor, a criação da Caixa Montepio dos “Funcionários
do Banco da República do Brazil”, composta por 52 associados (de 16 de abril de 1904), que é
atualmente a PREVI. Consoante Weintraub, a palavra montepio seria a aglutinação do termo
3
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 54.
4
PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos e conceituação jurídica.
2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 104-105 e 144-145.
10
‘monte’, aí entendido como “o valor conjunto arrecadado para subvencionar as pensões, pio (do
latim ‘pius’) no sentido de sagrado, santo”. 5
Já a Previdência Social, de caráter público e obrigatório, só foi mencionada pela primeira
vez na Constituição de 1891, indicando-se a possibilidade de aposentadoria de invalidez para
funcionários a serviço da Nação. 6
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a estrutura geral de previdência no
Brasil ficou composta por três regimes: o Regime Geral de Previdência Social, os Regimes
Próprios de Previdência dos Servidores Públicos e o Regime de Previdência Privada. Os dois
primeiros são operacionalizados por entidades públicas, sendo de natureza obrigatória e seguem,
via de regra, o regime financeiro de caixa, isto é, uma geração contribui para a outra. Enquanto
isso, a previdência privada por ser de filiação facultativa e autônoma busca acrescentar proteção
previdenciária ao participante, apresentando regime financeiro de capitalização – já que os
aportes são investidos no mercado e compõem o valor do benefício – e pode ser administrada por
entidades fechadas ou abertas. 7
Segundo Weintraub, o art. 202, caput, da Constituição Federal de 1988, deixou clara a
diferença estrutural do regime geral de previdência social comparativamente ao regime da
previdência privada no que se refere ao aspecto financeiro. No primeiro caso, adotou-se a
repartição simples e tendo como princípio a solidariedade, ficou estabelecido que a geração ativa
economicamente contribui para sustentação dos benefícios de aposentados e pensionistas do
momento presente, ocorrendo aí um mutualismo entre gerações. Na segunda hipótese, utilizou-se
o regime de capitalização, de maneira que o participante investe individualmente em sua
5
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 66.
6
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 4.
7
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p.6.
11
previdência, de forma independente, afastando o princípio da solidariedade e, por conseguinte, o
mutualismo. In verbis:
[...] Houve uma patente dicotomia constitucional entre o regime de repartição simples
(regime geral de previdência social – INSS) e o regime de capitalização (previdência
privada).
O regime previdenciário de repartição simples (pay as you go) pressupõe que quem está
trabalhando paga os benefícios dos aposentados e pensionistas atuais. Logo, as gerações
vindouras suportarão as aposentadorias da geração de agora. É a solidariedade entre
gerações: receitas correntes cotizam despesas correntes. Há, portanto, um mutualismo
intergerações na repartição simples.
[...] No regime de capitalização (funding system), os participantes formam fundos
(individuais ou coletivos) onde são investidos pecúlios destinados às suas
aposentadorias. O objetivo da capitalização não pressupõe a solidariedade
intergerações. (grifos do Autor) 8
As Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC – também chamadas de
fundos de pensão 9, são estruturadas sob a forma de entidade sem fins lucrativos e acessíveis a
segmentos específicos de pessoas, mediante seus empregadores, denominados de Patrocinadores.
Quando os fundos de pensão são constituídos por associados ou por membros de determinada
categoria profissional, classista ou setorial, mediante suas respectivas entidades representativas,
são denominadas de Instituidores. 10
Por outro lado, as Entidades Abertas de Previdência Complementar – EAPC – são
constituídas, obrigatoriamente, na forma de sociedades anônimas, com fins lucrativos, a despeito
de qualquer tipo de vínculo profissional ou associativo. Nessa modalidade, há possibilidade de
contribuir de forma individualizada ou em conjunto com a empresa para constituição de fundos,
a fim de fazer poupança. 11
8
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 56.
9
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Manual de direito previdenciário privado. São Paulo: Juarez de
Oliviera, 2004, p. 32. Daqui por diante, serão adotadas as expressões Entidades Fechadas de Previdência
Complementar, Fundos de Pensão como sinônimas, sem adentrar em polêmicas sobre a terminologia adequada.
10
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p.7.
11
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p.7
12
Desse modo, enquanto o Regime Geral de Previdência Social e os Regimes Próprios de
Previdência dos Servidores apresentam como pontos comuns natureza pública, filiação
obrigatória e regime de caixa, via de regra, a previdência privada complementar é de natureza
privada, contratual, filiação facultativa, autônoma em relação às duas primeiras e regime
financeiro de capitalização.
Particularmente quanto à Previdência Privada Complementar é importante desde logo
destacar as principais diferenças estruturais entre as espécies desse segmento, ou seja, Entidades
Fechadas – fundos de pensão – e as Entidades Abertas12, conforme tabela abaixo:
Entidades ABERTAS Previdência Complementar
- EAPC
Entidades FECHADAS Previdência Complementar
- EFPC
Sociedade Anônima
Fundação ou sociedade civil
Fins lucrativos
Fins não lucrativos
Acessíveis a qualquer pessoa física
Acessível a grupos específicos, com base no
vínculo empregatício ou associativo
Planos individuais ou coletivos
Planos coletivos
Natureza contratual
-
As regras gerais da Previdência Privada Complementar – Aberta e Fechada – estão
contidas na Lei Complementar nº 109/2001, a qual aborda as características estruturais dessas
entidades, contemplando os planos de benefício, da fiscalização e da intervenção e da liquidação
extrajudicial. Enquanto isso, a Lei Complementar nº 108/2001, dispõe sobre regras específicas
das entidades fechadas de previdência complementar. Mais adiante será retomada essa
perspectiva jurídica com maior aprofundamento.
12
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p.7.
13
A entidade fechada de previdência complementar é constituída por meio de estatuto, o
qual contém as regras para formação da entidade, e.g., funcionamento do conselho deliberativo,
da diretoria executiva e do conselho fiscal, bem como de seus correspondentes níveis de
competência, requisitos para sua composição, mandato. Além disso, os fundos de pensão têm
seus planos de benefício regrados por meio de regulamento. Este documento se reveste de
natureza contratual e define as regras de operacionalização do plano de benefícios, contemplando
questões como regras de carência, fontes de custeio dos benefícios, condições de elegibilidade
(idade mínima), hipóteses de ingresso e saída do plano, etc. 13
Na previdência privada a contribuição consiste numa espécie de poupança com objetivos
previdenciários, de forma a resguardar riscos sociais, tais como benefícios na modalidade de
aposentadoria por invalidez ou tempo de contribuição, pensão por morte. Os planos são
formulados com base no sistema de capitalização, de maneira que o valor do benefício ficará
condicionado, entre outros fatores, pela contribuição realizada em dado período. 14
Retomando a perspectiva jurídica da descrição dos fundos de pensão e entidades abertas,
verifica-se que a Constituição Federal de 1988 no seu art. 202 dispõe sobre o regime de
previdência privada, destacando seu papel complementar, de natureza autônoma e facultativa, a
partir de formação de reservas e regulação mediante lei complementar. 15
Com a edição da Lei Complementar nº 109, de 29.05.2001, em atendimento ao disposto
no art. 202 da Constituição Federal, as entidades de previdência privada passaram a se adequar
às regras relacionadas aos planos de benefícios, ao custeio, às condições contratuais, à
composição, às finalidades e à abrangência da entidade, em conformidade à aludida lei. Antes
13
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p.12
e 13.
14
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p.10
e 14.
15
BRASIL. Constituição (1988). Constituição federal. 14. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2012.
14
disso, tal regramento era definido por meio da Lei nº 6.435, de 15.07.1977, que se encontra
revogada.
Conforme já pontuado alhures a previdência complementar, na forma concebida no art.
202 da Constituição Federal e posteriormente regulada pela Lei Complementar nº 109, é gênero,
no qual se identificam duas espécies: Entidade aberta de previdência complementar – EAPC – e
Entidade fechada de previdência complementar – EFPC.
As EAPC são constituídas tão-somente na modalidade de sociedade anônima, sendo por
natureza acessível ao público em geral e com fins lucrativos, é o que se depreende da inteligência
do art. 36, caput, da Lei Complementar nº 109:
As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e
têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário
concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer
pessoas físicas. 16
Por seu turno, as EFPC são acessíveis, via de regra, aos empregados de uma empresa ou
grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
que são reconhecidos por patrocinadores. Na hipótese de instituidores, frise-se, em que não há
relação de emprego, as entidades são compostas por associados ou membros de pessoas jurídicas
de caráter profissional, classista ou setorial, e.g., inscritos na OAB – Ordem de Advogados do
Brasil. A forma de constituição das EFPC, tanto por meio de patrocinadores ou instituidores é de
fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos. Tais características são pontuadas pelo art. 31,
caput, incisos I e II e § 1º d Lei Complementar nº 109, cuja transcrição se torna necessária:
As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão
regulador e fiscalizador, exclusivamente:
I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e
II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou
setorial, denominadas instituidores.
16
BRASIL. Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o Regime de Previdência
Complementar e dá outras providências. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012.
15
§ 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil,
sem fins lucrativos. 17
Nas duas modalidades de previdência complementar – EAPC e EFPC – o participante
desembolsa determinado montante em função de regras definidas em contrato e/ou regulamento,
observando-se premissas ou hipóteses atuariais, tais como taxa de juros reais, taxa de
rotatividade, taxa de inflação. Além disso, vigora em ambas, o regime de capitalização, que
caracteriza uma espécie de poupança privada feita pelo participante, cuja contrapartida por parte
da EAPC/EFPC se reverterá em forma de benefício no futuro àquele, tais como risco por
invalidez, doença ou morte.
18
A Lei Complementar nº 109 trata a respeito do tema sinalizando
com a preocupação da saúde financeira da previdência privada – aberta ou fechada – conforme
se depreende abaixo:
EAPC – art.29, caput e inciso I: Compete ao órgão regulador, entre outras atribuições
que lhe forem conferidas por lei: fixar padrões adequados de segurança atuarial e
econômico-financeira, para preservação da liquidez e solvência dos planos de
benefícios, isoladamente, e de cada entidade aberta, no conjunto de suas atividades.
EFPC – art. 18, § 2º:Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de
benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obrigatória,
incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da
massa e da atividade desenvolvida pelo patrocinador ou instituidor. 19
No caso específico dos fundos de pensão – EFPC – a capitalização é também uma forma
de garantir o equilíbrio econômico-financeiro da entidade e se manifesta nas modalidades de
investimento em renda fixa, renda variável, imóveis, empréstimos e financiamentos imobiliários
aos participantes dos planos de benefícios. 20
17
BRASIL. Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o Regime de Previdência
Complementar e dá outras providências. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012.
18
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p. 15
e 16.
19
BRASIL. Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o Regime de Previdência
Complementar e dá outras providências. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012.
20
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Sec. Prev. Compl.-SPC. Guia do participante . Disponível em: <
http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024-143155-938.pdf > Brasília, 2005. Acesso em 11 Mar 2013, p.
14.
16
2. As EFPC no contexto da relação consumerista e as questões a serem postas
Após a breve caracterização da previdência complementar, consigne-se que, com a edição
relativamente recente da Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça – STJ – emergiu um
problema que trafega na jurisprudência e especialmente na doutrina: trata-se de estabelecer a
amplitude de interpretação e aplicação do enunciado da referida súmula na relação jurídica
consumerista, se abrangeria apenas as EAPC – o que neste caso parece pacificado, conforme
mais adiante sinalizaremos – ou se também contemplaria as EFPC. Assim, cabe no âmbito desta
monografia discutir a incidência da referida súmula à luz também de posicionamentos da
doutrina e da própria jurisprudência nas entidades fechadas de previdência complementar –
EFPC – cujo teor transcreve-se abaixo:
O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de
previdência privada e seus participantes. 21
No caso da Entidade Aberta de Previdência Complementar, há doutrinadores que
entendem configurada relação consumerista, tendo em vista que o participante dos planos de
benefícios – de forma facultativa e a partir de contrato de adesão – desembolsa prestações por
determinado período a fim de obter para si ou para beneficiário que designar cobertura de risco
de morte, invalidez ou mesmo aposentadoria, ocupando, por isso, a posição de consumidor. De
outra lado, a entidade concede os benefícios pactuados em contrato e segundo o regulamento do
plano de benefício, o que a caracteriza como fornecedora. In verbis:
O participante é a pessoa física sobre a qual recaem os riscos do contrato previdenciário,
quais sejam: a morte, a invalidez e a sobrevivência, sendo o sujeito ativo da relação
jurídica de previdência aberta ao qual é conferido o direito de recebimento dos
benefícios pagos pela entidade aberta de previdência complementar na forma de
pagamento único ou renda firmados no contrato.
O beneficiário é a pessoa indicada pelo participante para receber quaisquer benefícios
previdenciários previstos no plano em decorrência do evento gerador.
21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 321, de 2005, publicada no DJ em 05.12.2005. Disponível em: <
http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num='321'> Acesso em 14 Mar 2013.
17
Tais entidades (EAPC) têm por objetivo a comercialização em massa de planos
previdenciários privados, cujo objeto é a concessão de benefícios ao participante ou ao
beneficiário, sejam estes os próprios contratantes ou apenas favorecidos no plano
contratado pela pessoa jurídica.22
Observe-se que nas entidades abertas os planos previdenciários são ofertados livremente
no mercado a pessoas físicas ou a pessoas jurídicas, cuja relação jurídica se processa de forma
facultativa e mediante contrato, o que coaduna com os fins lucrativos dessa espécie de
previdência privada complementar. Parece não gerar controvérsias a patente configuração do
consumidor (participante ou beneficiário) e da entidade aberta de previdência complementar
(fornecedora de benefícios previdenciários).
Mais adiante, Arruda afirma que na relação jurídica firmada entre participante e Entidade
Aberta de Previdência Complementar há incidência dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do
Consumidor, conforme se depreende de seu posicionamento abaixo:
O participante, na qualidade de consumidor, é aquele que adquire produtos (benefícios
previdenciários) ou utiliza o serviço previdenciário para a satisfação de necessidades
pessoais como destinatário da atividade econômica exercida pela entidade aberta de
previdência complementar.
As entidades abertas de previdência complementar são caracterizadas como verdadeiros
fornecedores, pois são pessoas jurídicas as quais, mediante remuneração e de forma
habitual, oferecem ao vasto mercado de consumo – já que acessíveis a todos que
queiram com ela contratar – o serviço previdenciário privado, qual seja: a concessão de
benefícios sob a forma de renda ou pagamento único. 23 (grifos nossos)
Em alinhamento ao posicionamento de Arruda, Léo Amaral Filho evoca julgado do
Superior Tribunal de Justiça favorável à incidência do Código de Defesa do Consumidor nas
relações jurídicos envolvendo participante e Entidade Aberta de Previdência Complementar,
embora não indique se é um entendimento majoritário ou sedimentado na jurisprudência daquele
Egrégio Tribunal, in verbis:
Civil e Processo Civil. Recurso Especial. Embargos de Declaratórios Protelatórios.
Previdência Privada. Aplicação do código de defesa do consumidor. Ofensa ao ato
22
ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo: LTR,
2004, 197 e 198.
23
ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo: LTR,
2004, 200 e 202.
18
jurídico perfeito. Matéria infraconstitucional. Reexame fático-probatório. Interpretação
de cláusulas contratuais. Prequestionamento. Fundamento inatacado do acórdão
recorrido.
[...]
- Aplicam-se os princípios e regras do Código de Defesa de Consumidor à relação
jurídica existente entre a entidade de previdência privada e seus participantes.
[...]
A participação no plano oferecido pela previdência privada ocorre com a celebração do
contrato previdenciário. Através deste negócio jurídico o participante transfere à
entidade certos riscos sociais ou previdenciários, mediante o pagamento de
contribuições, a fim de que, ocorrendo determinada situação prevista contratualmente,
obtenha da entidade benefícios pecuniários ou prestação de serviços.
[...]
Dessa forma, o vínculo jurídico entre o participante e a entidade de previdência privada
é relação de consumo, aplicando-se, assim, os princípios e regras do Código de Defesa
do Consumidor. (grifos do autor) (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº
306.155, rel. Min. Nancy Andrighi, Diário de Justiça de 25.02.2002). 24
De forma semelhante, Arthur Bragança de V. Weintraub compartilha do entendimento de
que as EAPC são enquadráveis na relação de consumo, haja vista que são constituídas como
sociedades anônimas, tendo fins lucrativos e com acessibilidade a todas às pessoas, quer dizer,
no mercado de consumo, in verbis:
Como são sociedades anônimas com natural finalidade lucrativa, as entidades abertas
não despertam discussão sobre a sua caracterização como fornecedoras de serviços
(colocando seus participantes como consumidores). Os planos destas entidades são
acessíveis a quaisquer pessoas (físicas, em planos individuais e jurídicas, nos planos
coletivos), e sua qualificação comercial pela exploração da atividade de fornecimento
dos serviços securitários/previdenciários visando a obtenção de lucro é nitidamente de
relação de consumo. 25
Feito isso, a questão a ser posta e que permeará o presente trabalho é a seguinte: as
características já apontadas a respeito das EFPC – Entidades Fechadas de Previdência
Complementar – em termos de constituição e composição afastariam per se a incidência da
Súmula 321 do STJ, ou seja, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor – CDC – nas
relações entre a entidade e os participantes? Como tem se posicionado a doutrina e a
jurisprudência a respeito do tema?
24
AMARAL FILHO, Léo do. Previdência privada aberta. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 240 e 241.
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 163.
25
19
Antes de se prosseguir nas discussões a respeito do problema posto, cabe situá-lo, ainda
que de forma panorâmica, sob o enfoque constitucional, a fim de não se enveredar por
posicionamentos precipitados ou equivocados a respeito do tema. Nesse sentido, é forçoso
transcrever o art. 5º, inciso XXXII, o art. 10 e o art. 170, caput e inciso V, todos da Constituição
Federal, que dispõem:
Art. 5º [...]
[...]
XXXII. O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados
dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam
objeto de discussão e deliberação. (grifos nossos)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios: (grifos nossos)
[...]
V – defesa do consumidor 26
Por seu turno, no que tange à previdência complementar, a Carta Magna traz o seguinte
enunciado, conforme art. 202:
O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma
autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na
constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei
complementar. 27
No contexto constitucional, com base nos dispositivos indicados anteriormente, pode-se
depreender a especial atenção dispensada ao consumidor, o que não significa desprezar a
importância das demais variáveis imbricadas na relação de consumo, sob pena de inviabilizar o
funcionamento do próprio mercado. De todo modo, fica evidente nos referidos dispositivos a
26
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. 11. ed. São Paulo: Rideel,
2010.
27
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. 11. ed. São Paulo: Rideel,
2010.
20
ênfase que é dispensada ao consumidor, a exemplo do consignado no inciso XXXII, art. 5º, da
Constituição Federal. 28
Ora, desde já, registre-se que as questões envolvendo o consumidor remetem à dimensão
de princípios (art. 170, V) e estão entre as garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXXII), cuja
análise será efetuada oportunamente. Portanto, não se pode olvidar na abordagem do problema
posto as discussões constitucionais e principiológicas sob pena de se adotar posicionamentos
reducionistas.
De qualquer modo, é forçoso esclarecer o seguinte ponto evocado no âmbito
constitucional com os respectivos desdobramentos: mas de que proteção ou de quem, afinal, a
Constituição Federal está se referindo, ou melhor, quais as figuras e contexto presentes nesse
embate de relação jurídica de consumo? O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2º,
caput e § combinado com o art. 3º caput definem de forma bastante elucidativa esses aspectos,
pelo menos para o presente propósito, senão vejamos:
Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços. 29
A par dos enunciados supra Amaral Júnior e Moraes, citados por Cláudia Lima Marques,
ponderam que o consumidor não detém informações suficientes a respeito de produtos ou
serviços que demanda no mercado, razões pelas quais se mostra hipossuficiente e vulnerável
diante do fornecedor, sendo que sua vulnerabilidade se manifesta na dimensão técnica, jurídica,
política ou legislativa, biológica ou psicológica, econômica ou social e ambiental. In verbis:
28
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. 11. ed. São Paulo: Rideel,
2010.
29
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. 11. ed. São Paulo: Rideel, 2010.
21
[...] o consumidor é vulnerável porque não dispõe dos conhecimentos técnicos
necessários para a elaboração dos produtos ou para a prestação dos serviços no
mercado. Por essa razão, o consumidor não está em condições de avaliar, corretamente,
o grau de perfeição dos produtos e serviços [...] Por sua vez, Moraes identifica a
vulnerabilidade técnica, jurídica, política ou legislativa, a biológica ou psicológica, a
econômica ou social e a ambiental; assim com várias situações ou formas de tornar o
consumidor vulnerável. Lista as seguintes formas de tornar o consumidor vulnerável: a)
tecnicismo dos contratos; b) complexidade e extensão contratual; c) predisposição; d)
generalidade dos contratos; e) estado de necessidade; dimensão dos caracteres dos
contratos [...] 30
Segundo Nelson Nery Júnior, a partir do enunciado no art. 2º, caput combinado com o
art. 3º do CDC, são identificados três elementos constitutivos de uma relação jurídica de
consumo: a) os sujeitos: consumidor e fornecedor; b) o objeto: produto ou serviço; e) elemento
teleológico: é a finalidade da aquisição ou utilização do produto ou serviço por parte do
consumidor, o qual é considerado o destinatário final. Frisa o autor que o “CDC não fala de
‘contrato de consumo’, ‘ato de consumo’, ‘negócio jurídico de consumo’, mas de relação de
consumo, termo que tem sentido mais amplo do que aquelas expressões [...]” 31
Definidos os atores da relação consumerista, o CDC conceitua produto e serviço nos
termos dos §§ 1º e 2º do art. 3º, conforme abaixo:
Produto é qualquer bem móvel, ou imóvel, material ou imaterial.
Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista. 32
Verificam-se nos dispostos supra uma perspectiva aberta e genérica a respeito de produto
e serviço, tendo como única condição a remuneração. No entanto, quanto a este aspecto, em que
um terceiro se envolve na relação por via reflexa e sem o seu consentimento – e.g. inscrição em
30
AMARAL JR., Alberto do. A boa-fé e o controle das cláusula contratuais abusivas nas relações de consumo.
Revista Direito do Consumidor, v. 6, p. 27-33; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. O Código de Defesa do
Consumidor: princípio da vulnerabilidade do contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre:
Síntese, 1999. Apud MARQUES, Cláudia Lima. Campo de aplicação do CDC. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.
et al Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 73.
31
NERY JÚNIOR, Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. et al Código brasileiro de
Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, V. I,
2011, p. 512-513.
32
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. 11. ed. São Paulo: Rideel, 2010.
22
banco de dados como mau pagador por uma compra que não realizou – já existe corrente que
define fornecedor por equiparação, a exemplo de Leonardo Bessa, referenciado por Cláudia
Lima Marques, mas que não será objeto de apreciação neste trabalho. 33
Cabe assinalar que a relação de consumo se opera dentro de um mercado, aí
compreendido, segundo Newton de Lucca, como o ambiente no qual se processam as relações de
permuta de bens e de prestação de serviços, mediante a participação dos inúmeros agentes
econômicos, in verbis:
[...] Nos livros de Direito, em geral, a expressão (mercado) é corriqueiramente utilizada
pelos autores como se se tratasse de uma noção absolutamente consabida por todos.
Mas, se é verdade que, em Economia, o conceito já terá sido objeto das mais profundas
análises, o mesmo não parece ter ocorrido relativamente à Ciência Jurídica [...] Já se
deixou assentada, linhas atrás, uma primeira e preliminar noção de mercado,
caracterizando-o como a cadeia das relações de troca de bens e de prestação de serviços,
realizadas pelos diversos agentes econômicos.34
Mais adiante Lucca esclarece que essas relações de troca de bens e de prestação de
serviços, ocorrem, de algum modo, em dado lugar e em determinado tempo, o que abrangeria,
consoante o autor, o próprio comércio eletrônico. A título de conceito, Lucca afirma que o
“Mercado é o conjunto das relações de troca de bens e de prestação de serviços, praticadas pelos
diversos agentes econômicos, em determinado tempo e lugar”. 35
Não se pretende aqui discutir e muito menos aprofundar o conceito de mercado, mas cabe
somente esclarecer que esta perspectiva jurídica conceitual será utilizada a respeito da expressão.
Assim, ainda quanto a essa questão, Lucca afirma que a vulnerabilidade do consumidor
reconhecida no CDC só pode ser entendida no ambiente de mercado. Nesse sentido, é oportuno
transcrever suas palavras:
33
MARQUES, Cláudia Lima. Campo de aplicação do CDC. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. et al Manual de
Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 85.
34
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor. Teoria geral da relação de consumo. São Paulo: Quartier Latin,
2003, p. 162.
35
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor. Teoria geral da relação de consumo. São Paulo: Quartier Latin,
2003, p. 163.
23
Entendo que as expressões mercado de consumo, de um lado, e reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor, de outro – com a primeira colocada imediatamente após
a segunda – só podem ser interpretadas no sentido de que nelas existe uma espécie de
interpenetração substancial.
Em outras palavras, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor só pode darse, para os efeitos da aplicação da legislação tutelar, no âmbito do mercado de consumo,
ainda que se possa conceber a existência de outras vulnerabilidades e de outros
consumidores que não se apresentam, necessariamente, no contexto de um mercado de
consumo. 36 (grifos do autor)
É importante consignar, desde já, que a constituição de fundo de pensão por parte do
empregador, que passa a figurar como patrocinador, não tem reflexos jurídicos na relação
trabalhista que mantém com o empregado, de modo que este último pode permanecer como
participante da entidade mesmo após a ruptura do vínculo empregatício. Para Póvoas:
[...] Outra característica destas obrigações (como patrocinador de entidade fechada) é
que elas nada têm a ver com os contratos de trabalho, celebrados entre a empresa e os
inscritos nos planos previdenciários da entidade.
Por outro lado, uma coisa é a posição do empregado em relação à empresa e outra,
totalmente diferente, a sua posição em relação à entidade. Se é certo que esta sua
posição só foi possível porque ele era empregado na empresa, não é menos certo que a
relação jurídica estabelecida com a entidade é completamente autônoma, até porque
pode continuar, mesmo depois de desfeito o vínculo empregatício. 37
Em que pesem os indicativos feitos até aqui a respeito da relação jurídica de consumo,
quando se defronta com conflito entre participantes e Entidades Fechadas de Previdência
Complementar, a temática ainda tem se mostrado polêmica, ainda que a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça – STJ – encontre-se sedimentada, conforme se verá adiante.
Assim, após a apresentação do contexto em que se situa a questão posta, qual seja, a
incidência ou não do CDC na relação entre Entidades Fechadas de Previdência Complementar –
EFPC – e os participantes dos planos de benefícios, tendo como ponto de partida o enunciado da
Súmula 321 do STJ, na seqüência serão analisados argumentos da doutrina e jurisprudência a
respeito da problemática, tanto contrários quanto favoráveis.
36
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor. Teoria geral da relação de consumo. São Paulo: Quartier Latin,
2003, p. 186.
37
PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos e conceituação
jurídica. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 227-228.
24
3. Metodologia aplicada na pesquisa jurisprudencial
A pesquisa dos repositórios jurisprudenciais foi realizada no período de 09.04.2013 a
18.04.2013, nos sites do Superior Tribunal de Justiça – STJ – do Tribunal de Justiça do Estado
de Goiás – TJGO – do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS – do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT – Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP –
e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA.
A opção pelas jurisprudências desses tribunais se deu pelas seguintes razões: a) no caso
do STJ, em função de ter editado a Súmula 321, que teve vigência a partir de 2005, e por ser a
última instância no que tange à divergência de hermenêutica e aplicação de norma
infraconstitucional.Além disso, tem posicionamento sedimentado em favor da incidência do
CDC nas relações entre EFPC e participante; b) o TJGO por ser um tribunal bastante consultado
por este pesquisador na elaboração de suas peças recursais, além de dispor de decisões díspares
em outros temas comparativamente, e.g., ao TJDFT e do próprio STJ
38
; c) o TJRS pelo
reconhecimento público e notório de suas decisões vanguardistas e diferenciadas; d) o TJDFT
por estar situado no local de realização do presente trabalho; e) o TJSP por ter havido referência
de um de seus julgados nesta monografia em citação de um doutrinador; f) o TJBA para se
buscar maior representatividade da amostra dos acórdãos prospectados.
Nesse sentido, para realizar as buscas jurisprudenciais foram utilizadas as expressões
“CDC e Previdência”, “CDC e Previdência Complementar” e “CDC e Previdência Fechada”,
cuja análise preliminar era feita na própria ementa, de modo a identificar a aderência com o tema
38
No caso da Tarifa de Abertura de Crédito (TEC) e Tarifa de Emissão de Carnê/Boleto (TAC) cobradas pelas
instituições financeiras por ocasião da concessão de crédito, o TJGO tem posicionamento sedimentado no sentido de
afastar tais cobranças, por considerá-las abusivas, conforme disposto no art. 51, inciso IV, do CDC (vide AgRg
Cível nº 185396-75.2009.8.09.0174, de 26.02.2013, do Egrégio TJGO, Rel. Desa. Amélia Martins de Araújo; TJGO,
2ª Câmara Cível, AC nº 109082-69, DJ 840 de 15/06/2011, Rel.: Des. Carlos Alberto Franca; TJGO, 3ª Câmara
Cível, AC nº 17841-02, DJ 819 de 16/05/2011, Rel.: Des. Walter Carlos Lemes; TJGO, 1ª Câmara Cível, AC nº
68571-52, DJ 795 de 07/04/2011, Rel.: Des. João Ubaldo Ferreira).
25
desta monografia. Prima facie, aí considerando principalmente a pesquisa feita no repositório do
STJ, que foi a mais completa, o verbete “CDC e Previdência” se mostrou o mais abrangente, de
maneira que o seu teor continha os julgados das demais expressões, razão pela qual se optou por
utilizá-lo nos demais tribunais. Para prospectar as decisões, foi assinalada a opção de “acórdãos”
em todos os sistemas de busca dos tribunais, inclusive do STJ.
Consigne-se que, salvo o repositório do STJ, os sites dos demais tribunais tiveram as
ementas analisadas por amostragem e na sequência da disponibilização das páginas de consulta,
no máximo, até a sexta página, dado a grande quantidade de julgados, especialmente o TJSP,
sendo que muitos deles versavam sobre outras temáticas. Além disso, o propósito era de extrair
as decisões mais recentes.
Buscou-se, ainda, focar os julgados tanto contrários quanto favoráveis à incidência e
aplicação do CDC dentro do período temporal posterior à edição da Súmula 321 do STJ
(publicada no DJ em 05.12.2005), ou seja, a partir de 2006 até 2013. Dada a importância de tal
súmula, os acórdãos anteriores do STJ que a embasaram foram abordados nesta pesquisa, o
mesmo ocorreu com julgado AI 163.840.5/1-4ª. Câmara, Rel. Des. Brenno Marcondes – VU,
julg. 25.05.2000, só que por outro motivo, que já se evidenciou alhures.
Em nível de amostragem, há sinalizações de que o posicionamento dos tribunais – TJRS,
TJDFT e TJSP – parece favorável à aplicação do CDC nas relações jurídicas entre participantes e
EFPC, já que não foram identificados acórdãos posteriores à edição da Súmula 321 em sentido
contrário. Por outro lado, suspeita-se que no TJGO e TJBA, haja mais julgados divergentes da
posição da Súmula 321. De todo modo, no caso do TJSP, TJRS e TJDFT, caberia ampliar a
quantidade de ementas e teor dos acórdãos analisados, dado os volumes significativos de
repositório jurisprudencial destes tribunais.
26
No caso específico da prospecção efetuada no site do STJ, foram descartados entre os 33
arestos identificados os que não estavam relacionados com o presente tema, de maneira que
restaram 22 acórdãos. Destes últimos, 20 (vinte) são decisões sobre conflitos entre participantes
de planos de benefícios e Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC – e 2 (duas)
de Entidades Abertas de Previdência Complementar – EAPC.
É importante registrar que os 20 (vinte) acórdãos envolvendo participantes de planos de
benefícios e EFPC o STJ entendeu pela incidência e aplicação do Código de Defesa do
Consumidor, numa demonstração clara da sedimentação do posicionamento daquela Egrégia
Corte. Note-se que foram 9 processos da PETROS, 5 processos da FUNCEF, 2 da ELETRA, 1
da VALIA, 1 da SISTEL, 1 da ELOS e 1 da FEMCO, cujas datas de julgamento estão situadas
no intervalo temporal entre 04.05.2006 a 16.10.2012.
O quadro abaixo sintetiza as principais características das buscas jurisprudenciais
efetuadas:
Tribunal
TJGO
Local busca
Verbete
http://www.stj.jus.br/SCON/index.jsp?li
vre=cdc+e+previd%EAncia&&b=ACO
R&p=true&t=&l=10&i=1
CDC e Previdência
http://www.tjgo.jus.br/index.php/consu
lta-atosjudiciais
CDC e Previdência
TJRS
http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=jurisn
ova&partialfields=tribunal%3ATribunal
%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2
520do%2520RS.(TipoDecisao%3Aac%
25C3%25B3rd%25C3%25A3o|TipoDeci
sao%3Amonocr%25C3%25A1tica|Tipo
Decisao:null)&t=s&pesq=ementario. CDC e Previdência
STJ
TJDFT
TJSP
TJBA
http://www.tjdft.jus.br/
CDC e Previdência
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCo
mpleta.do
CDC e Previdência
http://esaj.tjba.jus.br/cjsg/consultaCom
pleta.do
CDC e Previdência
Período
Qtde.
acórdãos
09 a 14.04.2013
33
16.04.2013
77
16 a 18.04.2013
554
18.04.2013
305
16 a 18.04.2013
7.034
18.04.2013
57
27
Por último, convém assinalar que a Súmula 321 foi embasada por 5 (cinco) julgados em
sede de Recurso Especial, que contemplaram 3 (três) Entidades Fechadas de Previdência
Complementar (Centrus, julgado em 06.05.2004; Sistel, julgado em 17.06.2004 e Valia, julgado
em 19.11.2001) e 2 (duas) Entidades Abertas de Previdência Complementar (Montab, julgado
em 04.11.1999 e Sabemi, julgado em 07.10.2004).
Oportunamente, serão efetuados comentários a respeito dos fundamentos jurídicos mais
relevantes dos acórdãos que embasaram a edição da Súmula 321, especificamente, dos três que
envolveram os fundos de pensão.
28
4. Argumentos contrários à aplicação do CDC nas EFPC
Verifica-se na doutrina posicionamento contrário à interpretação e aplicação extensiva da
Súmula 321 do STJ e, por conseguinte, do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre
participantes e Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Entre os argumentos
apontados, que é a posição defendida por Lygia Avena, encontram-se as noções de amplitude,
finalidade, enquadramento, especificidades legais e representação em conselho no âmbito dessas
entidades, que a seguir se fará o detalhamento para maior compreensão. 39
Desse modo, quanto à amplitude, assevera Lygia Avena que a relação previdenciária
operada nas EFPC abrange um público específico, não estando aberta ao mercado em geral,
conforme disposto no art. 31, caput e incisos, o que, no seu entendimento afastaria uma relação
de consumo. Segundo a autora, o § 2º do art. 3º do CDC expressa claramente que o conceito de
“serviço” é aquele oferecido no mercado de consumo por meio de remuneração, aí no sentido
amplo e indiscriminado de consumidores, sem nenhum tipo de restrição, o que diverge da
natureza jurídica da concepção das EFPC, in verbis:
Nos termos da citada Lei (art. 3º, § 2º, do CDC), portanto, a relação de consumo está
vinculada às noções de comercialização pelo fornecedor de produtos ou serviços e à sua
distribuição ampla, no mercado de consumo, com finalidade comercial ou lucrativa.
Tais características, expressas no CDC para fins de configurar a relação de consumo,
não estão presente na relação previdenciária entre participantes e entidades fechadas de
previdência complementar.
Essas entidades, nos expressos termos do art. 31, I, da Lei nº 109/01, possuem
abrangência restrita, tendo os seus planos de benefícios direcionados a um grupo
fechado de empregados de uma empresa ou grupo de empresas patrocinadoras, sendo
ainda previstos, como seus destinatários, nos termos de lei específica a regular a
matéria, os servidores da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que optem por
serem filiados aos planos de benefícios [...] 40 (grifos da Autora)
39
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 78 a 80.
40
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 75.
29
Também para Weintraub não há que se falar em enquadramento da relação jurídica entre
participante e EFPC no CDC, tendo em vista que os fundos de pensão não figuram como
fornecedora de produtos ou serviços, mesmo porque o público-alvo dos planos de benefícios são
pessoas com vínculo estabelecido com patrocinador ou instituidor. Neste caso, segundo o autor,
a relação ocorre fora do chamado mercado de consumo, in verbis:
[...] Fundos de pensão não são fornecedores de serviços de consumo. O art. 3º do
Código de Defesa do Consumidor conceitua serviços de consumo (proporcionado por
fornecedores) com atividade fornecida no mercado.
Os fundos de pensão não ofertam seus planos no mercado, até porque deve haver
vinculação do participante com patrocinador ou instituidor para ingresso no plano
fechado. 41
Em seguida, Weintraub indica uma jurisprudência do TJSP – AI 163.840.5/1-4ª. Câmara,
Rel. Des. Brenno Marcondes – VU, julg. 25.05.2000, que está em convergência com o seu
posicionamento. Todavia, o autor reconhece que esse tipo de entendimento jurisprudencial é
escasso entre os tribunais. Note-se que se trata de decisão anterior à edição da Súmula 321 do
STJ, a qual só teve vigência a partir de 2005.
Ainda na análise das características dos fundos de pensão, esclarece Avena que quanto à
finalidade, as EFPC por natureza são constituídas sem fins lucrativos, sob a forma de fundação
ou sociedade civil, com caráter previdenciário, razão pela qual inexiste escopo de
comercialização ou lucratividade dos serviços oferecidos, diferentemente da relação de consumo,
cuja comercialização de produtos ou serviços está sempre atrelada à lucratividade. Segundo a
autora, os valores desembolsados pelos participantes não apresentam natureza remuneratória,
mesmo porque tais quantias serão revertidas em benefícios aos próprios participantes ou pessoas
a quem estes tenham indicado, conforme se depreende da afirmação abaixo:
Ressalta, pois, do mesmo modo que ocorre com a contribuição para a Previdência
Social, que a contribuição previdenciária do participante ao plano de benefícios não
possui o condão de revestir-se de remuneração, nos termos da finalidade lucrativa ou
comercial de que trata o art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do consumidor.
41
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 163-164.
30
[...] todo o patrimônio de tais entidades e seus respectivos rendimentos de aplicação são
integralmente direcionados para a concessão e manutenção dos benefícios
previdenciários aos seus participantes. Não há, pois, distribuição do seu patrimônio, já
que o patrimônio é revertido integralmente em prol da finalidade previdenciária para a
qual foram criadas estas entidades. 42
No que tange ao enquadramento legal das EFPC, Avena esclarece que, enquanto a defesa
do consumidor se encontra insculpida na Ordem Econômica e Financeira da Constituição
Federal (art. 170, V), as EFPC foram abordadas pela Carta Magna na Ordem Social (art. 202), de
forma que, no seu raciocínio, essa diferenciação constitucional afastaria a incidência do Código
de Defesa do Consumidor nestas últimas. Segundo a autora, fica claro na Constituição Federal
que a relação de consumo ocorre no contexto da atividade econômica e financeira, enquanto as
relações estabelecidas entre participantes e EFPC se dão mediante perspectiva previdenciária, de
caráter eminentemente de ordem social, conforme se depreende de sua afirmação abaixo:
Na qualidade de prestadoras de benefícios de natureza previdenciária aos seus
participantes e beneficiários, sob a forma de rendas e benefícios suplementares ou
assemelhados aos da Previdência Social, inclusive concedendo benefícios de risco nos
eventos aleatórios como invalidez, morte ou doença, as entidades fechadas de
previdência complementar passaram a ter importante papel social. Neste contexto, são
enquadradas no Título VIII, da Constituição Federal, na ‘Ordem Social’, estando
disciplinadas no seu art. 202.
[...] O princípio de defesa do consumidor, nos termos do art. 170, V, da Carta Magna, é
destinado expressamente à Ordem Econômica, estando inserido no Título VII, da
Constituição Federal, ‘Da Ordem Econômica e Financeira’ no Capítulo I, ‘Dos
Princípios Gerais da Atividade Econômica e Financeira’. É, portanto, neste contexto,
diverso daquele verificado na relação previdenciária, que se insere a relação de
consumo. 43
Arthur Bragança de V. Weintraub tem esse mesmo posicionamento, na medida em que
reforça a teleologia de caráter social inerente à previdência privada complementar, inclusive
destacando o contexto previdenciário em que se dá tal tipo de relação, conforme se verifica
abaixo:
42
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 77-78.
43
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 72.
31
Mesmo privada, porém, ela não perde jamais seu traço distintivo constitucional de
elemento de proteção social.
Fica evidenciado, portanto, que a mens legis do legislador constitucional não foi a de
reduzir o campo previdenciário privado ao mero contexto de aplicações financeiras.
Para resguardar a essência da proteção social inerente, notemos que o fundamento dos
planos de Previdência Privada não é o enriquecimento da pessoa por meio de aplicações
[...] Os planos previdenciários privados visam permitir uma continuidade no padrão de
vida da pessoa, complementando ou não uma aposentadoria oficial. 44
Em relação à legislação aplicável à EFPC, Avena destaca a especificidade da Lei
Complementar 109/01, que foca o equilíbrio dos planos de benefícios, os quais se baseiam em
severas regras atuariais e sua operacionalização, portanto, no contexto de relação previdenciária,
enquanto na relação de consumo busca-se equilíbrio entre consumidor e fornecedor no contexto
de atividade econômica. A título de ilustração, a autora remete ao art. 21, caput da Lei
Complementar 109/01 45, o qual dispõe que em caso de déficit, entre as opções para solucionar o
problema, poderá a entidade definir, por meio de revisão do seu plano de custeio, majoração das
contribuições dos participantes e contribuintes. In verbis:
Ora, como coadunar tal hipótese e norma aplicável com a regra prevista no art. 51, X,
do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe ser nula a cláusula contratual que
permita ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação de preço de maneira unilateral?
Do mesmo modo, como conciliar tal previsão inserta na legislação que rege a relação de
consumo com o princípio legal voltado ao equilíbrio econômico-financeiro e atuarial
dos planos de benefícios, em proteção aos participantes, previsto no art. 3º, III, da Lei
109/01? 46
Outro aspecto das EFPC que, na concepção de Avena, excluiria a incidência do Código
de Defesa do Consumidor nessa relação previdenciária, é o fato da própria Lei 109/01 prevê a
representação e ingerência nos contratos dos participantes no Conselho Deliberativo, o qual tem
entre outras funções, a de aprovar a instituição e mudança dos regulamentos dos planos de
44
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Manual de direito previdenciário privado. São Paulo: Juarez
de Oliveira, 2004, p. 17,18 e 24.
45
BRASIL. Lei Complementar nº 109 de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o Regime de Previdência
Complementar e dá outras providências. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012. Art. 21, caput: O resultado deficitário nos
planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção
existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa
a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
46
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 79 a 80.
32
benefícios das entidades, na forma disposta no art. 35 do referido diploma
47
. Nestes termos,
afirma a autora, o participante de a possibilidade efetiva de interferir na gestão direta das EFPC,
o que não ocorre na relação consumerista. 48
Em convergência a este ponto, Weintraub esclarece que, diferentemente da EAPC, nas
EFPC os participantes compõem a estrutura organizacional, podendo interferir nas decisões que
dão o rumo destas entidades, de maneira que esse tipo de relação jurídica não exigiria
intervenção estatal para se buscar harmonização de interesses, conforme dispõe o art. 4º do CDC.
Nesse sentido, afirma o autor:
[...] Essencialmente, porém, os fundos de pensão são constituídas em suas estruturas
internas por participantes. Os participantes possuem ingerência efetiva sobre a
administração da entidade fechada; o que não se passa nas entidades abertas ou
empresas públicas.
O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor determina a ação do Estado para garantia
da harmonização dos interesses das partes na relação de consumo. Os fundos de pensão,
pela participação intrínseca dos participantes, permite uma harmonização autocompositiva. 49
Por último, Avena argúi que, entre os argumentos que fundamentaram a edição da
Súmula 321 do STJ e, por conseqüência, a incidência equivocada do CDC nas relações entre
participantes e fundos de pensão, consiste na extensão do termo ‘securitária’, constante no art. 3º,
§ 2º, do CDC, às atividades previdenciárias, o que a autora não concorda. Segundo ela, as
relações dos fundos de pensão ocorrem num ambiente restrito, fora do ‘mercado de consumo’ e
não há finalidade lucrativa. Assim, afirma Avena:
[...] a argumentação utilizada como embasamento da Súmula 321, para fins do
enquadramento das EFPC ao CDC, de que a atividade prestada é securitária, não se
compatibiliza com a sua atividade previdenciária específica, bem distinta da acepção de
seguro abordada na fundamentação do Tribunal Superior. Nesse sentido, apenas a título
de argumentação, se fosse considerado um conceito amplo de atividade securitária,
como atividade prestada pelos Fundos de Pensão, ainda assim, em harmonia ao art. 3º
47
Lei Complementar 109/2001, art. 35, § 1º: O estatuto deverá prever representação dos participantes e assistidos
nos conselhos deliberativo e fiscal, assegurado a eles no mínimo (um terço) das vagas.
48
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 80.
49
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 164.
33
do CDC, tal atividade securitária seria aquela prestada em um contexto de escopo
comercial ou lucrativo, acessível,, disponível ao mercado de consumo, à população em
geral [...] 50
Comunga desse aspecto das EFPC Weintraub, o qual esclarece que, embora a relação
jurídica tabulada entre participantes de planos de benefícios e fundos de pensão se operacionalize
mediante contrato de adesão, tal característica per se não configura relação de consumo. Além
disso, o autor é bastante incisivo em afastar as EFPC da condição de fornecedora de serviços,
porquanto o seu âmbito de atuação fica circunscrito a um contexto que não se poderia considerar
como mercado, conforme se depreende a partir de sua afirmação abaixo:
Os contratos de adesão de entidades fechadas são estabelecidos unilateralmente, sem
que o participante possa discutir ou modificar substancialmente seus conteúdos.
Entretanto, não é porque há contrato de adesão que a relação é de consumo. Fundos de
pensão não são fornecedores de serviço de consumo. O art. 3º do Código de Defesa do
Consumidor conceitua serviços de consumo (proporcionado por fornecedores) como
atividade de mercado. 51
Paulo Sérgio Cavezzale acompanha também o raciocínio de que as entidades fechadas de
previdência complementar são de natureza jurídica totalmente diversa das entidades abertas de
previdência complementar, ensejando, por isso, tratamento específico e diferenciado, à luz das
orientações contidas na Lei Complementar 109/2001, de maneira que não incidiria o CDC nas
suas relações. Nesse sentido, pontua Cavezzale, as EFPC são constituídas sob a forma de
fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, sendo acessível a um público restrito. Além
disso, ao contrário das EAPC, as atividades desempenhadas pelas EFPC não são de natureza
financeira, pois seu objeto é “a administração e a execução de planos de natureza previdenciária,
considerados suplementares ou assemelhados aos da previdência oficial, e se organizam
necessariamente sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos”. 52
50
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 81.
51
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 164.
52
CAVEZZALE, Paulo Sérgio. EFPC: sua correta natureza jurídica e decorrências. In: GOES, Wagner de. Gestão
de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: ABRAPP, 2006, p. 13 e ss.
34
Mais adiante, Cavezzale descreve a diferenciação da natureza jurídica e finalidades das
EAPC e das EFPC, buscando com isso, afastar qualquer tipo de incidência do CDC nos contratos
desta última, senão vejamos:
Estas (EAPC), como assinalamos, são empresas comerciais que atuam com intuito de
lucro. Aquelas (EFPC), ao contrário, não possuem natureza mercantil, não visam à
obtenção de lucros, têm por fim último, em face da insuficiência dos serviços
previdenciários estatais, complementar, através de uma ação subsidiária, os programas
previdenciários oficiais e dar assistência a determinados grupos de pessoas.
Por outras palavras: as empresas abertas de Previdência Privada têm caráter comercial,
não são órgãos previdenciários, e tampouco são entidades assistenciais. As instituições
fechadas, ao contrário, têm fins mutualistas – embora organizadas com sofisticação
própria de nossa época – não visam fins lucrativos [...] 53
Para Paulo Sérgio Cavezzale quando da edição da Súmula 321 pelo Superior Tribunal de
Justiça não houve preocupação em discernir a natureza jurídica e definições estruturais de cada
uma das espécies que compõem a previdência privada, quais sejam, a Entidade Aberta de
Previdência Complementar e Entidade Fechada de Previdência Complementar. O autor pontua as
características específicas e diferenciadoras das referidas entidades que não foram observadas no
momento da formulação da súmula, o que, segundo ele, compromete sua aplicação. 54
Nesse sentido, Cavezzale traça um paralelo entre as diferenças estruturais das EAPC
comparativamente às EFPC, destacando que estas são de acesso restrito, constituídas sob a forma
fundação ou sociedade civil, não tem fins lucrativos, só podem atuar dentro de seu objeto
previsto na legislação, cuja área de competência é do Ministério de Previdência e Assistência
Social – MPS. Em função destes atributos, o autor afirma:
Considerando-se estas características, além do fato de exercerem funções
complementares às do Estado, no sentido de suprir suas deficiências na esfera
previdenciária, conclui-se que, independentemente da existência ou não de
contribuições por parte dos participantes as EFPC são instituições de assistência social
para todos os fins, inclusive tributários. Não podem ser confundidas, ainda, com EAPC,
53
CAVEZZALE, Paulo Sérgio. EFPC: sua correta natureza jurídica e decorrências. In: GOES, Wagner de. Gestão
de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: ABRAPP, 2006, p. 13 e ss.
54
CAVEZZALE, Paulo Sérgio. EFPC: sua correta natureza jurídica e decorrências. In: GOES, Wagner de. Gestão
de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: ABRAPP, 2006, p. 16.
35
instituições financeiras, companhias de seguro, ou prestadoras de serviço, para os
efeitos de aplicação do CDC. 55
Segundo Cavezzale, associados às características já indicadas e que são inerentes às
EFPC, não se pode olvidar o caráter facultativo da relação jurídica entabulada entre participante
e entidade, os requisitos que devem compor os planos de benefícios, a regulação mediante lei
civil, entre outros, numa sinalização inequívoca de que fica configurado contrato de adesão.
Nesses termos, o autor afirma:
Por sua vez, o caráter facultativo da vinculação, os requisitos obrigatórios que devem
constar dos planos de benefícios; a necessidade de aprovação por parte das SPC de
disposições constantes nos planos de benefícios; o fato de serem as EFPC reguladas,
entre outras, pela lei civil; e, finalmente, a significativa ingerência do poder público na
elaboração dos seus planos de benefícios são alguns dos fatores decorrentes da própria
legislação, indicadores de que a relação entre o participante e EFPC consiste em
contrato de adesão [...]
Fica patente, portanto, que, a exemplo das súmulas equivocadas, boa parte do
tratamento inadequado – judicial ou administrativo – dado às EFPC se deve à
inobservância dos aspectos mencionados, que indicam e fundamenta a natureza
daquelas entidades, que, como foi exposto, é a de entidades privadas assistenciais, como
conceituou Russomano; ou entes de cooperação com o Poder Público; ou ainda
instituições de assistência previdenciária; de direito privado, sem fins lucrativos,
situadas na área de competência do Ministério da Previdência. Deve-se, igualmente, à
pouca atenção dispensada à natureza jurídica do vínculo existente entre participantes e
entidades, ou seja, contratual civil previdenciária. (grifos nossos) 56
Também para Weintraub a relação entre participante e EFCP se processa por meio de
contrato, cuja regulação se dá no Direito Civil, nos seguintes termos:
Firmado o contrato (de adesão) entre participantes e as entidades de Previdência
Privada, perfaz-se, uma relação jurídica de Direito Civil. Juridicamente, esse ambiente
contratual intrínseco à Previdência Privada é corroborado pela jurisprudência, inclusive
pela Súmula n. 92 do STJ: ‘o direito à complementação de aposentadoria, criado pela
empresa, com requisitos próprios, não se altera pela instituição de benefício
previdenciário por órgão oficial’.
A relação é de Direito Privado, por envolver o contexto particular da sociedade, embora
esteja acompanhando matérias típicas de Direito Público. Mesmo assim, há conexões
intrínsecas com o chamado Direito Social. 57
55
CAVEZZALE, Paulo Sérgio. EFPC: sua correta natureza jurídica e decorrências. In: GOES, Wagner de. Gestão
de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: ABRAPP, 2006, p. 19.
56
CAVEZZALE, Paulo Sérgio. EFPC: sua correta natureza jurídica e decorrências. In: GOES, Wagner de. Gestão
de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: ABRAPP, 2006, p. 20-21.
57
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Manual de direito previdenciário privado. São Paulo: Juarez
de Oliveira, 2004, p. 25; 73-74.
36
Verifica-se em Jerônimo Jesus dos Santos posicionamento que se coaduna com as teses
em comento até aqui, na medida em que aquele autor identifica singularidade na Entidade
Fechada de Previdência Complementar, por considerá-la de natureza previdenciária, cujo acesso
é restrito a um grupamento de pessoas. Além disso, Jerônimo Jesus dos Santos destaca que a
finalidade dos fundos de pensão é exclusivamente a constituição e implementação de planos de
benefícios, que é por essência previdenciária. Com base no disposto no art. 31, caput, da Lei
Complementar 109, o autor identifica aspectos diferenciadores dessa espécie de entidade, de
modo que é possível entrever nos seus comentários a inaplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor nas relações envolvendo fundos de pensão e participante, conforme abaixo:
Sob este olhar, pode-se, numa definição sumária, afirmar que as EFPC’s são aquelas
que instituem e executam planos de benefícios de caráter previdenciário, cuja
modalidade de acesso é restrita a determinadas pessoas físicas.
[...]
A partir dessa definição mais ampla, podemos extrair as seguintes características que
identificam as EFPC’s:
a)
a EFPC é uma espécie do gênero entidade de previdência complementar;
b) a iniciativa de instituir e manter uma EFPC pode ser do patrocinador, quando se
trata de entidade que administra planos de benefícios dos empregados de uma
empresa ou de grupos de empresas, ou planos de benefícios acessíveis aos
servidores federais, estaduais ou municipais; ou do instituidor, quando se trata de
entidade que administra planos de benefícios acessíveis a membros de pessoas
jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial;
c)
a EFPC é sempre uma pessoa jurídica de direito privado, ainda que o patrocinador
seja pessoa jurídica de direito público;
d) as EFPC’s são, obrigatoriamente, constituídas sob a forma de fundação ou de
sociedade civil sem fins lucrativos;
e)
as EFPC’s não podem ter fins lucrativos. A finalidade não lucrativa da entidade é
obrigatória por força do disposto no § 1º do art. 31, da LC nº 109, de 2001;
f)
o acesso aos planos de benefícios das EFPC’s é restrito a determinados grupos ou
categorias de pessoas físicas, ou seja, empregados de uma empresa ou grupo de
empresas, servidores públicos, membros de categorias profissionais, classistas ou
setoriais;
g) o objeto institucional das EFPC’s é, única e exclusivamente, a instituição e
execução de planos de benefícios de caráter previdenciário. 58
58
SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. Lei da previdência complementar comentada. 2. ed. Rio de
Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 327-328.
37
Após análise do art. 2º, da Lei Complementar 109, Jerônimo Jesus dos Santos defende
que o vínculo estabelecido entre participante e Entidade Fechada de Previdência Complementar
se processa no âmbito do direito privado, mediante contrato, in verbis:
Doutra via, registra-se que a relação de previdência complementar qualifica-se, fora de
qualquer dúvida, como relação complexa de direito privado, por faltar a obrigatoriedade
do vínculo e bem assim por ausentes as sanções inerentes ao seguro social obrigatório.
O direito do participante deriva de um contrato a cuja formação permanece indiferente à
lei.
Além disso, nela não se pode vislumbrar a especificação de qualquer atividade integrada
nos fins do Estado. Mesmo quando, na prática, ela se mostra obrigatória por figurar
como cláusula do contrato de trabalho, não perde a feição negocial: a mera adesão do
participante não a desqualifica como relação de origem contratual, porquanto ela se
desenvolve na esfera da autonomia da vontade privada. 59
Nessa perspectiva de entendimento, Jerônimo Jesus dos Santos reforça que a EFPC não
pode ter lucro ou mesmo prejuízo, à luz do disposto no art. 20 da Lei Complementar 109, sendo
que na primeira hipótese há de se melhor os planos de benefícios ou diminuir as contribuições da
patrocinadora e dos beneficiários, enquanto na segunda situação seria o caso de partilhar o
déficit, de modo a assegurar a existência da própria entidade, conforme se verifica abaixo:
As EFPC’s estão legalmente proibidas de ter lucro e, assim, submetem-se a regime
contábil particular, em que evidentemente não se cogita de lucros ou prejuízos, mas sim
de superávits (não distribuíveis e necessariamente reversíveis à melhoria dos planos de
benefícios ou à redução das contribuições da patrocinadora e dos beneficiários) e
déficits (que têm de ser imediatamente e solidariamente equacionados por uma e outros,
a bem da sobrevivência da entidade). 60
Na jurisprudência, identificou-se no Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP – o acórdão
AI nº 163.840.5/1, tendo como agravante Fundação CESP, que é uma Entidade Fechada de
Previdência Complementar, cujo provimento afasta a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor num conflito em que a outra parte era um participante de plano de benefícios,
conforme se verifica na ementa abaixo:
EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - Ré entidade fechada de previdência privada sem
fins lucrativos - Inexistência de relação de consumo - Sede das atividades em São Paulo
59
SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. Lei da previdência complementar comentada. 2. ed. Rio de
Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 78.
60
SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. Lei da previdência complementar comentada. 2. ed. Rio de
Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 273.
38
- Foro competente - Art. 100, IV, "a" e "d"/do Código de Processo Civil – Recurso
provido. (TJSP, AI nº 163.840.5/1, 4ª. Câmara de Direito Público, Rel. Des. Brenno
Marcondes, julgado em 25.05.2000)
Entre os fundamentos jurídicos utilizados para embasar o aresto acima, foi evocada a
natureza de constituição da EFPC, que é sem fins lucrativos, cuja filiação aos planos de
benefícios é exclusiva aos empregados e afirmou-se que o contrato deveria respeitar as regras da
Lei 6.435/77 – que regulamentava na época os planos e benefícios de previdência privada – e
não o Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
[...]
Ocorre, porém, que a agravante é entidade fechada de previdência privada sem fins
lucrativos que tem, entre suas finalidades, a concessão de benefícios complementares
aos Provedores-beneficiários, ou seja, os empregados das empresas provedoras que
venham a se filiar aos seus planos de benefícios e serviços ou que estejam de alguma
forma vinculados ou ainda que venha a obter benefícios da fundação (fls. 32/34).
Ademais, esses planos e benefícios são regidos pela Lei n° 6.435/77, porque sendo a
agravante entidade fechada, é acessível exclusivamente aos empregados de um
determinado grupo de empresas, qual seja, o das empresas Provedoras.
Não se trata, assim, de contrato regido pelas normas do Código de Defesa do
Consumidor porque, além de não ter a natureza de relação de consumo, o benefício
pleiteado pelo agravado na ação ordinária é limitado àqueles empregados das
provedoras que se filiarem aos respectivos planos e não a todas às pessoas
indiscriminadamente.
[...]
(TJSP, AI nº 163.840.5/1, 4ª. Câmara de Direito Público, Rel. Des. Brenno Marcondes,
julgado em 25.05.2000)
Nessa mesma linha de entendimento, constatou-se julgado recente (03.04.2012) do
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – TJGO – que afastou a aplicação da Súmula 321 do
Superior Tribunal de Justiça – STJ – e do próprio Código de Defesa do Consumidor, a fim de
não desequilibrar a situação financeira e atuarial de Entidade Fechada de Previdência
Complementar, que no caso em comento era a Fundação dos Economiários Federais – Funcef.
Destacou-se o acórdão, ainda, tratar-se de pessoa jurídica sem fins lucrativos. In verbis:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. ENTIDADE
FECHADA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. TRATO SUCESSIVO.
PRESCRIÇÃO AFASTADA. SÚMULA 321/STJ. ALCANCE. AUXÍLIO
ALIMENTAÇÃO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INTEGRALIZAÇÃO AO
VALOR DO BENEFÍCIO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL.
[...]
39
3. A súmula 321, do STJ, afirma que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à
relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”. Não
obstante, a aplicação do CDC, indistintamente, para interpretar as cláusulas de
contratos ou regulamentos sempre em favor do beneficiário, pode gerar desiquilíbrio
financeiro e atuarial nas entidades fechadas de previdência complementar, que, por
determinação legal, têm personalidade jurídica de fundação ou sociedade civil (art. 31, §
1º, LC 109/01), cuja finalidade não é o lucro. [...] APELO CONHECIDO E PROVIDO.
SENTENÇA REFORMADA. (TJGO, Apelação Cível nº 288730-09.2009.8.09.0051, 6ª.
Câmara Cível, Rel. Des. Wilson Safatle Faiad, julgado em 03.04.2012) (grifos nossos)
É curioso consignar que o acórdão do TJGO reformou sentença que pugnava pela
incidência do CDC – por força da Súmula 321 do STJ – de maneira que a decisão do tribunal
acabou sendo favorável neste aspecto ao recurso de apelação interposto pela Funcef, frise-se, que
é um fundo de pensão.
Na fundamentação do aresto, há uma nítida preocupação em não se utilizar
indiscriminadamente o Código de Defesa do Consumidor na hermenêutica de cláusulas
contratuais e de forma invariável em favor do beneficiário, o que pode ocasionar desequilíbrio de
ordem financeira e atuarial, consoante entendimento do TJGO. O acórdão reforça, ainda, a
finalidade não lucrativa dos fundos de pensão, além do que as prestações pagas retornam para os
próprios beneficiários, in verbis:
Esta questão merece uma discussão mais aprofundada, na medida em que a aplicação do
CDC, indistintamente, para interpretar as cláusulas de contratos ou regulamentos
sempre em favor do beneficiário, pode gerar desiquilíbrio financeiro e atuarial. É
importante advertir que as “entidades fechadas” possuem personalidade jurídica de
fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, por determinação legal (art. 31, § 1º,
LC 109/017). É bem verdade que podem e devem buscar formas de “capitalizar” os
valores das contribuições pagas por seus participantes. Mas estas aplicações buscam
justamente corrigir eventual saldo negativo nos fundos, e serão sempre revertidas para
os próprios beneficiários, daí a importância das ciências atuarial e financeira. (TJGO,
Apelação Cível nº 288730-09.2009.8.09.0051, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Wilson
Safatle Faiad, julgado em 03.04.2012) (grifos nossos)
A questão suscitada no acórdão merece atenção, não pelas características em si das
Entidades Fechadas da Previdência Complementar (sem fins lucrativos, não atua no mercado, as
prestações retornam para os beneficiários etc.), mas diante da possibilidade de ocorrer, de fato,
um desequilíbrio financeiro e atuarial do fundo de pensão, o que poderá prejudicar o próprio
participante diante virtual redução dos seus benefícios. Em função disso, no próprio corpo do
40
acórdão remete-se ao movimento de “mutualismo inerente ao regime fechado de previdência
privada”, que tem surgido nas decisões do STJ envolvendo conflitos de fundos de pensão, o que
pode sinalizar mudança da jurisprudência sedimentada daquela Egrégia Corte no que tange ao
teor da Súmula 321, in verbis:
Aliás, conforme disposto no próximo tópico da fundamentação deste voto, o STJ já
começa a enfrentar as relações estabelecidas entre Fundos de Pensão e seus
beneficiários sob o prisma do “mutualismo inerente ao regime fechado de previdência
privada”, utilizando da expressão da Ministra Isabel Galotti, o que pode indicar uma
rediscussão sobre a inteligência da Súmula 321. (TJGO, Apelação Cível nº 28873009.2009.8.09.0051, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Wilson Safatle Faiad, julgado em
03.04.2012)
Dada a importância do movimento de “mutualismo inerente ao regime fechado de
previdência privada”, que tem surgido no STJ, conforme indicado no acórdão do TJGO, convém
transcrever parte da fundamentação de decisão daquela E. Corte tratando sobre o tema:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA
ESTADUAL. AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO. CONVENÇÃO COLETIVA DE
TRABALHO. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR - PAT.
COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA.
[...]
3. A inclusão do auxílio cesta-alimentação nos proventos de complementação de
aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada encontra vedação
expressa no art. 3º, da Lei Complementar 108/2001, restrição que decorre do caráter
variável da fixação desse tipo de verba, não incluída previamente no cálculo do valor de
contribuição para o plano de custeio da entidade, inviabilizando a manutenção de
equilíbrio financeiro e atuarial do correspondente plano de benefícios exigido pela
legislação de regência (Constituição, art. 202 e Leis Complementares 108 e 109, ambas
de 2001). 4. Recurso especial não provido.
Verifico, pois, que a extensão de vantagens pecuniárias ou mesmo reajustes salariais
concedidos aos empregados de uma empresa ou categoria profissional, de forma direta e
automática, aos proventos de complementação de aposentadoria de ex-integrantes dessa
mesma empresa ou categoria profissional, independentemente de previsão de custeio
para o plano de benefícios correspondente, não se compatibiliza com o princípio do
mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada e nem com dispositivos
da Constituição e da legislação complementar acima mencionada, porque enseja a
transferência de reservas financeiras a parcela dos filiados, frustrando o objetivo legal
de proporcionar benefícios previdenciários ao conjunto dos participantes e assistidos, a
quem, de fato, pertence o patrimônio constituído. (STJ, Segunda Seção, REsp. n.º
1.023.053/RS, Rel. Min. Maria Isabel Galotti, DJ de 16/12/2011) (grifos nossos)
De forma semelhante, prospectou-se no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA –
o acórdão nº 0063442-73.2010.8.05.0001, em sede de apelação, de 29.10.2012, no qual é
afastada a incidência do Código de Defesa do Consumidor na relação envolvendo participantes
41
de planos de Benefícios e a PETROS – Fundação Petrobrás de Seguridade Social, conforme se
verifica na ementa a seguir:
EMENTA – 1. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. 2. PREVIDÊNCIA PRIVADA 3.
MAJORAÇÃO NO PERCENTUAL DE ARRECADAÇÃO MENSAL SOBRE
SALÁRIO- DE - PARTICIPAÇÃO. 4. NECESSIDADE DE PROMOÇÃO DO
EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DO PLANO DE PREVIDÊNCIA. 5.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 6. RECURSO IMPROVIDO.
(TJBA, Apelação Cível nº 0063442-73.2010.8.05.0001, 1ª. Câmara Cível, Rel. Desa.
Carmem Lucia Santos Pinheiro, julgado em 29.10.2012)
Assim, na fundamentação, muito embora o TJBA admita a vigência da Súmula 321
editada pelo STJ para as relações jurídicas entre participantes e fundos de pensão, o TJBA
também entende pela necessidade de se manter o equilíbrio econômico e financeiro da EFPC,
conforme se depreende abaixo:
Em que pese o exposto, em se tratando de Previdência Privada, deve-se observar a
relação entre o custeio e o respectivo benefício, não devendo se cogitar no recebimento
de uma vantagem sem a correspondente contraprestação, sob pena de comprometer o
equilíbrio econômico e financeiro do plano de previdência.
É que os planos de previdência privada somente poderão instituir benefícios desde que
exista a respectiva fonte de custeio, no intuito de manter o equilíbrio atuarial de todo o
sistema.
Assim, verificando-se um desequilíbrio financeiro nas contas do plano, estas deverão
ser sanadas pelos patrocinadores, participantes e assistidos. (TJBA, Apelação Cível nº
0063442-73.2010.8.05.0001, 1ª. Câmara Cível, Rel. Desa. Carmem Lucia Santos
Pinheiro, julgado em 29.10.2012)
É importante consignar que o acórdão do TJBA evoca outro julgado do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Norte – TJRN – que também defende a necessidade de equilíbrio
financeiro e atuarial de previdência privada, in verbis:
"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. ACORDO
COLETIVO DE TRABALHO. NATUREZA JURÍDICA DO AUXÍLIO CESTAALIMENTAÇÃO. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA RATIONE
MATERIAE DA JUSTIÇA ESTADUAL. CONTRATO ASSOCIATIVO FIRMADO
ENTRE AS PARTES. NATUREZA CIVIL. ASPECTOS LABORAIS ENVOLVIDOS
TÃO-SOMENTE DE FORMA INDIRETA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. CAIXA DE PREVIDÊNCIA RESPONSÁVEL PELA
COMPLEMENTAÇÃO DA APOSENTADORIA DOS AUTORES. ILEGITIMIDADE
AFASTADA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 291 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
MÉRITO. CARÁTER INDENIZATÓRIO DA VERBA PLEITEADA. NÃO
EXTENSÃO AOS APOSENTADOS. SÚMULA 680 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
ISONOMIA ENTRE ATIVOS E INATIVOS. REGIME DE PREVIDÊNCIA
42
PRIVADA. NECESSIDADE DE CRITÉRIOS QUE PRESERVEM O EQUILIBRIO
FINANCEIRO E ATUARIAL. PRECEDENTES DESTA CORTE . PROVIMENTO
DO APELO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. INVERSÃO DOS ÔNUS
DE SUCUMBÊNCIA." (TJRN, Apelação Cível nº , 3ª Câmara Cível, Rel. Juiz Cícero
de Macêdo Filho (convocado), DJe 11/06/2010).
Após análise deste acórdão do TJBA, observou-se que a fundamentação jurídica firmouse essencialmente no equilíbrio financeiro e atuarial da Entidade Fechada de Previdência
Complementar, a fim de afastar a aplicação de Código de Defesa do Consumidor. Em nenhum
momento se utilizou das características específicas dos fundos de pensão (sem fins lucrativos,
não atua no mercado, as prestações retornam para os beneficiários etc.) para acolher a pretensão
da PETROS.
Consigne-se que são recentes os quatro julgados que utilizaram como fundamentação o
equilíbrio financeiro e atuarial dos fundos de pensão, aí considerando os acórdãos do STJ (de
16.12.2011) e do TJRN (de 11.06.2010), referenciados pelo TJGO (de 03.04.2012) e TJBA (de
29.10.2012) nos seus respectivos acórdãos. Seria de se aprofundar a discussão a respeito de tal
entendimento jurisprudencial em problematização mais específica, de modo a não perder de vista
a característica de subsistema do CDC, a exemplo do que pondera o acórdão já citado do TJBA:
5. Antes de outras considerações, é interessante salientar que, sem dúvida, as relações
contratuais entre beneficiários e entidades de previdência privada estão sob a égide do
Código de Defesa do Consumidor, consoante entendimento já sumulado no Superior
Tribunal de Justiça:
“Súmula 321 STJ - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica
entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.
Deste modo, as cláusulas do contrato envolvendo a entidade de previdência fechada e
seus beneficiários devem ser interpretadas de forma mais benéfica ao consumidor,
facilitando-se o acesso aos serviços fornecidos pela instituição. (TJBA, Apelação Cível
nº 0063442-73.2010.8.05.0001, 1ª. Câmara Cível, Rel. Desa. Carmem Lucia Santos
Pinheiro, julgado em 29.10.2012) (grifos nossos)
Observe-se que os julgados em análise não são necessariamente contrários à aplicação do
CDC nas relações envolvendo participantes de planos de benefícios e EFPC, mas se mostram
opositores à incidência deste codex de forma generalizada ou quando empregado de maneira
indistinta nos conflitos entre estas partes.
43
Cabe registrar, ainda, da impossibilidade de se inferir se estes posicionamentos são
predominantes ou não nestes tribunais – TJGO e TJBA – haja vista que foram pinçados os
primeiros acórdãos identificados na seqüência da amostragem realizada. Particularmente, quanto
ao aresto do STJ – que trata do “mutualismo inerente ao regime fechado de previdência privada”
– referenciado pelo julgado do TJGO, seria de se aprofundar a temática, o mesmo se aplicaria ao
acórdão do TJRN evocado pelo julgado do TJBA.
44
5. Argumentos favoráveis à aplicação do CDC nas EFPC
Antes de analisar os argumentos que podem servir de fundamento a respeito da incidência
do Código de Defesa do Consumidor –CDC – nas relações jurídicas entre participantes e
Entidades Fechadas de Previdência Complementar é preciso esclarecer que não se trata aqui de
junção de fragmentos de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, mas da evidenciação
de pontos convergentes na hermenêutica de dispositivos legais relacionados ao tema,
provenientes de doutrinadores e julgadores, respectivamente.
Nesse sentido, na doutrina verifica-se que Carlos Alberto Bittar, muito embora não
indique, especificamente, a entidade fechada de previdência complementar como uma figura
enquadrada na condição de fornecedora, o autor acaba por contemplá-la no seu posicionamento
contundente a respeito da amplitude da relação jurídica de consumo – que tem o consumidor
como destinatário final na condição de adquirente ou utente de produtos/serviços por força do
art. 2º e conceitua fornecedor toda pessoa física ou jurídica que os disponibiliza, conforme o art.
3º, ambos os dispositivos do CDC. Assim, é possível entrever na perspectiva de análise da
relação de consumo feita por Bittar a inclusão das Entidades Fechadas de Previdência
Complementar – EFPC – segundo o qual o CDC define os dois pólos e suas relações de forma
clara, in verbis:
Na definição das relações abrangidas na conceituação dos atores do cenário econômico
visado, o Código assume posições claras e próprias [...] a respeito do alcance das noções
fundamentais de ‘relações de consumo’, ‘consumidor’ e ‘fornecedor de bens ou de
serviços’ (expressão que congrega o produtor, o industrial, o intermediário, o prestador
de serviços e outros agentes [...] que atuam na circulação econômica e jurídica de bens
e de serviços). 61 (grifos nossos)
Prima facie, a afirmação de Bittar pode induzir o intérprete a englobar todas as relações
jurídicas que figurem ‘consumidor’ e ‘fornecedor’ como de cunho consumerista, inclusive as que
61
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor – Código de Defesa do Consumidor. 6. Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 27-28.
45
ocorrem entre participantes e fundos de pensão. Por isso mesmo, emergem questões que exigem
maior elucidação para aprofundamento da temática ora posta, tais como, a definição desses
atores, do ambiente em que se processa a relação jurídica, a natureza do serviço prestado e o
dimensionamento do nível de equilíbrio entre as partes e de suas respectivas condições jurídicas.
Mesmo porque Bittar alerta para esses tipos de questões que podem surgir numa análise na
concretude do conflito quando afirma:
Assinale-se, de início, que as noções em causa, embora na economia encontrem
conceituações unívocas, não recebem, no direito, o mesmo tratamento, ou seja, não são
consideradas conceitos estáticos, mas sim definidas em razão dos valores e dos
objetivos visados em cada ordenamento jurídico, assumindo, pois, maior ou menor
extensão, conforme o caso. 62
Muito embora nesta parte do trabalho se busque evidenciar fundamentos jurídicos que
possam justificar a aplicação do CDC nas relações entre participantes e fundos de pensão, não se
pode olvidar da complexidade do tema e a todo instante indicar limitações teóricas, cuja
discussão doutrinária e jurisprudencial é relativamente recente, tendo sido deflagrada com a
edição da Súmula 321 do STJ em 2005. Por essa razão, é oportuna a reflexão trazida por Cláudia
Lima Marques quando discute o campo de aplicação do CDC, in verbis:
Assim, o grande desafio do intérprete e aplicador do CDC, como Código que regula
uma relação jurídica entre privados, é saber diferenciar e saber ‘ver’ quem é
comerciante, quem é civil, quem é consumidor, quem é fornecedor, quem faz parte da
cadeia de produção e de distribuição e quem retira o bem do mercado como destinatário
final [...] No caso do CDC é este exercício, de definir quem é o sujeito ou quem são os
sujeitos da relação contratual ou extracontratual, que vai definir o campo de aplicação
desta lei, isto é, a que relações ela se aplica. (grifos nossos) 63
De toda sorte, Ada Pellegrini Grinover e Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin,
posicionam-se de modo enfático a respeito da amplitude do termo fornecedor, de forma a
considerar contemplados todos os agentes econômicos, quer atuem direta ou indiretamente no
mercado de consumo, in verbis:
62
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor – Código de Defesa do Consumidor. 6. Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 28.
63
MARQUES, Cláudia Lima. Campo de aplicação do CDC. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. et al Manual de
Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 67.
46
Entre suas principais inovações (do CDC) cabe ressaltar as seguintes: formulação de um
conceito amplo de fornecedor, incluindo, a um só tempo, todos os agentes econômicos
que atuam, direta ou indiretamente, no mercado de consumo, abrangendo inclusive as
operações de crédito e securitárias. 64 (grifos nossos)
É importante registrar que a noção jurídica de mercado adotada por Grinover e Antônio
Herman converge com o conceito preconizado por Newton de Lucca, segundo o qual “Mercado
é o conjunto das relações de troca de bens e de prestação de serviços, praticadas pelos diversos
agentes econômicos, em determinado tempo e lugar”. 65
Numa análise mais atenta do entendimento de Grinover e Antônio Herman a respeito do
conceito jurídico de mercado, constata-se que estes são bastante categóricos e específicos, de
modo que adotam uma visão aberta e dinâmica do ambiente econômico onde ocorrem as
relações uma parte visivelmente vulnerável e outra com grande domínio técnico, informacional,
judicial e capital, senão vejamos:
Por ter a vulnerabilidade do consumidor diversas causas, não pode o Direito proteger a
parte mais fraca da relação de consumo somente em relação a alguma ou mesmo a
algumas das facetas do mercado. Não se busca uma tutela manca do consumidor.
Almeja-se uma proteção integral, sistemática e dinâmica [...] (grifos nossos) 66
Nessa perspectiva de análise, pode-se considerar como relação jurídica de consumo o que
ocorre dentro de um ambiente econômico, sem condicionar o nível de vinculação do fornecedor
a um mercado amplo ou o tipo de serviço que presta, ainda que seja sem finalidade lucrativa ou
até mesmo “gratuita”, haja vista que, de alguma maneira, sua atuação acaba por atingir pessoas
que consomem produtos ou serviços. Não poderia ser diferente a situação das Entidades
Fechadas de Previdência Complementar, mesmo ponderando que tem uma abrangência
específica de público-alvo, de certos segmentos e que não é acessível a todos em geral. Entende64
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Introdução. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini et al. Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, V. I, p. 8.
65
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor. Teoria geral da relação de consumo. São Paulo: Quartier Latin,
2003, p. 163.
66
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Introdução. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini et al. Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2011, V. I, p. 4.
47
se, sob esse enfoque jurídico de conceito de mercado, essa restrição de acesso não teria o condão
de afastar tais entidades da condição de fornecedora de serviços, na forma do art. 3º do CDC.
Também comunga desse pensamento – quer dizer, do alcance da relação de consumo – e
com maior ênfase e especificidade José Geraldo Brito Filomeno, que tem uma hermenêutica
ampla do conceito de atividade disposto no § 2º do art. 3º do CDC, deixando claro que no caso
específico de previdência privada estaria contemplada tanto a previdência aberta quanto a
fechada, de forma a caracterizar uma relação jurídica consumerista, in verbis:
Aliás, o Código (CDC) fala expressamente em atividade de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, aqui se incluindo igualmente os planos de
previdência privada em geral, além dos seguros propriamente ditos, de saúde, etc. 67
Mais adiante José Geraldo Brito Filomeno reforça que a Súmula 321 do STJ, estando
fundamentada nos artigos 2º e 3º do CDC, abrange a atividade securitária como relação de
consumo, aí incluídas as relações jurídicas entre participantes e previdência privada, in verbis:
Também no que diz respeito à atividade securitária, no caso e mais especificamente da
chamada previdência privada, sobreveio a Súmula nº 321 do STJ, do seguinte teor:
‘Súmula nº 321 – O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica
entre a entidade privada e seus participantes’.
Essa súmula trata da incidência dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor
nas relações jurídicas existentes entre as entidades de previdência privada e seus
participantes. O embasamento legal da súmula está nos arts. 2º e 3º do CDC.
Pelo entendimento uníssono de ambas as turmas que compõem a 2ª. Seção do Superior
Tribunal de Justiça, é consumidor a pessoa que adquire prestação de serviço securitário
de entidade previdenciária.
Constata-se que a fundamentação de José Geraldo Brito Filomeno para defender a
incidência do CDC nas relações jurídicas entre participantes e Entidade Fechada de Previdência
Complementar encontra-se no conceito amplo que o autor adota para fornecedor. Neste caso,
tendo como pano de fundo a hermenêutica que utiliza para o disposto no art. 3º do CDC,
Filomeno entende que na figura de fornecedor estão contempladas as pessoas jurídicas
67
FILOMENO, José Geraldo Brito. Comentários às Disposições Gerais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al.
Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011, V. I, p. 54.
48
constituídas em associação mercantil ou civil, de modo que a ausência de lucratividade não teria
o condão de afastar a incidência do referido dispositivo, é o que se depreende de sua afirmação
abaixo:
Nesse sentido, por conseguinte, é que são considerados todos quantos propiciem a
oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às
necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título [...]
Tem-se, por conseguinte, que fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um
que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma
habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas
em associação mercantil ou civil e de forma habitual. (grifos do Autor) 68
A doutrinadora Cláudia Lima Marques, por sua vez, tende para esse entendimento
abrangente de fornecedor e serviço, na medida em que faz hermenêutica contundente do alcance
do § 2º do art. 3º do CDC e sem qualquer tipo de condicionante, destacando que por atividade o
dispositivo indica uma situação habitual e reiterada para prestação de serviços, cujo fator
diferenciador é a remuneração feita pelo consumidor, muito embora a gratuidade per se não
afaste a relação consumerista como se afirmou alhures. In verbis:
Mesmo o § 2º do art. 3º define serviço como ‘qualquer atividade fornecida no mercado
de consumo, mediante remuneração, bastando que esta atividade seja habitual e
reiterada [...] A expressão no caput do art. 3º, parece indicar a exigência de alguma
reiteração ou habitualidade, mas fica clara a intenção do legislador de assegurar a
inclusão de um grande número de prestadores de serviços no campo de aplicação do
CDC, à dependência única de ser o co-contratante um consumidor. Sendo que, como
serviço, o § 2º do art. 3º entende também as atividades de natureza bancária, financeira,
de crédito e securitária, ficando excluídas apenas as de caráter trabalhista. 69
Nessa mesma linha de raciocínio, Leonardo Roscoe Bessa afirma categoricamente que a
finalidade do fornecedor no mercado de consumo, ainda que sem ambição lucrativa, mas tendo
remuneração pelo serviço prestado, acaba por exigir a incidência do CDC. Consigna o autor que
a destinação dada à remuneração, se rateada entre os sócios ou não, é sem nenhuma espécie de
significância nessa análise da figura de fornecedor, conforme se depreende abaixo:
68
FILOMENO, José Geraldo Brito. Comentários às Disposições Gerais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al.
Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011, V. I, p. 47-48.
69
MARQUES, Cláudia Lima. Campo de aplicação do CDC. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. et al Manual de
Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 82.
49
Importante destacar que o CDC não exige, para configuração do fornecedor, a atuação
no mercado com o objetivo de lucro: basta, quanto a este aspecto, que a atividade seja
remunerada. Não importa o destino dessa remuneração, se ela será ou não distribuída
entre os sócios da pessoa jurídica. 70
Dentro dessa mesma fundamentação, mais adiante Leonardo Roscoe Bessa reforça a
concepção extraída a partir das premissas estruturantes inerentes ao subsistema do CDC, de que
a diferenciação entre sociedade, associação e fundação, em torno da lucratividade não é
fundamental. Segundo o autor, é relevante identificar se essas pessoas jurídicas, ainda que não
visem lucro – no caso da associação e fundação – desempenhem atividade econômica e com
remuneração. Em caso de atendimento destas duas últimas condições, há que se falar na
incidência e aplicação do CDC, in verbis:
A distinção doutrinária que se faz entre associação e sociedade é justamente a finalidade
de lucro desta última, vale dizer, a repartição ou distribuição de parte da receita com os
sócios. Nas associações, pela própria natureza, não há objetivo de lucro. Todavia, tanto
as associações como as fundações, embora não visem ao lucro, podem exercer atividade
econômica e remunerada. Se o fazem profissionalmente, são, para fins de aplicação do
CDC, consideradas ‘fornecedor’. 71
Para Luís Antônio Rizzato Nunes, não há dúvida de que qualquer categoria de pessoa
jurídica deve ser considerada como fornecedora de produtos ou serviços, uma vez que o
microssistema do CDC é abrangente nesse sentido, reforça o autor, de modo que não importa se
a pessoa jurídica foi constituída com ou sem fins lucrativos, in verbis:
Não há exclusão alguma do tipo de pessoa jurídica, já que o CDC é genérico e busca
atingir todo e qualquer modelo. São fornecedores as pessoas jurídicas públicas ou
privadas, nacionais ou estrangeiras, com sede ou não no País, as sociedades anônimas,
as por quotas de responsabilidade limitada, as sociedades civis, com ou sem fins
lucrativos, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as
autarquias, os órgãos da Administração direta etc. 72 (grifos nossos)
O posicionamento de Rizzato Nunes é contundente quanto a esse aspecto, inclusive o
autor destaca que, da mesma forma que o CDC contemplou a possibilidade da pessoa jurídica
70
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica da relação de
consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 82.
71
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica da relação de
consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 82.
72
NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 86.
50
figurar na condição de consumidora de produtos ou serviços, com muito mais razão não deixou
espaço para dúvidas sobre a condição de fornecedora, em qualquer espécie de pessoa jurídica,
conforme se verifica abaixo:
[...] Aqui, no caput do art. 3º, como a lei trata de adjetivar a pessoa jurídica como
‘pública ou privada, nacional ou estrangeira’, poder-se-ia indagar se no art. 2º não se
estaria falando menos ou até o contrário, ou, em outros termos: se no caput do art. 3º a
norma não estaria, de alguma maneira, cuidando apenas daquelas pessoas jurídicas
indicadas.
Na realidade, a resposta é bastante simples. Tanto no caso do conceito de consumidor
quanto no de fornecedor, a referência é a ‘toda pessoa jurídica’, independentemente de
sua condição ou personalidade jurídica. Isto é, toda e qualquer pessoa jurídica. O
legislador poderia muito bem ter escrito no caput do art. 3º apenas a expressão ‘pessoa
jurídica’ que o resultado teria sido o mesmo. Não resta dúvida de que toda pessoa
jurídica pode ser consumidora e, evidentemente, por maior força de razão, é
fornecedora.
Ao que parece, o legislador, um tanto quanto inseguro, tratou a pessoa jurídica como
consumidora sem se importar muito com o resultado de sua determinação, e quis
garantir-se de que, no caso do fornecedor, nenhuma pessoa jurídica escapasse de se
enquadrar na hipótese legal. (grifos nossos) 73
Ainda segundo o pensamento de Leonardo Roscoe Bessa, a discussão da relação de
consumo, muitas vezes, foge ao tripé básico de fornecedor, consumidor e produto/serviço,
concentrando-se na atividade remunerada no contexto mercadológico. Quanto a isso, o
doutrinador, firmando-se em Newton de Lucca, entende por mercado “o ambiente e atividade
remunerada relativos ao processo profissional de produção e circulação de produtos e de
prestação de serviços”. 74
Para afastar qualquer interpretação precipitada quanto ao entendimento de atividade
remunerada, na concepção de Bessa, não há que vinculá-la à obtenção de lucros, de modo que,
para efeito de relação de consumo, tanto associação quanto fundação podem exercer atividade
econômica e remunerada, ocorrendo, portanto, incidência do CDC, conforme se verifica abaixo:
Registre-se, desde já, que atividade remunerada não significa necessariamente auferição
de lucros. A distinção doutrinária que se faz entre associação e sociedade é justamente a
finalidade de lucro desta última, vale dizer, a repartição ou distribuição de parte da
receita com os sócios. Nas associações como as fundações, embora não visem ao lucro,
73
RIZZATO, Luís Antônio. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 87-88.
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica da relação de
consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 52.
74
51
podem exercer atividade econômica e remunerada. Se o fazem profissionalmente, é,
para fins de aplicação do CDC, consideradas ‘fornecedor’. 75
Ainda segundo Bessa, nos casos mais complexos para se enquadrar ou não um conflito
como relação de consumo, torna-se imprescindível recorrer à Carta Magna e dar um enfoque
funcional, a fim de verificar se está presente a vulnerabilidade em todas as suas dimensões
(técnica, jurídica, fática, informacional, psíquica). Nesse sentido, afirma o autor:
Portanto, para solução dos casos difíceis, os conceitos precisam ser analisados sob
perspectiva constitucional e funcional, vale dizer, verificando, em concreto, a presença
da vulnerabilidade, sob os seus diversos aspectos (técnica, jurídica, fática,
informacional, psíquica). Este critério hermenêutico deve ser utilizado para todas as
definições de consumidor constantes na lei (art. 2º, 17 e 29) e, de modo mais genérico,
para exame do âmbito de incidência do CDC. 76
É oportuna a recomendação do recurso hermenêutico indicado acima por Bessa, para
efeito de enquadramento ou não das EFPC nas relações de consumo, haja vista a complexidade
dos casos concretos aduzidos na justiça, e.g., quando o embate envolver o equilíbrio financeiro e
atuarial dos fundos de pensão, conforme se discutiu alhures, cujo aprofundamento não será
possível nesta monografia.
De toda sorte, já antecipando a discussão do capítulo seguinte, entende-se que, diante da
força dos argumentos até aqui discorridos, é inarredável a aplicação do CDC na relação jurídica
entre participantes e as Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
Em relação à jurisprudência, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça – STJ – tem
entendimento abrangente a respeito de consumidor e fornecedor na relação jurídica que
contemple Entidades Abertas e Fechadas de Previdência Complementar, conforme se depreende
da sua Súmula 321 que dispõe: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação
jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”. Tal posicionamento parece
75
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica da relação de
consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 52.
76
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica da relação de
consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 53.
52
já pacificado naquela Egrégia Corte. A edição da aludida súmula se firmou nos arts. 2º e 3º do
CDC, tendo os seguintes fundamentos jurídicos: a) a previdência privada tem funções de
natureza securitária; b) o participante do plano de previdência configura-se como consumidor,
pois demanda prestação de serviço para si; c) as entidades de previdência privada se enquadram
na condição de fornecedor de serviços. 77
Dos cinco recursos especiais – REsp – que embasaram a edição da Súmula 321, três deles
tinham como parte Entidades Fechadas de Previdência Complementar ou fundos de pensão:
VALIA (REsp 306.155), CENTRUS (REsp 600.744) e SISTEL (REsp 567.938), cabendo
realizar na seqüência comentários, ainda que breves, a respeito dos fundamentos jurídicos mais
significativos destes acórdãos. De fato, o REsp 600.744 (julgado em 06.05.2004) e 567.938
(julgado em 17.06.2004), citam os fundamentos jurídicos contidos no REsp, não trazendo nada
novo para efeito do tema abordado nesta pesquisa, razão pela qual são foram analisados.
Nesse sentido, no REsp 306.155, julgado em 19.11.2001, interposto pela Fundação Vale
do Rio Doce de Seguridade Social – VALIA –– o STJ reconheceu a relação jurídica de consumo,
na forma disposta no art. 2º, art. 3º, caput e § 2º do Código de Defesa do Consumidor, conforme
ementa abaixo:
Civil e Processo Civil. Recurso Especial. Embargos de declaração protelatórios.
Previdência privada. Aplicação do código de defesa do consumidor. Ofensa ao ato
jurídico perfeito. Matéria infraconstitucional. Reexame fático-probatório. Interpretação
de cláusulas contratuais. Prequestionamento. Fundamento inatacado do acórdão
recorrido. [] Aplicam-se os princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor à
relação jurídica existente entre a entidade de previdência privada e seus participantes
[...] É inadmissível o Recurso Especial em que o recorrente deixa de atacar um dos
fundamentos mantenedores do acórdão recorrido (Superior Tribunal de Justiça, Recurso
Especial n º 306.155, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
19.11.2011).
O fundamento jurídico do acórdão acima se prende à identificação inequívoca da figura
do consumidor, o qual desembolsa contribuições em favor da entidade a fim de que esta assuma
77
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da relação de consumo do
Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São
Paulo: ABRAPP, 2006, p. 70 e 71.
53
riscos sociais e previdenciários, ou seja, preste serviço ou ofereça benefícios ao consumidor.
Observe-se que no entendimento do aresto o papel da previdência privada nesse tipo de relação
está contido no enunciado “...natureza securitária...”, insculpido no art. 3º, § 2º do Código de
Defesa do Consumidor. Cabe aqui transcrever trecho do julgado:
A participação no plano oferecido pela previdência privada ocorre com a celebração do
contrato previdenciário. Através deste negócio jurídico o participante transfere à
entidade certos riscos sociais ou previdenciários, mediante o pagamento de
contribuições, a fim de que, ocorrendo determinada situação prevista contratualmente,
obtenha da entidade benefícios pecuniários ou prestação de serviços. A obrigação da
entidade previdenciária, portanto, é atividade de natureza securitária. (Superior
Tribunal de Justiça, Recurso Especial n º 306.155, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 19.11.2011). (grifos nossos)
No referido acórdão é rechaçada a tese de que o fato da entidade se constituir como
associação poderia afastar, per se, eventual relação de consumo, aí poderia inferir “fundação ou
sociedade civil”, nos termos do art. 31, § 1º da Lei Complementar 109/2001 78. No raciocínio da
decisão, depende do tipo de associação, das finalidades e do modelo de relação entre os
associados, sendo excluídos da relação consumerista, segundo o aresto, os casos em que houver
“gestão da coisa comum, em que todos os associados decidem os atos que serão praticados, e
cujas contribuições são por eles estipuladas, a exemplo dos condomínios e associações
desportivas”.
Ao concluir a argumentação sobre o tema em conflito no referido Recurso Especial, o
posicionamento do aresto é categórico em reconhecer o enquadramento da figura de fornecedor
para Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social – VALIA – na medida em que entende
configurada a prestação de serviço previdenciário – que é atividade securitária nos termos do
CDC – mediante cobrança de mensalidade ou contribuição. Observe-se que a conclusão tem
caráter generalizando, porquanto engloba Entidades Abertas e Fechadas de Previdência
Complementar, in verbis:
78
Lei 109/2001. Art. 31, § 1º: As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil,
sem fins lucrativos.
54
É fornecedor de serviços aquele que os presta no mercado de consumo.
Em relação à associações, estão excluídas desta categoria aquelas que servem,
exclusivamente, à gestão da coisa comum, em que todos os associados decidem os atos
que serão praticados, e cujas contribuições são por eles mesmo estipuladas, a exemplo
dos condomínios e associações desportivas não são fornecedores, pois não se destinam à
prestação de serviços em mercado de consumo.
Contudo, se o ente é formado com o objetivo de fornecer determinado serviço, mediante
cobrança de mensalidade ou contribuição e não exclusivamente para gerir os recursos
comuns, caracteriza-se como fornecedor. É o caso das entidades fechadas de
previdência privada.
Essa entidade (fechada, quando a participação no plano é limitada a uma categoria de
pessoas, ou aberta, quando acessível a qualquer interessado) presta o serviço
mencionado no art. 3º, § 2º, do CDC, pois objetiva, como anteriormente exposto, a
realização de atividade securitária. Dessa forma, o vínculo jurídico entre o participante e
a entidade de previdência privada é relação de consumo, aplicando-se, assim, os
princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor. (Superior Tribunal de Justiça,
Recurso Especial n º 306.155, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
19.11.2011). (grifos nossos)
Com base no REsp 306.155, ou seja, Súmula 321 do STJ, a atividade da previdência
privada, seja ela aberta ou fechada, reveste-se de natureza securitária, conforme disposto no § 2º,
do art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor. Considerando que tais entidades são
fornecedoras de serviços previdenciários, mediante recebimento de mensalidades ou
contribuições, por força do art. 2º e art. 3º, caput, ambos do CDC, o contexto de atuação é o
mercado de consumo, quer seja na modalidade restrita (das entidades fechadas) ou de acesso
amplo (entidades abertas). Da mesma forma, a figura do consumidor fica patente, na medida em
que demanda para si serviço previdenciário, estando na condição de destinatário final, razão pela
qual é a parte vulnerável da relação jurídica, tanto sob a dimensão econômica, técnica, jurídica
ou informacional.
Assim, conforme REsp 306.166, que foi o principal julgado a subsidiar a edição da
Súmula 321 do STJ – pelo menos no que tange às entidades fechadas de previdência
complementar e sob o prisma da temática ora enfocada – não foi considerado determinante a
natureza jurídica da previdência privada, se com fins lucrativos ou não, assim como se de acesso
limitado ou amplo ao mercado de consumo, para efeito de enquadramento no CDC. Da mesma
55
forma, não foi ponderada a especificidade das leis que regem tais entidades e os conflitos em
relação ao CDC, a fim de afastar a incidência deste último código.
Em relação às decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, conforme já
registrado no capítulo da metodologia de pesquisa jurisprudencial, dos 22 (vinte e dois) acórdãos
do STJ posteriores à edição da Súmula 321 e que são favoráveis à incidência do Código de
Defesa do Consumidor, em 20 (vinte) tratam de conflitos envolvendo participantes de planos de
benefícios e Entidades Fechadas de Previdência Complementar (fundos de pensão). Assim, o
posicionamento do STJ já se encontra há algum tempo pacificado e sedimentado quanto ao
enquadramento de tais entidades na relação jurídica de consumo.
Não obstante esse entendimento sedimentado e pacífico do STJ a respeito da incidência
do CDC nas relações jurídicas entre entidades fechadas de previdência complementar e
participantes de planos de benefícios, efetuou-se análise por amostragem dos acórdãos que são
favoráveis à aplicação do CDC em tais relações, tem sido constatado que a fundamentação, via
de regra, remete à Súmula 321 daquela Corte e, quando muito, são transcritas as decisões
anteriores. Não foram identificados argumentos novos para enquadrar a previdência privada
fechada no CDC.
De todo modo, ainda que correndo o risco de ser redundante na evidenciação do
posicionamento do STJ, entende-se oportuno transcrever fundamentação jurídica utilizada no
AgRg no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 915.506, interposto pela Fundação dos
Economiários Federais – FUNCEF, julgado em 09.08.2007, que reflete bem o teor das decisões
com tal natureza de demanda, in verbis:
O recurso especial teve o seu provimento negado por aplicação de entendimento
pacífico desta Corte.
Como expus na decisão agravada, a incidência do CDC independe da forma de
constituição da entidade de previdência complementar, se aberta ou fechada. Está
configurada a relação de consumo a partir do momento em que a agravante recebe os
depósitos e deve posteriormente fornecer a contrapartida, porque seus associados estão
na posição de consumidores dos serviços prestados e hipossuficientes na relação. Nesse
56
sentido: REsp 600.744/CASTRO FILHO, REsp
261.793/DIREITO e REsp 567.938/CASTRO FILHO.
306.155/NANCY,
REsp
Assim, é perfeitamente cabível a aplicação da Súmula 321 ao caso concreto. (Superior
Tribunal de Justiça, AgRg no AgRg no REsp n º 2425-6, Terceira Turma, Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, julgado em 09.08.2007). (grifos nossos)
A partir da amostragem realizada nos demais tribunais – TJRS, TJSP e TJDFT – suspeitase prevalência de posicionamento favorável à aplicação do CDC nas relações jurídicas entre
participantes de planos de benefícios e Entidades Fechadas de Previdência Complementar, em
consonância à Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça. Mesmo porque os julgados nesta
linha de raciocínio se apresentaram com mais abundância na consulta realizada por amostragem.
Dessa forma, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS – o aresto nº
70041155995 julgou desfavoravelmente à FUNCEF –fundo de pensão, apelante no caso – no
ponto relacionado à complementação de aposentadoria (reajuste de benefícios e migração de
planos), cuja fundamentação jurídica consistiu no reconhecimento da configuração de prestação
de serviços pela entidade, na forma disposta no art. 3º, caput, e § 2º, do Código de Defesa do
Consumidor. Depreende-se no acórdão que foi dado sentido amplo ao conceito do termo
“serviço” e da expressão “mercado de consumo” contido no referido codex. O julgador recorreu
à Súmula 321 e à jurisprudência do STJ, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. AÇÃO DE REVISÃO DE
BENEFÍCIO. FUNCEF. REDUÇÃO DO BENEFÍCIO. ILEGALIDADE.
APLICAÇÃO DO CDC. [...] 4. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - É
aplicável o Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação de
consumo, consoante traduz o art. 3º, §2º do CDC. Inteligência da Súmula 321 do STJ.
[...] APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
[...]
Inicialmente, sinalo que o caso em testilha deve ser apreciado à luz do Código de
Defesa do Consumidor, por tratar-se de prestação de serviços previdenciários, consoante
traduz o artigo 3º, §2º do CDC, ipsis litteris:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,
salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (TJRS, Apelação Cível nº
57
70041155995, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Niwton Carpes da Silva, julgado em
04.04.2013). (grifos do julgador)
Em outro julgado do TJRS, apelação cível nº 70037437084, há um profícuo debate
jurídico a respeito de possíveis reflexos do fator previdenciário introduzido pelo INSS nas
entidades fechadas de previdência complementar, conforme tentou defender a Fundação Banrisul
– apelado – firmando-se no seu regulamento para reduzir complementação de aposentadoria, mas
que o tribunal concluiu por inaplicável no caso de participantes inscritos em planos de benefícios
antes da mudança operada pela Previdência Oficial. Mais uma vez o TJRS esclareceu tratar-se de
relação consumerista, dados os serviços previdenciários de natureza privada, de acordo com art.
3º, caput, e § 2º, do Código de Defesa do Consumidor e Súmula 321 do STJ.
Na apelação cível nº 70037437084, do TJRS, entre as fundamentações jurídicas utilizadas
para afastar a tese da Fundação Banrisul – apelado – fica inequívoco o reconhecimento pelo
tribunal de relação de consumo configurado entre as partes, de modo a exigir a aplicação do
CDC, conforme se depreende abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. AÇÃO ORDINÁRIA DE
COBRANÇA. FUNDAÇÃO BANRISUL DE SEGURIDADE SOCIAL. FATOR
PREVIDENCIÁRIO. INOPERÂNCIA.
ALTERAÇÃO DO CÁLCULO DO
BENEFÍCIO. COMPLEMENTAÇÃO DEVIDA. RESPEITO AO CONTRATADO.
[...] 3. É aplicável o Código de Defesa do Consumidor às relações previdenciárias, na
medida em que se trata de relação de consumo, consoante traduz o art. 3º, §2º do CDC.
Inteligência da Súmula 321 do STJ. Com efeito, aplica-se ao participante o regulamento
que estava em vigor à época da sua adesão, à luz da Súmula nº 288 do TST. [...]
APELAÇÃO PROVIDA
[...]
Equivocada a orientação do egrégio STJ, concessa venia, além de manifestamente
injusta e injurídica, muito conveniente às empresas de previdência privada, defender a
idéia de que o direito adquirido somente se aperfeiçoa no momento em que o
participante preencher os requisitos para a percepção do benefício previdenciário
complementar (AgRg no Resp nº 331299/SP, Rel.Min. Hélio Barbosa), cobrindo com
véu espesso as modificações conveniente e oportunistas dos regulamentos ao longo das
contratações, em total desprezo e lesão ao direito dos consumidores e aos aderentes
desse negócio jurídico privado de trato sucessivo, de longa duração, bilateral e
sinalagmático. É a pregação da inversão exegética do art.6º, inc.VIII do CDC, em
manifesto prejuízo ao consumidor, tolerando a modificação do regulamento ou do
contrato em verdadeira reformatio in pejus. Ao invés de proteger o consumidor, essa
orientação jurisprudencial, condenável por suposto, o prejudica implacavelmente, com
cujo raciocínio não posso compactuar, data vênia. (TJRS, Apelação Cível nº
70037437084, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Niwton Carpes da Silva, julgado em
04.04.2013). (grifos do julgador)
58
Mais adiante, o julgador pugna pela aplicação do CDC nessa espécie de conflito
envolvendo fundos de pensão – Fundação Banrisul – e participantes de planos de benefícios,
senão corre-se o risco estimular desequilíbrio contratual, em confronto aos princípios insculpidos
naquele codex, in verbis:
[...] Ora, parte do STJ diz que o direito adquirido ocorrerá só com a aposentadoria, com
já visto (v.AgRg no REsp nº 331299; Ag em REsp nº 3.169/DF), antes disso não, pois
se trataria de “direito em formação”. Então, para essa corrente de entendimento, tal
modificação é natural e válida, plenamente eficaz, posto que a modificação do
regulamento se deu antes da aposentadoria do aderente. Data venia, mas a defesa dessa
tese é absurda e embala injustiças gritantes e também absurdas, sem falar na
injuridicidade da tese, que promove e estimula o descumprimento e o desequilíbrio
contratual, em violação frontal ao CDC – Código de Defesa ao Consumidor que prega e
promove justamente o contrário, a proteção do hipossuficiente, no caso a parte autora.
(TJRS, Apelação Cível nº 70037437084, 6ª. Câmara Cível, Rel. Des. Niwton Carpes da
Silva, julgado em 04.04.2013). (grifos do julgador)
Também se identificou no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT –
o acórdão nº 650.279, em sede de apelação cível, que no mérito não proveu a pretensão de
participantes de planos de benefícios em face da Caixa de Previdência dos Funcionários do
Banco do Brasil – PREVI – mas deixou inequívoco o enquadramento das Entidades Fechadas de
Previdência Complementar na relação de consumo, conforme se verifica na ementa abaixo:
PREVIDÊNCIA PRIVADA. APOSENTADORIA. REVISÃO DE BENEFÍCIO.
AUXÍLIO CESTA-ALIMENTAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. [...] 2. A
inversão do ônus da prova, medida excepcional, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, é
cabível nas relações de consumo, quando há verossimilhança nas alegações do
consumidor. E não se relaciona à situação econômica do consumidor, mas ao nível de
dificuldades dele em ter acesso às informações técnicas pertinentes à relação de
consumo. 3 - Apelação não provida. (TJDFT, acórdão nº 650.279, Apelação Cível nº
20090110701889, 6ª. Turma Cível, Rel. Des. Jair Soares, julgado em 30.01.2013).
(grifos nossos)
No meio do julgado, ainda que em tom moderado, defende-se claramente a incidência do
CDC nas relações entre participantes e EFPC, pontuando que a inscrição em planos de benefícios
ocorre de forma facultativa e por espontânea adesão. Neste caso, prossegue o acórdão, o estatuto
deve nortear a relação jurídica naquilo que não afrontar as regras de proteção do consumidor, in
verbis:
59
Por tratar-se de faculdade e não de obrigação, é livre a adesão do interessado ao regime
de previdência privada que, embora submetido à fiscalização do Estado e às normas do
CDC (súm. 321 do STJ), insere-se no campo das relações privadas, norteadas pela
autonomia da vontade.
Isto quer dizer que prepondera o previsto no estatuto como expressão da vontade
daqueles que compõem a entidade de previdência privada, desde que não contrarie o
regramento legal imposto pelo Estado e as normas de proteção ao consumidor.
(TJDFT, acórdão nº 650.279, Apelação Cível nº 20090110701889, 6ª. Turma Cível,
Rel. Des. Jair Soares, julgado em 30.01.2013). (grifos nossos)
De forma semelhante, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP – na
apelação cível nº 0142391-86.2011.8.26.0100, tendo como apelante Fundação Sistel de
Seguridade Social (fundo de pensão) há posicionamento favorável à aplicação do CDC na
demanda apreciada, em que pese a fundamentação jurídica ter sido feita de forma concisa,
firmando-se na Súmula 321 do STJ, in verbis:
Apelação ação de cobrança - previdência privada pretensão à correção monetária
relativa aos expurgos inflacionários possibilidade - devida correção dos valores pela
CORREÇÃO PLENA inteligência das Súmulas 289 e 321 do STJ - ação julgada
procedente em primeira instância competência da Justiça Comum determinada pelo STF
- sentença mantida. Recurso improvido. (TJSP, Apelação Cível nº 014239186.2011.8.26.0100, 12ª. Câmara de Direito Público, Rel. Des. Venicio Salles, julgado
em 03.04.2013)
Com base na análise da jurisprudência favorável à aplicação do CDC nas relações
jurídicas entre participantes de planos de benefícios e entidades fechadas de previdência
complementar, pode-se afirmar que o posicionamento do STJ ainda não apresenta indicativos de
mudança de seu posicionamento. Por outro lado, quanto ao TJDFT, TJSP, TJRS caberia estudo
aprofundado para verificar o entendimento majoritário, em função da limitação da amplitude de
análise efetuada nesta pesquisa, ainda mais diante da enorme quantidade de julgados
identificados nestes tribunais, particularmente, no TJSP.
60
6. Reflexões sobre os argumentos contrários e favoráveis à aplicação do CDC
nas relações jurídicas envolvendo as EFPC
Feito isso, após a análise realizada dos argumentos contrários e favoráveis à aplicação do
CDC nas relações jurídicas entre fundos de pensão e participantes, verifica-se que o
posicionamento contrário não se mostra sustentável juridicamente. Nesse sentido, as
características de tais entidades – regramento por lei específica, acesso restrito, sem fins
lucrativos e enquadramento na Ordem Social da Constituição Federal – conforme em seguida
abordará, não são condições suficientes para afastar a incidência do CDC, além do mais este
codex tem caráter principiológico e funciona como um subsistema.
O Código de Defesa do Consumidor apresenta um caráter diferenciado comparativamente
às demais leis infraconstitucionais, uma vez que traz em si regras e dispositivos principiológicos
com amplitude que transcende este próprio Codex, na medida em que ocorra eventual conflito
com outra norma no contexto de consumo.
Assim, em que pese a especificidade da norma que trata da previdência privada, qual seja
a Lei Complementar 109/2001, há de se considerar o caráter abrangente do próprio CDC, o qual
se estrutura com base nos princípios da vulnerabilidade (técnica, jurídica e econômica) do
consumidor e na sua hipossuficiência diante do fornecedor, a fim de assegurar um mínimo de
equilíbrio nesse tipo de relação. Nesse sentido, o CDC é considerado por Luiz Antônio Rizzato
Nunes um subsistema dentro do ordenamento jurídico, podendo, muitas vezes, sobrepor-se a
outra norma:
Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não se tiver
em mente esse fato de que ela compõe um subsistema no ordenamento jurídico, que
prevalece sobre os demais – exceto, claro, o próprio sistema da Constituição, como de
resto qualquer norma jurídica de hierarquia inferior – sendo aplicável às outras normas
apenas de forma supletiva e complementar.
[...] O importante mesmo aqui é destacar que o CDC, como lei ordinária, funciona como
um subsistema próprio, dentro do modelo jurídico constitucional existente, e que ele
não está submetido a nenhum comando hierárquico superior, com exceção, claro, do
61
próprio texto constitucional, que lhe é superior, como está também acima de toda e
qualquer outra norma jurídica não-constitucional. 79
Mais adiante Rizzato enfatiza ainda mais o revestimento principiológico do CDC, ao
ponto deste Codex impedir que outra norma infraconstitucional contrária às suas disposições e
regras gere eficácia jurídica. Segundo o autor, estando configurada uma relação jurídica de
consumo o CDC se impõe mesmo em que pese a especificidade de outra lei, claro estando
conflitantes sobre a mesma matéria de relação consumerista, in verbis:
Ademais, o CDC é uma lei pricipiológica, modelo até então inexistente no Sistema
Jurídico Nacional.
Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo,
digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer
relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também
regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato
de seguro de automóveis continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas
editadas pelos órgãos governamentais que regulamentem o setor (Susep, Instituto de
Resseguros etc.), porém estão tangenciados por todos os princípios e regras da lei n.
8.078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por
tornarem-se nulos de pleno direito. 80
Também Nelson Nery Júnior tem o entendimento de que o CDC se reveste de caráter
principiológico, de tal maneira que a aplicação, e.g., de leis civis e comerciais às relações de
consumo só deve ser feita se não afrontar o subsistema de proteção de consumidor, na forma
emanada daquele codex, in verbis:
Evidentemente, as leis civis e comerciais são aplicáveis às relações jurídicas de
consumo, para integração de lacuna por situação não prevista pelo Código, naquilo que
não contrariar o sistema de defesa do consumidor regulado pelo CDC.
[...]
Pensar-se o contrário é desconhecer o que significa o microssistema do Código de
Defesa do Consumidor, como lei especial sobre relações de consumo e lei geral,
principiológica, à qual todas as demais leis especiais setorizadas das relações de
consumo, presentes e futuras, estão subordinadas. 81
79
NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65 e 98.
NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65-66.
81
NERY JÚNIOR, Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. et al Código brasileiro de
Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011,
V. I, p. 513 e 516.
80
62
Mais adiante Nelson Nery Júnior mostra-se ainda mais categórico a respeito da natureza
principiológica do CDC, que é, por essa razão, de abordagem sintética. Nesse sentido, reforça o
autor a necessidade das demais normas se submeterem às regras genéricas do CDC, conforme se
depreende abaixo:
O Código de Defesa do Consumidor, por outro lado, é lei principiológica. Não é
analítica, mas sintética. Nem seria de boa técnica legislativa aprovar-se lei de relações
de consumo que regulamentasse cada divisão do setor produtivo (automóveis,
cosméticos, eletroeletrônicos, vestuário etc.). Optou-se por aprovar lei que contivesse
preceitos gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de consumo. É isso
que significa ser uma lei principiológica. Todas as demais leis que se destinarem, de
forma específica, a regular determinado setor das relações de consumo deverão
submeter-se aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do
Consumidor. 82
De forma semelhante, Cláudia Lima Marques ao tratar dos conflitos entre leis, que é o
caso em análise, qual seja Lei Complementar 109/01 e a Lei 8.078/90 – CDC – pondera que os
critérios de temporalidade e especialidade não são suficientes para equacionar tais confrontos,
cabendo recorrer ao critério de hierarquia, em que se impõe como parâmetro a Constituição
Federal. Nesse sentido, é oportuno transcrever comentários feitos por Norberto Bobbio, citado
pela autora:
[...] o aplicador da lei deve priorizar o critério hierárquico, que é o mais forte e mais
importante em relação ao critério cronológico ou ao critério da especialização [...] Certo
é que, em caso de conflito entre as soluções propostas pelo critério hierárquico e
qualquer dos outros dois, o da anterioridade e o da especialização, prevalece o critério
hierárquico, mas também certas relativizações são necessárias. O guia maior é a
Constituição e os valores que impõem, como vimos nos capítulos anteriores.83
A própria doutrinadora Lima Marques apresenta ilustrações de conflitos de normas, e.g.,
leis especiais de planos de saúde, lei sobre incorporação imobiliária, em que há situações
envolvendo o consumidor. Nessas hipóteses, caberia interpretação e aplicação sistemática, sob a
82
NERY JÚNIOR, Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. et al Código brasileiro de
Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011,
V. I, p. 515.
83
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. et al Manual de Direito do
Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 97.
63
perspectiva de valores e princípios constitucionais, possibilitando complementaridade das
normas, o que a autora denomina de diálogo das fontes. In verbis:
[...] Neste caso (conflito de leis especiais, e.g., CDC e lei planos de saúde), diante do
disposto no § 2º do art. 2º da LICC e a visão de sistema, pressupõe-se que o legislador
não esqueceu que a CF/88 mandou proteger os consumidores, a chamar a aplicação
sistemática das normas do CDC – logo, há diálogo de coerência e de
complementaridade, aplicando-se as duas leis especiais complementarmente e em uma
convivência conforme aos valores da CF/88. 84
No julgamento da Adin dos bancos (nº 2.591), conforme Lima Marques, o Ministro
Joaquim Barbosa buscou o balanceamento das questões evocadas no caso sub judice com
base no “diálogo das fontes”. Nesse sentido, o Ministro defendeu na fundamentação da
referida Adin relação de complementaridade entre as normas, estando subjacente nesse tipo
de abordagem a preponderância dos valores e princípios constitucionais, conforme se
depreende do trecho abaixo, remetido pela autora:
A Emenda Constitucional 40, na medida em que conferiu maior vagueza à disciplina
constitucional do sistema financeiro (dando nova redação ao art. 192), tornou ainda
maior esse campo que a professora Cláudia Lima Marques denominou ‘diálogo das
fontes’ – no caso, entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas) e as
leis complementares (que disciplinam o sistema financeiro nacional). Não há, a priori,
por que falar em exclusão formal entre essas espécies normativas, mas, sim, em
‘influências recíprocas’, ‘em aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao
mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção
voluntária das partes sobre a fonte prevalente’. 85
Entende-se que esse tipo de enfoque está intrinsecamente ligado ao movimento chamado
pela doutrina de constitucionalização do direito ou neoconstitucionalismo, que consiste na força
normativa da Constituição Federal, aí considerando seu papel supremo e aglutinador na
interpretação e aplicação das normas infraconstitucionais. É oportuno, então, recorrer às
ponderações sobre o tema feitas por Luís Roberto Barroso:
Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com sua
ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os
demais ramos do Direito. Este fenômeno, identificado por alguns autores como
84
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. et al Manual de Direito do
Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 98.
85
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. et al Manual de Direito do
Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 100.
64
filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e
apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados
[...]
Em suma, a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua
força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, não apenas
como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor
de interpretação de todas as normas do sistema. 86
Dessa forma, aplicando-se hermenêutica sistemática, tendo a Constituição Federal como
cânon máximo, e com enfoque principiológico, pode-se adotar, no caso concreto, a prevalência
do contido no inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal combinado com o reconhecimento
da vulnerabilidade do consumidor, que é um dos princípios direcionadores da relação jurídica de
consumo, na forma do inciso I do art. 4º do CDC diante dos serviços prestados por Entidade
fechada de previdência complementar.
Então, o conflito entre a norma específica que rege o funcionamento dos fundos de
pensão, isto é, a Lei Complementar 109/2001 e CDC é só aparente, dado o caráter
principiológico deste último e suas raízes assentadas na Constituição Federal. Esta é a
perspectiva de abordagem adotada por Leonardo Roscoe Bessa, consoante a sua afirmação
abaixo:
Portanto, para solução dos casos difíceis, os conceitos precisam ser analisados sob
perspectiva constitucional e funcional, vale dizer, verificando, em concreto, a presença
da vulnerabilidade, sob os seus diversos aspectos (técnica, jurídica, fática,
informacional, psíquica). Este critério hermenêutico deve ser utilizado para todas as
definições de consumidor constantes na lei (art. 2º, 17 e 29) e, de modo mais genérico,
para exame do âmbito de incidência do CDC. (grifos do autor) 87
Prima facie, o comentário de Bessa indicado acima parece mitigar a incidência do CDC
nos contratos envolvendo entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), mas
conjugando com outras intervenções do autor pontuadas alhures, não deixa dúvidas quanto ao
seu posicionamento favorável à aplicação do CDC nessa espécie de relação. O que o doutrinador
86
BARROSO, Luís Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a reforma do estado. Salvador, nº 9, p. 20-21, mar./maio 2007.
87
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica da relação de
consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 53.
65
destacou acima foi a importância a ser dada à Constituição e ao reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no caso concreto, a fim de se chegar às soluções de conflitos.
De forma semelhante, é preciso rechaçar a tese de que a entidade fechada de previdência
complementar atua num ambiente restrito, não acessível a todas as pessoas indistintamente e não
visar lucros, como se isso fosse suficiente para excluí-la do mercado. O fato de abranger um
segmento específico não implica necessariamente estar fora do mercado. Os fundos de pensão
estabelecem uma relação muito clara de “troca mercadológica”, que se processa mediante
desembolso de determinado valor pelo consumidor com o propósito de se proteger de riscos
existenciais – e.g., acidente, invalidez – ou resguardar sua renda quando encerrar suas atividades
laborais, ficando tais contraprestações a cargo das entidades.
Consoante mencionado alhures, o conceito de mercado utilizado nesta pesquisa é o
propugnado por Newton de Lucca, que remete, essencialmente, à ideia de troca. De forma
semelhante, Philip Kotler – numa análise mais abrangente e com enfoque na ciência da
Administração, cujo pano de fundo traz ideia de necessidade – define marketing como um
sistema de troca, o qual consiste em receber algo dando determinado valor como forma de
retribuição, in verbis:
Marketing ocorre quando as pessoas decidem satisfazer necessidades e desejos através
da troca. A troca é o ato de obter-se um objeto desejado dando alguma coisa em
retribuição [...]
Como meio de satisfazer necessidades, a troca apresenta muitas vantagens. A pessoa
não precisa apropriar-se de objetos alheios ou viver de caridade [...] Pode dedicar-se a
fazer o que sabe e trocar isso pelos artigos de que necessita, feitos por outrem. Assim, a
troca permite que uma sociedade produza muito mais do que em qualquer outro sistema
alternativo. (grifos nossos) 88
Mais adiante, Kotler esclarece que o conceito de troca – marketing – conduz à definição
de mercado, que “é o grupo de compradores reais e potenciais de um produto. Esses
compradores têm uma necessidade ou desejo específico, que pode ser satisfeito através da troca”.
88
KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de marketing. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1995, p. 6.
66
Segundo o autor, a economia hodierna estriba-se no princípio da divisão de trabalho, de modo
que cada indivíduo se especializa em produzir alguma coisa, recebe um pagamento,
possibilitando adquirir os bens de que precisa. A idéia de troca perpassa essa cadeia produtiva
que dispõe de vários atores, tais como, produtor, trabalhador, intermediário e consumidor, senão
vejamos:
A economia moderna opera com base no princípio de divisão de trabalho, onde cada
pessoa se especializa em produzir alguma coisa, recebe pagamento pela sua produção e
com esse dinheiro compra as coisas de que necessita. Portanto, a economia moderna
existe em abundância no mercado. Os produtores vão ao mercado de recursos
(mercados de matéria-prima, mercados de trabalho, mercados financeiros), compram
recursos, transforma-nos em bens e em serviços e vendem-nos aos intermediários, que
os vendem aos consumidores. Os consumidores vendem seu trabalho, pelo qual
recebem uma renda para pagar pelos bens e serviços que compram [...] 89
Nesse sentido, passa a ficar claro o mercado de consumo em que atua a previdência
privada fechada a partir das próprias informações disponibilizadas pela ABRAPP - Associação
Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Consolidado Estatístico de
Dezembro/2012, em que 261 fundos de pensão prestam serviços previdenciários a mais de 6,6
milhões de pessoas, aí computando participantes, dependentes e assistidos, conforme detalhado
abaixo 90:
Participantes
Dependentes
Assistidos
Total
2.329.741
3.664.294
675.275
6.669.310
No mesmo relatório de Consolidado Estatístico da ABRAPP é evidenciada a evolução de
ativos – o ativo representa o disponível + realizável + permanente – dos fundos de pensão, cuja
composição conta com contribuições de patrocinadores ou instituidores, bem como com
89
KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de marketing. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1995, p. 7.
ABRAPP - Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Consolidado
Estatístico.
Dezembro/2012.
Disponível
em:
<
http://www.abrapp.org.br/Documentos%20Pblicos/ConsolidadoEstatistico_12_2012.pdf>. Acesso em 23 Abr 2013,
p. 2.
90
67
mensalidades desembolsadas por participantes de planos de benefícios, que são os consumidores
de serviços previdenciários, conforme gráfico abaixo 91:
800
Evolução dos Ativos (R$ bilhões)
700
600
668
500
400
300
320
515
457
445
2007
2008
558
597
375
200
100
0
2005
2006
2009
2010
2011
2012
Ainda no relatório de Consolidado Estatístico da ABRAPP são demonstrados os
benefícios pagos a participantes e assistidos, traduzindo como serviços previdenciários prestados
pelos fundos de pensão – no sentido de atividade econômica – consoante abaixo:
Demonstrativo de Benefícios
Valor - R$
mil 1
Quant 2
10.165.411
456.467
3.712
Aposentadoria por
invalidez
503.763
52.170
1.609
Pensões
1.513.007
140.681
1.792
Tipo
Aposentadoria
programada
(1)
(2)
Valor médio
mensal - R$
Valor acumulado até junho/12
Conforme INMPS/SPC n. 24, de 05.06.08
É interessante registrar que, de acordo com o referido Consolidado Estatístico da
ABRAPP, os fundos de pensão têm apresentado, historicamente, superávit das contribuições
91
ABRAPP - Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Consolidado
Estatístico.
Dezembro/2012.
Disponível
em:
<
http://www.abrapp.org.br/Documentos%20Pblicos/ConsolidadoEstatistico_12_2012.pdf>. Acesso em 23 Abr 2013,
p. 2.
68
administradas, o que não deixa de ser também um indicativo de que as EFPC estão inseridas no
mercado, atuando como fornecedoras de serviços previdenciários – atividade econômica –, ainda
que seja para um grupo específico, senão vejamos 92:
Evolução do Superavit das EFPC - R$ bilhões
74,8
66,1
51,5
48,2
54,1
55,0
47,0
37,0
2007 2008 2009 2010 2011 jun/12 set/12 dez/12
Dessa forma, em troca da prestação de serviços previdenciários, as entidades fechadas de
previdência complementar recebem contribuições ou parcelas mensais de acordo com o plano de
benefício do participante, configurando um mercado de consumo tanto nos termos do § 2º, do
art. 3º, do CDC, quanto sob a perspectiva conceitual da economia e administração, conforme
indicado logo acima.
Neste caso, não importa que seja sociedade ou fundação sem fins lucrativos, a despeito de
regramento específico do § 1º do art. 31, da LC nº 109, de 2001. Assim, é suficiente o
desenvolvimento de atividade econômica no mercado de consumo, mediante recebimento de
remuneração e sem finalidade lucrativa – o que restou demonstrado – ainda que essa atuação
ocorra numa espécie de nicho de mercado ou segmento restrito, cuja acessibilidade seja limitada.
Tal raciocínio pode ser depreendido a partir da afirmação categórica de Leonardo Roscoe Bessa
quando trata do tema:
92
ABRAPP - Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Consolidado
Estatístico.
Dezembro/2012.
Disponível
em:
<
http://www.abrapp.org.br/Documentos%20Pblicos/ConsolidadoEstatistico_12_2012.pdf>. Acesso em 23 Abr 2013,
p. 4.
69
Registre-se, desde já, que atividade remunerada não significa necessariamente auferição
de lucros. A distinção doutrinária que se faz entre associação e sociedade é justamente a
finalidade de lucro desta última, vale dizer, a repartição ou distribuição de parte da
receita com os sócios. Nas associações como as fundações, embora não visem ao lucro,
podem exercer atividade econômica e remunerada. Se o fazem profissionalmente, é,
para fins de aplicação do CDC, consideradas ‘fornecedor’. (grifos nossos) 93
Outro argumento que não se sustenta, mas que é defendido por aqueles que são contrários
à aplicação do CDC nas relações jurídicas entre participantes e fundos de pensão, consiste no
enquadramento diferenciado na Constituição Federal dispensados aos temas relação de consumo
e previdência privada, sendo que este último se encontra inserto na “Ordem Social” (Título VIII,
art. 202), enquanto o outro está localizado na parte “Da Ordem Econômica e Financeira” (Título
VII, art. 170, inciso V).
Este entendimento carece de fundamentação jurídica, porquanto acaba por adotar
hermenêutica isolada, cujos temas têm realmente pesos constitucionais distintos, tendo o CDC
certa prevalência. Assim, não custa recordar que o tema de direito do consumidor está insculpido
nos direitos fundamentais, art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, num reconhecimento
claro do legislador constituinte a respeito de sua importância. Tanto é assim que o legislador
buscou blindar os direitos fundamentais de ingerência ou agressões tanto por parte do Estado
quanto por parte de terceiros, conforme afirma Gilmar Ferreira Mendes, in verbis:
[...] Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto
constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial
[...]
Analisando as posições jurídicas fundamentais que integram os direitos de defesa,
importa consignar que estes não se limitam às liberdades e igualdades (direito geral de
liberdade e igualdade, bem como suas concretizações), abrangendo, ainda, as mais
diversas posições jurídicas que os direitos fundamentais intentam proteger contra
ingerências dos poderes públicos e também contra abusos de entidades particulares, de
forma que se cuida de garantir a livre manifestação da personalidade, assegurando uma
esfera de autodeterminação do indivíduo. 94
Além disso, a interpretação de dispositivo constitucional per se – típico do solipsismo
cartesiano – ou com base na sua localização constitucional pode conduzir a conclusões
93
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica da relação de
consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 52.
94
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 681 e 683.
70
reducionistas, precipitadas e distorcidas em relação à concretude, ou seja, ao problema que
incitou o diálogo com a norma, cuja relação exige uma espécie de dialética processada entre o
concreto e o abstrato e vice-versa. É oportuna a afirmação de Eros Roberto Grau, citado por
Gilmar F. Mendes, de que “[...] A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de
elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos
do caso ao qual ela será aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”. 95
Assim, no problema em análise, não custa reafirmar que se identifica claramente a figura
do participante de plano de benefício (consumidor) que demanda serviço previdenciário a fundos
de pensão (fornecedor), a fim de obter aposentadoria ou proteção em situações adversas que
possam ocorrem em sua vida (serviços). Tal relação jurídica ocorre de forma autônoma e
facultativa em relação à Previdência Oficial, de modo que ambos entabulam contrato típico de
relação de consumo, conforme art. 2º e 3º do CDC. Neste caso, é oportuna a firmação de Gilmar
F. Mendes “A norma constitucional, assim para que possa atuar na solução de problemas
concretos, para que possa ser aplicada, deve ter o seu conteúdo semântico averiguado, em
coordenação com o exame das singularidades da situação real que a norma pretende reger[...]”. 96
Por último, verifica-se que a jurisprudência, com base na amostragem, sinaliza como
favorável à aplicação do CDC nos conflitos entre participantes e fundos de pensão, mesmo
naqueles tribunais em que se identificou julgado com entendimento divergente da orientação da
Súmula 321 do STJ. Nestes últimos tribunais, via de regra, há o reconhecimento da incidência
daquele codex nessa espécie de lide, fazendo-se ressalva para não aplicá-lo indiscriminadamente
em todas as situações, de forma apriorística.
Em outros termos, tais tribunais que discrepam do entendimento já pacificado no STJ a
respeito da temática tentam minimizar o caráter irradiador e de imposição do CDC – “é um
95
GRAU, Eros Roberto. Apud. MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 92.
96
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 93.
71
subsistema que prevalece sobre os demais”, conforme defende Rizzato
97
– criando exceções
para aplicação deste codex, e.g., quando o conflito envolve o desequilíbrio da situação financeira
e atuarial da entidade fechada de previdência complementar, consoante se teve oportunidade de
abordar.
Um possível argumento para isso seria que, muito embora as EFPC tenham uma
perspectiva privada, facultativa, liberal, a partir do momento em que a pessoa se ingressa no
grupo, é fundamental não perder de vista a finalidade do todo, da coletividade, a fim de garantir
a saúde financeira do fundo de pensão e, por conseguinte, assegurar os benefícios e coberturas
particulares.
No entanto, a problemática acima certamente é controvertida e merece pesquisa
específica para maior aprofundamento, inclusive para confrontar com princípios como o da
vulnerabilidade (técnica, jurídica, econômica, informacional), do equilíbrio contratual e da
hipossuficiência, os quais passaram a ser reconhecidos sempre em favor do consumidor
aprioristicamente após longo processo de embate jurídico. No caso particular dos fundos de
pensão, não custa lembrar que são pessoas jurídicas que, embora constituídas sob a forma de
sociedades ou fundações sem fins lucrativos, detém poderio econômico, jurídico, informacional,
sistema de governança e estrutura organizacional, os quais colocam o consumidor em situação de
desvantagem e de vulnerabilidade na relação contratual.
97
NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65.
72
CONCLUSÃO
Na abordagem sobre as entidades fechadas de previdência complementar – EFPC – e sua
relação com os participantes, foram analisados argumentos tanto favoráveis quanto contrários à
aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Prima facie e à guisa de conclusão, pelo menos
para efeito deste trabalho, percebe-se maior plausibilidade e razoabilidade nos posicionamentos
favoráveis, haja vista a presença dos três elementos caracterizadores de uma relação
consumerista na questão em debate, quais sejam, consumidor, fornecedor e produto/serviço, que
se processa no mercado de consumo.
Entende-se que a natureza jurídica das EFPC, constituídas como sociedade civil ou
fundações sem fins lucrativos, suas atividades diferenciadas com enfoque previdenciário,
regradas por legislação específica e seus limites em termos de público de acesso, não têm o
condão de afastá-las do enquadramento de fornecedor de serviço consignado no Código de
Defesa do Consumidor – CDC.
Ao contrário, a atividade securitária implica desembolso por parte do consumidor e
oferecimento de proteção e benefícios por parte das EFPC, sendo o participante o destinatário
final, de modo que há “troca de interesses” entre as partes envolvidas. Assim, o serviço
previdenciário, embora fornecido a segmentos específicos, caracteriza-se por atividade
econômica desenvolvida no mercado de consumo, não importando se com finalidades lucrativas
ou não.
Nesse sentido, há, na concretude, uma relação jurídica de consumo, estando o
consumidor vulnerável sob os aspectos técnicos, econômicos, informacionais e jurídicos, bem
como fica evidenciada sua hipossuficiência diante de toda a estrutura – poderio financeiro,
jurídico, técnico, organizacional, sistema de governança – com que se impõem as próprias EFPC.
73
Por outro lado, em que pesem os sólidos argumentos favoráveis à incidência do CDC nas
relações entre as EFPC e os participantes, não se pode perder de vista que o tema é bastante
polêmico e ainda não está pacificado em todas as suas nuanças, a exemplo da questão do
equilíbrio financeiro e atuarial dos fundos de pensão, conforme se analisou em alguns julgados,
restando aprofundar em muito o debate, ficando aí sugestão para pesquisa específica.
Particularmente, no que se refere à questão problematizada acima, meramente à título de
não impedir o debate, é importante não interpretar o CDC com ampla extensão e de forma
absoluta, sob pena de se incorrer em posicionamentos radicais e que resultem em conclusões
precipitadas. Em tese, é possível que a aplicação apriorística e indiscriminada do CDC nas
decisões judiciais inviabilizem o funcionamento regular e pleno de dado plano de entidade
fechada de previdência complementar, quando tal hermenêutica visar atender, por exemplo, a (s)
situação (ões) específica (s) de pequeno (s) grupo (s) de participante (s) ou de somente um
participante em detrimento da maioria de dado plano de benefício. Ainda assim, é só hipótese.
Não obstante as considerações sobre a questão acima, que foi suscita em alguns julgados,
inclina-se para o entendimento de que o CDC tem natureza de subsistema e possui caráter
principiológico, motivos pelos quais deve prevalecer diante das normas infraconstitucionais,
qualquer que seja a espécie de conflito, inclusive entre participante e fundos de pensão.
Além disso, o CDC está insculpido entre os direitos fundamentais da Constituição
Federal, de modo que sua prevalência no conflito com outras normas decorre do reconhecimento
de sua posição especial no ordenamento jurídico, de modo a se sobrepor à LC 109/2001.
Portanto, entende-se que as entidades fechadas de previdência complementar se
enquadram na situação de fornecedora de serviços e mantêm uma relação jurídica de consumo
com os participantes, o que implica incidência do Código de Defesa do Consumidor nessas
situações fáticas.
74
REFERÊNCIAS
ABRAPP - Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar –
Consolidado
Estatístico.
Dezembro/2012.
Disponível
em:
<
http://www.abrapp.org.br/Documentos%20Pblicos/ConsolidadoEstatistico_12_2012.pdf>.
Acesso em 23 Abr 2013.
AMARAL FILHO, Leo. Previdência Privada aberta. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência privada aberta como relação de consumo.
São Paulo: LTR, 2004.
AVENA, Lygia. Distinção da relação previdenciária das EFPC com seus participantes da
relação de consumo do Código de Defesa do Consumidor. In: GOES, Wagner de. Gestão de
fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: ABRAPP, 2006.
BARROSO, Luís Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo
tardio do direito constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a reforma do estado.
Salvador, nº 9, p. 20-21, mar./maio 2007.
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor – análise crítica
da relação de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007.
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor – Código de Defesa do Consumidor. 6. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição federal. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012.
BRASIL. Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001. Dispõe sobre o Regime de
Previdência Complementar e dá outras providências. 14. ed. São Paulo: Rideel, 2012.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e
dá outras providências. 11. ed. São Paulo: Rideel, 2010.
CAVEZZALE, Paulo Sérgio. EFPC: sua correta natureza jurídica e decorrências. In: GOES,
Wagner de. Gestão de fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: ABRAPP, 2006.
FILOMENO, José Geraldo Brito. Comentários às Disposições Gerais. In: GRINOVER, Ada
Pellegrini et. al. Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, V. I, 2011.
GRAU, Eros Roberto. Apud. MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional.
7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Introdução. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de defesa do consumidor comentado
pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, V. I.
KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de marketing. 7. ed. Rio de Janeiro: LTC,
1995.
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor. Teoria geral da relação de consumo. São Paulo:
Quartier Latin, 2003.
MARQUES, Cláudia Lima. Campo de aplicação do CDC. In: BENJAMIN, Antônio Herman
75
V. et. al. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao CDC. Ed. Revista Tribunais, 2003.
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antônio Herman V. et. al.
Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 4
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.
MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – Secretaria de Previdência Complementar.
Guia do participante. Disponível em: < http://www.mpas.gov.br/arquivos/office/3_081024143155-938.pdf> Brasília, 2005. Acesso em 08 Mar 2013.
NERY JÚNIOR, Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. et. al.
Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, V. I, 2011.
NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
PENA, Ricardo. Previdência Complementar no Brasil: história, evolução e desafios. Revista
Fundos de Pensão. da Abrapp/ICSS/Sindapp, Ano XXVII, Número 340, de maio/2008
PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos e
conceituação jurídica. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. Lei da previdência complementar
comentada. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005.
Superior Tribunal de Justiça, REsp n º 306.155, rel. Min. Nancy Andrighi. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=30615
5&b=ACOR> Acesso em 09 Abr 2013.
Superior Tribunal de Justiça. Súmula 321, de 2005, publicada no DJ em 05.12.2005.
Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num='321'> Acesso
em 14 Mar 2013.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2003.
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Manual de direito previdenciário privado.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.
WEINTRAUB. Arthur Bragança de Vasconcellos. Previdência privada. Doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
Download