Artigo Repensando a Assistência Jurídica às Entidades de Saúde. O setor de saúde sofre de um interessante paradoxo: ninguém discute a sua importância para a sociedade, resultando num mercado sempre dinâmico e com um latente potencial de crescimento, mas que, por sua organização, permeado do atores que conflitam entre si (ex. Plano de Saúde, Seguradoras, Auto-Gestão, SUS e etc.) não tem gerado resultados que possam ser considerados satisfatórios para os gestores e responsáveis pelos estabelecimentos. A percepção geral é que o mercado torna-se cada vez mais complexo e sua administração cada vez mais difícil. A necessidade de qualificação nas mais diversas áreas administrativas tem sido debatida e é nítido o interesse dos gestores em tornar o seu pessoal mais qualificado. Muito embora a modernização tenha alcançado um número cada vez maior de colaboradores dentro da empresa, esta não foi acompanhada da relação que as instituições mantêm com os seus departamentos jurídicos, seja ele terceirizado ou não. A percepção de que o relacionamento entre instituições médicas e o setor jurídico ainda não passou pelas transformações exigidas pela realidade decorre da inexistência de um diálogo permanente entre gestor e profissional responsável pelo setor jurídico. Na maioria das vezes, o advogado ou escritório somente é lembrado quando o problema já encontra-se instalado e sedimentado, não sendo exagero dizer que este mesmo problema poderia ter sido evitado com alguma facilidade, caso não houvesse o distanciamento que hoje existe. Para a maioria das instituições hospitalares, além do distanciamento, continua uma prática que tem demonstrado pouca eficácia – a administração jurídica por teses pontuais. Grandes instituições embarcam em teses jurídicas, muitas vezes coletivamente, sem compreender que o jurídico é uma ferramenta do negócio e que não é possível dar um tratamento coletivo num mercado tão segmentado (onde a composição de faturamento é tão diversos de uma instituição para outra). Este texto não condena as teses que são legítimas, válidas e com vasto e comprovado potencial para o sucesso. O ponto fulcral é a defesa de um diálogo que transforme o setor jurídico numa importante ferramenta de negócio e de gestão dos empreendimentos do setor de saúde. Entendendo a transformação. Diversas tecnologias transformaram a atividade médica, resultando numa quantidade impressionante de diagnósticos e terapias para uma mesma enfermidade, tudo dependendo da estratégia adotada pelo médico em consonância com o paciente. É possível afirmar que esta mesma transformação tecnológica ocorreu no Direito, sendo possível a proposição de diversas ferramentas de informação e planejamento estratégico, maximizando resultados que podem ser encarados como diferenciais num mercado tão concorrido. Dois fatores, por si só, já demandariam uma relação mais próxima e íntima com um serviço jurídico ou advogado atuante: o fato do Estado ser um elemento preponderante no setor de saúde, seja como tomador e contratante de serviços, seja como emissor de normas que afetam a entidade hospitalar administrativamente e do ponto de vista tributário; e o alto endividamento do setor. Não existe cenário de melhora a curto ou a longo prazo. Pelo contrário. O Estado tende a se tornar cada vez mais burocratizado, editando centenas de normas que precisarão ser decifradas, avaliadas e adaptadas a cada realidade particular. Da mesma forma, o superávit fiscal do Governo continuará, ainda por algumas administrações sendo fruto de uma escorchante política tributária. Logo, o tempo está contando contra aquelas instituições que não dialogam efetivamente com o seu serviço jurídico. Apenas para não ficarmos no plano teórico, é possível listar três áreas estratégicas que demandariam um cuidado imediato por parte dos gestores médicos: (i) a atualização societária das entidades, considerando que a maioria das instituições ainda permanecem com uma estrutura societária que põem em risco o patrimônio pessoal dos sócios; (ii) a renegociação tributária considerando as excepcionais oportunidades propostas por administrações federais e municipais que precisam equacionar a sua própria contabilidade e (iii) as questões relacionadas a responsabilidade civil das entidades hospitalares que, apesar de ser o elemento de maior risco hoje para os prestadores de serviços médicos, ainda é objeto de pouquíssima discussão. Não há mais tempo a perder. Não se trata de uma posição alarmista, mas, o pensamento que vale para o médico deve ser aplicado ao advogado da empresa: com as possibilidades de manutenção e detecção de enfermidades existentes, só fica doente quem quiser. * Agnaldo Bahia é advogado, especializado em Direito Empresarial e atualmente ocupa a diretoria jurídica da Ahseb.