II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP – Campus de Assis ISSN: 2178-3683 www.assis.unesp.br/coloquioletras [email protected] ADOLESCENTES LEEM, SIM: A CIRCULAÇÃO DA LITERATURA ESTRANGEIRA NA ESCOLA Daiane da Silva Lourenço (Mestrando – UEM/Maringá-PR) RESUMO: Este trabalho baseia-se em uma pesquisa realizada com alunos do sexto ao nono ano de uma escola particular, a qual revelou que obras de literatura estrangeira têm cada vez mais circulado na escola. Nosso objetivo é mostrar, portanto, que apesar da afirmação de que adolescentes não leem, os resultados da pesquisa demonstraram que estes se interessam pela leitura, contudo a leitura que realizam não é, na maioria das escolas, reconhecida, pois os estudantes revelaram ler obras consideradas literatura de massa. Propomos, assim, uma reflexão a respeito da literatura de massa como iniciação dos adolescentes à leitura, tendo o professor papel importante no amadurecimento do aluno como leitor, e a respeito da leitura da tradução de tais obras, que deve conduzir os leitores a refletirem sobre as implicações culturais e linguísticas. PALAVRAS-CHAVE: leitura; estudantes; adolescentes; literatura estrangeira; tradução; literatura de massa. Introdução A leitura desempenha um papel muito importante na educação escolar de crianças, adolescentes e adultos. É utilizando-a que temos acesso aos diferentes conteúdos ensinados na escola, às informações da sociedade em geral, enfim, a leitura nos permite ter contato com o mundo no qual estamos inseridos e interpretá-lo. Como a leitura intervém em todos os setores para o desenvolvimento intelectual do aluno, o fato de não ler ou não ter interesse pela leitura pode trazer sérias consequências, por isso a preocupação dos professores quando os alunos não demonstram interesse por obras literárias, visto que literatura e leitura são muito próximas. Essa preocupação tem aumentado cada vez mais devido à crise que o ensino de literatura tem sofrido, ao questionamento do ensino periodizado e à falta de interesse cada vez maior dos alunos. Para Cattani e Aguiar (1986), a leitura é fundamental para a inserção do indivíduo em seu contexto sócio-econômico e cultural, 372 pois o ato de ler abre novas perspectivas e permite um posicionamento crítico diante da realidade. Devido à importância que a leitura ocupa na formação do indivíduo, a escola tem percebido a necessidade de desenvolver o hábito da leitura nos alunos. Com as crianças, envolvidas em um mundo de fantasia, parece ser mais fácil instigá-las a ler, contudo, os adolescentes, inseridos em uma fase de mudanças, é difícil atingi-los e incitá-los a ler por gosto. A partir do questionamento dos hábitos de leitura dos adolescentes e do objetivo dos professores de incentivá-los a ler, este artigo apresentará o resultado de uma pesquisa realizada com alunos do sexto ao nono ano sobre seus interesses de leitura, cujos resultados apontaram para obras de literatura estrangeira. Apesar de não aparecer no currículo escolar, a literatura estrangeira tem sido muito lida pelos adolescentes, não apenas as obras clássicas, mas principalmente as consideradas literatura de massa. As discussões aqui apresentadas têm a intenção de discutir a respeito das obras à revelia da escola, que têm sido a iniciação à leitura dos estudantes. Renegá-las não é o melhor caminho, refletir sobre como ensinar os alunos a lê-las seja, provavelmente, a forma de ajudá-los a amadurecer como leitores. Nossas discussões abordam também a questão da tradução da literatura estrangeira, cada vez mais presente nas livrarias e circulando entre os adolescentes. Procuraremos apresentar uma visão diferente da tradução tradicional, com a intenção de fazer os alunos refletirem a respeito de questões culturais e linguísticas. Como são poucas as pesquisas a respeito da literatura de massa e da tradução como forma de incentivar uma aprendizagem crítica no aluno, baseamo-nos em alguns estudiosos que deram algumas contribuições para as reflexões aqui postas, acreditando que nosso trabalho poderá contribuir para pesquisas que ainda estão por vir. Os adolescentes leem? A crítica dos professores de Língua Portuguesa, no sentido de censura, que chega com mais frequência aos nossos ouvidos é o fato de os alunos não lerem, e, geralmente a afirmação é: “Os adolescentes não leem”, isto porque é a fase considerada de maior rebeldia e subversão ante as exigências da escola. Tomamos esse pensamento como base para intitular nosso artigo, no entanto, negamos tal afirmação, e será este o foco de nossas discussões, mostrar que os jovens leem e 373 pensar sobre o que têm lido, apesar de suas leituras não agradarem aos professores. Nosso intuito é, contudo, não defender as leituras que realizam em oposição às direcionadas pela escola, mas pensá-las como ponto de partida para discussões que os levarão a se interessar por leituras que exijam mais deles e, por conseguinte, contribuam de maneira mais significativa para sua formação como ser humano. O ensino de literatura no Ensino Fundamental e Médio enfrenta, já há algum tempo, uma crise (ZILBERMAN, 2008, p. 50) devido à necessidade de abandonar o método historiográfico. É de conhecimento geral o fato de a tradição ainda estar presente atualmente nas aulas de Língua Portuguesa, devido a fortes influências do ensino tradicional, sofridas desde o início do surgimento da disciplina. As reformas que ocorreram no ensino, de modo geral, não modificaram completamente as aulas de língua e literatura. As aulas de Língua Portuguesa nas escolas têm focado o ensino gramatical, a leitura e produção de textos, quando existe tal prática, e outros pontos da língua considerados significativos, relegando a literatura à simples periodização presente no livro didático, a fim de que os alunos conheçam características das escolas literárias, seus principais escritores e o título ou fragmentos de suas principais obras. De acordo com Cosson (2006, p. 22), no ensino fundamental, predominam as interpretações de texto trazidas pelo livro didático, usualmente feitas a partir de textos incompletos, e as atividades extraclasses (resumos, fichas de leitura). Já a literatura no ensino médio resume-se a seguir o livro didático, aulas informativas sobre autores, características de escolas e obras, com raras oportunidades de leituras de um texto integral e, quando isso acontece, há preferência pelo resumo ou debate. Tal prática em sala de aula faz com que o interesse pelos textos literários não seja despertado nos alunos e, ainda menos, que os vejam como importantes para sua formação. As obras a serem lidas são, de certa forma, impostas pela escola ou pelo professor da disciplina, escolhidas a dedo geralmente dentre os cânones da literatura brasileira e consideradas leituras obrigatórias a qualquer pessoa, e, principalmente, para os vestibulandos, dependendo da faixa etária dos alunos. Após as leituras, há sempre uma atividade direcionada com a intenção de verificar a leitura dos estudantes. Diante disso, constatamos o aumento do desinteresse dos alunos, a crescente preocupação dos professores e a afirmação: “Adolescentes não leem”. Esta afirmação pode ser relacionada à justificativa apresentada por Zilberman: “[...] um dos sintomas da crise do ensino da literatura é a falta de leitura por parte dos estudantes e o desconhecimento do patrimônio literário nacional” 374 (ZILBERMAN, 2008, p.52). A associação da leitura à literatura, ou vice-versa, tem sido cada vez mais recorrente, no entanto, ao afirmar que adolescentes não leem, os professores se referem à literatura nacional consagrada, que ainda é muito negada pelos alunos. Um desafio ainda a ser vencido pela escola. O desconhecimento do patrimônio literário nacional pelos alunos tem sido cada vez mais confirmado, contudo afirmar que não leem pode ser arriscado/controverso. Mafra (2003, p. 4) confirma a crise do ensino de literatura e o aponta como prisioneiro de um anacronismo que o distancia do aluno. Discorrendo sobre a pesquisa que realizou com alunos do Ensino Fundamental e Médio acerca de seu (des)interesse pela leitura, Mafra constatou que os professores constantemente repetem: “Esta rapaziada não quer nada com leitura”. No entanto, sua pesquisa demonstrou que a escola tem sido o último referencial de leitura para os jovens. Apesar disso, os adolescentes pressentem uma necessidade de ler, necessidade incutida em suas mentes pela sociedade, associada ao fato de que a leitura e escrita aumentam as possibilidades de ascensão social. Assim, leem obras que têm circulado cada vez mais no mercado editorial, as mais vendidas, obras consideradas literatura de massa. A literatura de massa tem sido, cada vez mais, a iniciação dos adolescentes à leitura. Tem levado dezenas, centenas de adolescentes às livrarias em busca do livro que tanto querem ler; tem sido assunto de suas conversas e tem feito com que desejem ler outros livros, sejam eles continuação da saga, indicação de amigos ou os que deram origem a um filme ou série de televisão. O fato é que leem, sim, mas sua leitura é ignorada pela escola, abortada pelos cânones. Poder-se-ia questionar se a literatura de massa deveria ou não ser bem recebida nos salões da literatura canônica. A opção do tratamento independe, contudo, da permissão de deixá-la entrar. “Suja”, ela já adentrou o recinto. Mais do que isso, ela já se incorporou ao ambiente, é conhecida e, em muitos casos, íntima da grande maioria. Mas continua-se a não reconhecer sua presença, em nome da higiene e da saúde do ambiente (MAFRA, 2003, p. 19). O leitor adolescente nos surpreende provando que lê, sim, mas nos leva a questionar: Devemos aceitar suas leituras? Podemos adotá-las em sala de aula como forma de despertar seu interesse e levá-los a discutir e pensar sobre o texto? Suas leituras amadurecerão com o passar dos anos? Tais questionamentos têm sido levantados atualmente, ainda sem respostas precisas. No entanto, uma coisa é certa, as críticas às leituras que realizam não incitará os adolescentes a abandoná-las. 375 O que os adolescentes leem? Devido ao interesse pela circulação da literatura estrangeira no Brasil, ao contato com alunos do Ensino Fundamental II e à afirmação de grande parte dos alunos, no primeiro dia de aula, de que não gostam de ler, realizamos uma pesquisa, por meio da aplicação de questionários, a respeito de seus interesses de leitura, com o intuito de saber o que leem sem ser requisitado pela escola. Os alunos participantes da pesquisa, do sexto ao nono ano, têm idade entre dez e quinze anos. A uma pergunta referente aos gêneros pelos quais mais se interessam e os quais leem cotidianamente, as respostas variaram entre: revistas, gibis, romances e gêneros da Internet, como blog e sites de relacionamento. O que nos leva a pensar que os alunos, ao ouvirem a pergunta: “Você gosta de ler?”, pensam em “ler” como unicamente a leitura de romances consagrados, ideia que adquirem no ambiente escolar, e esquecem que têm interesses particulares de leitura. Como nosso maior interesse seria saber quais os romances que leem sem ser exigência da escola, como iniciativa própria de ler um livro, e as razões que o levaram a tal decisão, pedimos, em uma das questões, que listassem os livros lidos no ano de 2009 que não foram pedidos pela escola. O resultado da pesquisa demonstrou que a maioria dos romances listados, dos setenta e três apontados pelos alunos em geral, é literatura estrangeira traduzida . Dentre as obras apontadas, há literatura culta (SODRÉ, 1985), ou considerada clássica, como Romeu e Julieta1 de Shakespeare, e As aventuras de Tom Sawyer, Mark Twain, e literatura de massa – constituída por obras lançadas recentemente no mercado, que têm despertado a curiosidade dos jovens que ainda não as leram, ou dos que assistiram às adaptações para filmes – e obras que não estão inseridas no cânone, mas aparecem constantemente em livrarias. No segundo caso, podemos citar O pequeno príncipe e O mundo de Sofia enquanto no primeiro estão incluídos Crepúsculo, Marley e eu, Diário de um banana, A cabana, coleção Harry Potter, As crônicas de Nárnia, O código da Vinci, entre outros. As justificativas para suas leituras são diversas: fáceis de ler, leitura rápida, enredos interessantes, assistiu ao filme, considerou a capa atraente, indicação de amigos ou familiares, propagandas, identificação com a obra. Segundo Sodré (1985, p. 6), são características dadas ao produto da literatura de massa, assim como dizer que “é envolvente”, “emocionante”. Para o autor, são juízos próprios do mercado 1 Romeu e Julieta é lida pelos adolescentes em forma de adaptação, as quais frequentemente sugerem ao aluno que Shakespeare produzia romances, e não peças, por isso sua inclusão em meio aos romances citados. 376 consumidor, pois tais obras não recebem nenhum suporte escolar ou acadêmico, existem devido à produção e ao consumo. Têm sido cada vez mais lidas, ou consumidas pelos adolescentes e ganhado espaço em seus armários, antes não habitados por romances. A pesquisa mostrou, portanto, que os adolescentes leem sem exigência da escola. Leem literatura estrangeira traduzida, a maior parte literatura de massa e justificam, sem nenhuma dificuldade, o motivo de seu interesse. “A literatura de massa, constitutiva da história de leituras daquele[s] adolescente[s], tem sido o seu ponto de partida, a sua iniciação, ainda que solitária” (MAFRA, 2003, p. 18). Visto que a escola tem estado ausente como mediadora entre jovem-livro, alguns jovens encontram na literatura de massa a maior influência para sua formação, formação esta que o possibilita, ao mesmo tempo, estar inserido em um grupo da sociedade: o grupo das pessoas que leem e discutem sobre literatura de massa. Os adolescentes comentam sobre os romances, seus personagens favoritos, as emoções que sentiram, as adaptações para filme ou série. Acreditável ou não, a leitura tem feito parte das conversas de adolescentes no ambiente escolar, no entanto, na maioria das vezes, fora da sala de aula. Para que o processo de ingresso no mundo da leitura tenha bons resultados, a contribuição da escola é importante, para não abortar futuros leitores com mais experiência, leitores maduros, vistos por Lajolo (1986, p. 53) como aqueles para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida. As obras que os jovens leem podem ser tidas como leitura de iniciação. Podemos pensar “Ah, esta fase passa”, porém, só passará se houver um direcionamento de como ler essas obras – principalmente pelo fato de os alunos as lerem sem saber que são estrangeiras – e se houver orientação para leituras que ampliem seus horizontes (JAUSS, 1994), fazendo-os amadurecer. Só assim, a rejeição à literatura culta deixará de existir. O que pensar a respeito da circulação da literatura estrangeira traduzida entre os alunos adolescentes? Como apresentado anteriormente, constatamos a circulação de obras estrangeiras no ambiente escolar, porém, negligenciadas, consideradas leituras nãoescolarizadas (MAFRA, 2003), mesmo os clássicos, como Romeu e Julieta, de 377 Shakespeare. Isto porque a literatura não aparece nas aulas de Língua Inglesa, em que tais obras deveriam ser lidas e discutidas. A tradução está ganhando cada vez mais espaço, ocupando as prateleiras de livrarias e as estantes de adolescentes e adultos. O que nos preocupa é o fato de não ser discutida na escola, pois os livros citados pelos estudantes nos questionários são muitas vezes lidos como literatura nacional, sem observar as divergências entre a cultura brasileira e a cultura de outro país presente na obra, quanto menos, se preocupam em saber se há semelhanças e diferenças entre a tradução e a obra original; as implicações que existem quando uma tradução é feita. Marins e Wielewicki (2009, p. 16) destacam que a leitura de traduções de narrativas sem problematização pode levar o aluno a buscar no texto de chegada as mesmas características do textofonte, o que observamos ao ouvir os comentários de jovens sobre as obras lidas. A obra Crepúsculo, de Stephenie Meyer, por exemplo, tem como personagem principal Bella, uma garota de dezesseis anos que chega a Forks e ganha de presente do pai uma caminhonete, a qual dirige todos os dias para ir à escola. Um leitor atento observará que, no Brasil, um jovem de dezesseis anos geralmente não tem um carro, pois não pode tirar a carteira de habilitação que o permite dirigir e que, portanto, não se identifica com Bella. No entanto, um leitor desatento, passará por isso despercebido, simplesmente achando interessante que Bella, assim como todos os amigos de sua cidade, têm a permissão de dirigir. A partir deste exemplo, enfatizamos que o professor de Língua Inglesa, no caso das escolas de ensino regular, tem um papel muito importante, pois pode problematizar, com os alunos, as leituras de traduções que têm realizado. A tradução, neste caso, é vista não somente como traição, mas como um instrumento importante para a aprendizagem de uma segunda língua e também para a formação dos alunos como leitores, leitores mais maduros. Cavalcanti propõe reflexões a esse respeito: [...] a tradução constitui um ato especial de leitura e interpretação, interessante para o aprendizado de línguas por ativar estratégias interpretativas e permitir acesso aos sistemas simbólicos e contextos culturais dos povos falantes da língua alvo; [...] o ato de traduzir configura, em si, uma prática comunicativa; [...] perspectivas renovadas e críticas para a utilização de atividades de tradução devem substituir a prática de leitura e tradução conforme os moldes tradicionais dos primórdios do ensino de línguas (CAVALCANTI, 2008, p.76). A proposta de atividades de tradução, como forma de revelar aos estudantes as implicações que existem em um texto traduzido é relevante. Seria uma maneira de verem na prática que o tradutor também é um leitor, pois a tradução é uma leitura e 378 interpretação do texto, na qual a subjetividade do tradutor não deixa de estar presente. É também uma ponte entre culturas diferentes, pois, segundo Cavalcanti (2008, p. 80) ativa estratégias interpretativas diante do texto em língua estrangeira e permite o acesso aos sistemas simbólicos e contextos culturais dos povos falantes da língua alvo, provocando reflexões sobre esses contextos. Há diversas interpretações possíveis, por isso há diferentes traduções de um mesmo texto. Outro fator importante a ser levantado a respeito da tradução é o de que permite a sobrevida de uma obra literária e sua divulgação entre culturas (MARINS; WIELEWICKI, 2009). Podemos pensar, então, que talvez não existissem tantas discussões a respeito da qualidade ou não da literatura de massa em nosso país, se não tivesse existido a facilidade de tradução de tantas obras estrangeiras que têm circulado no Brasil. A literatura estrangeira, portanto, circula entre os adolescentes na forma traduzida, fator que pode ser revertido como significativo para sua formação se forem discutidas as implicações da tradução, se os alunos refletirem sobre a obra como estrangeira, produzida em um país que fala outra língua e possui outra cultura. A leitura deve ser vista como uma forma de intercâmbio entre culturas, e não ser simplesmente assimilada como verdadeira. Os jovens se identificam facilmente com os personagens, mas têm que pensar em que contexto estes vivem, como é sua cultura e sua língua. Se não for assim, a literatura estrangeira traduzida enfrenta os mesmos problemas que encontramos nas aulas de literatura na disciplina de Língua Portuguesa; o texto é visto como pronto, acabado, inquestionável, e lê-lo dessa forma não muda os horizontes do leitor. Manguel corrobora nossa discussão a respeito da circulação da literatura estrangeira traduzida ao afirmar: “a tradução pode ser uma impossibilidade, uma traição, uma fraude, uma invenção, uma mentira plena de esperança – mas seu processo faz do/a leitor/a ouvinte melhor e mais sábio/a: com menos certezas e muito mais sensível” (MANGUEL, 1996, p. 277 apud CAVALCANTI, 2008, p.90). Como classificar as obras: cânone, clássica, culta, boa; ou de massa, bestseller, ruim? De acordo com a pesquisa realizada e as discussões apresentadas até o momento, a circulação da literatura estrangeira na escola ocorre principalmente por meio de obras consideradas literatura de massa, enquanto as obras clássicas quase 379 não são citadas. No entanto, como os pesquisadores têm classificados tais obras? É possível dizer se são obras boas ou ruins? Como há poucas pesquisas sobre a literatura de massa ou os best-sellers, não é possível dizer quando surgiram, no entanto sabemos que surgiram com o objetivo de entretenimento e, com o passar do tempo, a intenção de obter lucro com as vendas dos livros. Em sua tentativa de reescrever a história da literatura brasileira, Bosi ao falar sobre a ficção romântica afirma que O romance romântico brasileiro dirigia-se a um público mais restrito do que o atual: eram moços e moças provindos das classes altas, e, excepcionalmente, médias; eram os profissionais liberais da corte ou dispersos pelas províncias: era, enfim, um tipo de leitor à procura de entretenimento [...] (BOSI, 1988). Já nessa época, portanto, havia a busca dos leitores por obras que causassem emoção e com enredos envolventes, no entanto o público era muito restrito. Hoje, possivelmente pela facilidade em ter acesso a obras, o público já está mais diversificado, envolvendo desde crianças a adultos, de todas as camadas sociais. Barthes (2004, p. 20-21) diferencia as obras em texto de prazer e texto de fruição. O primeiro seria aquela obra que contenta, dá euforia, vem da cultura, ao invés de rompê-la; está relacionada ao que o autor considera uma prática confortável da leitura. Enquanto isso, o texto de fruição põe o leitor em estado de perda, o desconforta, o faz questionar as bases históricas, culturais, psicológicas, seus próprios gostos e valores, colocando-o em situação de crise. Para Barthes o leitor deve ter acesso ao texto de fruição por fazê-lo pensar a partir de rupturas. Sodré (1985) prefere utilizar os termos literatura culta e literatura de massa. A literatura culta é vista pelo autor como os textos institucionalmente reconhecidos (por escolas ou quaisquer outros mecanismos institucionais), os efeitos de tal reconhecimento realimentam a produção das obras. A literatura de massa, contudo, não tem nenhum suporte escolar ou acadêmico, seus estímulos de produção e consumo partem do jogo econômico da oferta e procura, isto é, do próprio mercado. Embora a terminologia empregada seja diferente, percebemos que há sempre uma diferenciação entre as obras cânones e os best-sellers, entre o clássico e o novo. A partir da definição de Lajolo (1986) de leitor maduro, acerca da qual já discutimos anteriormente, a autora fala sobre bons textos e textos ruins. Apesar de não exemplificar os textos ruins, afirma que o texto bom é necessariamente complexo, permite o amadurecimento progressivo do leitor. Discorda da presença constante 380 apenas de artigos de jornal, crônicas e letras de músicas, ou seja, textos contemporâneos, nos livros didáticos, em vez disso, acredita que o aluno tem que ter contato com textos de outras épocas, mais complexos para seu nível linguístico. Ao pensar sobre os best-sellers, portanto, cuja maioria é contemporânea, concluímos que não estariam incluídos entre os bons textos. Diferente dessas classificações, Abreu (2006) abordará a questão da diferenciação entre as obras a partir da perspectiva de interesses do leitor, de seu gosto pessoal, ou seja, para a autora não há obras boas ou ruins, mas obras amadas e não amadas. Não é possível, portanto, estabelecer uma classificação para as obras ou, até mesmo, fazer julgamento de qualidade a seu respeito. Nenhuma obra literária é passível de classificação e diversas pesquisas têm demonstrado isso, assim como o próprio questionamento do ensino literário periodizado. Além disso, cada estudioso tem uma visão diferente sobre este assunto. Nossa intenção é questionar a forma como as obras têm sido julgadas e colocadas à revelia da escola, enquanto, a contra gosto de muitos professores e pesquisadores, ocupam o tempo livre dos adolescentes. Considerações finais São poucas as pesquisas que abordam a relação entre adolescentes e o ensino de literatura, no entanto, esta faixa etária merece uma atenção maior porque deixará marcas no futuro do adulto leitor e este, por sua vez, influenciará outros adolescentes e crianças. Na sociedade brasileira, com índices baixos na educação, chegar à fase adulta com interesse pela leitura infelizmente é louvável. Por isso nosso interesse pelos estudantes adolescentes. O resultado da pesquisa realizada mostrou que, ao contrário do que tem sido repetido constantemente, os adolescentes leem. O fato de se interessarem por literatura de massa não deve ser visto como negativo, mas ser pensado como uma iniciação à leitura e o professor pode conduzi-los, a partir daí, a leituras que os amadureçam cada vez mais. A literatura estrangeira não recebe atenção da escola. Mesmo havendo a disciplina de Língua Inglesa ou de Língua Espanhola, os livros didáticos dificilmente apresentam obras literárias. Dada a deficiência linguística de muitos alunos mesmo após anos em contato com uma segunda língua, o trabalho com a literatura traduzida pode trazer muitos benefícios devido a possibilidade de refletir sobre as escolhas 381 linguísticas do tradutor e as diferenças culturais entre o país em que obra foi escrita e o do leitor. Levantamos, portanto, algumas reflexões, sem irmos direto a soluções, pois há muito a ser discutido ainda. Para Zilberman (2008, p. 58), trabalhar com o aluno a partir de sua própria experiência de leitura, neste caso a literatura de massa, pode ser barato e rápido, por lidar com um universo previamente dominado e conduzir a novos horizontes de conhecimento, mas caro e demorado é preparar o professor para levar a cabo essa tarefa, sendo este influenciado pelas abordagens e reformas de ensino das últimas décadas. Assim, há muito a ser discutido no Brasil a respeito do ensino de literatura, principalmente a literatura estrangeira, que recebe pouca a atenção. O importante é saber que apesar de demonstrarem o contrário nas aulas, os alunos têm lido. Como professores, cabe a nós a preocupação de como tomar tal iniciativa como gancho para leituras institucionalmente aceitas. Referências bibliográficas ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: Ed. UNESP, 2006. BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1988. CATTANI, Maria Izabel; AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura no primeiro grau: a proposta dos currículos. In: ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola: alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. p. 51-62. CAVALCANTI, Ildney. Atitudes, latitudes, interlúdios, altitudes: reflexões sobre a tradução e o ensino de inglês como língua estrangeira. In: SANTOS, Josalba Fabiana do; OLIVEIRA, Luiz Eduardo (Orgs.). Literatura & ensino. Maceió: Edufai, 2008. p. 7596. COSSON, Rildo. 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