ETNOGRAFIA, NEUROMARKETING E COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR Profº José Antônio Rosa É vedada, terminantemente, a cópia do material didático sob qualquer forma, o seu fornecimento para fotocópia ou gravação, para alunos ou terceiros, bem como o seu fornecimento para divulgação em locais públicos, telessalas ou qualquer outra forma de divulgação pública, sob pena de responsabilização civil e criminal. Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 Comportamento do consumidor e decisões de marketing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 Pesquisa qualitativa e o conhecimento do consumidor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Etapas do processo de pesquisa qualitativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Leitura, compreensão e interpretação de dados qualitativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 Tipos de pesquisa qualitativa e sua aplicação em marketing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 A etnografia como estudo do comportamento humano em seu contexto mais natural e típico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Métodos de etnografia em marketing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 A neurociência e sua aplicação potencial na área do marketing . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 As futuras direções da pesquisa do comportamento do consumidor . . . . . . . . . . . . . 84 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Bibliografia complementar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor INTRODUÇÃO FIGURA 1 – Negócios Fonte: Pathdoc/ shutterstock.com O mundo dos negócios tornou-se complexo nas últimas décadas, em decorrência de algumas mudanças radicais que ocorreram, principalmente a globalização e a revolução da tecnologia da informação. As empresas defrontam-se ou poderão se defrontar com concorrentes de todos os cantos do mundo, enquanto, ao mesmo tempo, mercados distantes abrem-se, com novas oportunidades. Paralelamente, as pessoas passaram a ter uma vida digital: informam-se e orientam-se pela internet, adquirindo aí novos padrões de conduta. O profissional de negócios tem muitos questionamentos antes de tomar suas decisões. Por exemplo: como pensam aquelas pessoas que estão do outro lado do mundo? Como podemos nos comunicar eficientemente com elas? O que esperam dos produtos e serviços? Os nossos clientes, como estão mudando? Para que rumos? Como pensam, sentem e agem hoje? Dentro desse quadro, a pesquisa de marketing toma duas direções significativas – e sensatas: 1. maior aproximação possível do mercado real e do potencial; 2. emprego de suportes científicos mais adequados para compreensão e interação com o consumidor. A aproximação é o caminho para maior conhecimento e intimidade com o cliente atual e os futuros – pois cria empatia. E o emprego de recursos científicos permite interação mais eficaz com Pág. 4 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor eles, considerando-se dimensões que hoje são pouco exploradas, como seu processo de decisão inconsciente. Duas metodologias de pesquisa emergiram então como relevantes: a etnografia, que permite a máxima aproximação com o consumidor e o cliente, e o neuromarketing, emprego de processos e ferramentas tecnológicas para aprofundamento do conhecimento do consumidor nas suas dimensões consciente e inconsciente, racional e emocional. A presente disciplina vai propiciar uma revisão dos conceitos-chave de comportamento do consumidor e seu entendimento por meio da pesquisa e das duas vertentes de pesquisa relevantes. Objetivos FIGURA 2 – Objetivos Fonte: Violetkaipa/ shutterstock.com Geral: Propiciar ao aluno uma visão geral do comportamento do consumidor e de outros agentes de mercado quanto a avaliação, decisão, compra, consumo e opinião sobre produtos e serviços e das decisões estratégicas que os agentes de marketing tomam com a finalidade de otimizar as relações entre as empresas e seus mercados. Pág. 5 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Específicos: • Propiciar uma visão panorâmica e integrada sobre comportamento do consumidor e outros agentes de mercado. • Discutir os métodos que levam ao maior conhecimento do comportamento dos agentes de mercado, incluindo as novas tendências na área, como o neuromarketing e a etnografia. • Discutir o que os profissionais do marketing podem fazer para, amparado em pesquisas, otimizar as relações entre a empresa e seus mercados, com vistas ao incremento das transações e à conquista da fidelidade. COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E DECISÕES DE MARKETING FIGURA 3 – Comportamento Fonte: Jirsak/ shutterstock.com O marketing é um conjunto de atividades racionais que visam estabelecer uma relação ótima entre a empresa e seus mercados. O propósito maior é atingir a plena satisfação dos agentes de mercado – clientes, consumidores e intermediários nas transações –, conquistando então a fidelidade e, consequentemente, o lucro sustentável e o crescimento da empresa, dentro de um contexto competitivo. Na busca da realização desse propósito maior, o marketing executa cinco grupos de funções básicas (CHURCHILL; PETER, 2013): • pesquisa; • desenvolvimento do produto; • comunicação; Pág. 6 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • vendas; • pós-vendas. Em todas elas, é crucial o conhecimento do mercado. Pesquisa FIGURA 4 – Pesquisa Fonte: Koker1991/ shutterstock.com A primeira atividade essencial do marketing é a própria busca do conhecimento adequado de necessidades, desejos, valores, atitudes e comportamentos dos vários agentes de mercado. Por exemplo: • O que o consumidor potencial almeja com o produto (bens físicos ou serviços) – isto é, que necessidades conscientes ou inconscientes o levam à busca do produto? • Por que ele prefere um determinado produto, considerando um leque de possibilidades de escolha? • Qual é o grau de satisfação que ele tem em relação aos produtos da empresa? • O que ele acha da configuração geral do produto – embalagem, design etc.? • E quanto ao comprador (eventualmente é também o consumidor, mas pode ser alguém que compra para uso de outrem ou para revenda), o que busca? Quais são suas motivações básicas para a escolha do produto A ou B? • E outros agentes de mercado – por exemplo, um cabeleireiro que recomenda um xampu –, o que pensam do produto da empresa? Essa atividade vai produzir conhecimento para uso nas outras atividades do marketing. Pág. 7 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Desenvolvimento do produto FIGURA 5 – Desenvolvimento do produto Fonte: Deliverance/ shutterstock.com Desenvolvimento do produto é um conjunto de decisões e ações que tem por objetivo o oferecimento dos produtos mais capazes de satisfazer o mercado em termos de características intrínsecas, como design, composição e embalagem, e extrínsecas, como preço, marca, nome e proposta. Para configurar adequadamente o produto, os profissionais do marketing precisam conhecer características, preferências, valores, interesses e comportamentos de compradores e consumidores. Por exemplo: • Que uso se vai dar ao produto? O leite em pó, por exemplo, pode ser usado para fazer um bolo de tempos em tempos ou para uso diário como bebida, misturado ao café. Provavelmente, terá as duas funções, mas, para saber ao certo, é conveniente pesquisar. • O vidro de embalagem da azeitona é descartado ou reusado pelo consumidor? • Que nível de preço o cliente está disposto a pagar pela hospedagem no hotel? • Até que ponto o uso de uma marca forte em licenciamento alterará a percepção do consumidor favoravelmente em relação ao produto? Vai resultar em aumento significativo das vendas? Pág. 8 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Comunicação FIGURA 6 – Comunicação Fonte: Vladgrin/ shutterstock.com A comunicação é o esforço de divulgação do produto e das políticas da empresa ao mercado. Envolve três grupos de atividades básicas: propaganda, publicidade e promoções. A propaganda diz respeito às mensagens pagas: anúncios em jornais, revistas e sites, comerciais de TV e rádio etc. A publicidade trata dos esforços de divulgação não paga – distribuição de notícias à mídia, participação em entrevistas e reportagens, publicação em sites informativos próprios e redes sociais. Por fim, as atividades de promoção incluem participação em feiras e convenções, degustações de produto em supermercados, concursos e sorteios etc. As decisões e as ações das atividades de comunicação igualmente requerem bom conhecimento do comportamento do mercado. Por exemplo: • Que tipo de mídia o cliente potencial acessa? Como ele se comporta no acesso a ela? Que tipo de mensagem chama sua atenção? Como reage a um tipo de anúncio ou outro? • Como funciona a percepção do cliente em uma rede social? • Qual é a avaliação do comprador potencial sobre determinada mídia? Ele aprova ou desaprova um determinado site ou uma emissora de TV? • Como deve ser a decoração de um estande na feira para atrair os visitantes pretendidos pela empresa – por exemplo, compradores de componentes de grandes indústrias? Pág. 9 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Vendas FIGURA 7 – Vendas Fonte: Oberon/ shutterstock.com As atividades de vendas dizem respeito à influência pessoal de compradores, por meio: • de contatos face a face em visitas, lojas ou outros processos; • de contatos pessoais a distância, por telefone, chats etc.; • de interação entre o cliente e dispositivos –sites de e-commerce, máquinas de vendas etc. Inclui vendas a clientes diretos e também a clientes institucionais ou empresariais – órgãos do governo, empresas industriais usuárias do produto, empresas de comércio que revendem os produtos etc. Em cada uma das situações de vendas, é fundamental o conhecimento do comportamento do comprador potencial. Por exemplo: ◊ Quanto por cento dos clientes já superaram o medo de comprar pela internet? Quem são os clientes que ainda temem a compra online? Qual é o perfil dos que já superaram essa barreira? ◊ Como o cliente pesquisa produtos em diferentes lojas de e-commerce? Que informações são decisivas para a sua avaliação e decisão? ◊ Que tipo de aproximação pode tornar o profissional de vendas mais bem recebido pelo cliente institucional? ◊ Qual é a potencial reação do cliente em relação a determinado processo de vendas? Pág. 10 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Pós-vendas FIGURA 8 – Pós-vendas Fonte: Creatarka/ shutterstock.com Atividades pós-vendas são aquelas que visam assegurar a sustentação de uma relação produtiva entre a empresa e sua clientela. Em tempos recentes, essas atividades passaram a ser bastante valorizadas, pois se percebeu que há custos elevados para a conquista de novos clientes e que a sustentação dos já conquistados é fundamental para o crescimento seguro da empresa e a ampliação de sua rentabilidade. Essas atividades incluem informação ao cliente usuário do produto, assistência técnica, seguros, planos de substituição de produtos, cartões de fidelidade, premiações etc. Aí também o conhecimento do consumidor e do cliente é crucial. Por exemplo: • Qual é o grau de atratividade que o cartão de fidelidade tem para o cliente? • Qual é o grau de facilidade que o cliente encontra para o uso do produto? • Quais são as dificuldades do cliente com relação ao uso do produto? • O cliente indica os produtos da empresa para outros? • Como o cliente recebe informações sobre novos produtos? Comportamento do consumidor O consumidor é a razão de ser da empresa. Esta é criada para satisfazer necessidades daquele e, assim, gerar lucros sustentáveis e legítimos para os acionistas ou proprietários. O marketing, naturalmente, tem interesse em todos os agentes de mercado – como clientes institucionais e Pág. 11 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor clientes não usuários –, mas eles são vistos na perspectiva do atendimento do alvo final da ação empresarial, o consumidor. Este merece atenção especial, e o entendimento do seu comportamento é um dos pontos cruciais do sucesso da empresa. Definições: Consumidor – aquele que consome o produto, que pode ter sido comprado por si ou por terceiros (por exemplo, os pais que compram para consumo dos filhos). Cliente – qualquer tipo de agente que compra o produto, ou seja, aquele que compra para uso próprio, para uso de outrem, para revenda. Engel, Blackwell e Miniard (2004), autores de um livro texto que é referência na área, observam que as primeiras ideias sobre comportamento do consumidor surgiram no campo da economia, mas como parte da explicação dos sistemas econômicos e sem maior foco ou preocupação com o estudo sistemático. Como subsídio para as considerações e decisões do profissional de marketing e de interessados em negócios em geral – e como campo acadêmico específico –, o tema ganhou relevância após a Segunda Guerra Mundial; já em 1950, tiveram início estudos sobre pesquisa motivacional. Em 1969, surgiu a Association for Consumer Research, que introduziu uma conferência anual intitulada Advances in Consumer Research. Em 1974, surgiu o Journal of Consumer Research, e, mais recentemente, em 1992, o Journal of Consumer Psychology. De um modo geral, já se estabeleceu um paradigma para o estudo e a explicação sistemática e sistêmica do comportamento do consumidor, que abre diferentes frentes de investigação em diferentes áreas do conhecimento. Pág. 12 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 9 – Consumidores Fonte: Sky Pics Studio/ shutterstock.com O profissional de marketing precisa ter um conhecimento geral sobre tais fatores de influência sobre o consumidor para fazer suas análises e tomar decisões adequadas nas áreas de desenvolvimento do produto, comunicação, vendas e pós-vendas. Vamos buscar um entendimento inicial do quadro a seguir. Influências ambientais - A existência e o comportamento do consumidor e também a ação de marketing ocorrem dentro de um ambiente que dá a tônica para essas condutas. O ambiente nada mais é que um conjunto de forças fora de nosso controle que nos circundam e determinam nosso comportamento. Da dinâmica dessas forças, provêm ameaças e oportunidades à realização dos propósitos empresariais. As principais variáveis das forças ambientais que influenciam o consumidor são: • Cultura – Resumidamente, pode ser definida como maneiras de pensar, sentir e agir características de um grupo social. Reflete os valores, os rituais, as ideias aceitas e os comportamentos padrões do grupo. Comporta variações, com a convivência de grupos distintos dentro de um mesmo quadro de valores comuns – as subculturas. Por exemplo, na cultura nacional, há a valorização da família, mas há diferenças grupais com relação à aceitação da família composta Pág. 13 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor por casais homossexuais. Usualmente, as pessoas tendem a se comportar de acordo com os padrões culturais, dentro dessa variação. A cultura nos diz: ◊ o que é certo/errado – quanto gastar, em que, como, o que consumir etc.; ◊ o que é elegante – que tipo de roupa se deve vestir ou não, o que é um carro que dá status, que produto está associado com a ideia de nobreza ou ascensão social; ◊ qual é o papel (expectativas sociais) de cada um – papel de pai, de professor, de amigo. No momento de avaliar, de fazer uma compra e de usar um produto ou serviço, a pessoa tende a considerar – às vezes mais, às vezes menos – as normas culturais vigentes. Por exemplo, até o fim da década de 1960, a dona de casa brasileira que não sabia cozinhar nem costurar era vista como inadequada, negligente. Usualmente, toda dona de casa tinha uma máquina de costura, e a indústria das máquinas domésticas era um próspero negócio. Este minguou e desapareceu nas décadas seguintes, quando os valores acerca do comportamento da mulher no lar mudaram. Hoje, a mulher que não trabalha fora, contribuindo com a renda doméstica, sente-se desconfortável, pois experimenta alguma forma de censura. Manifestações de consumo atuais muitas vezes decorrem de mudanças introduzidas na cultura em passado remoto. A permanência de um comportamento ao longo da história torna-o sólido e arraigado, o que eventualmente torna mudanças difíceis. SAIBA MAIS O azeite e a influência árabe no Brasil Leia o artigo O óleo de oliva está enraizado na cultura dos imigrantes libaneses e sírios que desembarcaram no Brasil, de João Calderón, 2016, que trata da imigração de libaneses e de suas heranças. Link: http://revistaadega.uol.com.br/artigo/influencia-arabe_4863.html#ixzz4FQPZb0LJ Pág. 14 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 10 – Azeite Fonte: Marques/ shutterstock.com • Classes sociais e status - As classes sociais têm significativa relevância quanto ao comportamento do consumidor, inicialmente pelas simples razão de que refletem padrões de renda – e, consequentemente, capacidade aquisitiva. Há também os valores de classe, isto é, aqueles mais comuns entre os integrantes das diferentes classes sociais. Os produtos são endereçados às diferentes classes com diferentes níveis de qualidade ou sofisticação, conformações, preços, apelos etc. Igualmente, a comunicação de marketing e as atividades de vendas e pós-vendas buscam uma adequação a interesses, sentimentos e comportamentos de cada uma. A presença no contexto das classes reflete-se em status diferenciados, em função de diferentes padrões de consumo e estilo de vida. O indivíduo pode, por exemplo, pertencer à classe C, mas incorporar valores relativos à classe A. O que é classe social? Como são as divisões de classe em uma dada sociedade? Quantas pessoas existem em cada uma? Essas questões nem sempre são fáceis de resolver, devido à dificuldade de estabelecer critérios objetivos universais. Por exemplo, se olharmos a renda, podemos perder a percepção relativa à posse de patrimônio. Uma pessoa pode ter uma renda formal baixa, mas ter um patrimônio familiar elevado, em decorrência de herança. Entretanto, para a adequada compreensão da sociedade e o estabelecimento de políticas públicas e ação das organizações privadas, é necessário refinar as análises e chegar a uma divisão de classes que faça sentido e possa ser orientadora do planejamento. A Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) estabeleceu o chamado Critério Brasil para a orientação dos trabalhos das empresas do segmento. Pág. 15 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 11 – Logotipo Fonte: http://abep.org/images/logo.png. ACONTECEU Leia o artigo Ibope identifica marcas por classe social, que traz uma pesquisa que traça o perfil de clientes de cerca de 200 marcas do varejo encontradas em shoppings de todo o Brasil. Link: http://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2016/07/05/ibope-identifica-marcaspreferidas-de-cada-classe-social.html Pág. 16 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Classes na perspectiva do marketing O Critério Brasil, proposto pela Abep, procura estabelecer uma classificação de classes condizente com a realidade atual do país e com as necessidades dos profissionais do marketing e negócios de um modo geral. Veja algumas tabelas resultantes dessa proposta. A seguir, você encontra o link para um relatório completo divulgado pelo órgão: Link: http://www.abep.org/Servicos/Download.aspx?id=09 TABELA 1 – Resultados para todas as regiões do país Fonte: http://www.abep.org/Servicos/Download.aspx?id=09. TABELA 2 – Resultados de renda média domiciliar para os diversos estrato socioeconômicos Fonte: http://www.abep.org/Servicos/Download.aspx?id=09. • Influência pessoal – Observam Engel, Blackwell e Miniard (2004) que há dois tipos principais de influência pessoal: os grupos de referência e as lideranças de opinião. Grupos de referência são agrupamentos que influenciam significativamente o comportamento individual, porque o indivíduo tende a aceitar como adequados os valores e os estilos de vida incorporados por Pág. 17 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor aqueles. O exemplo mais típico é o dos adolescentes que “premiam” e “castigam” aqueles que se enquadram ou não em um conjunto de condutas vigentes em dado momento. Pode haver grupos de referências consolidados a partir de influências intelectuais ou científicas, morais e religiosas, comportamentais. As lideranças de opinião, por outro lado, são constituídas por pessoas que ocupam posições de status específicas (não necessariamente nobres ou desejáveis) no seio dos grupos. Por exemplo, o homem costuma exercer liderança de opinião sobre a mulher no que diz respeito à compra de carro, e a mulher costuma exercer liderança de opinião sobre o homem no que diz respeito a estilo pessoal e elegância. Há exceções, mas estas mais servem a confirmar as normas sociais: • há questões sobre as quais os mais velhos têm liderança de opinião, outros em que os mais jovens a têm; • a liderança pode ser do homem ou da mulher, conforme a questão; • quem é da cidade ou do campo pode liderar, dependendo da situação; • as ocupações refletem igualmente lideranças diversas. Do ponto de vista do marketing, as coisas são simples. Por exemplo: • Se o líder de opinião compra e mostra-se satisfeito, faz proselitismo (propaganda boca a boca), e isso tem enorme peso sobre o consumo. • Se se coloca a pessoa certa para sugerir o produto em um anúncio, isso faz toda a diferença. • Se, em um ambiente frequentado por determinado grupo de influência, se observa a presença do produto X, Y ou Z, ele tende a receber um “selo de qualidade” informal. Definições: Grupo de referência - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que influencia significativamente o comportamento de um indivíduo. Os grupos de referência provêm normas ou padrões e valores que determinam como uma pessoa pensa e age. Líder de opinião – pessoa que, em função de sua posição no grupo, influencia o comportamento de outras. • Família – A família influencia significativamente, seja porque é um grupo que, de um modo ou outro, partilha renda e consumo, seja porque é um centro de valores e educação. A aprovação/ rejeição da família é considerada pelo indivíduo na compra, no consumo e na manifestação de opinião sobre produtos e serviços. Do ponto de vista do comportamento do consumidor, é muito relevante saber como a família é em relação a determinados aspectos da vida. Por exemplo, quais são os valores de determinado Pág. 18 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor tipo de família com relação à independência do jovem? O que se admite que o líder da família pode fazer com seus ganhos? Quanto uma jovem será premiada ou censurada em decorrência do consumo de um bem ou serviço? FIGURA 12 – Família Fonte: GST/ shutterstock.com Importa também a formação da família. Qual é seu tamanho? Que nível de renda tem? Como partilha renda e consumo? Quem decide o consumo de cada item? As mudanças na composição da família refletem-se nos produtos e serviços, bem como nas outras atividades de marketing. Por exemplo: • Com a diminuição da família, reduziu-se o tamanho das embalagens. • A casa igualmente refletiu a mudança no arranjo familiar – a despensa diminuiu de tamanho, porque estocar alimentos torna-se menos necessário. • O papel do telefone fixo vem mudando rapidamente, já que as pessoas ficam fora de casa. • O homem “do lar” – que cuida dos afazeres domésticos enquanto sua mulher vai ao mercado ganhar dinheiro (porque tem maior potencial de ganho) – hoje é uma realidade estatística. Isso seguramente se reflete em padrões de consumo e composição dos produtos. Pág. 19 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Um ponto relevante também é avaliar os comportamentos influenciados pela família no contexto do ciclo de vida da família. É formada por um casal jovem, com filhos na infância? É um casal de meia idade, custeando estudos dos filhos? É um casal de idosos, com filhos já independentes? Tudo isso faz diferença sobre o consumo por várias razões: renda discricionária (é aquela parte da renda de que o indivíduo pode dispor à sua discrição, ou seja, do modo como desejar), preocupações básicas, ocupação etc. SAIBA MAIS Uma pesquisa da Nielsen mostra as influências no momento da compra daqueles que estão no papel de pais. Leia o artigo Pais: em quem confiar na hora de comprar comida para os pequenos? e, se quiser conhecer mais, acesse o site da empresa. Fonte: http://www.nielsen.com/br/pt/insights/news/2015/Pais-em-quem-confiar-na-hora-de-comprarcomida-para-os-pequenos.html • Situação individual – A situação em que a pessoa se encontra no contexto do ambiente também afeta seu comportamento. Por exemplo: se houver música do seu agrado, ela tende a desenvolver maior receptividade às mensagens. Enfim, qual é o grau de exposição à informação da pessoa, quais são as condições de tempo, quais são as cores predominantes no ambiente, que outras pessoas partilham o mesmo espaço, tudo isso conta. Assim, do ponto de vista do marketing, seja na percepção do produto, na captação das mensagens ou nas negociações, fatores influenciados pelo ambiente e relacionados à situação da pessoa – físicos, sociais e até psicológicos – devem ser considerados. Sendo assim, podem e devem ser testados nas várias circunstâncias e para as várias decisões de marketing. Diferenças individuais - Há um axioma da psicologia que diz que, em alguns aspectos, todos os seres humanos são iguais; em outros, alguns seres humanos são iguais a alguns seres humanos; e, em outros, cada ser humano é ímpar. Logo, há um espaço para diferenciações individuais que podem ser acentuadas. Isso interferirá significativamente no comportamento de busca, avaliação, aquisição e consumo de produtos e serviços de toda natureza. Vejamos algumas fontes de diferenças individuais que podem ser pesquisadas e consideradas nas decisões de marketing. Pág. 20 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 13 – Dinheiro, tempo e conhecimento Fonte: Totallpic/ shutterstock.com • Recursos – Os consumidores apresentam grandes variações individuais no que diz respeito à disponibilidade de três recursos essenciais para atuação no mercado e na fruição de produtos e serviços: ◊ Dinheiro - Logicamente, um bolso mais cheio faz toda a diferença na percepção dos produtos de potencial interesse; um consumidor de baixa renda nem considera a eventual oferta de um produto que não cabe em suas possibilidades, enquanto que aqueles de renda maior sensibilizam-se mais com ofertas de qualidade, sofisticação etc., porque se percebem como capazes para essas transações. ◊ Tempo – Há os bens chamados “bens de tempo”, isto é, aqueles que requerem disponibilidade dos potenciais usuários. Usualmente, estão situados na categoria do entretenimento ou dos cuidados pessoais. As pessoas têm vidas e potenciais de consumo diferente em função de tempo de dedicação ao trabalho, tempo despedido em outras atividades essenciais (locomoção, cuidados da casa etc.) e tempo discricionário: aquele que a pessoa pode usar como quiser. ◊ Conhecimento – Por fim, o conhecimento é um recurso fundamental para a fruição de determinados produtos. Um exemplo bem simples: uma excursão cultural, o ingresso para um concerto e até mesmo a participação em um banquete gastronômico requerem conhecimentos que nem todos têm. Logo, para determinadas categorias de produtos, os Pág. 21 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor recursos culturais tornam-se de grande relevância – e as diferenças pessoais nessa área devem ser consideradas. SAIBA MAIS Leia o artigo Mercado de luxo cresce mesmo com a crise, que trata do mercado do luxo, o qual, segundo o artigo, usualmente é constituído por pessoas que têm dinheiro, tempo e conhecimento e, no Brasil, vai bem. Fonte: www.fecomercio.com.br/noticia/mercado-de-luxo-cresce-mesmo-com-a-crise • Motivação e envolvimento – Observam-se diferentes níveis de motivação e envolvimento com produtos e serviços, bem como com outros aspectos relacionados ao processo de marketing. Algumas pessoas “ligam-se” em roupa; outras se interessam muito mais que a média por gastronomia. Por que isso ocorre? Parte devido a padrões pré-existentes de motivação. Por exemplo, as necessidades variam de pessoa a pessoa. O que ela busca, prioritariamente? Segurança, status, afeto, poder? As principais motivações individuais levam a pessoa a buscar produtos e serviços que deem adequadas respostas a essas. Por exemplo, aquela orientada por status e poder fará os esforços necessários para ter um carro destacado. Do mesmo modo, a que vive em busca da segurança terá maior propensão à poupança ou à aquisição de bens que possam ter valor de revenda preservado. O que as pessoas querem? O que move o ser humano a fazer uma coisa ou outra? Certamente, essa é uma questão das mais complexas, que acompanha o pensamento humano desde os filósofos da antiga Grécia e foi ocupação de todos os grandes pensadores. Conquanto a questão da motivação tenha essa complexidade, já se consolidou um corpo de conhecimento fundamental sobre o tópico. Por exemplo, sabe-se que os motivos, ou seja, os impulsionadores fundamentais da ação, podem ser conscientes, isto é, percebidos pelo indivíduo, ou inconscientes, não percebidos. Igualmente se sabe que há algumas necessidades fundamentais e universais, que aparecem em pessoas de diferentes culturas, classes, situações. Daí se extraem esquemas explicativos práticos que, sem pretender dar respostas completas e cabais sobre a natureza da conduta humana, oferecem referências úteis. É o caso da chamada hierarquia das necessidades, estabelecida por Abraham H. Maslow (ENGEL; BLACKWELL; MINIARD, 2004), uma proposta de que há um conjunto de necessidades humanas fundamentais que se organizam em uma pirâmide hierárquica. As necessidades da base dessa pirâmide, quando não satisfeitas, teriam predomínio na motivação do comportamento. À medida Pág. 22 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor que fossem sendo satisfeitas, dariam lugar àquelas situadas acima na pirâmide, sucessivamente. Tais necessidades, observam Churchill e Peter (2013), refletem-se na busca de produtos. Algumas considerações: • As necessidades humanas manifestam-se em desejos, que têm alvos concretos. Os produtos e os serviços são objetos de desejo, pois são vistos como capazes de satisfazer as necessidades. • As necessidades têm componentes racionais, sociais e psicológicos. Por exemplo: uma pessoa pode querer um carro para transportar-se para o trabalho (necessidade racional), mas também para sentir-se valorosa (necessidade psicológica) e conquistar status (necessidade social). FIGURA 14 - Pirâmide das Necessidades de Maslow Fonte: Adaptado de Churchill e Peter (2013) e https://s-media-cache-ak0.pinimg. com/736x/10/a5/d9/10a5d9b5584be5b451e9d9794009d4a2.jpg. Pág. 23 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Por que as pessoas compram produtos de marca? A marca pode ser um atestado de qualidade, visado por um consumidor racional e objetivo, que a busca como maior garantia de adquirir algo de efetivo valor. Pode ser também um símbolo de status, pois pessoas que usam produtos de marca recebem uma espécie de prêmio social, uma distinção. Pode, por fim, ser algo relacionado com gratificações pessoais, subjetivas, como se a pessoa estivesse a dizer a si mesma que ela merece ser bem tratada e ter algo de valor. Eventualmente, a marca de valor efetivamente está associada a produtos de valor, mas não necessariamente. É comum que no Brasil surjam marcas de destaque, usadas como símbolos de nobreza, que não tenham a mesma significância em seus países de origem. Veja a matéria no link: http://vejasp.abril.com.br/blogs/listamania/2015/09/03/marcas-americanassupervalorizadas-pelos-brasileiros-e-que-nos-eua-nao-sao-la-essas-coisas/. • Conhecimento – O conhecimento dos produtos ou dos serviços é uma variável de fundamental importância na avaliação do consumidor. Como o consumidor percebe a marca, qual é o grau de confiança que tem em determinada empresa, o que ele sabe sobre o produto? Eis itens a ser pesquisados e considerados nas decisões do marketing. Entre os itens relevantes de conhecimento do consumidor, pode-se destacar: • Conhecimento do produto – Isso inclui o conhecimento genérico sobre a categoria de produtos e mais o dos produtos da concorrência e do produto da empresa ofertante. Igualmente, inclui conhecimento da marca e sua associação com desempenho e qualidade. Há também aquele conhecimento técnico que transforma o cliente em um comprador mais capaz de orientar bem suas escolhas, por exemplo, o sobre microcomputadores. • Conhecimento do vendedor – Qual é o histórico do vendedor, qual é a sua reputação no mercado, que tipo de políticas de vendas costuma ter etc. Essas informações podem vir pelas referências de mercado e também por acompanhamento de mídia especializada em negócios. Qualquer referência negativa pode ter um peso significativo na decisão do cliente, principalmente quando se trata de produtos de maior valor e compras de maior risco. Nesses casos, o consumidor tende a buscar mais informação. • Onde e quando comprar – Faz diferença também o grau de conhecimento do consumidor sobre as condições de melhores compras em termos de locais e tempo. Por exemplo, há bairros em que os produtos de dada categoria (se não todos) são mais baratos. Do mesmo modo, há épocas em que as compras ficam mais vantajosas, seja em função das leis de oferta e procura, seja de outras variáveis. Pág. 24 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Conhecimento do preço – Qual é o preço do produto? Presume-se que, para produtos de grande valor, um carro, por exemplo, os consumidores tenham (ou busquem) uma visão adequada dos preços praticados no mercado. Mas até que ponto a pessoa sabe avaliar o preço de um produto de consumo menos significativo em termos de orçamento – um par de meias, um azeite? Entra em cena aí o grau de motivação para a economia de cada um, além de outras variáveis, como disposição de tempo, prioridades etc. • Conhecimento requerido para uso – Uma máquina fotográfica sofisticada pode requerer conhecimentos de manuseio que a maioria dos usuários potenciais não têm e não estão dispostos a adquirir. Isso pode constituir uma barreira às vendas. O conhecimento de uso faz-se presente na grande maioria dos produtos, um pouco mais ou um pouco menos, e a consideração dessa variável por parte do profissional de marketing é fundamental. No caso, o aconselhamento ou até o treinamento pode fazer parte das estratégias de melhoria das vendas, como é o caso dos cursos rápidos sobre vinhos, queijos, azeites e das orientações de estilo em roupas ou produtos de decoração. FIGURA 15 – Conhecimento Fonte: Haru Natsy Kobo/ shutterstock.com Pág. 25 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Era do equilíbrio de conhecimento Até algumas décadas atrás, as empresas tinham um conhecimento desproporcionalmente elevado em relação a seus clientes quanto a produtos, serviços, preços, condições de mercado, concorrência etc. Com o advento da internet, mais e mais essa lacuna vai se fechando. Hoje, o conhecimento achase muito mais disponível, acessível e barato (a maioria grátis). O consumidor pode informar-se com muito maior facilidade antes da compra. Além dos sites especializados em informação para o consumidor e avaliação crítica de empresas, há uma significativa massa de orientações obteníveis diretamente por acesso ao Google. Por exemplo, um cliente potencial de passagem em país estrangeiro, pesquisando preços para sua viagem, encontra ofertas excelentes na Kiwi.com. Seu conhecimento é zero sobre esse serviço online. Com apenas uma entrada no Google, já aparece: “Kiwi é confiável?”. Com acesso a essa entrada e outras que aparecem, rapidamente consegue formar uma avaliação bastante segura sobre a empresa. Nos sites de intermediação de negócios (como o Mercado Livre), a exibição da reputação do fornecedor (criada em decorrência das opiniões de clientes) é regra. Veja alguns sites de interesse: https://www.reclameaqui.com.br/ http://www.ebit.com.br/avaliacao-lojas http://www.antesdecomprar.com.br/ • Atitudes – A palavra “atitude” é usada com grande frequência e quer dizer, na maioria dos usos, tudo e nada. Na verdade, deixando o uso popular de lado, a palavra significa algo relevante para estudo do comportamento: a avaliação geral que fazemos das coisas, ou aquilo que vem antes de alguém dizer gosto ou não gosto. Atitudes são predisposições mentais a reagir de determinado modo (positiva ou negativamente) em face de determinado objeto, situação, personalidade. Elas geralmente influenciam o comportamento, frequentemente de modo inconsciente. Pessoas com elevado nível de autoconhecimento poderão ter atitudes negativas em relação a algo (por exemplo, um tipo de negócio) e mesmo assim controlar racionalmente seu comportamento para que ele não responda automaticamente a tais atitudes. Por exemplo, ela tem atitudes negativas em relação a sindicatos, mas, quando envolvida em relacionamento profissional com um sindicato, controla sua predisposição e faz as coisas de modo racional e justo. Para o marketing, um problema crucial é a identificação e a medida de atitudes com relação à empresa, ao produto ou a outro item de relevância nos relacionamentos. Pág. 26 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Personalidade, valores e estilo de vida – Cada pessoa tem um padrão diferente de reação aos estímulos: é a personalidade, a marca individual. Uma parte vem com o nascimento, outra é decorrente das interações ambientais, mas o fato é que cada um tem um jeito de ser. Há pessoas mais reservadas, outras mais expansivas, outras mais hostis ou mais amistosas e receptivas, as que têm propensão natural para experimentar coisas novas, enquanto outras são mais conservadoras. Do ponto de vista do marketing, é importante entender essas diferenças para oferecer serviços, produtos e políticas adequados a cada grupo. Igualmente, os valores individuais e o estilo de vida contam muito. Em que a pessoa acredita? A que dá importância? Eis os seus valores, a ser considerados na ação de marketing. Personalidade e valores manifestam-se em estilos de vida, que também têm significância. FIGURA 16 – Ciclista Fonte: Nenetus/ shutterstock.com Pág. 27 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Processos psicológicos FIGURA 17 – Processos psicológicos Fonte: Art4all/ shutterstock.com Como funcionam os processos psicológicos humanos fundamentais relacionados com as escolhas, o consumo, a compra? Quaisquer que sejam as situações ambientais e as diferenças individuais, há um conjunto de processos que se dão na mente da pessoa na situação de avaliação, compra e consumo. Eles têm grande relevância para o marketing. Por exemplo: como funciona a percepção humana? Ora, esse conhecimento é crucial, por exemplo, na hora de organizar uma vitrine ou montar uma webpage. Assim, a compreensão do comportamento do consumidor tem de focalizar esses processos mentais ou psicológicos para conhecer melhor as regras que os regem. Isso inclui: • Processamento da informação – Diz respeito aos processos de exposição à informação, atenção, compreensão, aceitação e retenção. A que tipo de informação a pessoa expõe-se, em nível consciente ou inconsciente? Por que ela presta atenção em algumas coisas em não em outras, por exemplo, por que o anúncio X a atraiu e não o anúncio Y? O que a pessoa consegue compreender em determinada mensagem? Que fatores contribuem para maior compreensão? Que tipo de argumento é mais aceito? Em que circunstância o argumento A ou B leva vantagem? Por fim, o que a pessoa retém daquilo que observa e como ajudá-la a reter o que interessa Pág. 28 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor à empresa? Todas são questões relacionadas com o processamento da informação que, se conhecidas com maior profundidade, serão de grande valor para as decisões de marketing. • Aprendizado – É o processo por meio do qual a pessoa adquire conhecimento, muda ideias, passa a ter diferentes padrões de explicação do mundo que o cerca. Tem a ver com interesse, capacidade mental para analisar, entender e reter informações, motivação – e também com a natureza e as características da informação que lhe é oferecida. De certo modo, pode-se dizer que as pessoas são como são, escolhem como escolhem, agem como agem porque aprenderam a ser assim. Ora, assim também aprendem comportamentos relativos ao consumo – o que torna esse processo relevante para o marketing. Por exemplo: por que uma pessoa demonstra fidelidade a uma loja? Porque “aprendeu” a gostar dela, a avaliá-la positivamente. O que pode levar essa pessoa a “aprender” algo diferente, por exemplo, que a loja mudou e já não merece confiança? O sentido de aprender aí é mais amplo que o de adquirir conhecimento. É também fazer e fixar escolhas e formar hábitos. • Influência de atitudes e comportamentos – Anteriormente, falamos sobre as atitudes que um indivíduo apresenta e que afetam seu consumo. É fundamental saber como se dá o processo que vai da formação das atitudes até sua influência concreta sobre o comportamento. Por que as pessoas desenvolvem atitudes negativas ou positivas em relação a algo? Como as atitudes impulsionam a pessoa a agir de modo A ou B? Igualmente, como o comportamento manifesto pela pessoa afeta as relações de consumo? Por exemplo, pessoas esportistas agem de modo diferenciado em relação à compra do carro? Processos de decisão e comportamento do consumidor FIGURA 18 – Consumidor Fonte: Robuart/ shutterstock.com Pág. 29 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor As pesquisas aproximam-se progressivamente do momento central da relação do consumidor com a empresa e produto. Primeiro, ele é pesquisado e analisado como ser humano, com escolhas, condutas, valores, em um prisma mais geral. Agora, é visto já como consumidor real ou potencial em seu comportamento específico. Os campos de interesse para estudo são: • Reconhecimento de necessidades e busca – Como a pessoa percebe que tem necessidades e, a partir daí, como passa a ter desejo por um produto ou serviço concreto? Isso tem a ver com tudo o que já apresentamos, mas vai além e é mais específico, do ponto de vista do marketing. Aqui, há uma grande separação entre diferentes tipos de produtos e situações, com resultados concretos em termos de vendas. • Avaliação de alternativas – As alternativas que se colocam para um consumidor potencial são consumir ou não um dado item, selecionar um produto ou serviço no leque de possibilidades que o mercado oferece, fazer opções relacionadas a forma de pagamento ou natureza da compra etc. • Compras e seus resultados – Quanto o consumidor compra, como, por quê? E, após a compra, o que ocorre? Ele consome efetivamente o produto, estoca, dá a ele algum destino diferente (doação, por exemplo)? Análise do consumidor e estratégia de marketing FIGURA 19 – Marketing Fonte: Rawpixel.com/ shutterstock.com Quem é o consumidor potencial, quem é o consumidor real, como ele age como cliente, o que vai querer no futuro? A partir da análise e da resposta a essas questões, as decisões de marketing vão sendo formuladas. Logo, lida-se com um quadro bastante complexo, conforme vimos anteriormente, Pág. 30 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor que se manifesta nas relações específicas. Estas, mais próximas, podem ser pesquisadas e analisadas nos seguintes campos: • Varejo – As relações do consumidor com lojas, sites e outros mecanismos de varejo, os modos de comportar que ele apresenta em cada caso, a ação dos agentes de comércio e seu impacto, tudo isso é relevante, evidentemente, para as decisões dos profissionais do marketing. • Análise demográfica e tendências de consumo – A média de idade vem crescendo no Brasil, o número de lares com apenas uma pessoa também, assim como a presença da mulher na força de trabalho e a manifestação de interesses específicos por grupos (idosos, gays, negros, solteiros etc.). Eis o dinamismo dos mercados e suas tendências, que têm de ser acompanhadas pelo marketing. • Segmentação de mercado – O produto deverá ser endereçado, por exemplo, à classe AA, mas, dentro dessa categoria há vários segmentos, seja por diferenciações objetivas (idade, sexo, escolaridade), seja por diferenciação psicográfica (valores, atitudes, estilos de vida). Segmentar é separar um mercado em partes para conhecer melhor cada uma e para oferecer produtos e políticas adequados para ela. • Difusão de inovações – Imaginemos cinco grandes inovações que afetarão a vida das pessoas nos próximos anos: carro autodirigível, drone, internet das coisas, impressão 3D e realidade aumentada. Como elas tenderão a evoluir? Como será a reação do mercado aos produtos e serviços dentro de cada uma dessas grandes categorias? O profissional de marketing tem de ter bases sólidas de informação para tomar suas decisões, porque, se agir cedo demais ou tarde demais, poderá perder o bonde das novas ondas do mercado. • Mercados globais de consumo – As estratégias de marketing hoje têm de considerar os mercados globais porque os consumidores são influenciados por forças ambientais que ultrapassam fronteiras. Em Nova Iorque e no interior da Paraíba, observam-se eventualmente as mesmas atitudes, valores e comportamentos com relação a consumo. Tanto a informação é global quanto o mercado; logo, as decisões têm de contemplar não apenas o meio local, mas também o que já esteja acontecendo em outros países. Resumo O conhecimento do consumidor é essencial para as decisões de marketing no desenvolvimento de produtos, na comunicação e na orientação de vendas e pós-vendas. Esse conhecimento é buscado por meio do estudo genérico e da pesquisa específica, que manuseia deferentes conceitos e ferramentas. Ambos orientam-se por um paradigma bastante amplo, porque o comportamento do Pág. 31 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor consumidor é afetado por um sem-número de variáveis sociais, grupais e individuais e por processos cognitivos e mentais específicos complexos – aprendizagem, formação de atitudes, decisão. O quadro a seguir pode servir como referência para a busca de um entendimento maior do consumidor por parte do profissional de marketing. Nos próximos tópicos, serão discutidos conceitos e ferramentas para buscar o entendimento do consumidor dentro desse amplo quadro apresentado. FIGURA 20 - Influências sobre o comportamento do consumidor Fonte: Baseado em Engel, Blackwell e Miniard (2004), Pág. 32 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor PESQUISA QUALITATIVA E O CONHECIMENTO DO CONSUMIDOR FIGURA 21 – Pesquisa Fonte: Axsimen/ shutterstock.com Vamos reduzir os preços? Eis a indagação que o gerente de marketing faz na reunião. Em combinação com os demais gerentes envolvidos na decisão, resolvem cortar 20% nos preços para produtos e clientes específicos com a finalidade de atrair mais compradores e dar uma resposta adequada ao cenário de crise em que a empresa está operando. Um mês depois, observam-se os resultados, que poderão ou não ter correspondido às expectativas. Eis uma decisão típica de marketing tomada com base na intuição (achar que a redução vai produzir aumento de vendas) e no senso comum (conhecimento e experiência acumulados). Boa parte das decisões de marketing é tomada assim: lançamento de um novo produto, disparo de uma campanha publicitária, implantação de nova política de vendas etc. Quando o risco é aceitável e há possibilidade de correção da decisão sem maiores consequências, tudo bem. Tomam-se decisões por ensaio e erro, isto é, faz-se A para obter o resultado X; se este vier, consolida-se a decisão; se não vier, muda-se o plano. As decisões por intuição, bom senso e ensaio e erro são as mais comuns na gestão e no marketing por uma razão simples: é muitas vezes impossível, caro ou desnecessário fazer algo mais sofisticado para decidir. É por isso que é fundamental que os profissionais se apliquem no Pág. 33 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor estudo e adquiram experiência, porque gente qualificada decide melhor nessas circunstâncias. As decisões de bom senso são inevitáveis, práticas e adequadas no dia a dia do marketing. Mas e quando o risco é grande? E se estamos falando do lançamento de um produto novo para a empresa (ela não acumulou experiência ainda na área), para um mercado desconhecido, envolvendo milhões ou até dezenas ou centenas de milhões de reais? Aí, se der erro, os resultados podem ser catastróficos. Perdas financeiras às vezes irreparáveis, danos de imagem, perda de emprego (de quem decidiu) são algumas das consequências comuns. Então, torna-se necessário recorrer a métodos cientificamente mais adequados. Com o advento dos mercados de massa e das grandes empresas, a partir do fim do século XIX, foi necessário buscar amparo maior para as decisões da administração. O marketing, nesse contexto, tem destaque, dadas as somas vultosas das decisões que se tomam na área. A ciência não é a única forma de saber, mas é a mais eficiente e capaz de reduzir os riscos da ação humana. Como ela se desenvolveu acentuadamente no último século, passou a ser componente importante de tudo – e esse fenômeno observou-se também na área de gestão. As empresas mais bem administradas passaram a recorrer à ciência para resolver problemas decisórios (COOPER; SCHINDLER, 2003). Entra em cena, então, a pesquisa, que é o instrumento por meio do qual a ciência procura a compreensão dos fenômenos. Pesquisa em marketing FIGURA 22 – Pesquisa em marketing Fonte: alphaspirit/ shutterstock.com Pág. 34 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor O marketing recorre à pesquisa quando necessário para amparar decisões de maior risco e maior dificuldade. Pesquisa de marketing é a identificação, a coleta, a análise e a disseminação sistemática e objetiva de informações; e esse conjunto de ações é empreendido para melhorar as tomadas de decisão relacionadas à identificação e à solução de problemas (estas também conhecidas como oportunidades) em marketing (MALHOTRA, 2005, p. 4). A pesquisa de marketing contempla todos os aspectos das decisões de marketing, como segmentação de mercados, orientação para desenvolvimento de produtos, fixação de preços, estabelecimento de estratégia de comunicação, vendas e distribuição etc. Pode-se, inicialmente, estabelecer dois grandes grupos da pesquisa em marketing: as pesquisas permanentes e gerais do SIM (Sistema de Informações de Marketing) e as pesquisas específicas. As primeiras dizem respeito à captação, ao processamento e à distribuição permanente de informação aos agentes de decisão da empresa (executivos e técnicos ligados direta ou indiretamente ao esforço de marketing). Usualmente, são feitas por pessoal especializado dentro da área de marketing, com apoio de outras unidades da organização, formando (formalmente ou não) um SIM. Envolve rastreio de notícias, relatórios de empresas de consultoria e órgãos governamentais, congressos, palestras e eventos de todos os tipos. Usualmente, trabalha com informação secundária, isto é, aquela produzida por outros. Muitas vezes, a empresa tem e opera um SIM, mas este não é nem identificado como tal, já que as atividades se processam como parte do dia a dia dos vários agentes desse sistema. Por exemplo, os executivos e os técnicos leem com regularidade e passam as informações relevantes para pessoas incumbidas de processá-las, armazená-las e distribuí-las. Algumas vezes, o SIM é formalmente identificado e age igualmente de modo formal, juntando as partes todas de modo organizado para captação, manuseio e distribuição de informações. Além desse processamento permanente de informação, as empresas, principalmente as maiores e mais organizadas, recorrem sistematicamente à pesquisa específica. Esta focaliza questões pontuais e busca um conhecimento mais vertical para resolver problemas específicos. Às vezes, essas pesquisas são feitas com recursos próprios, com pessoal de pesquisa ou de marketing da empresa; em outras, a atividade é terceirizada, com a compra de serviço de firmas especializadas. Há também uma terceira possibilidade: compra de relatórios específicos que firmas especializadas fazem Pág. 35 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor com a finalidade de vender a clientes de dada categoria. Por exemplo: uma empresa especializada pode fazer uma pesquisa de intenção de compra de calçados e oferecer a lojas e fabricantes especializados da região. Pesquisa qualitativa FIGURA 23 – Pesquisa Fonte: Andresr/ shutterstock.com Pesquisa é um meio de buscar um conhecimento inicial ou mais completo e aprofundado, ou ainda certo ou provável, sobre algo. Pode empregar um tratamento apenas qualitativo, referente à qualidade, apenas quantitativo, com o emprego de estatística, ou ambos, tudo em conformidade com as questões que se queira resolver. Usualmente, a pesquisa quantitativa é adequada para se chegar a graus maiores de certeza quando se trata de grandes populações e formulações mais simples, por exemplo, nas eleições. No caso, há simplicidade na questão: em quem o eleitor vai votar, em quem não votaria, por que fará sua escolha X ou Y. Já a pesquisa qualitativa focaliza grupos menores, tem maior profundidade e abrangência nos assuntos, trabalha com problemas ou objetivos que não demandem recursos estatísticos etc. A pesquisa qualitativa é predominante no contexto do marketing e pode recorrer a diversos expedientes para estudo das questões em foco, como (COOPER; SCHINDLER, 2003): • Entrevista - Pode ser estruturada (com roteiro e perguntas previamente elaboradas e rigorosamente seguidas) ou não estruturada; direta, em contato face a face, ou por telefone, Pág. 36 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor chat ou e-mail. As entrevistas têm de ser conduzidas por profissionais qualificados, capazes de perceber mais do que o previsto no roteiro inicial, e iniciar discussões de tópicos capazes de enriquecer os resultados da pesquisa – ou até sugerir mudanças no roteiro para novas entrevistas. O profissional tem de ter uma visão adequada do assunto em discussão e também saber lidar com algumas variáveis de comportamento de entrevistado, por exemplo, captando sinais como hesitação, desconforto, tentativa de manipulação etc. Um tipo relevante de entrevista é aquela com público qualificado ou especialista, pessoas cuja opinião tem um peso maior devido a seu poder ou conhecimento (por exemplo, um comprador de loja). • Questionários - Os questionários também são instrumentos regularmente usados na obtenção de informações na pesquisa qualitativa. São mais fáceis de administrar e mais baratos comparativamente à entrevista, razão pela qual usualmente são escolhidos quando se vai coletar informações de grupos maiores. Frequentemente, são aplicados concomitantemente às entrevistas. Podem também ser usados em diferentes versões, pela internet e pela distribuição regular em locais de acesso da clientela-alvo. A distribuição e a administração de questionários pela internet tornaram-se bastante populares nos últimos anos, devido à facilidade e à eficiência que essa alternativa oferece. Há sites que permitem elaboração e administração deles gratuitamente e serviços especializados em distribuição para e-mails de pessoas com perfis específicos. Os dados são facilmente computados e associados por meios eletrônicos. • Observação - Trata-se de observar o comportamento de integrantes do público-alvo em situação específica. Pode ser livre ou estruturada e pode ocorrer em ambiente preparado ou natural. Às vezes, recorre-se à técnica de colocar as pessoas em salas com espelhos falsos, que permitem a observação sem que elas se deem conta. Uma forma hoje popular de observação é a inserção do pesquisador no ambiente do pesquisado – pesquisa etnográfica. Têm-se popularizado também as observações amparadas em tecnologia, seja em situação de laboratório ou de comportamento real. • Vídeos e fotografias - Pode-se fazer vídeo das pessoas em dadas circunstâncias – compras, consumo, negociação – e extrair informação a partir daí. Igualmente, podem ser tiradas fotos. Às vezes, faz-se isso combinadamente com outras técnicas, como observação ou entrevista, para assegurar maior controle sobre as informações. • Técnicas projetivas e testes psicológicos - Técnicas projetivas são oriundas da psicologia e visam extrair informações conscientes ou inconscientes dos indivíduos por associação com figuras, frases, projeções, situações. Por exemplo: pode-se pedir para as pessoas completarem frases, analisarem determinada situação ou objeto etc. Muitas vezes, o propósito da investigação não é informado aos participantes. Por exemplo, donas de casa podem ser chamadas a discutir o nome dado a um biscoito, mas o que os pesquisadores (que as observam por trás de Pág. 37 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor espelhos falsos) de fato desejam é captar a reação delas à aparência do produto. Já os testes psicológicos, de vários tipos, podem ser aplicados para avaliar como as pessoas reagem a dada situação, como decidem em relação a algo, como avaliam alternativas em relação a um produto ou serviço. • Estudos de caso - É a investigação de sujeitos imersos em um caso real – por exemplo, estudo da aquisição, utilização e revenda de um produto pelo consumidor. A ideia é adquirir conhecimentos mais aprofundados e completos, com base na conduta real, para produzir entendimento generalizável e aplicável a outras situações. Pode ser aplicado também pontualmente a outros aspectos do marketing, como a relação do profissional de vendas com o cliente em dada situação conflitiva. • Etnografia - é um estudo com observador participante. O pesquisador entra no grupo para entender o sentido mais profundo de ideias e comportamentos. Bastante populares nos dias de hoje, os estudos etnográficos merecerão um capítulo específico. • Análise documental - Como o nome diz, é a análise de documentos que direta ou indiretamente estejam relacionados com o comportamento a ser pesquisado do público-alvo. Por exemplo, os registros de vendas de um determinado distribuidor em determinado período. Encaixam-se na categoria os estudos com dados secundários, isto é, aqueles que foram elaborados por terceiros. • Surveys - A palavra survey é sinônima de pesquisa. Mas, no uso corrente, às vezes ela é tomada num sentido que se aproxima mais do termo enquete, isto é, busca de informação com um número significativo de pessoas. De qualquer modo, apresenta-se, por exemplo, em Cooper e Schindler (2003) como sinônimo de levantamento de dados, principalmente por entrevistas e questionários. Trata-se da aplicação de questionários ou a realização de entrevistas com um grupo específico. Pode ter a finalidade de complementar informações não obtidas na análise documental ou de buscar compreensão de tópicos ainda não explorados. Usualmente, as perguntas são formuladas de tal modo que as respostas deem origem a outras questões, que focalizem outros aspectos. Os surveys podem ser conduzidos por telefone, pela internet, pessoalmente, em diferentes ambientes e com diferentes níveis de profundidade. Podem também ser autoadministrados, por meio de questionários dispostos em lugares de acesso pelo público-alvo, como é o caso dos deixados em quartos de hotel para avaliação do serviço pelos hospedes. • Discussões em grupo (focus groups) - discussões em grupo são encontros em que um moderador experimentado atua de modo não estruturado e natural para provocar o grupo a se manifestar sobre um tópico de interesse para pesquisa. Muito popular e difundido, chega a ser quase Pág. 38 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor sinônimo de pesquisa qualitativa, pois muitos o consideram um dos métodos mais importante desta (MALHOTRA, 2005, p. 115). Os mecanismos mencionados não esgotam, naturalmente, o ferramental disponível para a pesquisa qualitativa, e dia após dia novas formas de investigar vão sendo construídas e aplicadas. É um campo aberto à criatividade e à inteligência investigativa. CURIOSIDADE Respondentes ganham para responder A inovação é constante no marketing. Nos últimos tempos, popularizaram-se as empresas que realizam pesquisas pela internet ou com aplicativo pelo celular e remuneram os respondentes selecionados. O interessado em ser participante cadastra-se e, em decorrência de seu perfil, será convocado a participar das pesquisas para as quais esteja qualificado. A cada participação, recebe um valor creditado em conta. Veja alguns sites de pesquisa remunerada: https://www.mobrog.com/pt-br/ https://www.voceopina.com.br/?c=googbr http://www.comparepesquisas.net/ http://www.pesquisaspagas.net/ ETAPAS DO PROCESSO DE PESQUISA QUALITATIVA Introdução às etapas do processo de pesquisa qualitativa FIGURA 24 – Pesquisa Fonte: Fatmawati Achmad Zaenuri/ shutterstock.com Pág. 39 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Como já vimos, a pesquisa qualitativa pode auxiliar muito a tomada de decisões em marketing em todas as áreas de atuação deste. Seja no desenvolvimento de produtos, na formulação ou na divulgação de mensagens, na orientação de vendas ou na sustentação de clientes em pós-vendas, sempre há boas aplicações para ela. O profissional de marketing não precisa conhecer o processo de pesquisa em seus aspectos técnicos, pois poderá a recorrer a especialistas com essa qualificação. Mas ele pode – e deve – conhecer o suficiente para iniciar, gerenciar e usar resultados de pesquisa, para contratar os especialistas e para interagir produtivamente com eles. Neste capítulo, vamos apresentar uma visão panorâmica do processo que supra essa informação inicial sob prisma gerencial. Para facilitar o entendimento, trabalharemos com quatro exemplos de situações, de quatro diferentes funções do marketing: • Desenvolvimento de produto - adequação de um produto. • Comunicação - identificação de potenciais usuários e desenvolvimento de argumentos. • Vendas/distribuição – envolvimento de pequenos comerciantes. • Pós-vendas – estimulando o proselitismo. Etapas do processo As etapas de um processo de pesquisa são assemelhadas em todas as áreas do saber humano. Há um sujeito que deseja conhecer algo, e há uma estrutura operacional da inteligência que direciona para essa busca. Seja em uma pesquisa científica na área da química, seja na busca do conhecimento sobre a população, seja em outras áreas, há algumas etapas lógicas e naturais. Estas são identificadas e expandidas por meio da pesquisa e do estudo, e estabelece-se um roteiro operacional que facilita o trabalho daqueles que se dedicam à pesquisa. Tal acontece na pesquisa de marketing. O processo pode ser visto e apresentado em diferentes versões, igualmente eficientes. Vamos apresentá-lo da seguinte forma: Pág. 40 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 25 - Etapas do projeto de pesquisa Fonte: Elaborado pelo autor. 1. Problema, questão ou pergunta Tudo se inicia quando uma mente inteligente produz um problema: por que está acontecendo X ou Y? Como podemos melhorar A ou B? O problema aí tem o sentido de questão, pergunta – e não de situação ou acontecimento negativo (poderia ser também, no caso de uma dificuldade do marketing, por exemplo). Essa pergunta inicial não surge do nada, evidentemente: ela ocorre na mente de alguém envolvido com um trabalho específico e que tem conhecimento prévio do que é bom, ruim, desejável, indesejável, “normal” ou não no ambiente em que atua. Vamos a um exemplo com um dos itens que enumeramos, para melhor compreensão: Pág. 41 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 26 – Questão Fonte: Odua Imagens/ shutterstock.com • Desenvolvimento de produto/adequação de produto – A empresa produz um acessório para carros, e suas vendas vão bem, mas estão limitadas no contexto de um mercado bastante competitivo. Lendo um artigo sobre pessoas canhotas, o diretor vislumbrou a possibilidade de desenvolver um produto específico. Fez uma pesquisa rápida e constatou que ninguém oferece esse tipo de produto para a comunidade de canhotos, que é por volta de 10% da população. Se a empresa for pioneira no lançamento do produto, poderá abocanhar boa parte desse segmento. Questão ou problema: Como o produto deveria ser para atrair o cliente canhoto? Logicamente, nesse caso, muitas outras perguntas terão de ser respondidas: predisposição de compra dos canhotos, características do mercado etc. 2. Estratégia de pesquisa ou estudo A partir de um problema ou questão, a mente inteligente começa a pensar em alternativas para investigar e achar uma resposta. É um movimento natural – a busca de uma estratégia de pesquisa ou estudo. Se o sujeito tem qualificação específica (se for um especialista em marketing ou em pesquisa, por exemplo), logo manuseará conceitos e ferramentas que auxiliarão nessa busca da resposta. De um modo geral, ninguém trabalha sozinho em uma pesquisa. Ou a pessoa está inserida em uma universidade, ou faz parte de uma empresa, ou pertence a um instituto qualquer. Assim, a estratégia é formada coletivamente. No caso de um gerente de marketing, ele vai discutir com a equipe, e da discussão sairão as linhas gerais (estratégia). Aí, há alguns pressupostos básicos: Pág. 42 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Deve haver uma correta formulação do problema, porque perguntas erradas levam a respostas inúteis. Assim, é necessário discutir aquela questão inicial que a mente fez para verificar se é a certa. Por exemplo: talvez a questão sobre os canhotos não seja adequada no primeiro momento, e a melhor seria: Há necessidade de um produto da categoria para canhoto? Se se buscar a resposta e não houver essa necessidade, não é necessário partir para a pesquisa sobre características do produto. É importante mencionar que não há método para dizer qual é a pergunta certa. É uma questão de graus de entendimento do problema e até de qualificação dos sujeitos envolvidos. É a mente inteligente diante de interrogações complexas. Não há fórmulas mágicas. • Deve haver uma formulação clara e precisa de objetivos para a pesquisa. O objetivo é um alvo fundamental sem o qual o estabelecimento de uma estratégia é impossível. A estratégia responde à pergunta como atingir algo; para formulá-la, é crucial saber o que se quer atingir (objetivo). Exemplo de estratégia de pesquisa (focalizando um problema de comunicação, usando a ideia do produto para canhotos): • Comunicação - identificação de potenciais usuários e desenvolvimento de argumentos - A empresa desenvolveu e vai lançar um produto para canhotos. Evidentemente, já estudou muito o segmento. Agora, vai entrar no processo de comunicar o lançamento e quer fazer uma campanha que vá além da superficialidade: quer aproximar-se bastante dos canhotos e apresentar-lhes mensagens de alto impacto, pois concluiu que isso fará toda a diferença na consolidação do produto. Precisa identificar os usuários e descobrir quais são os argumentos bons para eles no que diz respeito à compra. Os especialistas em comunicação sabem que há um princípio psicológico denominado “percepção seletiva”, que diz que as pessoas tendem a perceber aquilo que têm registrado em mente. Assim, a palavra “canhoto” e tudo o que seja relacionado à categoria é percebido seletivamente pelos integrantes dela. Esse princípio será levado em conta para formular a estratégia, que poderá ser a seguinte: 1. Fazer uma pesquisa no ambiente de internet sobre uma questão relevante para a categoria dos canhotos, solicitando dados úteis e cadastramento de e-mail dos respondentes; dessa forma, a empresa conseguirá um meio de contato com um grupo de usuários potenciais. 2. Levantar sites com foco no público-alvo e fazer uma aproximação para busca de informação e apoio. 3. Aproximar-se de empresas que já vendem produtos especializados para fazer parceria e captar cadastros e informações iniciais e também realizar possíveis eventos (demonstração Pág. 43 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor do produto, por exemplo). A partir dessas iniciativas, outras ideias virão para encorpar a estratégia de comunicação. 3. Projeto de pesquisa Depois das ideias esboçadas, é necessário fazer um projeto concreto, envolvendo escolhas das estratégias com que se buscará a informação, instrumentos a utilizar, pessoas envolvidas (da empresa ou prestadores de serviços) etc. O projeto é um documento formal que será o referencial orientador dos esforços de todos os envolvidos, um recurso para acompanhar a realização das etapas e controlar a eficácia das atividades. Há diversas formas de montar um projeto, a depender da situação, dos objetivos etc. Não precisa ser um documento extenso ou exageradamente documentado – tudo depende da dimensão do compromisso. Vejamos um exemplo (ainda usando o produto para canhotos, com enfoque em pesquisa sobre atividade de vendas/distribuição): QUADRO 1 – Projeto de pesquisa Projeto de pesquisa Condições e formas de atração de pequenos varejistas Introdução A empresa lançará o produto XYZ, destinado a consumidores canhotos, que totalizam 6,4% dos clientes potenciais no Brasil e ainda não têm alternativa com configuração específica. O produto já se acha pronto para comercialização, e identificaram-se motivações potenciais e argumentos eficientes para a categoria. Igualmente, elaborou-se um plano de comunicação, que será acionado no próximo mês de agosto. A partir do acionamento do plano, deveremos executar um movimento de aproximação com pequenos comerciantes que têm potencial para venda do produto. Eles já se acham identificados, mas é necessário saber como envolvê-los adequadamente, razão pela qual se desenvolveu o presente projeto de pesquisa. Objetivos do projeto Geral - Identificar estratégias mais adequadas para envolvimento máximo possível dos varejistas do grupoalvo com o produto XYZ. Específicos - Identificar mídias relevantes para aproximação com os agentes de decisão das pequenas lojas. - Identificar formas de aproximação mais adequadas em promoção de vendas. - Identificar eventuais itens de atração e valor para envolvimento do grupo-alvo com o produto – brindes, incentivos etc. Pág. 44 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Estratégia de pesquisa - Realização de entrevistas com 100 integrantes do público-alvo para conhecimento de suas motivações, valores e interesses fundamentais. - Pesquisa por questionário nominalmente endereçado a mil integrantes do público-alvo que não serão entrevistados – a resposta será recompensada com brinde (chaveiro personalizado). Plano da pesquisa Envolvidos RE - Responsável – Gerente de Marketing OP - Operacionalização – Assistente de Marketing EX - Execução – Empresa contratada: Hipotetic Consultores de Marketing Cronograma De 15 a 30/08 Etapas Envolvidos Até 15/08 Elaboração e aprovação de questionários, roteiros de entrevistas e seleção de entrevistadores Todos X Disparo do questionário OP X Realização de entrevistas EX X Tabulação e relatório de questionários e entrevistas OP EX 1º a 15/09 15 a 30/09 X Análise dos relatórios e estabelecimento da estratégia de aproximação Todos Orçamento (Relacionam-se os itens e os custos) Fonte: Elaborado pelo autor. 4. Pesquisa Com o projeto em mãos, realiza-se a pesquisa. Há diferentes graus de sofisticação e dificuldade no trabalho de pesquisar. Em situações de grande simplicidade e com objetivos menos desafiadores, pessoas com razoável bom senso e alguma experiência em marketing poderão realizar atividades como entrevistas, aplicação de questionários etc. Em questões de maior exigência, entretanto, é necessário recorrer a pessoal experiente e qualificado, por exemplo, em entrevistas. Pág. 45 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor 5. Análise Agora é hora de analisar as informações obtidas e avaliá-las quanto à adequação e qualidade. Esse trabalho pode e deve contar com o apoio do usuário. No caso mencionado, este é o gerente de marketing, porque a avaliação de valor e utilidade das informações requer conhecimento da situação. FIGURA 27 – Análise Fonte: Sergey Nivens/ shutterstock.com 6. Relatório Por fim, elabora-se um relatório o mais completo e focalizado possível sobre os achados da pesquisa. Eventualmente, esse relatório vai servir a diferentes propósitos, razão pela qual deve ser elaborado com vistas nas necessidades de todos os usuários. Pág. 46 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Mercado dos canhotos Uma definição simples: mercado é gente, com dinheiro e necessidade. Os canhotos têm necessidades especiais, porque nem sempre os produtos dirigidos aos destros (cerca de 90%) são adequados a eles. Têm renda, provavelmente – devem encaixar-se em uma distribuição de renda similar à dos destros. E existem como grupo significativo – perto de 10% da população e, provavelmente, dos consumidores potenciais para a maioria dos produtos. “Entre homens, estima-se que os canhotos sejam 15% mais ricos. Se analisados homens que foram para a faculdade, o número sobe para 26%.” “Enquanto 10% da população é de canhotos, a taxa de participação de canhotos no Mensa (sociedade que reúne as pessoas com os maiores QIs do mundo) é de 20% - sugerindo que eles têm mais probabilidade de serem gênios.” Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI341100-17770,00-TUDO+QUE+VOCE+Q UERIA+SABER+SOBRE+OS+CANHOTOS.html Produtos para canhotos Uma busca simples na internet já traz muita informação sobre o universo dos canhotos e dos produtos para o segmento. Veja o site: http://www.nodestro.com.br/. FIGURA 28 – Canhoto Fonte: Corepics Vof/ shutterstock.com Pág. 47 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor LEITURA, COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO DE DADOS QUALITATIVOS FIGURA 29 – Leitura Fonte: Jirsak/ shutterstock.com Algumas perguntas: • Como funciona o mercado da indústria de alimentos no Brasil? • Quem são os agentes que intermedeiam a relação entre o fabricante de alimentos e o consumidor final? • Qual é a parcela da renda do brasileiro que se destina a produtos alimentícios industrializados? • Quais são as preferências com relação a produtos embutidos? • Como uma pessoa avalia o preço no segmento alimentício? Quem tem uma visão razoável dessas questões tem muito maior capacidade não só para identificar a necessidade de uma pesquisa na área, mas também para orientar as várias etapas dessa pesquisa. Sem o adequado conhecimento, a pessoa nem sequer chega a criar um problema ou questão na área e, quando o faz, corre o risco de perguntar coisas óbvias, já sabidas pelos integrantes do segmento. Ora, a pessoa não saberá também ajudar a estabelecer uma estratégia de pesquisa, nem a formular um projeto ou qualquer outra atividade dela. Quer dizer: fazer pesquisa requer uma qualificação inicial. O que devem buscar saber os profissionais do marketing que desejam estar preparados para contribuir decisivamente na área? Isto é, quais conhecimentos são desejáveis para essa contribuição? Pág. 48 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor O que o profissional precisa conhecer FIGURA 30 – Analisando Fonte: Konstantin Chagin/ shutterstock.com Aqui vai uma sugestão de repertório de conhecimento útil ao profissional para um desempenho adequado em pesquisa: • Um bom paradigma sobre ambiente de negócios – Todas as empresas operam dentro de um ambiente. Este é uma arena em que diferentes agentes e forças interagem permanentemente, produzindo mudanças e influenciando-se uns aos outros. A pessoa que tem uma visão abrangente do ambiente de negócios e da natureza e da forma de atuação de suas variáveis será mais capaz de fazer perguntas apropriadas e também de estabelecer hipóteses (respostas provisórias) e orientar a busca de respostas definitivas. Há excelentes livros que apresentam essa visão geral do ambiente de negócios. A leitura atenta e produtiva de um deles já é suficiente para um entendimento do modelo ou paradigma do mundo dos negócios. Pág. 49 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Um livro suficiente O conhecimento, atualmente, avança como obra coletiva. Assim é com o paradigma da estrutura do ambiente de negócio. Hoje, as variáveis que atuam nesse ambiente são bem conhecidas, e também o é seu comportamento. Há livros excelentes que apresentam uma visão completa do ambiente e das inter-relações entre as várias forças aí atuantes. Um deles é o livro de Michael Porter Estratégia competitiva. Uma leitura um pouco difícil, pois o assunto é árido, mas muito relevante para o profissional que quer ter um genuíno preparo em marketing. PORTER, Michael. Estratégia competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 2005. FIGURA 31 – Capa do livro Fonte: http://statics.livrariacultura.net.br/products/capas_lg/617/808617.jpg • Um bom paradigma sobre o marketing – Quais são os agentes que atuam no sistema de marketing do mercado, como atuam, como se dão as interações entre eles, que instrumentos de marketing afetam o consumo, como funcionam a propaganda, a publicidade, as promoções. Quem tem formação específica já forma naturalmente essa visão, mas quem não a tem pode buscar um bom livro texto de marketing entre os disponíveis no mercado. A leitura de um livro texto (que traz um quadro geral sobre o assunto de modo organizado) tem valor inestimável. A pessoa que adquire informação de modo desagregado e disperso frequentemente fica com lacunas de saber que podem pesar negativamente em algumas circunstâncias. O livro texto dá uma base a partir da qual as novas informações se encaixam de modo ordenado e no contexto certo. • O acompanhamento das tendências do mercado em geral específico – Como os consumidores estão se comportando com relação às compras pela internet? Isso é uma tendência geral, que afeta todos ou a maioria dos segmentos de negócios. E como os leitores de livros técnicos vêm se comportando com relação aos e-books? Essa é uma tendência específica, do segmento do Pág. 50 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor livro. Conhecer as tendências gerais e específicas é fundamental para a capacidade de fazer boas perguntas, de compreender e interpretar eventos do mercado. SAIBA MAIS Cinco boas maneiras de acompanhar as tendências FIGURA 32 – Lista Fonte: Venino/ shutterstock.com Com um pouquinho de organização e disciplina, a pessoa pode manter-se informada sobre as tendências de negócios, produtos e mercados sem grandes dificuldades. Hoje, com o recurso da internet, pode-se fazer acompanhamento com extremo foco, o que permite amplo ganho de tempo. Seguem cinco sugestões: 1. Ler bons jornais, revistas e sites de negócios e empresas – na internet, há grátis. 2. Criar um “jornal diário próprio” com um browser de RSS – (feedly.com, por exemplo). 3. Frequentar os sites de empresas de pesquisa e vasculhar relatórios na área destinada à imprensa ou a press releases. 4. Ler livros específicos do assunto. 5. Buscar, no Youtube, palestras e entrevistas especializadas sobre o assunto pretendido. Exemplos de informações de sites de pesquisa: • Os clientes de shopping envelheceram, passam mais tempo no local e são mais qualificados – Ibope Inteligência. • Sete em cada dez latinos gostam de fazer compras de alimentos – Nielsen (Insights). Pág. 51 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Dos entrevistados, 74% afirmam que já “deram um jeitinho” em algum momento, e outros 62% disseram que usaram o expediente no último ano. Sete em cada dez entrevistados já pediram para alguém “dar um jeitinho” – Ipsos. • Dos brasileiros, 33% evitam ir a lugares que tenham fila, e 22% declaram ter interesse em produtos ou serviços que os ajudem a economizar tempo – Mintel (Imprensa). Links relevantes: Ibope - http://www.ibopeinteligencia.com/. Ipsos - http://www.ipsos.com.br/. Nielsen - http://www.nielsen.com/br/pt.html. Abep - http://www.abep.org/blog/tendencias-de-mercado/. • Um bom modelo de consumidor – O aprofundamento da leitura sobre o comportamento do consumidor dará ao profissional uma visão mais adequada sobre como as pessoas pensam, sentem e agem na situação de consumo. Além dessa leitura, a experiência geral em marketing e específica em determinado segmento de mercado ajuda sobremaneira a enriquecer essa visão do consumidor. FIGURA 33 – Consumidor Fonte: Sky Pics Studio/ shutterstock.com Pág. 52 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS A bíblia do comportamento do consumidor A obra Comportamento do consumidor, de James F. Engel, Roger D. Blacwell e Paul W. Miniard, é uma espécie de “bíblia” do tema. As primeiras ideias sobre o campo de comportamento do consumidor, então em rápida consolidação, vieram em 1965. As ideias foram amadurecendo, principalmente à medida que os autores conduziam seminários sobre o assunto, e concretizaram-se no livro em 1968. De lá para cá, ele vem sendo atualizado e refinado com a contribuição de muitos especialistas e é referência mundial na área. A obra aparentemente se acha fora de catálogo no mundo e no Brasil, mas as últimas edições (nona no Brasil) podem ser facilmente encontradas em sebo. Vale a pena comprar porque é um tratamento completo e aprofundado de todos os aspectos relevantes do comportamento do consumidor e permite a formação de um modelo muito adequado não só de consumidor, mas também de ser humano em termos mais abrangentes, porque discute questões referentes a tudo que nos influencia. ENGEL, James F.; BLACKWELL, Roger D.; MINIARD, Paul W. Comportamento do consumidor. 9ª ed. São Paulo: Thomson Pioneira, 2004. FIGURA 34 – Capa do livro Fonte: http://d19qz1cqidnnhq.cloudfront.net/imagens/capas/_17cbc5497134d62b8974c7661ce83e1ad799fd90.jpg • Domínio de conceitos relevantes para a pesquisa – Há alguns conceitos relevantes no que diz respeito às operações mentais naturais e à pesquisa. Mais que um vocabulário técnico puro e simples, esses conceitos estabelecem relações entre elementos, possibilitando um maior entendimento dos fenômenos. Entre eles, podemos citar: hipótese, teoria, relação causal, correlação, probabilidade. Pág. 53 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Alfabetização científica A pesquisa é uma atividade que, quando executada adequadamente, é científica. O especialista em marketing não precisa se colocar como cientista mas tem, como profissional intelectual, de ter uma compreensão do que separa o conhecimento válido do achismo e do palpite. O cientista Neil deGrasse Tyson fala da importância de as pessoas terem alfabetização científica em um vídeo inspirador: https://www.youtube.com/watch?v=61aLLEgqd6U. FIGURA 35 – Alfabetização científica Fonte: Sky Pics Studio/ shutterstock.com TIPOS DE PESQUISA QUALITATIVA E SUA APLICAÇÃO EM MARKETING Há diferentes modelos ou tipos de pesquisa qualitativa com potencial para aplicação na área de marketing. Vamos discutir alguns deles, ressaltando que o apresentado a seguir não esgota o assunto, pois a atividade está sempre aberta à criatividade e à invenção de novas alternativas. À medida que se apresentam os tipos de pesquisa, já se faz menção a aplicações. FIGURA 36 – Pesquisa Fonte: Jannoon028/ shutterstock.com Pág. 54 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Pesquisa exploratória A pesquisa exploratória, como o nome diz, é uma exploração inicial do problema para melhor compreensão. Pode dar base a pesquisas mais aprofundadas ou mostrar-se suficiente para os propósitos decisórios momentâneos do pesquisador. Observa Malhotra (2005) que pode ser usada: • na definição ou formulação mais precisa de um problema; • na identificação de cursos de ação; • no desenvolvimento de hipóteses; • na identificação de variáveis e no estabelecimento de relações entre elas para estudo posterior; • com vistas a uma percepção mais adequada de uma situação ou problema; • na definição de prioridades para pesquisa adicional. Com dados secundários Imaginemos que uma empresa deseja lançar um produto alimentício no mercado, uma bala. Se os riscos forem pequenos, por exemplo, se ela tiver capacidade ociosa em sua fábrica e os custos de lançamento forem baixos, pode simplesmente lançar o produto e retirá-lo do mercado caso não tenha vendas suficientes. Mas, mesmo nesse caso, é conveniente ter uma informação inicial sobre o mercado de balas. Essa informação poderá ser obtida por meio de publicações já existentes, produzidas por outros. Isto é, a empresa poderá fazer uma pesquisa exploratória com dados secundários. O grau de estruturação dessa pesquisa poderá ser maior ou menor, assim como o nível de profundidade. O que se vai fazer é estabelecer um roteiro das informações a ser captadas e sair à busca delas. Um exemplo de roteiro: Estudo exploratório sobre o mercado de balas • Mercado de balas no mundo e no Brasil. • Situação atual. • Tendências. • Principais concorrentes e seus portfólios de produtos. • Consumidores: perfil sociográfico e psicográfico. Pág. 55 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Lacunas de mercado. • Condições de sucesso no segmento. • Conclusões e recomendações. Com esse roteiro em mãos, buscam-se as fontes prováveis da informação. Por exemplo: • Abicab – Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados - Esse site é um bom começo. Nele, há uma divisão exclusiva para balas, divididas em categorias: goma, recheadas, caramelos, duras, mastigáveis. Há também notícias sobre os fabricantes atuais e seus lançamentos. Há ainda um setor de pesquisas e estatísticas, que apresenta os números anuais de produção, com divisões lógicas – e muito mais. Só aí já se obtém uma panorâmica mais que abrangente sobre esse segmento no país. Além disso, há um calendário de eventos: estes são um excelente modo de captar muita informação de valor de modo rápido e com foco certo. FIGURA 37 – Logotipo Fonte: http://www.exportnews.com.br/wp-content/uploads/ABICAB4.jpg. • Empresas produtoras – Os sites dos principais fabricantes dentro da categoria em que se pretende lançar o produto serão igualmente excelentes fontes de informação. Ali se encontrarão dados sobre sucessos, tipos de produtos, destaques, clientes etc. Informação aberta, pública, acessível. • Distribuidores – Com uma busca simples no Google, surgem os sites de distribuidores, e fica relativamente fácil saber quem é quem na distribuição de balas. Uma pesquisa no site dos distribuidores também trará muita informação adequada. • Consumidores – Entra-se no Google com a expressão “consumidores de balas”, e um sem número de documentos úteis aparecem. Por exemplo: Sabor de balas influencia mais na hora da compra Pág. 56 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Pesquisa de múltipla escolha feita pela Mintel, empresa global de inteligência de mídia, mostra que mais da metade dos consumidores de balas escolhe o produto pelo sabor preferido Esse comportamento é maior entre os jovens com menos de 24 anos. Segundo analistas da Mintel, trata-se de um fato raro, já que o público dessa faixa etária normalmente procura inovações. A dica para a indústria é lançar produtos com sabores sortidos (novos e tradicionais) na mesma embalagem. Para o varejista, a Mintel sugere ter essas novidades nas gôndolas. O estudo ainda revela que os pais de crianças entre 3 e 7 anos (38%) tendem a ouvir mais seus filhos na hora da compra de balas, ou seja, sempre colocam no carrinho os produtos preferidos da garotada (Fonte: http://www.sm.com.br/detalhe/megamercado/sabor-de-balas-influenciamais-na-hora-da-compra, acesso em: 26.ago.2016). Enfim, uma pessoa com uma formação adequada e com a visão necessária rapidamente poderá montar um relatório inicial de valor. Essas informações, somadas às outras que a empresa já tenha e às relativas a sistemas de produção, finanças, marketing, poderão amparar bem a decisão de lançar o novo produto. Com dados primários Dados primários são obtidos pelo pesquisador em contato direto com as pessoas ou situações pesquisadas. Podem advir da observação, de um questionário, de uma entrevista. A pesquisa com dados primários focaliza com maior precisão aquilo que se almeja responder. Suponha que uma academia queira se certificar de que sua clientela vai se manter efetivamente satisfeita com os serviços. Então, pretende verificar eventuais itens de insatisfação para tomar medidas preventivas ou corretivas quanto a eles. Pode então fazer uma pesquisa exploratória com dados primários, ou seja, aqueles obtidos pelo pesquisador em contato direto com os usuários da academia. Após analisar a situação, decide-se fazer entrevistas por e-mail com um grupo variado de clientes. Por meio delas, acredita-se que se obterá bem mais que aquilo que se obteria por questionários, já que é possível estimular o cliente. Pode-se, então, elaborar apenas duas perguntas básicas, para não tomar muito o tempo do cliente (ele tem de ser informado de que a entrevista será curta), a partir das quais outras virão. Sugestão de roteiro: Pág. 57 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Perguntas básicas Perguntas derivadas Qual é seu grau de satisfação com a academia, numa escala de 0 a 10? Se o cliente deu 10: Há algo a ser mudado ou implantado que tornaria tudo ainda melhor? Se o cliente deu menos que 10: O que falta para completar a nota máxima? Você indicaria a academia a pessoas conhecidas? Sim/Em alguns casos/Não No caso de “não” e “alguns casos”: Por que não (ou não em alguns casos) recomendaria? A partir das primeiras entrevistas, com uma análise do material recolhido, outras abordagens e perguntas poderiam advir para uma avaliação mais adequada da situação. FIGURA 38 – Dados Fonte: Ra2Studio/ shutterstock.com Pág. 58 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Pesquisas descritivas FIGURA 39 – Pesquisa Fonte: GST/ shutterstock.com Com grau de profundidade maior que os dos estudos exploratórios, a pesquisa descritiva visa circunscrever um fenômeno, as variáveis que o afetam, as proporções de uma população afetada por ele e as relações de causa e efeito entre as variáveis. Espera-se que seja um estudo conclusivo, orientado a partir de um conhecimento adequado do pesquisador sobre o problema – o que, segundo Malhotra (2005), é uma das principais diferenças entre o estudo descritivo e o exploratório. Ele pode ser usado (no caso do marketing) para: • estabelecer o perfil de um mercado-alvo; • estimar consumo e estabelecer previsão de vendas; • estabelecer relacionamento entre uso do produto e percepção de suas características; • determinar o grau de associação entre variáveis de marketing. No caso do estudo sobre balas, os esforços poderiam ater-se às pesquisas mais simples e gerar uma decisão (em caso de risco baixo). Porém, imaginando-se que fosse haver um investimento significativo, após obtenção do relatório exploratório, a empresa poderia buscar uma pesquisa com maior capacidade de predição e estabelecimento de premissas para a ação de marketing. Seria uma pesquisa descritiva. Foram levantadas hipóteses no estudo exploratório: a) há mercado para a bala que a empresa pretende lançar; b) o novo produto encontrará receptividade entre distribuidores e clientes; c) o produto provavelmente venderá o volume esperado. A pesquisa descritiva – que tem de ser conclusiva – vai testar essas hipóteses e chegar a afirmações mais precisas e sustentáveis sobre tudo isso. Pág. 59 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Será necessário recorrer a mais que os dados secundários, então. A aplicação de questionários e entrevistas, a definição de amostragens mais confiáveis, o nível de aprofundamento nas investigações, tudo isso fará do novo estudo algo muito mais capaz de orientar a decisão, com maior grau de acerto nos resultados. Pesquisa causal FIGURA 40 – Pesquisa Fonte: Light Spring/ shutterstock.com É aquela em que se buscam evidências em relações de causa e efeito. Isso se faz por isolamento das variáveis a ser testadas e pela experimentação, no campo ou em laboratório, mecanismo capaz de estabelecer essas relações. A pesquisa causal é necessária porque eventualmente a única maneira de saber se uma decisão vai trazer os resultados pretendidos é o teste. Digamos, no caso da bala: • Realizou-se um estudo exploratório, e este indicou potencial para lançamento. • Caso o risco envolvido fosse significativo, realizou-se um estudo descritivo, que confirmou a boa probabilidade de obtenção dos resultados esperados. • Em seguida, o teste mostrará definitivamente se essa probabilidade se confirma. Exemplos de estudos causais que poderão ser feitos: • Teste do conceito da bala - Ela é testada com consumidores potenciais reais em circunstância de laboratório. Quer dizer: a bala é oferecida aos consumidores, e haverá avaliação do nível de aceitação. Pág. 60 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Teste de mercado – A bala é lançada em um mercado restrito e, a partir dos resultados obtidos, fazem-se projeções de desempenho de vendas no mercado nacional. Outras variações Essa classificação dos tipos de pesquisa presta-se mais a finalidade didática. Muitas vezes, na vida real, eles misturam-se ou complementam-se. O que importa é reter a ideia de que há diferentes graus de aprofundamento e de capacidade de respostas nas pesquisas, principalmente em função dos investimentos e dos níveis de exigências buscados. Também é possível estabelecer uma tipologia da pesquisa a partir das ferramentas ou técnicas usadas (questionários, entrevistas, testes), da mídia usada (entrevistas pessoais face a face, enquete por telefone, questionário com coleta de dados pela internet) etc. FIGURA 41 – Pesquisa Fonte: Christos Georghiou/ shutterstock.com A ETNOGRAFIA COMO ESTUDO DO COMPORTAMENTO HUMANO EM SEU CONTEXTO MAIS NATURAL E TÍPICO Introdução O emprego de técnicas qualitativas de pesquisa em marketing recorre a métodos desenvolvidos no campo das ciências humanas e sociais, como psicologia, sociologia e antropologia. Nos últimos anos, um método oriundo da antropologia e que foi incorporado e desenvolvido também na área da sociologia ganhou relevância no contexto empresarial: a etnografia. Pág. 61 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Surgido no início do século XX, no trabalho do antropólogo polonês Bronisław Kasper Malinowski, o método etnográfico revelou-se ferramenta adequada para um melhor entendimento da cultura de grupos. Ainda no início do século, foi incorporada também na sociologia, com aplicação ao maior conhecimento da realidade urbana, sustentando-se desde então como método adequado para diferentes aplicações nas ciências sociais. Na área do marketing, chegou com relevância apenas nas últimas décadas, conforme observam Ikeda et al. (2006, p. 79): Foi no final dos anos 60 que pesquisadores sugeriram a utilização do método etnográfico para o estudo do comportamento do consumidor. No entanto, somente em 1988 é que Belket al. publicou um estudo etnográfico piloto para um projeto subsequente. Esse estudo piloto serviu como aprendizado do uso do método etnográfico para a compreensão do comportamento do consumidor. Durante quatro dias, os autores analisaram o comportamento de compradores e vendedores em um Mercado de Pulgas norte-americano (mercado ao ar livre que vende objetos usados). O estudo etnográfico subsequente, “A Odisséia do Comportamento do Consumidor” (BELK, 1987), utilizou entrevistas em profundidade, audiotapes e videotapes, bem como a observação participante, para entender o comportamento de consumidor da costa dos Estados Unidos, em diversas situações de consumo. Vale ressaltar que o estudo piloto foi executado antes da “A Odisséia do Comportamento do Consumidor”, no entanto, só foi publicado no ano seguinte. FIGURA 42 – Antropólogo Bronisław Kasper Malinowski Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bronislawmalinowski.jpg Pág. 62 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Como se vê, o tema ganhou vida na área da pesquisa de marketing somente a partir da década de 1990. O que é FIGURA 43 – Etnografia Fonte: Bakhatiar Zein/ shutterstock.com O vocábulo etnografia reúne duas palavras gregas, etno (nação, povo) e grafia (escrita), sendo, pois, um método que visa ao entendimento de grupos ou culturas. Uma de suas propostas básicas é a inserção do pesquisador no contexto de uma cultura para um melhor entendimento desta, a chamada observação participante. O pesquisador procura, tanto quanto possível, tornar-se um membro do grupo estudado para compreender melhor os valores, sentimentos e comportamentos reinantes nele. Parte-se do pressuposto de que, sem essa inserção, algumas questões explicativas da conduta podem ser muito sutis e difíceis de ser compreendidas. A inserção pode dar-se por períodos prolongados – anos ou até décadas. No contexto do marketing, a etnografia aplica os princípios oriundos da antropologia, mas com finalidades práticas, não devendo ser confundida com a chamada antropologia do consumo: O Marketing etnográfico é a aplicação, no marketing, de princípios teóricos e metodológicos oriundos da antropologia. Nesse sentido, ele não aspira a nenhum nível de teorização, ao contrario da antropologia do consumo. Esta trabalha na elaboração de teorias do significado, que podem ou nãoser exclusivamente aplicadas ao consumo; trabalha com a natureza da sociedade que denominamos de consumo; com as distinções entre cultura e sociedade de consumo, com teorias sobre o Pág. 63 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor consumo,entre outros aspectos, que, embora tenham impacto na compreensão do consumo, necessariamente não são do interesse do marketing (BARBOSA, 2003, p. 102). Ele surgiu, conforme observa a pesquisadora, como reflexo do interesse em dados quantitativos, em decorrência da percepção dos limites das abordagens economicistas e como resposta às dificuldades de compreensão do consumidor em um mundo a cada dia mais complexo e interrelacionado. Possivelmente, as complexas e rápidas mudanças acarretadas no comportamento do consumidor com a expansão da internet tiveram peso significativo no aumento do interesse pela proposta da etnografia também. A ideia central é buscar uma compreensão mais qualitativa, particularizada e aprofundada do consumidor. Em síntese, poderíamos dizer que etnografia: • É um método de estudo com observação participante como meio de chegar a um maior entendimento do comportamento de um grupo. • Proveniente da antropologia, foi adotada pela pesquisa de marketing nas últimas décadas, provavelmente porque se percebeu que as abordagens quantitativas economicistas tradicionais não estavam dando as respostas adequadas ao entendimento de um consumidor em transformação, situado num ambiente complexo e mutante. Aplicações em ciências sociais A etnografia foi aplicada inicialmente em regiões mais remotas, na busca do entendimento de culturas isoladas e distantes da nossa. Após a fase inicial, o método ganhou dimensão na busca do entendimento da realidade urbana e, nesse foco, ultimamente passou a receber maior atenção. Possivelmente, isso ocorreu porque as demais ferramentas qualitativas estavam mostrando limitações a um entendimento maior dos comportamentos face às profundas e rápidas transformações da sociedade e da massificação, que acarreta perda de atenção às pessoas reais. Um exemplo destacado: o psicólogo Fernando Braga da Costa, mestre e doutor em Psicologia Social, realizou estudo etnográfico tornando-se varredor para entender o universo dessa população. Documentou a realidade da “invisibilidade social”, as pessoas que não são percebidas pelos outros, em reflexo da cegueira psicossocial. Escreveu o livro Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. Pág. 64 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Algumas aplicações Os vídeos a seguir retratam exemplos de aplicação da etnografia na busca do entendimento mais profundo do modo de sentir, pensar e agir das pessoas, por captar aquilo que tende a não aparecer em outros métodos qualitativos. Vídeo com reportagem sobre o pesquisador Fernando Braga da Costa: https://www.youtube.com/watch?v=YfxURcfSPRw Vídeo do antropólogo Eduardo Benzatti discutindo um tema da atualidade, a mudança dos papéis masculino e feminino na sociedade: https://www.youtube.com/watch?v=yYWQG0FsH1Y Se tiver interesse em conhecer mais o assunto, o livro a seguir também é uma boa pedida: FIGURA 44 – Capa do livro Fonte: http://www.casasbahia-imagens.com.br/livros/PsicologiaPsicanalise/LivrodePsicologia/93027/6851880/ Homens-Invisiveis-Relatos-de-Uma-Humilhacao-Social-Fernando-Braga-da-Costa-93027.jpg COSTA, Fernando Braga da. Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. Rio de Janeiro: Globo, 2004. Pág. 65 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 45 - Antropóloga Lívia Barbosa Fonte: http://s.glbimg.com/og/rg/f/original/2011/10/05/3.jpg Observa a antropóloga Lívia Barbosa (2003, p. 102): A realidade social tem uma natureza dupla. Uma delas é composta pelo mundo material que nos rodeia e a outra pelos instrumentos simbólicos por meio dos quais os seres humanos atribuem sentido nesse mundo material. Pessoas, objetos, relações e acontecimentos fazem parte da vida cotidiana e da “realidade” apenas quando estão inseridos em um sistema de valores e significados. Ou seja, quando estão inseridos em um determinado universo cultural, que lhes reconhece a existência e lhes atribui um peso e um valor. Caso contrário, eles podem existir objetivamente, fazerem parte da realidade empírica, mas não da social. Os valores e significados não são determinados pelas propriedades físicas e biológicas de pessoas, objetos, produtos e /ou fatos, mas lhes são atribuídos pelo sistema classificatório e pelas estruturas simbólicas da mente humana. Como muito bem expressou Levi-Strauss, a natureza pode oferecer sugestão e o meio ambiente alguns limites, mas a lógica simbólica é arbitrária. Os antropólogos fazem trabalho de campo porque tal metodologia lhes ajuda a perceber e mapear diferentes princípios,lógicas e significados por meio dos quais as pessoas atribuem sentido e organizam a “realidade” em que vivem.Por exemplo, ao observar as práticas de lavagem de roupa de um grupo de mulheres, os hábitos alimentares de outro e, ainda, o processo de socialização infantil de um terceiro, é possível encontrar os caminhos que nos levam a esses sistemas classificatórios e a estruturas cognitivas. Pág. 66 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Em geral, o método etnográfico: • Envolve observação participante, em diferentes graus. • Estuda as pessoas em situações reais de vida, com ênfase em poucos casos, às vezes um único sujeito – com busca de riqueza de detalhes. • Trabalha com dados primários, obtidos diretamente na fonte, com uma visão já adequada do pesquisador, que tem capacidade para buscar compreendê-los em profundidade. • Usam-se diferentes métodos de captação de informações: entrevistas, observação, fotografia, vídeo. • Procura entender a partir das manifestações, sem preconcepções ou hipóteses. • As análises buscam interpretação dos sentidos da ação humana e do discurso – dados estatísticos têm papel secundário. • Busca uma visão holística, integrada, da cultura e de seu reflexo no comportamento. • Uma questão privilegiada no método é a forma de relato de resultados obtidos em campo, mais que os próprios métodos de coleta. MÉTODOS DE ETNOGRAFIA EM MARKETING Martin Lindstrom (2016) relata que, no início de 2003, a Lego, tradicional fabricante do famoso brinquedo, estava perdendo vendas aceleradamente, e as previsões não eram nada boas. Uma das explicações para a situação era a entrada dos videogames no mercado, que haviam sido considerados modismos sem futuro pelos dirigentes da empresa. O autor, um destacado pesquisador da área do marketing, começou a trabalhar com a empresa em 2004 para desenvolver uma estratégia global da marca. Os estudos anteriormente realizados encomendados pela Lego mostravam que as novas gerações não teriam interesse no tradicional brinquedo, aparentemente nada compatível com o dinamismo da Era Digital. Tudo indicava que os “filhos da era digital”, apressados e imediatistas, perderiam sua capacidade de fantasiar e usar a criatividade. Então, o consultor fez uma visita etnográfica com colegas à casa de um menino alemão de 11 anos para descobrir o que poderia fazer a Lego voltar aos bons tempos. A consequência: Naquele dia, os executivos descobriram que tudo o que imaginavam saber ou tinham ouvido falar sobre as crianças do fim do século XX e início do século XXI, e também sobre os seus novos hábitos digitais (inclusive sua necessidade de comprimir o tempo e alcançar resultados instantaneamente, estava errado (LINDSTROM, 2016, p. 8). Pág. 67 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor O garoto tinha duas grandes paixões: Lego e skate. Quando consultado sobre seus objetos de maior valor, mostrou orgulhoso o tênis que, pela conformação de uso, mostrava por que ele era um dos melhores skatistas da cidade. Este foi o insight, a grande descoberta que indicou que a companhia estava indo no sentido errado. Em vez de tornar os brinquedos Lego mais fáceis para acomodar inquietude, falta de criatividade e pressa dos usuários, eles deviam ser preparados para oferecer real desafio e reais vitórias a eles. FIGURA 46 – Lego Fonte: Ismagination/ shutterstock.com Eis aí um uso da metodologia etnográfica aplicada ao marketing por parte de um dos expoentes da área. O consultor é um praticante entusiasta do método e, com o seu emprego, tornou-se destacado consultor que ajudou grandes empresas a resolverem problemas. A grande mágica dá-se com a busca da informação mais encoberta diretamente na fonte, o que leva à separação entre aquilo que se pensa saber e aquilo que é fato. Dois dos livros publicados pelo autor trazem uma profusão de relatos dessas experiências de descoberta e decisão acertada em marketing. Pág. 68 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Os livros de Martin Lindstrom são uma boa e atual leitura para quem deseja se aprofundar no método etnográfico em marketing. Quatro estão traduzidos e à venda no Brasil: • Small data: como poucas pistas indicam grandes tendências. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2016. • Brandwashed: o lado oculto do marketing. Barueri: HSM, 2013. • Brandsense: segredos sensoriais por trás das coisas que compramos. Rio de Janeiro: Bookman, 2011. • A lógica do consumo. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2009. Os interessados podem também acompanhar o site do autor: https://www.martinlindstrom.com/ FIGURA 47 – Capa do livro Fonte: http://www.extra-imagens.com.br/livros/EconomiaGlobalizacao/ livroseconomiaeglobalizacao/7620427/358366564/Livro-Small-Data-como-PoucasPistas-Indicam-Grandes-Tendencias-Martin-Lindstrom-7620427.jpg. Adaptações necessárias A etnografia aplicada ao marketing tem significativas diferenças em relação aos estudos etnográficos no campo da antropologia, da sociologia ou da psicologia (PEREIRA, 2008). Como vimos pelo relato de Lindstrom, há uma simplificação necessária, pois os propósitos são bastante diferenciados. Enquanto os estudos etnográficos acadêmicos ou nas ciências humanas e sociais envolvem pesada carga de teorização, demorados levantamentos de campo, alto rigor nos procedimentos de coleta, análise e interpretação dos dados, no marketing, as finalidades são Pág. 69 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor estritamente gerenciais e decisoriais, dispensando grandes aparatos e justificando a aplicação de alternativas de estudo breves e pontuais. Isso inclui até mesmo atividades como observação de uso de produto em situação de tempo mais resumida, acompanhamento de compras, atuação de cliente oculto e envolvimento de pesquisador em atividades de marketing (vendas, por exemplo, ou relacionamento com clientes) para busca de melhor compreensão e sugestão de cursos de ação. Isso não é demérito para o emprego do método em marketing. Nesse campo, ele é usado apenas em suas ideias centrais e sem os propósitos de generalização que seriam esperados das ciências. SAIBA MAIS O vídeo a seguir dá uma visão rápida da aplicação da pesquisa etnográfica em marketing por parte de uma empresa prestadora de serviços na área. Quem desejar fazer um estudo mais aprofundado da etnografia e – principalmente – de sua relação com outras alternativas da pesquisa qualitativa pode buscar a dissertação de mestrado indicada na sequência. Vídeo Entrevista com Marcelo Novaes, diretor de novos negócios da Praxian: https://www.youtube.com/watch?v=2dsrCktIYCc Dissertação PEREIRA, Beatriz de Castro Sebastião. Pesquisa etnográfica em marketing. 2008. Dissertação de mestrado, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo. Link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-03092008-115700/pt-br.php. Por que compramos Um livro relevante na área do método etnográfico aplicado ao marketing é Why we buy: the science of shopping (no Brasil, Vamos às compras: a ciência do consumo nos mercados globais), de Paco Underhill, publicado em 1999. O autor, fundador da Envirosell, empresa especializada na área, apresenta resultados das pesquisas que a organização fez sobre o comportamento do consumidor em lojas. Alguns achados: • Os compradores gastam 17 minutos observando estandes na loja de brinquedos, enquanto os não compradores gastam 10. Pág. 70 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Apenas 72% dos homens leem preços nas etiquetas dos itens, enquanto 86% das mulheres o fazem. Para um homem, ignorar a etiqueta de preço é medida de virilidade. • Quando um homem acompanha uma mulher nas compras, o tempo que ela gasta reduz-se pela metade em relação ao que ela gastaria se estivesse acompanhada de outra mulher. • A mulher mostra prazer e orgulho na experiência de compra, diferentemente do homem, que, em geral, só quer entrar e sair, a não ser que ele esteja procurando por produtos tipicamente masculinos, como ferramentas, aparelhos de som e computadores. • Coisas que os clientes odeiam: fila, agachar-se para ver ou pegar produtos, má exposição, etiqueta ilegível. FIGURA 48 – Capa do livro Fonte: http://img.travessa.com.br/livro/BA/14/140f28e2-05e1-49c7-bbe4-b4de6362b057.jpg. O toque bem-humorado e o tratamento direto de questões da prática das compras tornaram o livro um best-seller que contribuiu para ampliação do interesse no método etnográfico em marketing. Usos potenciais do método etnográfico Com um razoável conhecimento de marketing, não é difícil descobrir potencial para utilização do método etnográfico e melhorar os resultados com seu apoio. Por exemplo: • Para desenvolvimento de uma nova embalagem para um produto alimentício, que tal ir à casa de um consumidor ou consumidora típico para ver como o alimento é guardado? • Para avaliação dos serviços de transporte terrestre de passageiros, que tal fazer uma viagem de ônibus de São Paulo a Salvador? Pág. 71 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Para melhorar as condições de acesso do cliente com dificuldade de locomoção, que tal acompanhá-lo na visita à loja? • Para criar uma estratégia de marketing que visa atração de pessoas da terceira idade, que tal oferecer um jantar a um grupo de velhos amigos e passar a tarde com eles? FIGURA 49 – Conversa Fonte: M. Business Images/ shutterstock.com No Brasil Já em 2001, mencionava-se a utilização de pesquisa etnográfica por empresas brasileiras (PEIXOTO, 2001), mas uma busca pela internet hoje revela pouco sobre quem faz esse tipo de pesquisa para terceiros, que empresas estão recorrendo a ela, quais sãos os especialistas nacionais ou as referências. Isso ocorre, provavelmente, por uma razão bem simples: o método etnográfico deixou de ser uma novidade em marketing e foi incorporado ao arsenal de métodos de pesquisa qualitativa praticado. Como tal, é uma opção a qualquer momento para todos. O que surge, sim, são novidades dentro da categoria, como é o caso da etnografia digital, surgida para e no ambiente de internet, com metodologia criada pela Multifocus (veja http://www.multifocus.com.br/etnografiadigital.php). É sensato dizer que a pesquisa etnográfica, com sua versão para o marketing, está definitivamente incorporada como mais uma ferramenta para um conhecimento aprofundado do consumidor, uma opção a mais para o profissional da área. Pág. 72 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor A NEUROCIÊNCIA E SUA APLICAÇÃO POTENCIAL NA ÁREA DO MARKETING Introdução FIGURA 50 – Neurociência Fonte: Aeyaey/ shuterstock.com Você acredita em propaganda subliminar? Isto é, aquela propaganda por meio da qual alguém manda mensagens sem que você as perceba? Subliminar é isso: abaixo do limiar, limite de captação pelos dos sentidos. Essa ideia antiga e popular, bem ao gosto das teorias conspiratórias de todos os tipos, foi criada pelo publicitário James Vicary quando fundou uma agência de propaganda chamada Subliminal Projection Company. A ideia logo conquistou as imaginações e ganhou alta projeção, principalmente devido à capacidade de Vicary para criar factoides. Ele alardeou que havia incluído mensagens imperceptíveis em filmes, orientando as pessoas a beber Coca Cola e a comer pipoca, e que houve um incremento das vendas desses itens no cinema, em New Jersey. Deu até os números: 57,7 % nas vendas de pipoca e 18,1 % nas de Coca-Cola. Alguns anos depois, em 1957, veio o livro Hidden persuaders (Persuasores ocultos), do jornalista Vance Packard, que falava da propaganda subliminar e do uso de pesquisas motivacionais, então em seu processo de consolidação, na publicidade. O tema ganhou proporções significativamente maiores, e não tardaram a aparecer alarmistas de todo tipo, alertando para o risco de manipulação de Pág. 73 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor comportamento humano por parte de empresas e, potencialmente, de governos mal-intencionados. Naturalmente, vieram leis proibindo a propaganda subliminar nos Estados Unidos, e o tema desde então nunca desapareceu por completo, sempre alimentado pelos que veem o risco da manipulação em tudo. O problema é que, até certo ponto, os alarmistas têm razão. Observações lógicas de senso comum indicam (BROWN, 1976): • O conhecimento mais aprofundado da mecânica do cérebro e a aplicação desses conhecimentos como instrumento de controle do comportamento é um perigo potencial sempre. • Enviar mensagens subliminares às pessoas é, de fato, possível – e é isso que a propaganda faz. Ao mesmo tempo em que está recebendo a mensagem básica, a pessoa recebe uma série de estímulos de diferentes naturezas que contribuem decisivamente para que ela fique mais propensa a aceitar as propostas. Muitas vezes, ela “percebe” esses estímulos sem se dar conta de sua importância na influência, e outras vezes ela nem mesmo os percebe. Isso pode incluir música, personagens, ambientes, histórias etc. • Empresas – mas não só elas: também governos, igrejas e outras instituições – têm buscado ajuda da ciência há muito tempo para influenciar o comportamento das pessoas ou até controlá-lo. Até que ponto se pode controlar o comportamento humano ou não é outra questão. Em algum grau, é sensato dizer que ele já é controlado, como vimos, por todos os processos de influência que operam na sociedade, mas é um controle parcial e, provavelmente, consentido, até onde se sabe. Sem dúvida, pode-se dizer que a mídia exerce significativa influência e a propaganda, também. Também temos acompanhado processos de persuasão coletivos que transformam em seguidores fanáticos imensos grupos de pessoas, que se tornam avessas a quaisquer evidências de que seus melhores interesses estão sendo substituídos por doutrinação oriunda de programas manipulativos. Possivelmente – e aí há um bom conteúdo de wishful thinking (pensamento carregado de desejo) –, o conhecimento tenderá a prevalecer e, ainda que desvios ocasionais ocorram, continua valendo a ideia de que se pode enganar algumas pessoas durante algum tempo, mas não todas as pessoas durante todo o tempo. Mais cedo ou mais tarde, a racionalidade prevalecerá. Há um livro clássico que mostra uma boa parte do que já se fez – e o que se pode fazer sobre isso. Pág. 74 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Duas leituras esclarecedoras: Bíblia da persuasão O livro Técnicas de persuasão, do psiquiatra inglês James A. C. Brown, é um clássico. Faz uma relação analítica e crítica de todas as formas principais de busca de influência em massa: propaganda política, persuasão religiosa, lavagem cerebral. Com nível de profundidade e pertinência elevado, é claro, instrutivo e esclarecedor. Leitura indicada, mas o interessado só vai achar a obra em sebo. BROWN, James A. C. Técnicas de persuasão. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. FIGURA 51 – Capa do livro Fonte: https://www.traca.com.br/capas/850/850713.jpg Pág. 75 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS História da comunicação O livro de Vance Packard foi publicado no Brasil com o título Nova técnica de convencer. A última edição é de 1980 e só pode ser conseguida em sebos. A leitura vale pela questão histórica para pessoas mais interessadas em comunicação e propaganda. PACKARD, Vance. Nova técnica de convencer. São Paulo: Ibrasa, 1980. FIGURA 52 – Capa do livro Fonte: http://mlb-s2-p.mlstatic.com/livro-a-nova-tecnica-de-convencervance-packard-897901-MLB20447747078_102015-O.jpg Neuromarketing – um novo foco de preocupação FIGURA 53 – Neuromarketing Fonte: George Jmc little/ shutterstock.com Pág. 76 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor A bola da vez no controvertido mundo das ideias de persuasão é o neuromarketing, ou marketing orientado pelas pesquisas das neurociências. Essa ideia, eventualmente defendida com entusiasmo por profissionais de marketing e atacada com veemência por cientistas da área das neurociências, tem ressonância em duas vertentes bastante distintas: • o mundo da prática do marketing; • o mundo da pesquisa acadêmica ou científica. No primeiro caso, as preocupações são estritamente gerenciais e operacionais, e os propósitos, pelo menos os que aparecem na maioria das vezes, são bastante prosaicos e nada ameaçadores. Por exemplo: usa-se um recurso de pesquisa de eye tracking, acompanhamento da movimentação dos olhos, e outros recursos tecnológicos de aferição de percepção para dizer qual anúncio, entre dois oferecidos ao observador, tem maior probabilidade de trazer as respostas esperadas. Aí, as eventuais dúvidas acerca da validade dessa alternativa, quando muito, estabelecem-se com foco na eficácia do neuromarketing: será que ele de fato tem valor? Será que ofereceria vantagens comparativamente a outras técnicas da pesquisa qualitativa? De qualquer forma, a ideia vem se consolidando no meio empresarial – grandes usuários e grandes prestadores de serviço na área já incorporaram as práticas de neurociência em seu aparato de apoio às decisões em marketing, principalmente no que diz respeito à comunicação. Do ponto de vista da prática do marketing, o que realmente conta é a obtenção de resultados e não necessariamente a cientificidade de uma proposta. No segundo caso, já existe uma razoável base de informação acadêmica acumulada (SOARES; ALEXANDRE, 2007), principalmente por pesquisadores que são oriundos do marketing ou que se voltaram para ele, mas constata-se que ainda não há uma aceitação pacífica de que esse campo possa se tornar uma ciência autônoma. Até pouco tempo atrás, a ideia era severamente rechaçada no mundo da neurociência, e o neuromarketing recebia dessa comunidade a pecha de pseudociência, enganação que não levaria a nada e prejudicaria a imagem de neurocientistas sérios. Ainda hoje uma parte da comunidade científica sente-se desconfortável com esse direcionamento, mas alguns cientistas de peso já começam a aceitar que a neurociência pode contribuir com o marketing. Há até mesmo emprego de profissionais cientificamente qualificados na área atuando em organizações de pesquisa (DOOLEY, 2015). Pág. 77 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor Suporte necessário ao marketing FIGURA 54 – Marketing Fonte: Ellagrin/ shutterstock.com Como aconteceu com a etnografia, incorporada ao arsenal de pesquisa de marketing nas últimas décadas, o suporte da neurociência veio auxiliar no entendimento do consumidor porque alguns métodos tradicionais já não estavam mais sendo satisfatórios por si sós. Observa Lindstrom (2009, p. 12): Parafraseando canhestramente meu conterrâneo Hamlet, percebi que havia algo de podre no reino da publicidade. Produtos demais estavam tropeçando, patinando ou mal saindo da linha de partida. Os métodos de pesquisa tradicionais não estavam funcionando. Como consultor de branding, isso me incomodava a ponto de se tornar uma obsessão. Eu queria descobrir por que os consumidores eram atraídos por uma certa marca de roupas, um dado modelo de carro, um tipo específico de creme de barbear, xampu ou chocolate. Percebi que a resposta está em alguma parte do cérebro. E eu acreditava que, se conseguisse desvendá-lo, esse enigma poderia não apenas ajudar a moldar o futuro da publicidade, mas também revolucionaria a maneira como todos nós pensamos e nos comportamos como consumidores. [...] Tudo isso constitui o motivo pelo qual, em 2003, me convenci de que havia algo muito errado com os métodos usados pelas empresas para tentar estabelecer contato com os consumidores, nós. As empresas simplesmente pareciam não Pág. 78 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor entendê-los. Não conseguiam encontrar e desenvolver marcas que correspondessem às nossas necessidades. E também não tinham certeza de como se comunicar conosco de maneira que seus produtos cativassem nossas mentes e corações. Nenhum anunciante, estivesse ele comercializando cosméticos, medicamentos, fast-food, carros ou picles, ousava se destacar ou tentar algo remotamente novo ou revolucionário. Em termos de compreensão da mente do consumidor comum, eles estavam na mesma situação de Cristóvão Colombo em 1492: consultando um mapa rasgado, traçado à mão, enquanto o vento começava a soprar e seu barco seguia balançando, rumo ao que podia ou não ser terra firme. O neuromarketing pode ajudar na pesquisa de marketing em várias direções. Por exemplo: • Questões de percepção e memória – Até que ponto as pessoas retêm um nome de produto ou de uma marca? Como é percebida a marca em comparação a outras do segmento? • Questões de avaliação emocional – Gosto/desgosto, aceitação/rejeição, atração/repulsão manifestam-se no cérebro quando somos expostos a produtos, por exemplo? Captar o que se passa na mente do consumidor quando exposto aos objetos de pesquisa pode indicar direções relevantes para empresas. • Respostas automáticas e instintivas – Como instintiva e automaticamente um consumidor potencial reage a uma embalagem ou ao design de um novo produto? • Reações à publicidade – O consumidor expressou prazer/desprazer ao assistir a um anúncio? O que ele conseguiu reter da mensagem? A mensagem contém associações negativas encobertas? • Efeitos do ambiente – Como a ambiência da loja afeta o consumidor? Que elementos podem ser alterados no design dela para provocar reações mais positivas? • Reações e comportamentos online à publicidade, às ofertas, ao layout de sites, tudo isso pode ser medido objetivamente. Ferramentas usuais A ideia é simples: todos reagimos física e mentalmente, de modo consciente e também inconsciente, à apresentação de estímulos. Ora, a percepção de um produto, a observação de um comercial, a atenção a uma proposta, tudo isso são estímulos. Então, medem-se as respostas cerebrais, fisiológicas e psicológicas àqueles que desejamos estudar. A partir daí, fazem-se interpretações e avaliações, que serão testadas em decisões de marketing. Se o interesse de empresa vem crescendo, é porque se observa que os resultados dessas pesquisas têm sido úteis em levar a decisões acertadas. Pág. 79 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor As ferramentas provêm da neurociência, basicamente. Usam-se métodos já consagrados para avaliar condições e reações do cérebro e do corpo. Dentre esses, destacam-se os seguintes: • EEG – Eletroencefalograma – Registra a atividade elétrica cerebral diante da apresentação dos estímulos. FIGURA 55 – Eletroencefalograma Fonte: http://neurobase.com.br/loja/media/catalog/product/cache/1/image/ eb202eb0ded7cec24da975a8d7964706/e/l/eletroencefalograma1.jpg. • Ressonância magnética (FMRI) – Indica como áreas profundas do cérebro, ligadas a percepção, memória, decisão, reagem a estímulos. FIGURA 56 – Ressonância magnética Fonte: http://noticiasdelaciencia.com/upload/img/periodico/img_6139.jpg. • Eye tracker – Registro e acompanhamento de dilatação de pupila, movimento dos olhos, movimentos de piscar, que indicam reações específicas aos estímulos. Pág. 80 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 57 – Eye tracker Fonte: https://www.kent.ac.uk/psychology/research/facilities/EL2_1.JPG. • Facial expression recognition (FER) – Registra e analisa respostas faciais diante dos estímulos apresentados. FIGURA 58 – Software para facial expression recognition (FER) Fonte: http://www.uxpamagazine.org/wp-content/uploads/2012/03/11-1-Whatsnews-Fig1.jpg • Skin conductance – Mede reações que se manifestam na pele em decorrência de empolgação ou estresse. Pág. 81 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 59 – Skin conductance Fonte: http://services.exeter.ac.uk/moodrecruit/files/76771234264436pictureSCR.jpg. • Frequência cardíaca e respiratória - Mede os batimentos cardíacos diante da apresentação de estímulos. O nível de intensidade indica o grau de relevância de um item para o consumidor potencial, seja em termos de empolgação ou de estresse. FIGURA 60 – Medição da frequência cardíaca e respiratória Fonte: https://aplicacoesfisioex.wordpress.com/2013/04/26/ergoespirometria/. • Eletrocardiograma – Variação do potencial elétrico do coração em resposta a estímulos e emoções conscientes e inconscientes. Pág. 82 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 61 – Eletrocardiograma Fonte: http://www.esaconsultoria.com.br/uploads/arquivos/imagens-site/eletrocardiograma.jpg No Brasil No Brasil, o neuromarketing vem atraindo o interesse de empresas e pesquisadores. Há núcleos de pesquisa em universidades e firmas especializadas em serviços na área. A FGV (Fundação Getúlio Vargas) criou um laboratório específico para essa atividade e oferece serviços a empresas. Do lado das grandes consultorias, a Nielsen tem um laboratório no país também. Entre os usuários, destacam-se grandes empresas dos setores de alimentação, cosméticos, comunicação. Os links a seguir indicam prestadores de serviços que explanam suas metodologias, falam de cases e indicam resultados: • Nielsen: http://www.nielsen.com/br/pt/solutions/capabilities/nielsen-consumer-neuroscience. html. • Forebrain: http://www.forebrain.com.br/. • Neurolab: http://www.neurolabbrasil.com.br/. SAIBA MAIS Leia o artigo Neuromarketing é foco de novo laboratório da FGV, da revista Exame, tratando sobre o tema, que já despertava interesse em 2011: Link: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/neuromarketing-e-foco-de-novo-laboratorio-da-fgv Pág. 83 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor CURIOSIDADE O documentário do Youtube a seguir trata de todos os aspectos relevantes do neuromarketing e apresenta alguns gurus da área. É de 2009, mas continua atual. Link: https://www.youtube.com/watch?v=6jf5gQadpkM. AS FUTURAS DIREÇÕES DA PESQUISA DO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR A tecnologia vem avançando rapidamente, abrindo possibilidades novas de ação ao pesquisador. As grandes tendências tecnológicas provavelmente oferecerão oportunidades para melhoria da eficiência e barateamento das pesquisas. Vejamos algumas novidades que em breve farão parte do dia a dia do marketing e poderão trazer oportunidades para a área de pesquisa: • Realidade virtual e aumentada – Por meio de dispositivos como óculos e outros instrumentos, pode-se levar a pessoa a percepções e experiências com altíssima dose de semelhança com situações reais. Grandes oportunidades surgirão para os pesquisadores de marketing. Por exemplo: o consumidor poderá “ver” o produto em três dimensões, interagir com ele, experimentá-lo, participar de histórias em que ele se apresenta. Enquanto isso, o pesquisador poderá acompanhar o comportamento do consumidor dentro da realidade virtual. FIGURA 62 – Realidade virtual e aumentada Fonte: Grande Duc/ shutterstock.com • Impressão 3D – Na área de pré-testes, em que os produtos são consumidos e avaliados em situação de laboratório, antes do teste de mercado, a impressão 3D vai criar grandes oportunidades. Pode-se imprimir um ou alguns poucos exemplares de qualquer produto, em dimensões e com configuração perfeitas, para uso do consumidor. Isso hoje é possível e fácil, por exemplo, quando se trata de um produto alimentício, mas é complicado para um produto Pág. 84 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor com maior tecnologia e de alto custo. A impressão 3D vai reduzir custos consideravelmente, permitindo experimentação destes. FIGURA 63 – Impressão 3D Fonte: Enmyo/ shutterstock.com • Drones – Os drones podem viabilizar novas técnicas de observação. O pesquisador, por exemplo, pode ver “de cima” o comportamento de um grupo significativo de pessoas com alta precisão, com baixo custo, de modos variados. Igualmente, um drone pode acompanhar uma pessoa ou um grupo em um conjunto de atividades. Pode ainda fazer registros sucessivos de comportamento. Por exemplo, como os consumidores se comportam dentro da loja? Quais são os fluxos de trânsito mais adotados por eles? Isso pode ser verificado com facilidade. As restrições legais deverão ser abrandadas com regulamentações mais apropriadas e não tirarão o potencial de aplicação eficiente deles. FIGURA 64 – Drone Fonte: Stock image/ shutterstock.com Pág. 85 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • Inteligência artificial – A inteligência embarcada em equipamentos e em robôs que operam em ambiente de internet poderá permitir uma extensa gama de utilização em pesquisa de marketing. Avaliações, decisões, busca de informações do cliente potencial poderão (em parte já são) rastreados, o que fornece um manancial significativo de informação para o profissional da área. Equipamentos inteligentes, por outro lado, poderão interagir com clientes potenciais e reter informações importantes. FIGURA 65 – Inteligência artificial Fonte: Mistery/ shutterstock.com • Internet das coisas – A internet das coisas também trará grandes oportunidades para a pesquisa de marketing. Os wearables, dispositivos eletrônicos vestíveis, poderão facilitar o acompanhamento do consumidor em situações reais da vida por longo tempo, com registro automático de informações, sem que o pesquisado se sinta na situação de pesquisa (ele se esquece de que está usando o dispositivo). Veja que mundo de possibilidades isso poderá abrir ao pesquisador! Igualmente, no ambiente de internet das coisas, os objetos se comunicarão entre si, o que poderá servir para captação de dados qualitativos e quantitativos sobre o comportamento do consumidor. Pág. 86 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor FIGURA 66 – Internet das coisas Fonte: Macrovector/ shutterstock.com Muitas mudanças e novidades FIGURA 67 – Big data Fonte: PhipatbigMacrovector/ shutterstock.com São inúmeras as rotas de inovação possível para a pesquisa. O big data continuará a aumentar, oferecendo mais e mais dados sobre consumidores – e oferecendo desafios de captação, organização e interpretação eficazes desses grandes volumes de dados. Igualmente, avanços significativos nas ciências do comportamento trarão novas informações sobre os consumidores e sobre métodos aplicáveis à pesquisa de marketing. Alguns itens que certamente afetarão as práticas de pesquisa em futuro próximo incluem: • crescimento da mobilidade; Pág. 87 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • desenvolvimento de métodos de pesquisa e interação online; • comportamento nas mídias sociais; • análise de textos feitas por dispositivos inteligentes; • entrevistas à distância por webcam. Leia informações completas sobre o assunto no link: http://www.greenbookblog.org/2014/09/29/ the-top-20-emerging-methods-in-market-research-a-grit-sneak-peek/. SAIBA MAIS Mecanismos de busca fonte de informações Há uma significativa fonte de informações de valor a ser pesquisada: os mecanismos de busca. A forma como as pessoas buscam, o vocabulário, a navegação, tudo isso pode ser usado como dicas de comportamento. Assista ao vídeo Pesquisa de mercado através de buscadores como o Google: https://www.youtube.com/watch?v=BG1ICKLHrN8 Em síntese, as empresas de pesquisa de consumo que se mantiverem presas a métodos, ferramentas e conceitos do passado não terão muito futuro. Igualmente, as empresas usuárias que não buscarem a inovação perderão excelentes oportunidades de conhecer mais seus consumidores e colherão resultados incapazes de orientar eficazmente suas decisões em marketing. ÉTICA, LEIS E VIGILÂNCIA COMO GUIAS FIGURA 68 – Leis Fonte: LWY Partnership/ shutterstock.com Observa Malhotra (2005, p. 19): Pág. 88 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor As atividades das empresas são frequentemente discutidas do ponto de vista de diferentes interessados: indivíduos ou grupos que têm interesse nas atividades relacionadas à empresa ou que estão diretamente envolvidos com elas. As atividades de pesquisa de marketing afetam quatro desses indivíduos: 1. o pesquisador de marketing; 2. o cliente; 3. o entrevistado; e, 4. o público. As questões éticas surgem quando ocorre um conflito entre esses grupos de pessoas. Ora, a empresa e o pesquisador (que poderá ser integrante dela ou terceiro a seu serviço) são agentes no processo, isto é, tomam as decisões referentes à pesquisa e, por isso, têm maior potencial para provocar danos caso manifestem eventuais transgressões éticas. Por exemplo: • As empresas poderão desejar aplicar métodos que não sejam condizentes com os melhores interesses de privacidade dos consumidores e poderão ser tentadas a usar os conhecimentos adquiridos como instrumentos de manipulação. • Os pesquisadores poderão usar técnicas invasivas e não condizentes com o devido respeito ao consumidor. Os clientes entrevistados, ainda que eventualmente possam igualmente transgredir, têm potencial muito menor para causar danos significativos com sua conduta. Assim, para sustentação de princípios democráticos e voltados para o bem comum, os agentes de pesquisa (empresas e pesquisadores) têm de se pautar por princípios adequados – e têm de ser mais vigiados quanto a isso. Quando isso não acontece, sim, pode-se temer a manipulação e os desvios manipulativos de diferentes naturezas. As defesas da sociedade e dos consumidores contra esses potenciais problemas, entretanto, são grandes e observam-se em três vertentes: a ética, a lei e a vigilância. As seguintes constatações são bastante sustentáveis: • A empresa moderna mais e mais incorpora a ética como integrante de seus ativos intangíveis. A reputação é essencial para a sustentabilidade nos tempos atuais, e qualquer mínima informação relativa a conduta comprometedora poderá trazer danos irreversíveis. Pág. 89 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor • A coletividade das empresas – incluindo as usuárias e as produtoras de pesquisa – tem interesse em se preservar contra eventuais deslizes de integrantes individuais, que poderão afetar a imagem e a reputação de todos. Em decorrência disso, estabelecem padrões de governança e códigos de ética que devem ser incorporados e vigiados por todos e são controlados pelas instituições. • As leis aprimoram-se a cada dia em resposta às demandas da sociedade democrática, impondo padrões saudáveis às organizações. Paralelamente, há hoje uma capacidade ampliada do Estado para acompanhamento da conduta das organizações e para identificação de transgressões. Por fim, as punições reservadas aos transgressores têm significância cada vez maior. Com isso, cada vez mais as organizações procuram pautar-se pela conduta legal. • Por fim, vivemos hoje em um ambiente de informação amplamente compartilhada e de cultura voltada para a democracia e o respeito ao cidadão. Nesse cenário, o Big Brother é o grande público. Este mantém vigilância diuturna, que será capaz de dar o alerta necessário assim que qualquer evidência de conduta nociva se manifestar. FIGURA 69 – Big Brother Fonte: Mopic/ shutterstock.com Considerando tais premissas, há razões para otimismo. A pesquisa de mercado – assim como qualquer outra prática empresarial – tende a seguir os caminhos que: • permitam à empresa conhecer mais seus consumidores e servi-los de modo melhor; • permitam aos pesquisadores orientação mais segura para suas condutas, trazendo como consequência melhor receptividade dos públicos às suas iniciativas; • permitam aos consumidores manifestarem seus gostos, interesses e prioridades, de forma a ter produtos, serviços e políticas mais adequados; • permitam à sociedade, enfim, progredir em contexto democrático e produtivo para todos. Pág. 90 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor SAIBA MAIS Padrões de autorregulamentação A Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) adota um vasto conjunto de práticas de condução de pesquisas. Estas cobrem praticamente tudo o que é relevante na atividade, como: • pesquisa com jovens e crianças; • pesquisa de opinião em geral; • mystery shopping; • uso de gravações; • pesquisas por telefone; • pesquisas por internet. O link a seguir fornece uma visão completa: http://www.abep.org/codigos-e-guias-da-abep Pág. 91 de 93 Etnografia, neuromarketing e comportamento do consumidor REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Lívia. Marketing etnográfico: colocando a etnografia em seu devido lugar. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 43, n. 3, p. 100-5, jul-set.2003. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/rae/v43n3/v43n3a07.pdf>, acesso em: 26.ago.2016. BROWN, James A. C. Técnicas de persuasão. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. CHURCHILL, Gilbert A.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para o cliente. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. COOPER, Donald R.; SCHINDLER, Pamela S. Métodos de pesquisa em administração. 7ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2003. DOOLEY, Roger. 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