ADOLESCENTES LEEM, SIM

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II Colóquio da Pós-Graduação em Letras
UNESP – Campus de Assis
ISSN: 2178-3683
www.assis.unesp.br/coloquioletras
[email protected]
ADOLESCENTES LEEM, SIM: A CIRCULAÇÃO DA LITERATURA ESTRANGEIRA
NA ESCOLA
Daiane da Silva Lourenço
(Mestrando – UEM/Maringá-PR)
RESUMO: Este trabalho baseia-se em uma pesquisa realizada com alunos do sexto ao nono
ano de uma escola particular, a qual revelou que obras de literatura estrangeira têm cada vez
mais circulado na escola. Nosso objetivo é mostrar, portanto, que apesar da afirmação de que
adolescentes não leem, os resultados da pesquisa demonstraram que estes se interessam pela
leitura, contudo a leitura que realizam não é, na maioria das escolas, reconhecida, pois os
estudantes revelaram ler obras consideradas literatura de massa. Propomos, assim, uma
reflexão a respeito da literatura de massa como iniciação dos adolescentes à leitura, tendo o
professor papel importante no amadurecimento do aluno como leitor, e a respeito da leitura da
tradução de tais obras, que deve conduzir os leitores a refletirem sobre as implicações culturais
e linguísticas.
PALAVRAS-CHAVE: leitura; estudantes; adolescentes; literatura estrangeira; tradução;
literatura de massa.
Introdução
A leitura desempenha um papel muito importante na educação escolar de
crianças, adolescentes e adultos. É utilizando-a que temos acesso aos diferentes
conteúdos ensinados na escola, às informações da sociedade em geral, enfim, a
leitura nos permite ter contato com o mundo no qual estamos inseridos e interpretá-lo.
Como a leitura intervém em todos os setores para o desenvolvimento
intelectual do aluno, o fato de não ler ou não ter interesse pela leitura pode trazer
sérias consequências, por isso a preocupação dos professores quando os alunos não
demonstram interesse por obras literárias, visto que literatura e leitura são muito
próximas.
Essa preocupação tem aumentado cada vez mais devido à crise que o ensino
de literatura tem sofrido, ao questionamento do ensino periodizado e à falta de
interesse cada vez maior dos alunos. Para Cattani e Aguiar (1986), a leitura é
fundamental para a inserção do indivíduo em seu contexto sócio-econômico e cultural,
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pois o ato de ler abre novas perspectivas e permite um posicionamento crítico diante
da realidade.
Devido à importância que a leitura ocupa na formação do indivíduo, a escola
tem percebido a necessidade de desenvolver o hábito da leitura nos alunos. Com as
crianças, envolvidas em um mundo de fantasia, parece ser mais fácil instigá-las a ler,
contudo, os adolescentes, inseridos em uma fase de mudanças, é difícil atingi-los e
incitá-los a ler por gosto.
A partir do questionamento dos hábitos de leitura dos adolescentes e do
objetivo dos professores de incentivá-los a ler, este artigo apresentará o resultado de
uma pesquisa realizada com alunos do sexto ao nono ano sobre seus interesses de
leitura, cujos resultados apontaram para obras de literatura estrangeira.
Apesar de não aparecer no currículo escolar, a literatura estrangeira tem sido
muito lida pelos adolescentes, não apenas as obras clássicas, mas principalmente as
consideradas literatura de massa. As discussões aqui apresentadas têm a intenção de
discutir a respeito das obras à revelia da escola, que têm sido a iniciação à leitura dos
estudantes. Renegá-las não é o melhor caminho, refletir sobre como ensinar os alunos
a lê-las seja, provavelmente, a forma de ajudá-los a amadurecer como leitores.
Nossas discussões abordam também a questão da tradução da literatura estrangeira,
cada vez mais presente nas livrarias e circulando entre os adolescentes.
Procuraremos apresentar uma visão diferente da tradução tradicional, com a intenção
de fazer os alunos refletirem a respeito de questões culturais e linguísticas.
Como são poucas as pesquisas a respeito da literatura de massa e da
tradução como forma de incentivar uma aprendizagem crítica no aluno, baseamo-nos
em alguns estudiosos que deram algumas contribuições para as reflexões aqui postas,
acreditando que nosso trabalho poderá contribuir para pesquisas que ainda estão por
vir.
Os adolescentes leem?
A crítica dos professores de Língua Portuguesa, no sentido de censura, que
chega com mais frequência aos nossos ouvidos é o fato de os alunos não lerem, e,
geralmente a afirmação é: “Os adolescentes não leem”, isto porque é a fase
considerada de maior rebeldia e subversão ante as exigências da escola. Tomamos
esse pensamento como base para intitular nosso artigo, no entanto, negamos tal
afirmação, e será este o foco de nossas discussões, mostrar que os jovens leem e
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pensar sobre o que têm lido, apesar de suas leituras não agradarem aos professores.
Nosso intuito é, contudo, não defender as leituras que realizam em oposição às
direcionadas pela escola, mas pensá-las como ponto de partida para discussões que
os levarão a se interessar por leituras que exijam mais deles e, por conseguinte,
contribuam de maneira mais significativa para sua formação como ser humano.
O ensino de literatura no Ensino Fundamental e Médio enfrenta, já há algum
tempo, uma crise (ZILBERMAN, 2008, p. 50) devido à necessidade de abandonar o
método historiográfico. É de conhecimento geral o fato de a tradição ainda estar
presente atualmente nas aulas de Língua Portuguesa, devido a fortes influências do
ensino tradicional, sofridas desde o início do surgimento da disciplina. As reformas que
ocorreram no ensino, de modo geral, não modificaram completamente as aulas de
língua e literatura. As aulas de Língua Portuguesa nas escolas têm focado o ensino
gramatical, a leitura e produção de textos, quando existe tal prática, e outros pontos da
língua considerados significativos, relegando a literatura à simples periodização
presente no livro didático, a fim de que os alunos conheçam características das
escolas literárias, seus principais escritores e o título ou fragmentos de suas principais
obras.
De acordo com Cosson (2006, p. 22), no ensino fundamental, predominam as
interpretações de texto trazidas pelo livro didático, usualmente feitas a partir de textos
incompletos, e as atividades extraclasses (resumos, fichas de leitura). Já a literatura
no ensino médio resume-se a seguir o livro didático, aulas informativas sobre autores,
características de escolas e obras, com raras oportunidades de leituras de um texto
integral e, quando isso acontece, há preferência pelo resumo ou debate.
Tal prática em sala de aula faz com que o interesse pelos textos literários não
seja despertado nos alunos e, ainda menos, que os vejam como importantes para sua
formação. As obras a serem lidas são, de certa forma, impostas pela escola ou pelo
professor da disciplina, escolhidas a dedo geralmente dentre os cânones da literatura
brasileira e consideradas leituras obrigatórias a qualquer pessoa, e, principalmente,
para os vestibulandos, dependendo da faixa etária dos alunos. Após as leituras, há
sempre uma atividade direcionada com a intenção de verificar a leitura dos
estudantes. Diante disso, constatamos o aumento do desinteresse dos alunos, a
crescente preocupação dos professores e a afirmação: “Adolescentes não leem”.
Esta afirmação pode ser relacionada à justificativa apresentada por
Zilberman: “[...] um dos sintomas da crise do ensino da literatura é a falta de leitura por
parte dos estudantes e o desconhecimento do patrimônio literário nacional”
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(ZILBERMAN, 2008, p.52). A associação da leitura à literatura, ou vice-versa, tem sido
cada vez mais recorrente, no entanto, ao afirmar que adolescentes não leem, os
professores se referem à literatura nacional consagrada, que ainda é muito negada
pelos alunos. Um desafio ainda a ser vencido pela escola. O desconhecimento do
patrimônio literário nacional pelos alunos tem sido cada vez mais confirmado, contudo
afirmar que não leem pode ser arriscado/controverso.
Mafra (2003, p. 4) confirma a crise do ensino de literatura e o aponta como
prisioneiro de um anacronismo que o distancia do aluno. Discorrendo sobre a pesquisa
que realizou com alunos do Ensino Fundamental e Médio acerca de seu
(des)interesse pela leitura, Mafra constatou que os professores constantemente
repetem: “Esta rapaziada não quer nada com leitura”. No entanto, sua pesquisa
demonstrou que a escola tem sido o último referencial de leitura para os jovens.
Apesar disso, os adolescentes pressentem uma necessidade de ler, necessidade
incutida em suas mentes pela sociedade, associada ao fato de que a leitura e escrita
aumentam as possibilidades de ascensão social. Assim, leem obras que têm circulado
cada vez mais no mercado editorial, as mais vendidas, obras consideradas literatura
de massa.
A literatura de massa tem sido, cada vez mais, a iniciação dos adolescentes à
leitura. Tem levado dezenas, centenas de adolescentes às livrarias em busca do livro
que tanto querem ler; tem sido assunto de suas conversas e tem feito com que
desejem ler outros livros, sejam eles continuação da saga, indicação de amigos ou os
que deram origem a um filme ou série de televisão. O fato é que leem, sim, mas sua
leitura é ignorada pela escola, abortada pelos cânones.
Poder-se-ia questionar se a literatura de massa deveria ou não ser
bem recebida nos salões da literatura canônica. A opção do
tratamento independe, contudo, da permissão de deixá-la entrar.
“Suja”, ela já adentrou o recinto. Mais do que isso, ela já se
incorporou ao ambiente, é conhecida e, em muitos casos, íntima da
grande maioria. Mas continua-se a não reconhecer sua presença, em
nome da higiene e da saúde do ambiente (MAFRA, 2003, p. 19).
O leitor adolescente nos surpreende provando que lê, sim, mas nos leva a
questionar: Devemos aceitar suas leituras? Podemos adotá-las em sala de aula como
forma de despertar seu interesse e levá-los a discutir e pensar sobre o texto? Suas
leituras amadurecerão com o passar dos anos? Tais questionamentos têm sido
levantados atualmente, ainda sem respostas precisas. No entanto, uma coisa é certa,
as críticas às leituras que realizam não incitará os adolescentes a abandoná-las.
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O que os adolescentes leem?
Devido ao interesse pela circulação da literatura estrangeira no Brasil, ao
contato com alunos do Ensino Fundamental II e à afirmação de grande parte dos
alunos, no primeiro dia de aula, de que não gostam de ler, realizamos uma pesquisa,
por meio da aplicação de questionários, a respeito de seus interesses de leitura, com o
intuito de saber o que leem sem ser requisitado pela escola.
Os alunos participantes da pesquisa, do sexto ao nono ano, têm idade entre
dez e quinze anos. A uma pergunta referente aos gêneros pelos quais mais se
interessam e os quais leem cotidianamente, as respostas variaram entre: revistas,
gibis, romances e gêneros da Internet, como blog e sites de relacionamento. O que
nos leva a pensar que os alunos, ao ouvirem a pergunta: “Você gosta de ler?”, pensam
em “ler” como unicamente a leitura de romances consagrados, ideia que adquirem no
ambiente escolar, e esquecem que têm interesses particulares de leitura.
Como nosso maior interesse seria saber quais os romances que leem sem
ser exigência da escola, como iniciativa própria de ler um livro, e as razões que o
levaram a tal decisão, pedimos, em uma das questões, que listassem os livros lidos no
ano de 2009 que não foram pedidos pela escola. O resultado da pesquisa demonstrou
que a maioria dos romances listados, dos setenta e três apontados pelos alunos em
geral, é literatura estrangeira traduzida . Dentre as obras apontadas, há literatura culta
(SODRÉ, 1985), ou considerada clássica, como Romeu e Julieta1 de Shakespeare, e
As aventuras de Tom Sawyer, Mark Twain, e literatura de massa – constituída por
obras lançadas recentemente no mercado, que têm despertado a curiosidade dos
jovens que ainda não as leram, ou dos que assistiram às adaptações para filmes – e
obras que não estão inseridas no cânone, mas aparecem constantemente em livrarias.
No segundo caso, podemos citar O pequeno príncipe e O mundo de Sofia enquanto
no primeiro estão incluídos Crepúsculo, Marley e eu, Diário de um banana, A cabana,
coleção Harry Potter, As crônicas de Nárnia, O código da Vinci, entre outros.
As justificativas para suas leituras são diversas: fáceis de ler, leitura rápida,
enredos interessantes, assistiu ao filme, considerou a capa atraente, indicação de
amigos ou familiares, propagandas, identificação com a obra. Segundo Sodré (1985,
p. 6), são características dadas ao produto da literatura de massa, assim como dizer
que “é envolvente”, “emocionante”. Para o autor, são juízos próprios do mercado
1
Romeu e Julieta é lida pelos adolescentes em forma de adaptação, as quais frequentemente sugerem
ao aluno que Shakespeare produzia romances, e não peças, por isso sua inclusão em meio aos
romances citados.
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consumidor, pois tais obras não recebem nenhum suporte escolar ou acadêmico,
existem devido à produção e ao consumo. Têm sido cada vez mais lidas, ou
consumidas pelos adolescentes e ganhado espaço em seus armários, antes não
habitados por romances.
A pesquisa mostrou, portanto, que os adolescentes leem sem exigência da
escola. Leem literatura estrangeira traduzida, a maior parte literatura de massa e
justificam, sem nenhuma dificuldade, o motivo de seu interesse. “A literatura de
massa, constitutiva da história de leituras daquele[s] adolescente[s], tem sido o seu
ponto de partida, a sua iniciação, ainda que solitária” (MAFRA, 2003, p. 18). Visto que
a escola tem estado ausente como mediadora entre jovem-livro, alguns jovens
encontram na literatura de massa a maior influência para sua formação, formação esta
que o possibilita, ao mesmo tempo, estar inserido em um grupo da sociedade: o grupo
das pessoas que leem e discutem sobre literatura de massa. Os adolescentes
comentam sobre os romances, seus personagens favoritos, as emoções que sentiram,
as adaptações para filme ou série. Acreditável ou não, a leitura tem feito parte das
conversas de adolescentes no ambiente escolar, no entanto, na maioria das vezes,
fora da sala de aula.
Para que o processo de ingresso no mundo da leitura tenha bons resultados,
a contribuição da escola é importante, para não abortar futuros leitores com mais
experiência, leitores maduros, vistos por Lajolo (1986, p. 53) como aqueles para quem
cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando mais
profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida.
As obras que os jovens leem podem ser tidas como leitura de iniciação.
Podemos pensar “Ah, esta fase passa”, porém, só passará se houver um
direcionamento de como ler essas obras – principalmente pelo fato de os alunos as
lerem sem saber que são estrangeiras – e se houver orientação para leituras que
ampliem seus horizontes (JAUSS, 1994), fazendo-os amadurecer. Só assim, a
rejeição à literatura culta deixará de existir.
O que pensar a respeito da circulação da literatura estrangeira traduzida entre os
alunos adolescentes?
Como apresentado anteriormente, constatamos a circulação de obras
estrangeiras no ambiente escolar, porém, negligenciadas, consideradas leituras nãoescolarizadas (MAFRA, 2003), mesmo os clássicos, como Romeu e Julieta, de
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Shakespeare. Isto porque a literatura não aparece nas aulas de Língua Inglesa, em
que tais obras deveriam ser lidas e discutidas.
A tradução está ganhando cada vez mais espaço, ocupando as prateleiras de
livrarias e as estantes de adolescentes e adultos. O que nos preocupa é o fato de não
ser discutida na escola, pois os livros citados pelos estudantes nos questionários são
muitas vezes lidos como literatura nacional, sem observar as divergências entre a
cultura brasileira e a cultura de outro país presente na obra, quanto menos, se
preocupam em saber se há semelhanças e diferenças entre a tradução e a obra
original; as implicações que existem quando uma tradução é feita. Marins e Wielewicki
(2009, p. 16) destacam que a leitura de traduções de narrativas sem problematização
pode levar o aluno a buscar no texto de chegada as mesmas características do textofonte, o que observamos ao ouvir os comentários de jovens sobre as obras lidas. A
obra Crepúsculo, de Stephenie Meyer, por exemplo, tem como personagem principal
Bella, uma garota de dezesseis anos que chega a Forks e ganha de presente do pai
uma caminhonete, a qual dirige todos os dias para ir à escola. Um leitor atento
observará que, no Brasil, um jovem de dezesseis anos geralmente não tem um carro,
pois não pode tirar a carteira de habilitação que o permite dirigir e que, portanto, não
se identifica com Bella. No entanto, um leitor desatento, passará por isso
despercebido, simplesmente achando interessante que Bella, assim como todos os
amigos de sua cidade, têm a permissão de dirigir.
A partir deste exemplo, enfatizamos que o professor de Língua Inglesa, no
caso das escolas de ensino regular, tem um papel muito importante, pois pode
problematizar, com os alunos, as leituras de traduções que têm realizado. A tradução,
neste caso, é vista não somente como traição, mas como um instrumento importante
para a aprendizagem de uma segunda língua e também para a formação dos alunos
como leitores, leitores mais maduros. Cavalcanti propõe reflexões a esse respeito:
[...] a tradução constitui um ato especial de leitura e interpretação,
interessante para o aprendizado de línguas por ativar estratégias
interpretativas e permitir acesso aos sistemas simbólicos e contextos
culturais dos povos falantes da língua alvo; [...] o ato de traduzir
configura, em si, uma prática comunicativa; [...] perspectivas
renovadas e críticas para a utilização de atividades de tradução
devem substituir a prática de leitura e tradução conforme os moldes
tradicionais dos primórdios do ensino de línguas (CAVALCANTI,
2008, p.76).
A proposta de atividades de tradução, como forma de revelar aos estudantes
as implicações que existem em um texto traduzido é relevante. Seria uma maneira de
verem na prática que o tradutor também é um leitor, pois a tradução é uma leitura e
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interpretação do texto, na qual a subjetividade do tradutor não deixa de estar presente.
É também uma ponte entre culturas diferentes, pois, segundo Cavalcanti (2008, p. 80)
ativa estratégias interpretativas diante do texto em língua estrangeira e permite o
acesso aos sistemas simbólicos e contextos culturais dos povos falantes da língua
alvo, provocando reflexões sobre esses contextos. Há diversas interpretações
possíveis, por isso há diferentes traduções de um mesmo texto.
Outro fator importante a ser levantado a respeito da tradução é o de que
permite a sobrevida de uma obra literária e sua divulgação entre culturas (MARINS;
WIELEWICKI, 2009). Podemos pensar, então, que talvez não existissem tantas
discussões a respeito da qualidade ou não da literatura de massa em nosso país, se
não tivesse existido a facilidade de tradução de tantas obras estrangeiras que têm
circulado no Brasil.
A literatura estrangeira, portanto, circula entre os adolescentes na forma
traduzida, fator que pode ser revertido como significativo para sua formação se forem
discutidas as implicações da tradução, se os alunos refletirem sobre a obra como
estrangeira, produzida em um país que fala outra língua e possui outra cultura. A
leitura deve ser vista como uma forma de intercâmbio entre culturas, e não ser
simplesmente assimilada como verdadeira. Os jovens se identificam facilmente com os
personagens, mas têm que pensar em que contexto estes vivem, como é sua cultura e
sua língua. Se não for assim, a literatura estrangeira traduzida enfrenta os mesmos
problemas que encontramos nas aulas de literatura na disciplina de Língua
Portuguesa; o texto é visto como pronto, acabado, inquestionável, e lê-lo dessa forma
não muda os horizontes do leitor.
Manguel corrobora nossa discussão a respeito da circulação da literatura
estrangeira traduzida ao afirmar: “a tradução pode ser uma impossibilidade, uma
traição, uma fraude, uma invenção, uma mentira plena de esperança – mas seu
processo faz do/a leitor/a ouvinte melhor e mais sábio/a: com menos certezas e muito
mais sensível” (MANGUEL, 1996, p. 277 apud CAVALCANTI, 2008, p.90).
Como classificar as obras: cânone, clássica, culta, boa; ou de massa, bestseller, ruim?
De acordo com a pesquisa realizada e as discussões apresentadas até o
momento, a circulação da literatura estrangeira na escola ocorre principalmente por
meio de obras consideradas literatura de massa, enquanto as obras clássicas quase
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não são citadas. No entanto, como os pesquisadores têm classificados tais obras? É
possível dizer se são obras boas ou ruins?
Como há poucas pesquisas sobre a literatura de massa ou os best-sellers,
não é possível dizer quando surgiram, no entanto sabemos que surgiram com o
objetivo de entretenimento e, com o passar do tempo, a intenção de obter lucro com
as vendas dos livros.
Em sua tentativa de reescrever a história da literatura brasileira, Bosi ao falar
sobre a ficção romântica afirma que
O romance romântico brasileiro dirigia-se a um público mais restrito
do que o atual: eram moços e moças provindos das classes altas, e,
excepcionalmente, médias; eram os profissionais liberais da corte ou
dispersos pelas províncias: era, enfim, um tipo de leitor à procura de
entretenimento [...] (BOSI, 1988).
Já nessa época, portanto, havia a busca dos leitores por obras que
causassem emoção e com enredos envolventes, no entanto o público era muito
restrito. Hoje, possivelmente pela facilidade em ter acesso a obras, o público já está
mais diversificado, envolvendo desde crianças a adultos, de todas as camadas sociais.
Barthes (2004, p. 20-21) diferencia as obras em texto de prazer e texto de
fruição. O primeiro seria aquela obra que contenta, dá euforia, vem da cultura, ao
invés de rompê-la; está relacionada ao que o autor considera uma prática confortável
da leitura. Enquanto isso, o texto de fruição põe o leitor em estado de perda, o
desconforta, o faz questionar as bases históricas, culturais, psicológicas, seus próprios
gostos e valores, colocando-o em situação de crise. Para Barthes o leitor deve ter
acesso ao texto de fruição por fazê-lo pensar a partir de rupturas.
Sodré (1985) prefere utilizar os termos literatura culta e literatura de massa. A
literatura culta é vista pelo autor como os textos institucionalmente reconhecidos (por
escolas ou quaisquer outros mecanismos institucionais), os efeitos de tal
reconhecimento realimentam a produção das obras. A literatura de massa, contudo,
não tem nenhum suporte escolar ou acadêmico, seus estímulos de produção e
consumo partem do jogo econômico da oferta e procura, isto é, do próprio mercado.
Embora a terminologia empregada seja diferente, percebemos que há sempre
uma diferenciação entre as obras cânones e os best-sellers, entre o clássico e o novo.
A partir da definição de Lajolo (1986) de leitor maduro, acerca da qual já
discutimos anteriormente, a autora fala sobre bons textos e textos ruins. Apesar de
não exemplificar os textos ruins, afirma que o texto bom é necessariamente complexo,
permite o amadurecimento progressivo do leitor. Discorda da presença constante
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apenas de artigos de jornal, crônicas e letras de músicas, ou seja, textos
contemporâneos, nos livros didáticos, em vez disso, acredita que o aluno tem que ter
contato com textos de outras épocas, mais complexos para seu nível linguístico. Ao
pensar sobre os best-sellers, portanto, cuja maioria é contemporânea, concluímos que
não estariam incluídos entre os bons textos.
Diferente dessas classificações, Abreu (2006) abordará a questão da
diferenciação entre as obras a partir da perspectiva de interesses do leitor, de seu
gosto pessoal, ou seja, para a autora não há obras boas ou ruins, mas obras amadas
e não amadas.
Não é possível, portanto, estabelecer uma classificação para as obras ou, até
mesmo, fazer julgamento de qualidade a seu respeito. Nenhuma obra literária é
passível de classificação e diversas pesquisas têm demonstrado isso, assim como o
próprio questionamento do ensino literário periodizado. Além disso, cada estudioso
tem uma visão diferente sobre este assunto. Nossa intenção é questionar a forma
como as obras têm sido julgadas e colocadas à revelia da escola, enquanto, a contra
gosto de muitos professores e pesquisadores, ocupam o tempo livre dos adolescentes.
Considerações finais
São poucas as pesquisas que abordam a relação entre adolescentes e o
ensino de literatura, no entanto, esta faixa etária merece uma atenção maior porque
deixará marcas no futuro do adulto leitor e este, por sua vez, influenciará outros
adolescentes e crianças. Na sociedade brasileira, com índices baixos na educação,
chegar à fase adulta com interesse pela leitura infelizmente é louvável. Por isso nosso
interesse pelos estudantes adolescentes.
O resultado da pesquisa realizada mostrou que, ao contrário do que tem sido
repetido constantemente, os adolescentes leem. O fato de se interessarem por
literatura de massa não deve ser visto como negativo, mas ser pensado como uma
iniciação à leitura e o professor pode conduzi-los, a partir daí, a leituras que os
amadureçam cada vez mais.
A literatura estrangeira não recebe atenção da escola. Mesmo havendo a
disciplina de Língua Inglesa ou de Língua Espanhola, os livros didáticos dificilmente
apresentam obras literárias. Dada a deficiência linguística de muitos alunos mesmo
após anos em contato com uma segunda língua, o trabalho com a literatura traduzida
pode trazer muitos benefícios devido a possibilidade de refletir sobre as escolhas
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linguísticas do tradutor e as diferenças culturais entre o país em que obra foi escrita e
o do leitor.
Levantamos, portanto, algumas reflexões, sem irmos direto a soluções, pois
há muito a ser discutido ainda. Para Zilberman (2008, p. 58), trabalhar com o aluno a
partir de sua própria experiência de leitura, neste caso a literatura de massa, pode ser
barato e rápido, por lidar com um universo previamente dominado e conduzir a novos
horizontes de conhecimento, mas caro e demorado é preparar o professor para levar a
cabo essa tarefa, sendo este influenciado pelas abordagens e reformas de ensino das
últimas décadas. Assim, há muito a ser discutido no Brasil a respeito do ensino de
literatura, principalmente a literatura estrangeira, que recebe pouca a atenção. O
importante é saber que apesar de demonstrarem o contrário nas aulas, os alunos têm
lido. Como professores, cabe a nós a preocupação de como tomar tal iniciativa como
gancho para leituras institucionalmente aceitas.
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